Por que muitas pessoas estavam dispostas a arriscar a vida para traduzir e distribuir a bíblia?


Observações prévias: Este artigo é de longe o estudo mais completo disponibilizado na internet sobre o tema, que reúne a maior quantidade de fontes primárias e de citações de estudiosos e historiadores para não deixar qualquer margem de dúvida. Eu mantive a primeira parte que já havia sido postada aqui, que neste artigo é apenas uma “introdução” ao tema. Todo o material é extraído de um capítulo do meu livro sobre a Reforma, em fase final de construção. Boa leitura!

“Eles dizem a vocês que as Escrituras não devem estar na língua materna, mas isso é somente porque eles desejam vendar os olhos de vocês e levá-los ao cativeiro”

A Bíblia para os católicos

Em 2003, um protestante chamado Joe Bateman desafiou os papistas em um fórum católico americano sobre a questão da proibição da leitura da Bíblia[1], que, embora tão evidente e comprovada por múltiplas provas documentais, os apologistas católicos surpreendentemente continuam negando. Entre os documentos por ele citados (os quais examinaremos mais adiante) que provam que a Igreja proibiu a leitura da Bíblia, estavam o Concílio de Tolosa (1229), o Concílio de Trento (1545–1563) e uma Constituição Dogmática do papa Clemente XI intitulada Unigenitus Dei Filius (1713).

Em resposta, o apologista católico Matthew Bunson não falou nada sobre os dois primeiros e acusou o protestante de mentir sobre a bula de Clemente XI. Para provar que o protestante era um mentiroso descarado e embusteiro, ele citou dois trechos da própria bula que provavam indiscutivelmente o contrário do que Joe Bateman alegava. São eles:

84. Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo Testamento ou mantê-lo fechado, tirando-lhes os meios de compreendê-lo, é fechar-lhes a boca de Cristo.

85. Proibir os cristãos de ler a Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos, é proibir o uso de luz para os filhos da luz, e levá-los a sofrer uma espécie de excomunhão.

Os textos parecem claríssimos, e estão mesmo na Constituição Dogmática. Parece que o protestante havia sido fulminado com um hadouken, tendo seus argumentos demolidos até virar pó. Os protestantes teriam que repensar todas as evidências de que os papas proibiram a leitura da Bíblia, porque aqui estava uma prova contundente do contrário. O apologista católico celebrou e concluiu: “Eu não acho que ele [o papa Clemente XI] poderia ser mais claro do que isso, e Clemente falava dos ensinamentos tradicionais e imutáveis da Igreja”.

Um outro católico, chamado Damian, também comentou no fórum e mostrou outros trechos da bula onde o papa claramente aprovava a leitura da Bíblia para todos:

80. A leitura da Sagrada Escritura é para todos.

81. A obscuridade santa da Palavra de Deus não é para os leigos razão de dispensar-se da sua leitura.

Depois dessa, não tinha como não concluir que o protestante era mesmo um trapaceiro vigarista que mentiu descaradamente sobre o conteúdo da bula papal. Como todos podem ver, o papa Clemente XI era plenamente a favor de que o povo lesse as Escrituras. Não tem como ser mais claro do que isso. Os textos falam por si só. Depois disso, o apologista católico Matthew Bunson escreveu a Damian: “Obrigado por seus pontos de vista. Como eu escrevi, eu incentivo os leitores a consultarem as fontes originais. Elas tendem a falar por si”.

Derrotado, humilhado e refutado, o protestante Joe Bateman decidiu seguir o conselho de seu amigo católico Bunson e consultou as fontes originais. O que ele descobriu iria mudar tudo: essas proposições do papa Clemente XI eram das TESES CONDENADAS de Pascásio Quesnel, um teólogo jansenista que foi excomungado e caçado pela Igreja Romana, que chegou a encarcerá-lo e a forçá-lo a se retratar de suas ideias para não morrer queimado. Ou seja: todos aqueles textos da Constituição Dogmática Unigenitus eram do que o papa condenava, e não do que ele aprovava! Aquelas eram teses de Quesnel que o papa considerava abomináveis à Igreja Católica, e que os apologistas católicos, por não notarem este detalhe, pensaram se tratar dos próprios pontos de vista do papa!

A Enciclopédia Católica afirma:

A celebrada Constituição Apostólica de Clemente XI condenava 101 proposições de Pascásio Quesnel (...) O papa, em fevereiro de 1712, nomeou uma congregação especial de cardeais e teólogos para rebater o trabalho de Quesnel. Tais proposições foram merecedoras de censura eclesiástica. A congregação levou dezoito meses para executar sua tarefa, cujo resultado foi a publicação da famosa bula Unigenitus Dei Filius em Roma, 8 de setembro de 1713. A bula começa com a advertência de Cristo contra os falsos profetas, especialmente como “secretamente espalhando más doutrinas sob o pretexto de piedade e introduzindo seitas terríveis sob a imagem de santidade”; em seguida, procede-se à condenação de 101 proposições que são tomadas textualmente da última edição da obra de Quesnel.[2]

Assim, os 101 itens listados na Unigenitus são citações diretas do trabalho de Quesnel que o papa Clemente XI condenou como erros. Bulas onde os papas enumeravam proposições de seus oponentes para condená-las eram bastante frequentes, bastando para isso lembrar a bula Exsurge Domine, em que o papa Leão X condenava 41 proposições de Lutero (entre elas a de que “é contra o desejo do Espírito Santo que heréticos sejam queimados” – no 33), e o Syllabus, onde o papa Pio IX condenava as teses favoráveis à liberdade de consciência (como veremos no capítulo seguinte).

O último parágrafo da Unigenitus Dei Filius afirma que as 101 proposições citadas de Pascásio Quesnel são:

Declaradas e condenadas como falsas, capciosas, más, ofensivas para os ouvidos piedosos, escandalosas, perniciosas, prejudiciais à Igreja e à sua prática, um insulto não só para a Igreja, mas também para os poderes seculares; ímpias, blasfemas, heréticas, cismáticas...[3]

É impressionante o horror que o papa tinha à leitura da Bíblia pelo povo. Ele tratava isso como um escândalo, um absurdo, uma abominação, uma coisa terrível e detestável. Nem os ateus mais fanáticos e anticristãos que já pisaram neste planeta se aterrorizavam tanto com a leitura da Bíblia quanto o papa Clemente XI. O horror que a Igreja tinha às Escrituras era incomparável e indescritível. Entre as teses condenadas pelo papa na mesma bula, consta-se:

79. É útil e necessário em todo tempo, em todo lugar e para todo gênero de pessoas estudar e conhecer o espírito, a piedade e os mistérios da Sagrada Escritura.

80. A leitura da Sagrada Escritura é para todos.

81. A obscuridade santa da Palavra de Deus não é para os leigos razão de dispensar-se da sua leitura.

82. O dia do Senhor deve ser santificado pelos cristãos com piedosas leituras e, sobretudo, das Sagradas Escrituras. É coisa danosa querer retrair os cristãos desta leitura.

83. É ilusão querer convencer-se de que o conhecimento dos mistérios da religião não devem comunicar-se às mulheres pela leitura das Sagradas Escrituras. Não foi a partir da simplicidade das mulheres, mas a partir do conhecimento orgulhoso de homens que surgiu o abuso das Escrituras e as heresias nasceram.

84. Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo Testamento ou mantê-lo fechado, tirando-lhes os meios de compreendê-lo, é fechar-lhes a boca de Cristo.

85. Proibir os cristãos de ler a Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos, é proibir o uso de luz para os filhos da luz, e levá-los a sofrer uma espécie de excomunhão.[4]

Esta Constituição Dogmática foi confirmada pelo próprio Clemente XI na bula Pastoralis Officii (em 28 de agosto de 1718), onde diz que quem não aceita a bula Unigenitus está “claramente fora do seio da Igreja Romana”. Também foi confirmada por Inocêncio XIII em um decreto publicado em 8 de janeiro de 1722, por Bento XIII no sínodo romano de 1725, por Bento XIV na encíclica Ex omnibus Christiani orbis regionibus em 16 de outubro de 1756, e por concílios em 1723, 1725, 1726, 1727 e 1730, a impondo obrigatoriamente a todo o mundo católico.

Essa bula era tão famosa e importante nos séculos passados que o papa Bento XIV, na sua encíclica Ex omnibus Christiani orbis regionibus, de 1756, escreveu que “a autoridade da constituição apostólica Unigenitus é certamente tão grande e reivindica em todos os lugares a mais sincera veneração e obediência que ninguém pode dela retirar nada ou opor-se sem arriscar a perda da salvação eterna”[5].Temos aqui uma Constituição Dogmática, tratando de questões de fé, assinada por um papa infalível e confirmada por outros papas e concílios infalíveis, rejeitando com todo o horror do mundo a leitura da Sagrada Escritura para todos os leigos, e mais ainda às mulheres, às quais não podia ser comunicado o «conhecimento dos mistérios da religião».

Ou seja, os apologistas católicos estavam defendendo as teses de Pascásio Quesnel condenadas pela Igreja pensando serem as teses do próprio papa Clemente XI, e deste modo estavam, nas palavras do papa, «claramente fora do seio da Igreja Romana» e «arriscando a perda da salvação eterna» – e tudo isso por defenderem que a Igreja Romana jamais proibiu a leitura da Bíblia! É claro que o protestante “refutado” Joe Bateman contou a seu amigo católico “refutador” Matthew Bunson sobre as suas descobertas, mostrando-lhe que ele estava sob o anátema papal por aprovar as teses de Quesnel condenadas pelo papa – e pior ainda, por ter usado essas mesmas teses contra ele, como uma suposta prova de que a Igreja nunca proibiu a leitura da Bíblia.

Qual foi a reação do católico Matthew, dono do fórum, ao perceber a mesa virando contra ele e a cilada em que se meteu? Simplesmente apagou os comentários de Joe de maneira totalmente covarde e arbitrária. Quando Joe cobrou explicações, só ouviu como resposta: “Você está trabalhando em favor de sua própria agenda. Não temos interesse em dar-lhe espaço”. Alguns procuram a verdade. Outros, apenas confirmar suas crenças prévias. Era verdade: já não havia mais o que debater[6].

“Pois nada lhes escrevemos que vocês não sejam capazes de ler ou entender”

Nos primórdios do Cristianismo, a Bíblia era lida, valorizada e divulgada ao máximo – inclusive para os leigos mais simples, e na língua deles. Quando Jerônimo criou a Vulgata Latina, não foi na intenção de esconder o conteúdo sagrado do conhecimento do povo em um idioma oculto e misterioso, mas justamente pelo contrário, uma vez que o latim ainda era em seus dias o idioma predominante da Cristandade ocidental, assim como o grego era para o Oriente. Ou seja, a Vulgata tinha como propósito permitir que o máximo de leitores leigos pudesse ler a Bíblia no idioma predominante entre as massas – assim como o inglês seria para os dias de hoje.

Ao contrário da Igreja Romana medieval e de tempos posteriores, que proibiu o acesso e leitura da Bíblia para os leigos sob o pretexto de que eles seriam incapazes de entendê-la, os Pais da Igreja em consenso unânime acreditavam que a Sagrada Escritura deveria ser lida pelo povo comum, e que a ignorância bíblica era um grande mal. João Crisóstomo (347-407), por exemplo, escreveu:

A leitura das Escrituras é uma grande muralha contra o pecado. A ignorância das Escrituras é um grande precipício e um buraco profundo. Nada conhecer das Escrituras é uma grande traição da nossa salvação. Essa ignorância é a causa das heresias; é isso que leva à vida dissoluta, é isso que deixa tudo confuso. É impossível – eu repito, é impossível – que qualquer um permaneça sem benefício se estiver engajado na leitura inteligente e perseverante.[7]

Enquanto para a Igreja Romana a heresia nascia da leitura da Bíblia, para Crisóstomo era justamente o contrário: a ignorância das Escrituras é a causa das heresias. Um povo que não conhece a Bíblia está muito mais sujeito e propenso a aderir a qualquer invenção doutrinária e falsos ensinos, e essa é a razão pela qual o Ocidente em suma maioria passou tanto tempo na ignorância até a Reforma, e mesmo depois disso. Jerônimo (347-420) costumava dizer que “a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo”[8], e Basílio dizia que “a via mestra para descobrir nosso caminho é a leitura frequente das Escrituras inspiradas por Deus. Ali, com efeito, se acham todas as normas de conduta”[9].

