A Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90) não proíbe a suspensão condicional da pena de um condenado. O sursis pode ser aplicado desde que ele preencha os requisitos do artigo 77 do Código Penal, que dispõe sobre a suspensão da pena.
Com esse entendimento, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus, nesta terça-feira (14/9), a um professor de educação física acusado de tráfico de drogas. O caso volta à Justiça de primeira instância, que vai examinar se o professor reúne as condições para ser beneficiado com o sursis.
A decisão, tomada por unanimidade, modifica o entendimento que dominou o Supremo até então: de que não cabe suspensão da pena nos crimes considerados hediondos.
O relator da matéria, ministro Marco Aurélio, entendeu que "a Lei 8.072/90 não contém nenhuma norma explícita que exclua a possibilidade de aplicação do sursis, não se podendo extrair a conclusão de sua incompatibilidade em face da mera aposição da etiqueta hediondo num determinado tipo penal".
Em seu voto, que conduziu o julgamento da questão, Marco Aurélio afirmou que a Leis dos Crimes Hediondos não vedou a suspensão da pena "de modo algum, não competindo ao juiz criar restrições onde o legislador não previu".
O ministro ressaltou que não é razoável que o réu condenado por crime hediondo tenha o direito de exigir, sempre, a concessão do sursis. Mas, ao mesmo tempo, não se pode negar esse benefício sistematicamente.
Leia o voto
HABEAS CORPUS 84.414-6 SÃO PAULO
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PACIENTE(S): RICARDO MALUF
IMPETRANTE(S): CRISTIANO AVILA MARONNA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ao conceder a medida acauteladora, afastando do cenário jurídico mandado de prisão, assim sintetizei o caso:
O acórdão que se aponta como a consubstanciar constrangimento está assim ementado (folha 24):
CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES – NULIDADE DO ACÓRDÃO POR IRREGULARIDADE NA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR. CONVOCAÇÃO DOS JUÍZES DE DIREITO COMPATÍVEL COM OS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS. ILEGALIDADE NÃO VISLUMBRADA. PRECEDENTES. CRIME HEDIONDO. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. LEI Nº 8.072/90. VEDAÇÃO LEGAL À PROGRESSÃO E AO SURSIS. INCOMPATIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I. Não se acolhe alegação de nulidade do acórdão por suposta irregularidade na composição do órgão julgador, pois o procedimento de substituição dos desembargadores dos Tribunais de Justiça, mediante convocação de juízes de direito, é compatível com os postulados constitucionais – daí não decorrendo, tampouco, qualquer ilegalidade. Precedente do STF e desta Corte.
II. As condenações por delito elencado (sic) ou equiparado a hediondo pela Lei nº 8.072/90 devem ser cumpridas em regime integralmente fechado, vedada a progressão.
III. A imposição legal de regime integralmente fechado é, igualmente, incompatível com a concessão de sursis.
IV. Não obstante a diferenciação que sempre se faz entre regime de cumprimento de pena e a sua suspensão condicional, se a substituição de penas – revigorada pela Lei nº 9.714/90 – é considerada incompatível e inaplicável ao crime de tráfico de entorpecentes, por esta Turma, da mesma forma o sursis. Precedentes.
V. Ordem denegada.
Na inicial de folha 2 a 22, noticiam-se os seguintes fatos:
a) o paciente foi denunciado como incurso no artigo 12, cabeça, da Lei nº 6.368/76;
b) concedida a liberdade provisória, registrou-se-lhe a primariedade, os bons antecedentes, a residência fixa e a atividade laborativa lícita;
c) na instrução penal, acostou-se ao processo laudo oficial revelando a semi-imputabilidade do paciente, viciado no consumo de cocaína;
d) o laudo do assistente técnico da defesa consignou a inimputabilidade;
e) o paciente foi condenado pelo Juízo ao cumprimento da pena de dois anos de reclusão no regime inicial fechado;
f) reconheceu-se-lhe a semi-imputabilidade;
g) a sentença transitou em julgado para a acusação;
h) desprovida a apelação da defesa, determinou-se a imediata expedição de mandado de prisão;
i) opostos embargos declaratórios, deu-se o desprovimento da medida;
j) com o habeas impetrado no Superior Tribunal de Justiça, logrou-se o deferimento de liminar, posteriormente afastada do cenário jurídico, em face da denegação da ordem.
Sustenta-se não se coadunar com os ditames legais e constitucionais – artigos 107 e 118 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35/79) e 93, incisos II e III, da Carta Federal – a atuação de órgão julgador integrado tão-somente por um desembargador, ficando a apelação sob o relato e a revisão de juízes substitutos. Em passo seguinte, busca-se demonstrar a inexistência de incompatibilidade do sursis com o crime hediondo, mencionando-se jurisprudência. O próprio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 9.405/SP, redator para o acórdão o ministro William Patterson, teria glosado a composição majoritária do órgão por juízes de primeiro grau. Transcreve-se voto do ministro Fontes de Alencar sobre o tema.