Eis um apanhado de passagens onde a filosofia é mencionada na BNCC (Base Nacional Curricular Comum). Algumas passagens desempenham a função de inserir a filosofia na área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: “A área de Ciências Humanas, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, define
aprendizagens centradas no desenvolvimento das competências de identificação, análise, comparação e interpretação de ideias, pensamentos, fenômenos e processos históricos, geográficos, sociais, econômicos, políticos e culturais. Essas competências permitirão aos estudantes elaborar hipóteses, construir argumentos e atuar no mundo, recorrendo aos conceitos e fundamentos dos componentes da área. No Ensino Médio, com a incorporação da Filosofia e da Sociologia, a
área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas propõe o aprofundamento e a ampliação da base conceitual e dos modos de construção da argumentação e sistematização do raciocínio, operacionalizados Como consta (p. 476), filosofia faz parte das aprendizagens essenciais do ensino médio. Sobre a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, como algumas outras, a BNCC faz a “definição
com base em procedimentos analíticos e interpretativos. Nessa etapa, como os estudantes e suas experiências como jovens cidadãos representam o foco do aprendizado, deve-se estimular uma leitura de mundo sustentada em uma visão crítica
e contextualizada da realidade, no domínio conceitual e na elaboração e aplicação de interpretações sobre as relações, os processos e as múltiplas dimensões da existência humana.” (p. 472)
de competências específicas de área e habilidades que lhes correspondem.” (p. 33). O
destaque é para o fato de que as competências são definidas para áreas, e não para disciplinas (com a exceção de Língua Portuguesa, que é parte da área de Linguagens e suas Tecnologias, mas tem a definição de habilidades específicas, e para Matemática, que forma sozinha a área de Matemática e suas Tecnologias).
“A BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – integrada por Filosofia, Geografia, História e Sociologia – propõe a ampliação e o aprofundamento das aprendizagens essenciais desenvolvidas no Ensino Fundamental, sempre orientada para uma formação ética. Tal compromisso educativo tem como base as ideias de justiça, solidariedade, autonomia, liberdade de pensamento e de escolha, ou seja, a compreensão e o reconhecimento das diferenças, o respeito aos direitos humanos e à interculturalidade, e o combate aos preconceitos de qualquer natureza.” (561)
A filosofia aparece ainda relacionada ao conceito de “tempo”, que por sua vez aparece no contexto de conteúdos sobre as origens das diversidades sociais e culturais:
“Definir o que seria o tempo é um desafio sobre o qual se debruçaram e se debruçam grandes pensadores de diversas áreas do conhecimento. O tempo é matéria de reflexão na Filosofia, na Física, na Matemática, na Biologia, na História, na Sociologia e em outras áreas do saber.” (p. 563)
A filosofia aparece novamente com os temas “política” e “trabalho”:
“A política está na origem do pensamento filosófico. Na Grécia Antiga, o exercício da argumentação e a discussão sobre os destinos das cidades e suas leis estimularam a retórica e a abstração como práticas necessárias para o debate em torno do bem comum. Esse exercício permitiu ao cidadão da pólis compreender a política como produção humana capaz de favorecer as relações entre pessoas e povos e, ao mesmo tempo, desenvolver a crítica a mecanismos políticos como a demagogia e a manipulação do interesse público. A política, em sua origem grega, foi o instrumento utilizado para combater os autoritarismos, as tiranias, os terrores, as violências e as múltiplas formas de destruição da vida pública.” (p. 567)
“A categoria trabalho, por sua vez, comporta diferentes dimensões – filosófica, econômica, sociológica ou histórica: como virtude; como forma de produzir riqueza, de dominar e de transformar a natureza; como mercadoria; ou como forma de alienação.” (p. 568)
A filosofia é ainda mencionada explicitamente em na habilidade EM13CHS101 e EM13CHS103 da Competência Específica 1, que centra-se em “processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais“:
“(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.” (p. 572)
“(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros).” (p. 572)
A filosofia aparece na redação da Competência Específica 5:
“Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
O exercício de reflexão, que preside a construção do pensamento filosófico, permite aos jovens compreender os fundamentos da ética em diferentes culturas, estimulando o respeito às diferenças (linguísticas, culturais, religiosas, étnico-raciais etc.), à cidadania e aos Direitos Humanos. Ao realizar esse exercício na abordagem de circunstâncias da vida cotidiana, os estudantes podem desnaturalizar condutas, relativizar costumes e perceber a desigualdade, o preconceito e a discriminação presentes em atitudes, gestos e silenciamentos, avaliando as ambiguidades e contradições presentes em políticas públicas tanto de âmbito nacional como internacional.” (p. 577)
Este apanhado de citações não é uma leitura sistemática e exaustiva do lugar da filosofia na BNCC. Antes, trata-se de uma leitura “sintática”, guiada pelas ocorrências da palavra “filosofia” e similares no texto da BNCC. Ainda assim, talvez serva como uma primeira aproximação do lugar planejado para a disciplina no contexto do ensino médio brasileiro: pode-se ver pelos negritos (que, a propósito, não devem ser pensados como exclusividades para o professor de filosofia) que há menção de práticas caras à filosofia (como argumentação, dicussão e análises “críticas”), mas que as temáticas tratadas tendem a se concentrar em aspectos de filosofia prática, não comtemplando de maneira equilibrada o conjunto de temas costumeiramente vinculado à disciplina (a análise dos livros didáticos agora em oferta, elaborados para contemplar a BNCC, também revela que os instrumentos típicos da filosofia no âmbito da argumentação estão em grande medida ausentes.) Além disso, transparece uma expectativa de que a filosofia possa entregar diretivas de uma maneira que pode causar estranheza aos que se acostumaram ao caráter indecidido das discussões filosóficas. Ficam dúvidas sobre se a filosofia pode entregar diretivas sem trair seu caráter de abertura à crítica e discussão. Também se pode questionar sobre que visão sobre a filosofia é possível montar a partir de uma tentativa de reconstruí-la exclusivamente a partir das peças disponibilizadas pela base.