Como é bastante evidente, eles não aplicavam este princípio somente a uma elite clerical. Crisóstomo, por exemplo, era bem específico ao mostrar que se referia ao homem comum, que voltava do trabalho para a sua própria família:

Tenhamos tudo isso em nosso coração, portanto, amados, e retornando para casa sirvamos uma dupla refeição: uma de comida e outra de leitura sagrada; enquanto o marido lê o que foi dito, que a esposa aprenda e as crianças ouçam, e não deixemos que os servos fiquem privados da chance de aprender. Transforme sua casa em uma igreja; você é, de fato, responsável pela salvação tanto das crianças quanto dos servos. Assim como somos encarregados por vocês, assim também cada um de vocês sejam responsáveis por seus servos, sua esposa e seus filhos.[10]

O texto de Crisóstomo não apenas prova que a Igreja antiga incentivava a leitura da Bíblia pelos leigos que mais tarde foram proibidos disso pela Igreja papal, como ainda refuta uma antiga e antiquada tentativa de justificativa por parte dos apologistas católicos frente a este fato. Eles alegam que como a imprensa ainda não havia sido inventada, então ninguém podia ter uma Bíblia em casa para lê-la – o que para eles exime a responsabilidade da Igreja Romana nisso. Mas como a citação de Crisóstomo nos mostra com clareza, ninguém precisava ter uma Bíblia individual e nem mesmo saber ler para ter acesso às Escrituras: bastava que uma pessoa a lesse, e os outros poderiam ouvir e aprender. Até o biblista cético Barth Ehrman reconhece isso quando escreve:

Então, parece que temos uma situação paradoxal no Cristianismo dos primórdios. Ele era uma religião do livro, com escritos de todos os tipos que se demonstravam como da mais alta importância para quase todos os aspectos da fé. Mesmo assim, a maioria das pessoas não podia ler esses escritos. Como podemos compreender esse paradoxo? De fato, a situação não é de todo estranha, se lembrarmos o que já se explicou antes, que por toda a Antiguidade comunidades de todos os tipos usavam os serviços dos letrados em favor dos iletrados. Porque, no mundo antigo, “ler” um livro geralmente não significava alguém lê-lo individualmente; significava alguém lê-lo em voz alta, para os demais. Alguém podia afirmar ter lido um livro quando, na realidade, o ouvira ser lido por outros.[11]

A própria Bíblia mostra exemplos claros disso. Por exemplo, no final de sua primeira carta aos tessalonicenses, Paulo exorta: “Diante do Senhor, encarrego vocês de lerem esta carta a todos os irmãos” (1Ts 5:27). Semelhantemente, ao final de sua epístola aos colossenses, ele diz: “Depois que esta carta for lida entre vocês, façam que também seja lida na igreja dos laodicenses, e que vocês igualmente leiam a carta de Laodiceia” (Cl 4:16). No Apocalipse, é dito que um (aquele) lê, enquanto os outros (aqueles) ouvem: “Feliz aquele que lê as palavras desta profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito, porque o tempo está próximo” (Ap 1:3).

Diante de textos como esses, Ehrman complementa:

Em suma, os livros que alcançaram o vértice de importância no Cristianismo dos inícios eram, em sua maioria, lidos em voz alta por aqueles que sabiam ler, para que os analfabetos os pudessem ouvir, entender e, até mesmo, estudá-los. A despeito do fato de o Cristianismo dos primórdios se constituir amplamente de crentes analfabetos, ele sempre foi uma religião altamente literária.[12]

Assim, mesmo muitos séculos antes da criação da imprensa, os primeiros cristãos podiam ler a Bíblia ou pelo menos ter conhecimento de seu conteúdo, como nós nos dias de hoje. Além disso, em uma época de pouco entretenimento, era comum pessoas que dedicavam a vida toda copiando textos da Bíblia como hábito, inclusive do Novo Testamento inteiro. Essa é a razão pela qual, a despeito de toda a intensa perseguição do Império Romano pré-cristão e do fato da grande maioria dessas cópias não sobreviverem até os nossos dias por motivos diversos, ainda hoje sobrevivem mais de cinco mil manuscritos gregos antigos, dos que foram mais bem preservados e não se corromperam nem se perderam com o tempo.

Mesmo assim, a Igreja papal perseguiu a Bíblia na língua vulgar para que o povo não pudesse ter a possibilidade de avaliar a veracidade das doutrinas da Igreja, comparando-as com a Bíblia – o que não resultaria em coisa boa, dado o fato de que até hoje a Bíblia é a razão número um da conversão de milhões de católicos à fé evangélica. E ela manteve essa proibição tanto antes como depois da invenção da imprensa, tornando nula a objeção papista. Até o conceituado historiador católico Paul Johnson reconhece este fato quando escreve:

O acesso ao livro sagrado, fosse no idioma original, ou em qualquer outro, jamais constituíra um problema no Oriente. No Ocidente, o clero havia começado a reivindicar um direito exclusivo de interpretação – na verdade, de custódia – da Bíblia já no século IX; além disso, desde cerca de 1080 havia instâncias frequentes por parte do papa, concílios e bispos no sentido de proibir não apenas traduções vernaculares mas também toda e qualquer leitura, por leigos, da Bíblia como um todo. Em certo sentido, esse era o aspecto mais escandaloso da Igreja latina medieval. Após os valdenses, as tentativas de estudar a Bíblia constituíram prova circunstancial de heresia – a pessoa podia ir para a fogueira só por isso –, e, ao mesmo tempo, os heterodoxos estavam cada vez mais convencidos de que a Bíblia era incompatível com as reivindicações do pontífice e do restante do clero. A partir do século XIII, começaram a circular muitas versões vernáculas do Novo Testamento, em diversas línguas. A partir de fins do século XIV, a disponibilidade da Bíblia para o público tornou-se o objeto central das disputas entre a Igreja e seus críticos, tais como os wycliffistas e hussitas. Nenhuma Bíblia popular era permitida pelas autoridades, exceto na Boêmia – que, na verdade, havia rompido com Roma, por volta de 1420.[13]

Mas a perseguição à Bíblia data de antes mesmo da Igreja Romana. Na verdade, desde que a Bíblia existe no mundo, Satanás tentou destruí-la – e ele não poupou esforços para isso. Nos primeiros 300 anos, quando os cristãos eram severamente perseguidos pelo Império Romano, os crentes eram perseguidos juntamente com seus exemplares das Escrituras. Apologistas cristãos do século II, como Justino, Tertuliano e Orígenes, tinham que escrever Apologias aos imperadores romanos clamando por tolerância, mas nem assim eram ouvidos. Tudo piorou quando um imperador facínora chamado Diocleciano subiu ao poder (284-305), dando início à mais cruel perseguição aos cristãos na história antiga.

Diocleciano não apenas perseguia os cristãos e os queimava, tal como a Igreja Romana imitaria mais tarde, mas também empregou todos os seus esforços em destruir completamente os manuscritos das Escrituras que os cristãos copiavam e preservavam. Este imperador sabia que a Bíblia era uma das razões da sobrevivência do Cristianismo, e ordenou que fossem queimados publicamente todos os exemplares encontrados[14]. Tantos foram os manuscritos destruídos que há quem diga que, no final, Diocleciano celebrou por supostamente não haver restado uma única cópia das Escrituras em todo o império.

Mas, contra tudo e contra todos, a Bíblia sobreviveu. Os cristãos, escondidos em florestas, cavernas e esconderijos subterrâneos, não deixaram de se empenhar em produzir cópias das Escrituras a fim de preservar o texto sagrado que era a base de sua fé. E mesmo com toda a severa perseguição que a Bíblia sofreu ao longo de três séculos, Satanás fracassou miseravelmente em sua missão de destruir a Sagrada Escritura e bani-la do mundo.

Então ele decidiu mudar de estratégia. Percebendo que não era capaz de destruir a Bíblia agindo de fora, ele resolveu se infiltrar na Igreja e agir através dos seus sacerdotes em vez de por meio de imperadores pagãos. Se exterminar as cópias da Bíblia não funcionava, o jeito era impedir que o povo pudesse ter acesso a essas cópias. Na prática, dava no mesmo. Afinal, um livro que não é lido tem o mesmo impacto de um livro que não existe. Enquanto os imperadores romanos dominavam, os cristãos liam a Bíblia e compartilhavam seu conteúdo entre si. Agora, com o Inimigo infiltrado na Igreja, a Bíblia deixaria de ser o “livro do povo” para virar o “livro do clero”.

Assim, a esmagadora maioria dos cristãos estava impedida de ter acesso ao livro sagrado, e os poucos que tinham acesso a seu conteúdo já estavam condicionados a aceitar a interpretação oferecida pela Igreja oficial, que a impunha obrigatoriamente ao alto clero e que podia queimar qualquer um que ousasse contrariar essas interpretações. Em outras palavras, os únicos que podiam ter acesso a Bíblia eram sacerdotes fantoches, que apenas serviam como marionetes do sistema papal. O povo era deixado na mais absoluta ignorância das Escrituras, exatamente do jeito que o Inimigo queria. Como Deus já dizia a Oseias, “meu povo perece por falta de conhecimento” (Os 4:6).

Para piorar, o pouco que era lido na missa – textos selecionados convenientemente – era lido no latim, o que não era um problema para a Cristandade ocidental antiga (que falava esse idioma), mas se tornou um grande problema para a Igreja medieval, quando o latim já havia se tornado uma língua morta que apenas o clero – e com exceções! – conhecia. Malucelli afirma que “no início do século XI, na Europa, o latim só era falado de fato por doutores e juristas, uma língua desconhecida pelas pessoas comuns”[15]. Brooke também observa que “poucos leigos sabiam algo de latim: a língua era uma barreira insuperável entre a maioria dos homens e a liturgia”[16]. Miller ainda destaca que “nem mesmo os sacerdotes com menos instrução compreendiam as palavras que estavam lendo da Bíblia ou recitando nas liturgias”[17].

Paulo dizia que “na igreja prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros a falar dez mil palavras em língua desconhecida” (1Co 14:19), mas o clero católico preferia falar dez mil palavras incompreendidas pelo povo do que falar cinco compreensíveis. Para piorar, a única versão autorizada pela Igreja era a Vulgata de Jerônimo, escrita muitos séculos antes, nesse mesmo idioma que ninguém do povo conhecia mais. Ou seja, os leigos não tinham nenhuma esperança de ter acesso à Bíblia, graças às normas restritivas impostas pela hierarquia católica romana.

Assim, pelo menos por algum tempo, a estratégia do Inimigo acertou em cheio. A perseguição à Bíblia imposta pelos imperadores romanos não surtia o efeito esperado, porque os cristãos copiavam a Bíblia, a liam e a distribuíam entre si. Mas o novo estilo de perseguição à Bíblia imposta pelos pontífices romanos foi muito mais eficiente: em vez de buscar destruir as cópias da Bíblia, bastava limitar extremamente o acesso do povo a essas cópias – na prática, a proibição da leitura da Bíblia ao povo comum e simples. Desta forma, ironicamente, mais cristãos liam a Bíblia na época em que eram perseguidos pelos imperadores romanos facínoras do que na época em que o papa “cristão” exercia o poder temporal.

A Sagrada Escritura tinha que permanecer em “segredo”, longe das vistas do povo, pois só assim o clero poderia garantir o controle sobre as massas. Ainda em 1199, o papa Inocêncio III repreendeu severamente os “hereges” valdenses que traduziram a Bíblia ao francês, esbravejando:

Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis as vossas pérolas diante dos porcos (...) Que nenhum homem simples e inculto se atreva a se ocupar com a sublimidade da Escritura Sagrada ou pregá-la a outros.[18]

O contraste com a Igreja primitiva é marcante. Enquanto a Igreja antiga valorizava a leitura da Bíblia pelo povo comum e fazia de tudo para que a Palavra de Deus chegasse ao conhecimento das massas, a Igreja papal considerava as pessoas simples como meros “porcos” que não eram dignos de se ocupar com a Escritura e muito menos de pregá-la a outros.

Nessa mesma bula, o papa declarou também:

São reprovados aqueles que traduzem ao francês os evangelhos, as cartas de Paulo, o saltério, etc. Eles são movidos por um certo amor à Escritura, a fim de explicá-la clandestinamente e pregar uns aos outros. Mas os mistérios da fé não podem ser explicados precipitadamente a ninguém. Normalmente, na verdade, eles não podem ser compreendidos por todos, mas apenas por aqueles que estão qualificados para entendê-los com inteligência. A profundidade das divinas Escrituras é tal que não só os analfabetos e não iniciados tem dificuldade em compreendê-la, mas também os instruídos e superdotados.[19]

Contrariando os apologistas católicos modernos, Inocêncio III não diz em lugar nenhum que a razão pela qual a Escritura não podia ser traduzida à língua do povo era porque essas traduções eram mal feitas, mas sim porque o povo supostamente não tinha capacidade para entender a Bíblia, e por isso o livro sagrado tinha que ser mantido longe das massas. Essa era a razão pela qual eles proibiam qualquer tradução da Bíblia, até mesmo as que fossem produzidas por autores católicos. Só permitiam a Vulgata porque estava escrita em um idioma que ninguém podia ler – uma escolha bem conveniente para eles.

Se o problema fosse apenas os supostos “erros de tradução”, a própria Igreja certamente providenciaria traduções autorizadas e oficiais, mas elas não existiam porque a intenção era envolver a própria Bíblia em um ar de obscuridade e mistério que supostamente apenas os sábios sacerdotes católicos eram capazes de decifrar, e dos quais os leigos tinham que manter considerável distância.

Em 1215, este mesmo papa emitiu uma lei ordenando que “devem ser presos para interrogatório e julgamento quem estiver envolvido na tradução dos volumes sacros, ou que mantém reuniões secretas, ou que pregue sem a autorização dos superiores; contra quem o processo deve ser iniciado sem qualquer permissão para apelo”[20]. Ele acrescenta que “como pela lei antiga o animal que tocasse o monte santo era apedrejado até a morte, assim simples e iletrados homens não estão autorizados a tocar na Bíblia ou fazer qualquer ato de pregação de suas doutrinas”[21]. Sim, os leigos eram literalmente comparados aos animais(!), o que nos diz muita coisa...

Ele também se lançava contra os leigos que “em reuniões secretas chamaram para si o direito de expor os escritos e pregar uns aos outros”[22]. Stephen Miller, que considera este papa um «papa justo e o maior daquela época», reconhece que ele compartilhava da visão hierárquica da Igreja em “desaprovar fortemente a leitura da Bíblia por cristãos leigos”[23], os quais eram considerados «bebês espirituais» que podiam digerir apenas o leite e não eram dignos do «alimento sólido» , isto é, da Escritura Sagrada[24].

Pouco tempo depois, o Concílio de Tolosa se reuniu para tratar do problema da Bíblia, em 1229. Suas decisões ecoam até hoje, e surpreendem pelo ódio, furor e cólera contra a leitura da Bíblia pelo povo comum. A hostilidade da Igreja contra as Escrituras era tanta que o referido concílio assim decretava a respeito daqueles que ousassem possuir uma Bíblia:

Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será severamente punido.[25]

Era desta forma que a Igreja Romana tratava os leigos que possuíam as Escrituras, o que para a época implicava em um ato de rebeldia e desobediência à hierarquia. Apenas os membros do clero poderiam possuir uma Bíblia, não importando em que língua estivesse escrita[26]. O cânon 14 daquele mesmo concílio prescrevia ainda:

Proibimos ainda que seja permitido aos leigos possuir os livros do Velho e Novo Testamento, exceto o Saltério, ou o Breviário para dizer o Ofício divino, ou as Horas da Bem-aventurada Virgem a quem as desejar ter por devoção; porém proibimos estritamente que esses livros sejam em língua vulgar.[27]

Mais claro do que isso é impossível. É preciso ser um mestre na arte da enganação para conseguir convencer uma mente pensante de que a Igreja jamais proibiu a leitura da Bíblia à luz de textos tão claros como esses. É preciso, além disso, ser um expert na arte de ser enganado para ser convencido de que este concílio não expressava o parecer universal da Igreja da época, embora tenha sido um sínodo local. Ele apenas ecoava as orientações explícitas da Santa Sé, e papa nenhum da época reprovou ou condenou o concílio, como teria feito se as prescrições ali presentes fossem contrárias à mentalidade da Igreja.

Prova disso é que, poucos anos mais tarde, outro concílio foi realizado na Espanha, em Tarragona (1234), e confirmou as determinações do concílio francês de Tolosa. Esse concílio proibiu qualquer Bíblia em idioma materno. O seu cânon 2 determina que:

Ninguém pode possuir os livros do Antigo e do Novo Testamento nas línguas românicas[28], e se alguém possui-los, deve entregá-los ao bispo local no prazo de oito dias após a promulgação deste decreto, para que eles sejam queimados. E ele, sendo clérigo ou leigo, será considerado suspeito até que seja inocentado de qualquer suspeita.[29]

Logo após esses concílios, Bíblias em línguas vernáculas começaram a ser queimadas, assim como as pessoas que as possuíam. A perseguição aos valdenses, precursores na tradução da Bíblia ao francês, foi a mais cruel e dramática de todas. Cloud escreveu sobre ela:

Milhares ficaram desabrigados e foram obrigados a vagar nas matas e montanhas para escapar de seus algozes. As crueldades praticadas pelos perseguidores católicos foram horríveis. Os cristãos eram jogados de penhascos elevados, enforcados, estripados, trespassados repetidamente, afogados, rasgados por cães, queimados vivos, crucificados. Em um caso, 400 mães fugiram para um refúgio com seus bebês em uma caverna em Castelluzzo, localizada a mais de 600 metros acima do vale em que viviam. Eles foram descobertos pelos católicos furiosos, um grande incêndio foi feito na boca da caverna e eles morreram sufocados.[30]

E o pior é que a perseguição não parou por aí. Não satisfeitos em esmagar centenas de milhares de valdenses, dois séculos mais tarde os cristãos que possuíam a Bíblia foram mais uma vez caçados de uma forma que nem Diocleciano chegou perto. Em 1487, o papa Inocêncio VIII convocou uma cruzada contra os valdenses na Itália, na Alemanha e em outros lugares, organizando para este fim um exército de 18 mil homens e prometendo-lhes o perdão dos pecados a quem participasse da cruzada. O resultado foi o seguinte:

Milhares de cristãos crentes na Bíblia pereceram nesta cruzada. Suas casas e plantações foram destruídas. Muitas aldeias inteiras foram destruídas. Suas mulheres foram estupradas e depois brutalmente assassinadas. Seus filhos foram jogados contra as árvores e penhascos. Mais de 3.000 cristãos valdenses, homens, mulheres e crianças morreram em uma caverna chamada Aigue-Froid, para onde tinham fugido para se proteger. Estes eram os habitantes de toda a aldeia de Val Loyse, e as propriedades dessas pobres pessoas foram distribuídas entre os participantes da cruzada. Muitos vales inteiros foram queimados, pilhados e despovoados.[31]

É surpreendente a semelhança desta perseguição imposta pelo papado aos cristãos que examinavam as Escrituras com a perseguição imposta pelos imperadores romanos aos cristãos dos primeiros séculos que faziam o mesmo. Compare as citações que conferimos até aqui com a descrição que Luiz Giraldi faz da perseguição dos imperadores romanos contra os cristãos primitivos:

Durante quase 300 anos, desde o tempo do imperador Nero (54-68) até a época do imperador Diocleciano (284-305), os cristãos foram impiedosamente perseguidos pelo Império Romano. Nesse período, foram construídas as Catacumbas de Roma, vastas galerias subterrâneas, de 2,60 m a 3,30 m de largura, por 1,30 m a 2,00 m de altura, que se estendem por milhares de quilômetros no subsolo da cidade, onde os cristãos se refugiavam, realizavam suas reuniões, sepultavam seus mortos e escondiam seus exemplares das Escrituras. A última grande perseguição aos primeiros cristãos se deu no Império de Diocleciano (284-316), quando eles foram caçados pelas cavernas e florestas, queimados e lançados às feras.[32]

Excetuando a parte do lançamento às feras, era tudo meticulosamente igual. Na verdade, Will Durant chega a afirmar que “comparada com a perseguição dos hereges na Europa, de 1227 a 1492, a perseguição dos cristãos pelos romanos, nos primeiros três séculos depois de Cristo, foi muito mais benigna e mais humana”[33]. Foi por essa razão que “não há nenhuma cópia conhecida da Bíblia completa em nenhuma língua europeia antes do século XIII”[34]. Isso não se devia, como alegam os apologistas católicos, ao mero fato de não haver imprensa, porque até hoje sobrevivem milhares de manuscritos gregos copiados por monges bizantinos, oriundos da Igreja oriental. A razão pela qual isso era largamente praticado no Oriente mas não no Ocidente é porque no primeiro não havia um papa dizendo que tal coisa era proibida e caçando os insistentes.

Os valdenses, únicos que tentaram traduzir a Bíblia inteira ao francês antes do século XIII, foram severamente castigados por isso, pagando o preço com a própria vida. O próprio Valdo fez uma tradução no século XII, que, de tão perseguida, não sobrou exemplares à nossa era. Até mesmo na Itália, o quintal do papa, não havia nenhuma tradução da Bíblia até meados do século XIII[35]. Os outros países só tiveram Bíblias traduzidas bem depois disso, e todas elas, sem exceção, foram perseguidas pela Igreja. Na Inglaterra, o primeiro a traduzir a Bíblia foi John Wycliffe (1330-1384), que, mesmo ciente da proibição eclesiástica a traduções no idioma vernáculo, decidiu traduzir as Escrituras no dialeto central da Inglaterra, o que ajudou a unir a língua inglesa[36].

Oliveira diz que antes de Wyciffe já havia traduções das Escrituras para a língua do povo, mas “Inocêncio III denuncia estas traduções como sendo uma heresia”[37]. Foi a tradução de Wycliffe que “deu o primeiro passo para preparar seu país para assumir, nos séculos posteriores, a liderança na difusão da Bíblia no mundo”[38]. O magistério da Igreja ficou absolutamente revoltado com essa tradução de Wycliffe. E não porque essa tradução fosse ruim – acusação infundada que até hoje seus proponentes não foram capazes de provar –, mas simplesmente porque Wycliffe estava com isso colocando a Bíblia nas mãos do povo, algo que era um terrível sacrilégio para um clero que queria monopolizar o controle das Escrituras escondendo-as das mãos dos leigos.

É por isso que Henry Knighton, um escritor católico da época, resumiu a posição da Igreja nas seguintes palavras:

Cristo deu o seu evangelho ao clero e aos doutores estudados da Igreja para que eles o dessem aos leigos... Wycliffe, ao traduzir a Bíblia, tornou-a propriedade das massas, comum a todos, mais aberta ao laicato e até às mulheres que sabem ler... Assim, a pérola do evangelho está sendo atirada aos porcos... A joia do clero transformou-se no passatempo dos leigos.[39]

Como se nota, os leigos católicos eram vistos como meros “porcos” que não eram dignos de apreciar o conteúdo da Sagrada Escritura. No fundo, a Igreja sabia que muitos de seus ensinamentos não eram baseados na Bíblia, e este era o motivo de lutarem tanto em impedir que os fieis tivessem acesso ao livro. Por lê-lo, as pessoas descobririam que a doutrina da Igreja era incompatível com a Palavra de Deus. O próprio papa ficou furioso com Wycliffe e promulgou cinco bulas ordenando a sua prisão para ser queimado como herege, o que só não aconteceu porque seus amigos o protegeram[40].

Alguns anos após sua morte, o Concílio de Constança (1415) o julgou e o condenou como herege. Lamentavelmente para o papa e felizmente para Wycliffe, eles chegaram tarde demais para queimá-lo vivo, mas isso não os impediu de desenterrar seus ossos e queimá-lo depois de morto. O historiador Thomas Fuller descreveu o que aconteceu:

Eles queimaram os seus ossos até virarem cinzas e as lançaram no Swift, um riacho vizinho que corria forte nas proximidades. Assim, o riacho transportou suas cinzas até o Avon; o Avon, até o Severn; o Severn, para os mares estreitos; e esses, para o grande oceano. E, assim, as cinzas de Wycliffe são o emblema da sua doutrina que, agora, está espalhada por todo o mundo.[41]

Este mesmo concílio ecumênico que ordenou a violação do túmulo de Wycliffe com fins bestiais tratou também de nomear cada uma de suas teses condenáveis, entre elas a que Wycliffe dizia que “qualquer diácono ou sacerdote pode pregar a palavra de Deus sem a autorização da Sé apostólica ou de um bispo católico”[42], e ainda a que “se um bispo ou um sacerdote estão em pecado mortal não devem ordenar, nem consagrar, nem batizar”[43]. Não contestes em condenar um tradutor da Bíblia por seu empenho em colocar a Bíblia nas mãos do povo, a Igreja Romana também passou a perseguir seus seguidores, que deram continuidade a seu trabalho. Giraldi escreve:

Para divulgar a Bíblia na Inglaterra, Wycliffe orgtanizou a Ordem dos Sacerdotes Pobres, conhecida também como Irmãos Lolardos ou Murmuradores. Essa ordem era formada por estudantes da Universidade de Oxford e também por gente simples de sua paróquia. Os membros dessa ordem se vestiam de maneira simples, andavam descalços, usavam um cajado e viviam de ofertas. Para divulgarem as Escrituras, eles percorriam a Inglaterra levando suas porções bíblicas manuscritas e liam a Bíblia para o povo. A Ordem dos Sacerdotes Pobres cresceu de maneira extraordinária e se constituiu numa força poderosa na obra de divulgação do evangelho na Inglaterra. Criada na segunda metade do século XIV, ela foi muito perseguida no século XV, mas resistiu e continuou seu trabalho de divulgação da Bíblia até a época da Reforma, no século XVI.[44]

Não precisamos entrar nos detalhes dessa cruel e sangrenta perseguição porque já a abordamos no primeiro capítulo do livro. Basta dizer que em 1408 o terceiro Sínodo de Oxford confirmou que era heresia ter uma Bíblia em inglês[45], da mesma forma que o Sínodo de Mogúncia proibiu a Bíblia em alemão para os alemães, em 1485. Schuler comenta:

A tradução da Bíblia para o inglês provocaria algumas reações. Era até então considerada um livro do clero, e havia desconfiança em relação a traduções. Perguntava-se mesmo se o inglês era língua apropriada para incorporar o pensamento dos autores sagrados. Era manifesto o temor de erros e profanações (...) As reações prosseguiram, e um sínodo reunido em Oxford em 1408 haveria de proibir traduções não autorizadas pela Igreja. Em 1414, a reação chegou ao clímax quando a leitura da Bíblia inglesa foi proibida sob pena de perda de terras, gado e vida[46].

Tábet também atesta que concílios como os de Tolosa (1229), Tarragona (1234) e Oxford (1408) “proibiram a própria leitura das versões aos simples fieis”[47]. Um século após Wycliffe e depois de uma intensa perseguição aos seus seguidores, surgiu também na Inglaterra William Tyndale (1494-1536), que, como Wycliffe, também sonhava com o povo inglês lendo a Bíblia em seu próprio idioma. Isso porque a tradução de Wycliffe, além de envelhecida, havia sido fortemente combatida pela Igreja, de modo a inviabilizar seu desejo de que cada inglês pudesse ler a Bíblia. Tyndale, por outro lado, sonhava que “todo o povo inglês, desde os camponeses até os membros da Corte, pudesse ler e compreender a Bíblia”[48], numa época em que “a Igreja Católica proibia severamente qualquer leigo de ler a Bíblia”[49].

Tyndale, inicialmente, não pretendia fazer isso sem o apoio da Igreja. Ele sabia o que isso havia custado a Wycliffe, há um século e meio. Por isso, a primeira coisa que fez foi pedir permissão a seu superior, o bispo Cuthbert Tunstall, para iniciar o trabalho de tradução. Ele recusou. Temia que se o povo lesse a Bíblia o movimento da Reforma se fortaleceria[50]. Sem o apoio eclesiástico, Tyndale se viu no mesmo dilema que Wycliffe: ou fazia uma tradução mesmo sem a autorização da Igreja e aceitava as perseguições que inevitavelmente viriam, ou ficava de braços cruzados e aceitava que nada podia ser feito para dar ao povo inglês o conhecimento da Palavra de Deus. Em uma ele poupava a sua vida e podia vivê-la com uma paz e tranquilidade nem um pouco familiar a reformadores, e na outra sua vida se tornaria um inferno, e sua cabeça seria colocada a preço.

Mas Tyndale estava longe de ser um covarde. Arriscando tudo, decidiu traduzir a Bíblia custe o que custar. E custou muito. Como resultado, “os católicos atacaram a tipografia, mas Tyndale, que havia sido avisado da possibilidade do ataque, salvou as páginas que já haviam sido impressas e escapou. Um impressor da cidade de Worms, onde havia uma mentalidade mais favorável à Reforma, completou o trabalho, e as 6.000 cópias foram contrabandeadas para a Inglaterra em barris de farinha e em peças de tecido”[51]. A Bíblia inglesa continuou a ser atacada das mais diversas maneiras, enquanto Tyndale era obrigado a mudar constantemente de endereço[52]. O próprio bispo Tunstall “ficou horrorizado quando descobriu a respeito das Bíblias, e ordenou que todas as cópias na sua diocese fossem queimadas”[53].

Refugiado na Alemanha, ele conseguiu concluir o Novo Testamento inglês em 1526[54]. As autoridades católicas “agiram imediatamente a essa publicação, ordenando que todos esses Novos Testamentos fossem confiscados e queimados”[55]. Nem isso foi capaz de impedir por completo a entrada de Bíblias na Inglaterra enviadas clandestinamente, e distribuídas entre o povo. Um dia, Tyndale foi traído por um “amigo” e entregue às autoridades. Mesmo na prisão ele pretendia completar a tradução do Antigo Testamento, escrevendo em carta:

Eu imploro a vossa senhoria que peça ao comissário que tenha a bondade de me enviar, das minhas coisas que estão com ele, um gorro mais quente, porque sinto muito frio na cabeça. Peço também que ele me envie um casaco mais quente, porque esse que eu tenho é muito fino. Peço ainda que me mande um pedaço de pano para que eu possa remendar as minhas calças. Mas, acima de tudo, imploro que mande minha Bíblia em hebraico, meu dicionário de hebraico e minha gramática de hebraico, para que eu possa continuar o meu trabalho.[56]

Após um ano e meio preso, “Tyndale saiu dali para ser julgado e condenado à morte como herege, pelo crime de traduzir a Bíblia para o povo inglês. No dia 6 de outubro de 1535, ele foi estrangulado e, em seguida, queimado na estaca, em praça pública”[57]. Suas últimas palavras foram: “Abre, Senhor, os olhos do rei da Inglaterra”[58]. Cinco anos depois, “as paróquias que não tinham a Bíblia em inglês passaram a ser multadas”[59]. Wycliffe e Tyndale são pequenos exemplos do quão implacável a Igreja era quando o que estava em jogo era impedir que o povo comum pudesse ter acesso à Bíblia. Miller corretamente observa:

Para um sacerdote que queria pouco mais que um lugar tranquilo para traduzir a Bíblia, William Tyndale teve aventuras incomuns em sua vida. Ele foi caçado pela Europa por agentes secretos e foi pego enquanto imprimia secretamente o seu Novo Testamento em inglês. Ele foi mais tarde sequestrado por um espião e morto como um herege quando tinha pouco mais de quarenta anos. E tudo isso por ter traduzido a Bíblia para o inglês. Seus superiores católicos não aprovaram o projeto. Eles o associaram ao crescimento do movimento protestante, que ensinava que a Bíblia, não a Igreja, era a voz de Deus na terra.[60]

Quem também perseguia a leitura da Bíblia com afinco era, é claro, a Inquisição. No auto da fé de 13 de abril de 1578 foi condenado em Lima, no Peru, um cidadão que, nas palavras da Inquisição, “entre outras coisas estranhas, dizia que a Sagrada Escritura devia ser divulgada em língua vulgar”[61]. Na mesma época, a Inquisição espanhola ordenava “o confisco de todos os livros sobre a Bíblia publicados em línguas vernáculas fora da Espanha”[62]. Palma resume a posição da Inquisição frente ao problema da Bíblia dizendo que “era-se herege, por exemplo, pela leitura de uma tradução da Bíblia”[63].

A simples posse de uma Bíblia em língua vulgar já levantava suspeitas de heresia, o que levou o pintor Riccardo Perucolo a ser condenado pela Inquisição por ter confessado ler o Novo Testamento “para entender melhor os sermões do padre”[64]. Em 1558, o inquisidor de Veneza decidiu proibir a impressão de traduções da Bíblia na língua do povo, e fez com que o Index do ano seguinte vedasse “de forma peremptória que qualquer pessoa imprimisse, lesse ou possuísse uma Bíblia traduzida em qualquer língua vulgar”[65]. Miller reitera que “a Igreja da Espanha, famosa pela intolerante e repressiva Inquisição espanhola dos séculos XV e XVI, acompanhava de perto toda a atividade religiosa que pudesse ser considerada herege, incluindo a tradução da Bíblia”[66].

Baigent ressalta que a Inquisição proibiu “trinta traduções da Bíblia em sua totalidade e onze do Novo Testamento”[67], e Fragnito observa que “as traduções da Bíblia foram excluídas por séculos de maneira religiosa e cultural dos fieis nos países em que as três inquisições tinham lutado com sucesso contra todas as formas de dissidência religiosa: Espanha, Portugal e Itália”[68]. Lindsay também comenta que a Inquisição na Espanha e nos Países Baixos proibiu “ler as Escrituras e entrar numa discussão ou controvérsia religiosa”[69], sob a pena de ser “morto à espada ou enterrado vivo, se se retratassem; ou queimados, se não se retratassem”[70].

Na Espanha, os reis católicos Fernando e Isabel proibiram a tradução da Bíblia em língua vulgar (1492), proibição essa que durou até 1782, quando se levantou a proibição, mas mesmo assim “só para as versões aprovadas pela Igreja e com anotações dos Santos Padres e Doutores”[71]. Em função dessa proibição da Bíblia, “nenhuma Bíblia em espanhol foi publicada até o século XVIII”[72]. Na verdade, isso só veio a acontecer em pleno ano de 1790, à beira do século XIX, e antes disso “não se produziu na Espanha católica nenhuma tradução castelhana integral da Sagrada Escritura”[73]. Ou seja, há apenas dois séculos os espanhois estavam proibidos de ler a Bíblia, mesmo uma Bíblia católica.

Na França o Parlamento ordenou, em 1526, “por força de lei, a apreensão de todas as traduções bíblicas e a proibição que os tipógrafos as imprimissem no futuro”[74]. Enquanto isso, na Inglaterra, já apontamos como a Sanguinária implantou a Inquisição no país, que não apenas revogou a permissão concedida por Eduardo VI a ler a Bíblia inglesa[75] como ainda queimava as Bíblias em praça pública[76]. Se na Inglaterra a coisa mudou radicalmente no reinado seguinte da protestante Isabel, em Portugal o povo ficou sem uma Bíblia vernácula completa até 1753[77].

Uma chama de esperança se deu por ocasião do Concílio de Trento (1545-1563), que esperava trazer um clima de conciliação na Igreja e de reformas em um sentido ecumênico. Havia no referido concílio não poucos padres humanistas, que desejavam, como os protestantes, a permissão aos leigos lerem a Bíblia, e queriam acima de tudo “consultar o próprio texto da Bíblia em vez dos estudos das Escrituras através dos documentos escolásticos”[78]. Porém, quando se abriram as sessões, ficou nítido que o rumo da Contrarreforma seria na direção oposta: ainda mais intolerância, repressão, proibições e restrições do que antes. A maior parte do clero ainda era tomada por um fanatismo dogmático e um apego às tradições difícil de se vencer.

Os prelados humanistas não esperam que este exame possa revelar verdades doutrinais; pensam, no entanto, que o estudo das Escrituras é um caminho para a convicção religiosa e o fervor. Esperam que o concílio anuncie a prioridade deste estudo sobre as disciplinas escolásticas e suprima a maneira escolástica de tratar dos problemas, adotada nas universidades, casas religiosas e catedrais. De repente, porém, cerca dos fins de maio, os progressos neste sentido são impedidos pelos discursos apaixonados de Domingo Soto, representante geral dos dominicanos. Semelhante golpe infligido à escolástica, diz ele, regozijaria os protestantes, que haviam desde o princípio reclamado isto mesmo. Os padres, divididos, não estabelecem a prioridade dos estudos bíblicos, não encorajam a formação de novos mestres de tradição humanista, não recomendam aos leigos a leitura da Bíblia nem o catecismo que o grupo humanista projetara. Esta vasta recusa de 1546 tem efeitos permanentes.[79]

Em consequência da vertente reacionária da Igreja ter prevalecido nas sessões, “as normas de Trento sobre os livros proibidos estabeleceram severas limitações para a leitura da Bíblia em língua vulgar, que duraram até tempos recentes”[80]. A Sessão IV do concílio decretou que “proibimos a impressão dos referidos livros da Sagrada Escritura sem a licença dos superiores eclesiásticos”[81], o que foi confirmado em 24 de março de 1564 pelo papa Pio IV em sua bula Dominici Gregis, onde determinava que “as Bíblias traduzidas do latim só poderiam ser lidas se fossem de edição católica e, assim mesmo, com licença por escrito do pároco responsável”[82]. Assim escreve o papa:

Como tem mostrado a experiência que, se as versões da Sagrada Bíblia em língua vulgar forem permitidas a cada passo e sem diferença de pessoas, mais é dano do que utilidade: esteja-se nesta parte pelo juízo do bispo ou do inquisidor, a fim de que, com o conselho do pároco ou do confessor, possam conceder licença de ler a Bíblia vertida em vulga, por autores católicos àqueles de quem eles entenderem que desta lição podem receber não dano, mas sim aumento da fé e da piedade. Essa licença deverá ser dada por escrito.[83]

Não é preciso dizer que toda essa burocracia proposital que passava desde o bispo até o inquisidor existia justamente para limitar ao máximo o acesso dos leigos à Escritura vernácula, cuja leitura jamais foi estimulada pela Igreja que hoje arroga ser a sua “detentora”. Como se não bastasse, essa rara possibilidade de ler a Bíblia em um idioma conhecido era um privilégio exclusivo das elites – «homens doutos e piedosos» – e mesmo assim valia apenas para os livros do Antigo Testamento. Isso é o que consta expressamente na Regra III do referido papa em sua bula, que normatiza:

(O uso) das traduções dos livros do Antigo Testamento poderá ser concedido, a juízo do bispo, unicamente a homens doutos e piedosos sob a condição de que tais traduções sejam usadas apenas para esclarecer a Vulgata e melhor entender a S. Escritura... O uso das traduções do Novo Testamento realizadas por autores da primeira classe a ninguém seja concedido, porque sua leitura costuma acarretar para os leitores pouca utilidade e grande perigo.[84]

É desnecessário explicar que a própria Igreja Romana reconhecia abertamente que a leitura da Bíblia levava as pessoas para longe de Roma, e por essa razão proibia a leitura do Novo Testamento sob qualquer hipótese, no qual são afirmadas as doutrinas cristãs em evidente contraste com os dogmas papistas. Se a Bíblia não fosse um documento tão «anticatólico», eles não teriam nada a temer. Não sem razão, quando o embaixador veneziano Francesco Contarini informou o papa Paulo V (1605) que os teólogos venezianos não atacavam a religião católica e nem o papa em seus sermões, mas se limitavam a expor textos bíblicos, o papa rebateu: “Não sabeis como a leitura da Escritura estraga a religião católica?”[85].

Malucelli destaca que “o mero fato de ter uma Bíblia em casa já bastava para levantar as suspeitas de ser um inimigo da Igreja. Se essa Bíblia ainda fosse traduzida para o latim vulgar, ou seja, uma língua entendida pelo povo, e não tivesse autorização, a condenação por heresia era certa”[86]. Traduzir a Bíblia para uma língua compreensível pelo povo “era um crime que podia custar a vida”[87], e “ter o Evangelho em casa era proibido a quem não fosse sacerdote”[88]. Ela escreve também:

A partir do século XIII, todas as tentativas de tornar as Escrituras compreensíveis para o povo foram condenadas e seus artífices foram perseguidos. Por quê? Os hereges e aqueles que contestavam o poder da Igreja utilizavam as Sagradas Escrituras para demonstrar para o povo como a Igreja oficial havia se distanciado do mandamento evangélico originário de pobreza e humildade.[89]

O estudo e a pregação da Bíblia eram atividades reservadas ao clero. Os que ousavam infringir o status quo corriam o risco de ser acusados de heresia e mandados para a fogueira. É possível até afirmar que, a partir dessa época, não houve mais processo contra hereges em que os réus não fossem acusados também de “tradução e leitura não autorizada dos Evangelhos”.[90]

Centenas de Bíblias foram “recolhidas em igrejas, conventos e residências privadas, e queimadas”[91], às vezes até mesmo as comentadas por escritores católicos[92]. Miller assume que “a Igreja era, geralmente, contra a tradução da Bíblia para as línguas do povo”[93], e que “a Igreja Católica desencorajava que se dessem Bíblias para o povo”[94], de modo que até mesmo “os  missionários católicos não imprimiram nenhuma Bíblia”[95]. A Igreja também via de modo repulsivo o trabalho das Sociedades Bíblicas, que existiam no único propósito de tornar a Bíblia cada vez mais acessível ao povo comum, disponibilizando-a a todas as pessoas, das mais simples às mais cultas. Miller escreve:

A Igreja Católica opôs-se veementemente ao trabalho das Sociedades Bíblicas. As autoridades da Igreja acreditavam que eram os únicos intérpretes legítimos das Escrituras e detestavam a ideia dos leigos cristãos lendo a Bíblia por conta própria, especialmente quando as Bíblias não possuíam notas que pudessem livrar os leigos de interpretações incorretas e mesmo de heresias.[96]

Saussure ressalta que a leitura da Bíblia “era proibida pelos padres”[97], e Cairns sublinha que “Roma era também a sede do papado, e foi este quem impediu a tradução da Bíblia para o vernáculo”[98]. Pijoan salienta que se castigava com pena de morte pela espada, fogo ou enterramento em vida todos os que “discutissem sobre textos das Sagradas Escrituras”[99]. Nichols acrescenta que no Index de livros condenados pela Igreja constavam “todos os escritos protestantes e todas as versões da Bíblia, exceto a Vulgata”[100]. Em consonância, Dickens confirma que o primeiro Index romano, produzido pelo papa Paulo IV, “era uma lista na qual se condenam indistintamente todas as obras de Erasmo, a produção de sessenta e um impressores e todas as traduções da Bíblia[101].

Quando o castelhano Julianillo Hernández ousou transportar desde Genebra e introduzir em Sevilha duas toneladas carregadas de Novos Testamentos traduzidos ao castelhano pelo doutor Juan Pérez, foi descoberto pelos católicos e queimado vivo em 22 de dezembro de 1560[102]. Por tudo isso torna-se claro que as Bíblias em vernáculo existentes antes da Reforma e que são por vezes citadas em blogs trapaceiros como uma “prova” de que a Igreja Romana não proibia que o povo lesse a Bíblia não eram Bíblias aprovadas pela Igreja, mas condenadas e perseguidas por ela.

Quando Lutero produziu seu Novo Testamento alemão, já haviam 14 versões impressas no país (a primeira delas somente em 1462)[103], mas Paul Johnson faz a importante ressalva de que “nenhuma apresentava o imprimátur de um censor nem fora impressa em prensa monástica”[104]. Até os escritores católicos Michael Collins e Matthew Price reconhecem que “Roma a princípio desencorajava a leitura leiga da Bíblia e se apegava à Vulgata Latina, temendo que um acesso irrestrito à Escritura provocasse novos cismas dentro da Igreja, mas em 1752 novas traduções foram permitidas desde que viessem acompanhadas do comentário autorizado”[105], e complementam que “embora queimassem cada cópia que pudessem encontrar, as autoridades religiosas não conseguiram deter aqueles carregamentos clandestinos de Bíblias”[106].

Assim, ironicamente, os apologistas católicos leigos que atacam os protestantes na internet devem ao protestantismo o fato de hoje poderem possuir uma Bíblia em língua vulgar e a lerem por conta própria. Foi o que os protestantes sempre lutaram, e o que a Igreja sempre relutou. Os papas só abandonaram esse radicalismo contra a leitura da Bíblia em tempos bem recentes, sendo que até o século XIX era fácil encontrar discursos inflamados no mesmo espírito de Trento e dos papas anteriores. Já em 1816, o papa Pio VII escrevia ao arcebispo católico que recomendava aos seus fieis a Sociedade Bíblica fundada em São Petersburgo, na Rússia:

Se não poucas vezes lamentamos que tenham falhado na interpretação das Escrituras homens piedosos e sábios, como não deveremos recear grandes riscos se se entregarem as Escrituras traduzidas em vernáculo ao povo ignorante, que, na maioria dos casos, carece de discernimento e julga com temeridade?[107]

Trocando em miúdos, o que o papa estava dizendo aí é que o povo era burro demais para compreender que a interpretação católica romana era a única certa, então não podia ler a Bíblia em um idioma compreensível. Enquanto os Pais da Igreja recomendavam a leitura da Bíblia para sair da ignorância, o papa fazia exatamente o oposto, proibindo a Bíblia sob o pretexto da ignorância – ou, talvez, para mantê-los na ignorância.

Porque deverias ter tido diante dos olhos o que constantemente avisaram também os nossos predecessores, a saber: que se os sagrados Livros se permitem correntemente e em língua vulgar e sem discernimento, disso há de resultar mais dano que utilidade. Ora, a Igreja Romana que somente admite a edição Vulgata, por prescrição bem notória do Concílio Tridentino (ver 785 s), rejeita as versões das outras línguas.[108]

Como se nota, o próprio papa admite abertamente, sem rodeios e sem reservas que a Bíblia vernácula era realmente proibida pela Igreja – algo que os apologistas católicos modernos lutam em vão para negar o fato, por mais óbvio e claro que seja.

Passados algumas décadas, em 1844, a Igreja ainda seguia inflexível e intransigente nesta questão, e o papa Gregório XVI escrevia:

Não ignorais quanta diligência e sabedoria são necessárias para se traduzir fielmente a Palavra de Deus; em conseqüência, nada há de mais fácil do que nas traduções vernáculas, multiplicadas pelas Sociedades Bíblicas, se introduzirem erros gravíssimos, seja por imprudência, seja por fraude de tantos tradutores; tais erros, aliás, permanecem ocultos, para a perdição de muitos, dada a multidão e a variedade de tais Sociedades. Às Sociedades Bíblicas pouco ou nada interessa o fato de que os homens que lêem a Biblia em vernáculo, caiam em um ou outro erro; mais lhes importa que acostumem aos poucos a exercer o livre exame a respeito do sentido das Escrituras e a menosprezar as tradições divinas contidas na doutrina dos Padres e guardadas na Igreja Católica, repudiando assim o próprio magistério da Igreja.[109]

Esse papa chegou inclusive a escrever uma encíclica inteira apenas para atacar histericamente as Sociedades Bíblicas pelo seu trabalho árduo de colocar a Bíblia nas mãos do povo comum, como temos hoje. Trata-se da encíclica Inter Praecipuas, que começa assim:

Entre as principais maquinações com as quais, neste nosso tempo, os acatólicos de várias denominações se esforçam insidiando os seguidores da verdade católica e desanimando os que buscam viver a santidade da fé, não ocupam o último lugar as sociedades bíblicas. Essas, antes instituídas na Inglaterra e depois largamente difundidas em todo o mundo, vemo-las concordemente conspirar com a única finalidade de difundir em grandíssimo número de exemplares as divinas Escrituras traduzidas nas diversas línguas vulgares, disseminando-as indiscriminadamente entre os cristãos e os infieis, aliciando todo tipo de pessoas a lê-las sem nenhum guia.[110]

A encíclica é toda ela um show de horrores que escandalizaria o mundo inteiro se promulgada hoje em dia por um papa modernista como o papa Francisco, mas destacarei aqui algumas partes mais curiosas (na nota de rodapé há o link para a leitura da encíclica na íntegra). O papa chega, entre outras coisas, a condenar veementemente os jansenistas pela sua crença comum aos protestantes de que a leitura da Escritura é «útil e necessária a todo tipo de categoria de fieis», se apoiando expressamente na proibição já imposta pelos papas antes dele, inclusive Clemente XI e suas famosas citações da Unigenitus, que conferimos na abertura do capítulo:

Não faltaram, todavia, os sectários da nova escola de Jansênio, que recopiaram as palavras dos luteranos e não temeram criticar essa tradicional prudência da Igreja e da Sé Apostólica, como se ler a Escritura fosse útil e necessário a todo tipo de categoria de fieis, em todos os lugares e tempos, tanto que não podia ser proibida a ninguém por qualquer autoridade. Essa audácia dos jansenistas foi rebatida com censura mais pesada nos juízos solenes que, entre os aplausos de todo o mundo católico, expressaram de suas doutrinas os dois sumos pontífices, de feliz memória, Clemente XI na constituição “Unigenitus” de 1713, e Pio VI na constituição “Auctorem fidei” de 1794.[111]

Ele também cita outros papas que condenaram a leitura da Bíblia em língua vulgar propagada pelas Sociedades Bíblicas, que ousavam, veja só a petulância, «querer participar a todos a leitura das divinas Escrituras»!

Assim, muito antes que fossem instituídas as Sociedades Bíblicas, os mencionados decretos da Igreja tinham premunido os fieis contra o engano que os heréticos escondem sob a ilusória aparência de querer participar a todos a leitura das divinas Escrituras. Então, nosso glorioso predecessor Pio VII, que viu nascer e crescer vigorosamente no seu tempo aquelas perigosas sociedades, não deixou de se contrapor, através da participação de seus núncios apostólicos, com várias cartas e decretos emanados das Congregações dos cardeais da santa Igreja de Roma e com duas cartas pontifícias que escreveu aos arcebispos de Gnesno e de Mohilow. Outro nosso predecessor, Leão XII, de feliz memória, reprovou-os na sua encíclica emanada em 5 de maio de 1824, dirigida a todos os bispos do mundo católico. O mesmo fez o último dos nossos predecessores, também de feliz memória, Pio VIII, na encíclica de 24 de maio de 1829.[112]

E ele termina sua maravilhosa encíclica previnindo a todos da «gravíssima culpa» que é colaborar com uma Sociedade Bíblica para colocar a Bíblia nas mãos do povo, reiterando a proibição de se ler as Escrituras na língua corrente das nações:

Prevenimos que se tornam réus de gravíssima culpa diante de Deus e da Igreja todos aqueles que ousam inscrever-se em qualquer dessas sociedades, com elas colaborarem ou a favorecerem. Confirmamos também, e renovamos com autoridade apostólica, as antecedentes prescrições no que diz respeito ao imprimir, divulgar, ler e ter livros da Sagrada Escritura traduzidos em língua corrente.[113]

A guerra contra a leitura da Bíblia continuou ao longo de todo o século XIX e só veio a ter fim em pleno século XX, quando os papas enfim reconheceram a derrota. Como já diz o velho ditado – “se não podes com eles, junte-se a eles” –, os papas de Bento XV (1914-1922) em diante se alinharam à nova moral do mundo moderno, para a qual já não era admissível esse tipo de repressão ao conhecimento, típica do velho mundo católico. Miller escreve:

Historicamente, a Igreja Católica relutava em aprovar a tradução da Bíblia para outras línguas. Isso começou a mudar em 1942, quando o papa Pio XII promulgou uma encíclica conclamando a uma abordagem mais histórica no estudo da Bíblia e pedindo que se fizessem novas traduções que fossem mais exatas.[114]

Tábet concorda quando diz que “em nossos dias, especialmente depois da encíclica Divino afflante Spiritu (1943), a Igreja deu um impulso à realização de versões nas mais diversas línguas”[115]. Foi somente “na metade do século XX que os católicos começaram a apreciar e a apoiar o trabalho das Sociedades Bíblicas na tradução e distribuição das Escrituras”[116]. Nessa encíclica de Pio XII, ele escreve em notável contraste com o tom presente nos papas anteriores:

Os prelados favoreçam e prestem ajuda às piedosas associações cuja finalidade é difundir entre os fieis os exemplares das Sagradas Letras, principalmente dos Evangelhos, e procurem que nas famílias cristãs se faça ordenada e santamente a leitura diária das mesmas; recomendem eficazmente a S. Escritura traduzida para as línguas vernáculas com a aprovação da Igreja.[117]

Primeiro condenaram com furor as Sociedades Bíblicas descritas como verdadeiras pragas, acrescentando que «tornam-se réus de gravíssima culpa diante de Deus e da Igreja todos aqueles que ousam inscrever-se em qualquer dessas sociedades, com elas colaborarem ou a favorecerem», depois passam a incentivar e a apoiar essas associações «cuja finalidade é difundir entre os fieis os exemplares das Sagradas Letras». Primeiro atacaram vorazmente a Bíblia em vernáculo expressando o maior horror possível à ideia dos leigos terem acesso às Escrituras, e depois «recomenda eficazmente a Sagrada Escritura traduzida para as línguas vernáculas». Tudo isso em menos de um século, entre um papa infalível e outro.

Bento XV, também no século XX, seguiu essa linha de ruptura com a tradição anterior em sua encíclica Spiritus Paraclitus, onde diz:

Pelo que nos toca, veneráveis irmãos, à imitação de São Jerônimo jamais deixaremos de exortar todos os fieis cristãos a que leiam todos os dias principalmente os santos evangelhos de Nosso Senhor, os Atos e as epístolas dos apóstolos, tratando de convertê-los em seiva do seu espírito e em sangue de suas veias.[118]

A declaração do papa se parece muito com as declarações dos reformadores e pré-reformadores que buscaram traduzir a Bíblia – e pagaram por isso com o próprio sangue. Esses novos ventos na Igreja Romana se consolidaram no Concílio Vaticano II (1962-1965), o “concílio modernista herético” na opinião da ala católica mais radical e tradicionalista. Ele decretou:

Este sagrado Concílio exorta com ardor e insistência todos os fieis, mormente os religiosos, a que aprendam a eminente ciência de Jesus Cristo (Fl 3, 8) mediante a leitura frequente das divinas Escrituras, porque a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo. Debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando.[119]

Não é preciso ser nenhum gênio da lâmpada, estudioso PhD ou especialista em direito canônico para perceber o quão notável e óbvia é a mudança de direção na Igreja do século XX em comparação com a dos séculos anteriores. Os papas infalíveis do século XX, como Bento XV e Pio XII, se opuseram abertamente às palavras de ódio despejadas pelos papas infalíveis anteriores como Clemente XI, Pio V e Gregório XVI contra a leitura da Bíblia em língua vulgar e a divulgação da mesma nas mãos do povo, mediante as Sociedades Bíblicas. A coisa chega a um nível tão bizarro que Bento XV cita nominalmente Jerônimo em favor da leitura da Bíblia pelos leigos, o mesmo Pai da Igreja que também havia sido nominalmente citado na bula de Gregório XVI contra a leitura da Bíblia pelos leigos. É coerência e infalibilidade de encher os olhos.

A verdade é que os papas lutaram contra a leitura da Bíblia o quanto puderam, pois sabiam que a mesma era um “inimigo” que trabalhava para o lado contrário – razão pela qual bastava distribuir Bíblias para trazer nações inteiras ao protestantismo. Quanto mais gente lia a Bíblia, mais gente abandonava o catolicismo e aderia ao protestantismo, por perceber que os ensinos evangélicos são mais condizentes com a Escritura – algo não muito difícil de concluir, afinal. Mas os papas não podiam admitir que o povo lesse a Bíblia e se desse conta de que toda a sua doutrina é uma invenção tardia, por isso restou perseguir a Bíblia e deixá-la o mais longe possível das mãos dos leigos, mantendo-os na ignorância. Enquanto permanecessem na ignorância, a Igreja não tinha nada a perder.

Por isso, enquanto possível, lutaram arduamente contra a difusão das Escrituras. Mas quanto mais o papado perdia sua antiga força política, mais difícil ficava controlar o conhecimento, até chegar a um ponto em que essa luta se tornou vã. A guerra contra a Bíblia cada vez mais deixava de apresentar resultados positivos para consolidar a imagem da Igreja como uma instituição retrógrada, antiquada e ultrapassada, uma mera caricatura de tempos repressivos de terror e trevas, com os quais os papas não queriam mais se associar. Em outras palavras, os papas começaram a perder mais do que a ganhar ao continuar lutando contra a divulgação da Bíblia em mundo moderno no qual ele não tem mais lugar. Esses esforços eram vãos: o que restava era levantar bandeira branca e mudar de postura.

Deste modo, as tão simples e «detestáveis» Sociedades Bíblicas venceram a guerra contra a toda-poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, e os papas tiveram que se conformar com isso, bastando apenas passar uma borracha em tudo o que havia sido dito antes por todos os outros papas durante séculos e hoje propagar a ideia de que a proibição da leitura da Bíblia é um “mito de anticatólicos”. É assim que funciona a apologética católica: lutam por atrocidades morais enquanto podem, e depois que perdem a batalha intelectual apelam a um revisionismo barato e a um vitimismo ainda mais vergonhoso para fingir que nada aconteceu, e que estão inventando “mentiras” contra a Igreja.

A Bíblia para os protestantes

Enquanto para a hierarquia católica a Bíblia era um livro “perigoso” que tinha que ser mantido longe das mãos dos leigos para que não descobrissem as falhas de seu sistema doutrinário, para os protestantes a Bíblia sempre foi a maior aliada da Reforma e a principal responsável pelo rápido crescimento do movimento. Por isso, desde sempre os protestantes fizeram questão de copiar, divulgar e distribuir Bíblias na língua do povo para que todos, do menor ao maior, tivessem acesso às palavras de Deus.

O próprio Lutero é um grande exemplo disso. Ele sequer tinha visto uma Bíblia até os 20 anos de idade[120], quanto menos lido uma. A Bíblia lhe era um “livro desconhecido[121], como a muitos católicos da época. Ele só veio a descobrir a Bíblia depois que se tornou monge, e mesmo assim não foi fácil: encontrou um velho exemplar da Bíblia numa cela do convento[122], e o abriu por curiosidade. Era uma Bíblia em latim, que o doutor Lutero entendia bem. A partir de então, ele se interessou pelo livro mais do que ninguém. Fazia frequentes visitas à biblioteca, apenas para apanhar “aquele volume que sem dúvida ninguém senão ele sonhava consultar”[123].

O zelo de Lutero pela Bíblia o levou não apenas a perceber o notável contraste entre este documento e as doutrinas romanas de seus dias, como ainda a se empenhar em divulgar as Escrituras para os seus conterrâneos alemães, para que tivessem a oportunidade de ler o livro sagrado sem precisar esperar vinte anos, aprender latim e virar monge – o que estava longe da realidade da esmagadora maioria da população comum e simples. Naquele tempo, havia dezoito edições da Bíblia alemã, mas eram, como vimos, versões particulares, não aprovadas pela Igreja e não popularizadas entre os leigos, que continuavam sem acesso às Escrituras. Lutero queria fazer diferente: ele queria que o próprio “povão” não fosse privado de ler a Bíblia em uma linguagem compreensível, o que implicava não apenas em abolir o latim, mas em escrever em um alemão coloquial, assimilável e compreensível para as pessoas comuns.

Sobre isso, Giraldi escreve:

A Bíblia de Lutero tornou-se a mais popular da Alemanha pelo método inovador de tradução adotado por ele. Lutero não seguiu o costume tradicional de traduzir o texto original hebraico e grego literalmente, ao pé da letra, palavra por palavra, respeitando até mesmo a ordem em que apareciam os vocábulos nos originais. Ele também preferiu não usar a linguagem erudita; pelo contrário, procurou transmitir a mensagem bíblica na linguagem falada pelo povo alemão da época. Lutero foi o primeiro tradutor da Bíblia a se preocupar não apenas com a fidelidade da tradução aos textos originais, mas também com a fidelidade à língua falada pelo povo. Embora não conhecesse os princípios linguísticos de equivalência dinâmica ou funcional, usados nas traduções modernas, ele conseguiu traduzir a Bíblia para o idioma alemão falado pelo povo alemão de seu tempo. Foi ele o precursor das traduções da Bíblia em linguagem popular ou ‘na linguagem de hoje’, feitas pelas Sociedades Bíblicas a partir da segunda metade do século XX.[124]

Bluhm acrescenta que essas traduções alemãs antes de Lutero tinham um «alemão precário», e além disso eram traduções da Vulgata, ou seja, tradução de tradução, em vez de traduzir direto dos originais hebraico e grego. Por isso, “em termos filológicos e estilísticos, sua tradução é superior a traduções anteriores, e mesmo a muitas feitas desde então”[125], recebendo “o mais alto louvor”[126]. Enquanto as versões da época eram «muito rebuscadas», produzidas para o uso exclusivo de uma “elite intelectual”, a tradução de Lutero “apresentava estilo claro, corrente e ao alcance de todos, empregando expressões inteligíveis para a mãe de família, as crianças e o homem do povo, sem deixar, no entanto, de ser fiel ao texto e ao sentido original das Escrituras”[127].

Por toda a sua vida, Lutero trabalhou continuamente para tornar a Bíblia mais acessível aos leigos por meio de traduções, de prefácios explicativos e mesmo de planos para uma versão impressa em caracteres grandes para as pessoas com problemas de visão. O senso de liberdade evangélica de Lutero ficava evidente em sua preocupação de não traduzir “palavra por palavra”, mas “sentido por sentido”.[128]

McGrath acrescenta que “Lutero, sempre realista em questões referentes à natureza humana, sabia que era perda de tempo exigir que todos aprendessem as línguas bíblicas originais. As necessidades da situação exigiam ação por parte dele. A Bíblia tinha de ser traduzida para o alemão comum”[129]. Tal atitude levou a hierarquia católica romana a acusá-lo de “golpe”, ainda mais quando o seu exemplo passou a servir de inspiração para outras traduções vernáculas nas várias línguas nacionais[130]. Assim, “o contato direto da Bíblia e do povo alemão estava assegurado: a revolta contra Roma se elevaria em tempestade”[131].

A Bíblia de Lutero não apenas esclareceu uma nação inteira até então desamparada e mantida na ignorância deliberada, como ainda “deu a pauta do movimento renascentista naquele idioma”[132]. Ela “causou sensação e exerceu efeito permanente na moldagem da língua alemã moderna”[133]. Não apenas a tradução de Lutero, mas também as traduções de todos os reformadores na língua vernácula “se tornaram o fundamento das literaturas nacionais”[134]. A obra de Lutero deu os resultados esperados e até além dos esperados – “Lutero triunfava: a Alemanha lia a Bíblia com fervor”[135].

Mas não podemos deixar de mencionar aqueles que, mesmo antes de Lutero, já se esforçavam por traduzir a Bíblia numa linguagem conhecida e compreensível. Já mencionamos aqui os movimentos pré-reformistas como os valdenses, que “apesar de constantemente caçados pela Inquisição, eram intensamente ativos no ensino do Evangelho e na distribuição de partes manuscritas da Bíblia na língua do povo”[136]. Quando os valdenses franceses ficaram sabendo da Reforma, associaram-se ao movimento e contribuíram financeiramente para a tradução da Bíblia ao francês, que foi feita por Roberto Olivetan e revisada por Calvino. Isso irritou as autoridades católicas de tal forma que o bispo de Aix decretou prisões, tortura e morte violenta. Ao todo, foram sete meses de carnificina e mais de quatro mil mortos, sem falar em centenas enviados para as galés como escravos[137].

Quem também se empenhava no trabalho de divulgação da Bíblia eram os “Irmãos da Vida Comum”, pré-reformadores sobre os quais já abordamos brevemente no capítulo 1. Sobre eles, Nichols escreve:

Muito semelhante aos valdenses eram os dissidentes que a si mesmos chamavam de “Irmãos”. Estas pessoas tinham uma fé cristã muito simples e eram conhecidas onde viviam por suas vidas cheias de bondade e pureza incomuns. Nada tinham com a Igreja ou seu clero, e realizavam o culto na língua comum do povo. Apreciavam a leitura da Bíblia e possuíam muitas cópias de manuscritos de tradução da Bíblia ou de algumas das suas partes. As sociedades dos “Irmãos” se espalharam pela Europa, correspondendo-se e realizando trabalho em conjunto. Como os valdenses, mantinham trabalho missionário muito ativo mas em segredo, por causa das perseguições. Eram numerosas entre os camponeses e operários das cidades, particularmente na Alemanha. A Igreja, porém, nada aprendeu com essa onda de protestos generalizada. Sua única resposta foi a Inquisição. Tal atitude era uma profecia de sua condenação.[138]

Já vimos também a história de Wycliffe, o pré-reformador inglês perseguido por sua tradução da Bíblia inglesa. Contrariando a hierarquia da Igreja, Wycliffe pregava: “Visto que a Bíblia contém Cristo – tudo o que é necessário para a salvação – ela é necessária para todos os homens, e não apenas para os sacerdotes”[139]. Seus seguidores, os lolardos, mantiveram as convicções religiosas de Wycliffe e “sobreviveram como uma espécie de Igreja subterrânea que se concentrava na leitura da Bíblia e, em particular, uma obsessão com a Bíblia em inglês, que levou a uma proscrição total da Bíblia inglesa em 1409”[140].


Erasmo de Roterdã, tido por muitos como um pré-reformador, embora preferisse manter a neutralidade, também era uma mente à frente de seu tempo e compartilhava com os protestantes a crença na tradução e divulgação da Bíblia em língua comum. Johnson afirma que “Erasmo compartilhava com todos os reformadores de que não podia haver intermediários entre a alma cristã e as Escrituras. Todos desejavam que a Bíblia fosse difundida da forma mais ampla possível e em traduções vernáculas”[141]. Entre outras coisas, Erasmo dizia em alto e bom som:

Desejo que as Escrituras sejam traduzidas em todas as línguas... quero que o lavrador possa cantá-las enquanto segue o arado, que o tecelão as cantarole ao ritmo de seu tear, que o viajante distraia a fadiga de sua jornada com essas histórias.[142]

Reagindo ao clero católico de seus dias, Erasmo argumentava com veemência:

Vamos considerar quem eram os ouvintes do próprio Cristo. Não formavam uma multidão promíscua? (...) Será que Cristo fica ofendido que o leiam aqueles que Ele escolheu para seus ouvintes? Em minha opinião, o agricultor deveria lê-lo, junto com o ferreiro e o pedreiro, e mesmo prostitutas, alcoviteiras e turcos. Se Cristo não lhes recusou sua voz, tampouco serei eu a recusar-lhes seus livros.[143]

Enquanto a Igreja Romana tapava a voz de Cristo nas Escrituras e proibia o povo de lê-lo por serem “simples” e “ignorantes” demais, Erasmo era astuto o suficiente para destacar que os ouvintes originais de Cristo e dos apóstolos eram simples e ignorantes tanto quanto, e, todavia, o evangelho foi abertamente pregado a eles, fosse por via oral ou escrita. Paulo não escrevia suas cartas em um idioma ininteligível para os crentes da época, mas em grego, o idioma predominante nas regiões para onde ele direcionava suas epístolas. Todavia, passados mais de mil anos, agora a Igreja Romana só permitia que uma minoria tivesse acesso às suas cartas e mesmo assim traduzidas em uma língua não falada por quase ninguém mais. O contraste era absoluto e inegável.

Por isso, para Erasmo “era essencial que cada qual ouvisse o Evangelho em seu idioma nativo e inteligível, em vez de murmurar seus salmos e padre-nossos em latim, sem compreender suas próprias palavras”[144]. Oncken também comenta:

Ao recomendar, à frente das argúcias escolásticas, a Bíblia como fonte exclusiva da teologia verdadeira, queria Erasmo que a simples doutrina de Cristo, destinada como a luz do sol, e mais que a luz, a todo o mundo, se pôs também ao alcance de todo o mundo, e advoga energicamente pela tradução da Bíblia à língua do povo e pela sua propagação entre o povo sem excetuar classes nem sexo. Queria que as mulheres lessem os evangelhos e as epístolas de São Paulo da mesma forma que os homens; que o lavrador no campo, o artesão na oficina, o viajante no caminho se entretivessem em seus momentos livres lendo passagens e cantos bíblicos. Na advertência que publicou ao cabeçalho de sua edição do Novo Testamento se lamenta, falando quase como um hussita, de que existissem tantos milhares de cristãos instruídos nas ciências que jamais leram os escritos dos evangelistas e dos apóstolos.[145]

Quando apresentamos o fato de que na grande maioria dos países europeus a primeira versão da Bíblia na língua nacional foi de origem protestante (não obstante os católicos dominassem por séculos antes da Reforma), apologistas católicos geralmente retrucam dizendo que isso não era possível antes da criação da imprensa – como se Jerônimo tivesse precisado da imprensa quando traduziu, mil anos antes, o grego para o latim no século V, na famosa Vulgata. A razão pela qual demorou incríveis mil anos para isso se repetir nos demais idiomas não foi a imprensa, mas a Igreja medieval que impedia com mão-de-ferro que traduções fossem produzidas, como constatamos no tópico anterior.

O que torna isso evidente é o impressionante fato de que, mesmo após a imprensa, as regiões católicas permaneciam sem tradução da Bíblia, fosse antes ou depois da Reforma. Foi preciso que os protestantes ou pré-reformadores traduzissem a Bíblia para que o povo pudesse ter acesso ao livro. Já falamos por exemplo de Jacques Lefèvre d'Étaples, o pré-reformador francês que antecedeu Lutero em seu país e que traduziu a Bíblia ao francês, a qual se tornou a base de todas as traduções posteriores no idioma.

O mesmo aconteceu na Holanda, onde a primeira tradução completa foi produzida em 1523 – era uma tradução da Bíblia alemã de Lutero elaborada pelo reformista Jacob Lisfeld [146], e que “levou o povo a comparar a Igreja Católica de seu país com a Igreja do Novo Testamento”[147]. Na Inglaterra, após as perseguições sistemáticas às Bíblias de Wycliffe e Tyndale, coube a Miles Coverdale publicar a primeira tradução impressa da Bíblia toda, em 1535[148]. Todavia, embora Tyndale tenha sido executado antes de completar sua tradução do Antigo Testamento, ele ainda é considerado «o pai da Bíblia inglesa», visto que 90% de suas palavras foram incorporadas à versão King James, que se tornou oficial no país a partir de 1611[149].

Na Suécia, a primeira tradução da Bíblia foi feita em 1526 pelo protestante Olavus Petri, que levou o próprio rei sueco a ter contato com as Escrituras e a se converter ao luteranismo[150]. A Bíblia sueca “permitiu ao povo comparar o ensino do clero com a Bíblia e perceber que as doutrinas luteranas de Petri estavam mais próximas das Escrituras”[151], o que levou à adoção formal do protestantismo no país em 1527. O mesmo aconteceu na Islândia, onde o luterano Gissur Einarsen traduziu a Bíblia em língua vulgar em 1550, e o protestantismo se tornou a religião oficial do país em 1554[152].

Enquanto isso, na Finlândia, a Bíblia era traduzida à língua do povo por Michael Agrícola (1508-1557), em 1548[153]. Na Dinamarca, isso aconteceu em 1529, através de outro protestante, Cristiano Peterson, cuja tradução do Novo Testamento “foi muito bem recebida”[154]. A Suíça também ganhou a Escritura traduzida após a implantação da Reforma em seus cantões[155], e era obrigatória por lei a presença da Bíblia em lugares públicos, “a qual qualquer um que desejar poderá ler”[156].

Cairns resume que, “logo cedo, todos os reformadores ou seus colegas traduziram a Bíblia para o vernáculo”[157], de tal modo que “o estudioso da Reforma impressiona-se sempre com a identificação dos caminhos da Reforma com a tradução da Bíblia para a língua do povo”[158]. Nas regiões protestantes, “o evangelho era pregado na língua comum do povo, e nos púlpitos e nos bancos das igrejas havia cópias da Bíblia traduzida”[159]. Nessas igrejas também se pregava “sistematicamente por livros inteiros da Bíblia”[160], tal como fazia a Igreja antiga, com a qual a Igreja Romana havia rompido ao decidir ler apenas poucos trechos – e em latim – na missa[161].

Como Miller e Huber destacam, “os protestantes foram estimulados, desde o início, a darem à Bíblia um lugar de destaque em suas vidas. Por outro lado, os leigos da Igreja Católica Romana ainda eram desencorajados a ler a Bíblia por conta própria em pleno século XX”[162]. Baigent complementa:

A tradução da Bíblia para o vernáculo por Lutero, e outras que se seguiram, como a Bíblia de Genebra e versão inglesa do Rei James, pela primeira vez iam tornar as Escrituras disponíveis para os leigos que poderiam lê-las por si mesmos sem a máquina de interpretação e filtragem do sacerdócio. Toda essa cultura ia ser estigmatizada pela Igreja como demoníaca, e portanto atrair a atenção da Inquisição.[163]

Os católicos tiveram séculos para traduzir a Bíblia nos mais diversos idiomas – tanto antes como depois da imprensa –, mas coube justamente aos protestantes colocar a Bíblia nas mãos dos leigos em uma linguagem inteligível, trabalho este iniciado pelos pré-reformadores (também perseguidos pela Igreja papal) e consumado pelos primeiros protestantes. O contraste é tão evidente quanto notório: enquanto para a Igreja de Roma a Bíblia era um livro perigoso e temerário que devia ser mantido escondido das mãos do povo, para os protestantes era justamente o contrário: a Bíblia era o livro da Reforma, e Sola Scriptura era o seu lema. Como Lindberg assinala, “os reformadores libertaram a Palavra e, por conseguinte, também as palavras do cativeiro nas mãos da elite”[164]. Assim, a Bíblia deixava o status de “livro do clero”, para se tornar o “livro do povo”.

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Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,

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[1] O debate ocorreu de verdade e pode ser conferido em: <//biblelight.net/Bible-Clement-XI.htm>.

[2] OTT, Michael. "Unigenitus". The Catholic Encyclopedia. Vol. 15. New York: Robert Appleton Company, 1912. Disponível em: <//www.newadvent.org/cathen/15128a.htm>.

[3] Disponível em: <//www.ewtn.com/library/PAPALDOC/C11UNIGE.HTM>.

[5] Encíclica do papa Bento XIV, promulgada em 16 de outubro de 1756. Disponível em: <//www.papalencyclicals.net/Ben14/b14exomn.htm>.

[6] O debate ocorreu de verdade e pode ser conferido em: <//biblelight.net/Bible-Clement-XI.htm>.

[7] João Crisóstomo, Discurso sobre a parábola do homem rico e de Lázaro.

[8] Jerônimo, Commentarii in Isaiam, Prologus.

[9] Basílio de Cesareia, Epístola 11, 2-4.

[10] João Crisóstomo, Sermão 6 em Gênesis.

[11] EHRMAN, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem mudou a Bíblia e por quê. Rio de Janeiro: Prestígio Editorial, 2006, p. 51-52.

[13] JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 329.

[14] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 22.

[15] MALUCELLI, Laura; FO, Jacob; TOMAT, Sergio. O livro negro do Cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 122.

[16] BROOKE, Christopher. Europa en el centro de la Edad Media (962-1154). 1ª ed. Madrid: Aguilar, 1973, p. 356.

[17] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 137.

[18] Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum 770-771.

[20] CALLENDER, J. P. Illustrations of Popery. New York Public Library:1838, p. 387.

[21] SCHAFF, Philip. History of the Christian Church – Vol. 8. Hardcover: 1996, p. 723.

[22] MALUCELLI, Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 123.

[23] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 157.

[25] Concil. Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229.

[26] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 137.

[28] Entre as línguas românicas, inclui-se o português, o francês, o italiano, o romeno e o espanhol.

[29] Concílio de Tarragona, cânon 2.

[30] CLOUD, David. As perseguições do catolicismo contra a Bíblia. Disponível em: <//www.discernimentobiblico.net/As%20pergui%E7%F5es%20do%20catolicismo%20contra%20a%20b%EDblia.html>. Acesso em: 31/03/2018.

[32] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 21.

[33] DURANT, Will. História da Civilização: 4ª Parte – A idade da fé – Tomo 3º. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955, p. 331.

[34] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 137.

[37] OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. História do Cristianismo em Esboço. Recife: STBNB Edições, 1998, p. 102.

[38] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 27.

[39] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 155.

[42] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 1967, p. 218.

[44] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 27.

[45] TÁBET, Miguel Álgel. Introducción General a la Biblia. Madrid: Ediciones Palabra, 2004, p. 433.

[46] SCHAFF, Philip. History of the Christian Church – Vol. 8. Hardcover: 1996, p. 344.

[47] TÁBET, Miguel Álgel. Introducción General a la Biblia. Madrid: Ediciones Palabra, 2004, p. 433.

[48] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 29.

[50] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 170.

[52] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 30.

[53] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 170.

[54] LANE, Tony. Pensamento Cristão – Vol. 2: Da Reforma à Modernidade. São Paulo: Press Abba, 1999, p. 36.

[55] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 29.

[56] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 30.

[60] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 170.

[61] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 23.

[62] GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.

[63] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 19.

[64] MALUCELLI, Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 125.

[67] BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 151.

[68] FRAGNITO, Gigliola. La censura ecclesiastica in Italia: volgarizzamenti biblici e letteratura all’Indice. Bilancio degli studi e prospettive di ricerca, p. 50.

[69] LINDSAY, T. M. A Reforma. Lisboa: Typ. a vapor de Eduardo Ros, 1912, p. 118.

[71] LEYE, Pedro Aguado. Manual de Historia de España, Tomo II: Reyes católicos – Casa de Austria (1474 – 1700). 7ª ed. Madrid: ESPASA-CALPE, S. A., 1954, p. 966.

[72] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 172.

[73] NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 76.

[74] MALUCELLI, Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 123.

[75] OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. História do Cristianismo em Esboço. Recife: STBNB Edições, 1998, p. 188.

[76] GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.

[77] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 172.

[78] DICKENS, A. G. A Contra-Reforma. Lisboa: Editorial Verbo, 1972, p. 121.

[80] TÁBET, Miguel Álgel. Introducción General a la Biblia. Madrid: Ediciones Palabra, 2004, p. 433.

[81] Concílio de Trento, Sessão IV.

[82] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 32.

[84] Disponível em: <//agnusdei.50webs.com/div260.htm>.

[85] FRAGNITO, Gigliola. La Bibbia ai rogo: Ia censura ecciesiastica ei volgarizzamenti delia Scrittura (1471-1605). Il Mulino, Bolonha, 1997, p. 130.

[86] MALUCELLI, Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 13.

[93] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 168.

[97] SAUSSURE, A de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. São Paulo: Editora Vida, 2004,p. 16.

[98] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 311.

[99] PIJOAN, J. Historia del Mundo – Tomo Cuatro. Barcelona: Salvat Editores, 1933, p. 136.

[100] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960,p. 187.

[101] DICKENS, A. G. A Contra-Reforma. Lisboa: Editorial Verbo, 1972, p. 125.

[102] BLEYE, Pedro Aguado. Manual de Historia de España, Tomo II: Reyes católicos – Casa de Austria (1474 – 1700). 7ª ed. Madrid: ESPASA-CALPE, S. A., 1954, p. 575.

[103] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 31.

[104] JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 329.

[105] COLLINS, Michael; PRICE, Matthew A. História do Cristianismo: 2000 anos de fé. São Paulo: Edições Loyola, 2000,p. 159.

[107] D. S., Enquirídio nº 2710s.

[108] Pio VII, carta Magno et acerbo, 3 de Setembro de 1816; Denzinger # 1603.

[109] D. S. Enquirídio nº 2771.

[110] Gregório XVI. Carta Encíclica Inter Praecipuas, sobre as insídias das Sociedades Bíblicas. 8 de Maio de 1844. Disponível em: <//www.fsspx.com.br/carta-enciclica-inter-praecipuas-sobre-as-insidias-das-sociedades-biblicas>.

[114] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 223.

[115] TÁBET, Miguel Álgel. Introducción General a la Biblia. Madrid: Ediciones Palabra, 2004, p. 433.

[116] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 202.

[117] Papa Pio XII, em sua encíclica Divino afflante Spiritu (1943).

[118] Papa Bento XV, em sua encíclica Spiritus Paraclitus.

[119] Constituição Dei Verbum, c. 6.

[120] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 165.

[121] SAUSSURE, A de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. São Paulo: Editora Vida, 2004,p. 16.

[124] GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 31.

[125] BLUHM, P. Heinz. Martin Luther, Creative Translator. St Louis: Concordia, 1983, p. 178.

[127] SAUSSURE, A de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. São Paulo: Editora Vida, 2004,p. 84.

[128] LINDBERG, Carter. Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 115.

[129] McGRATH, Alister E. Revolução Protestante. Brasília: Palavra, 2012, p. 215.

[130] MALUCELLI, Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 123.

[131] RIBARD, André. A Prodigiosa História da Humanidade – Tomo II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964, p. 11.

[132] TORNELL, Ricardo Vera. Historia de la Civilización – Tomo II. 1ª ed. Barcelona: Editorial Ramón Sopena, 1958, p. 83.

[133] McGRATH, Alister E. Revolução Protestante. Brasília: Palavra, 2012, p. 215.

[134] RANDALL, John H. La formación del pensamiento moderno. Buenos Aires: Editorial Nova, 1952, p. 170.

[135] RIBARD, André. A Prodigiosa História da Humanidade – Tomo II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964, p. 13.

[136] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960,p. 132.

[137] LINDSAY, T. M. A Reforma. Lisboa: Typ. a vapor de Eduardo Ros, 1912, p. 93.

[138] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960, p. 132.

[139] CURTIS, A. Kenneth. Os 100 acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China. São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 98.

[140] LINDBERG, Carter. Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 369.

[141] JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 329.

[142] COLLINS, Michael; PRICE, Matthew A. História do Cristianismo: 2000 anos de fé. São Paulo: Edições Loyola, 2000,p. 131.

[143] JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 329.

[145] ONCKEN, Guillermo. Historia Universal – Tomo XXI. Barcelona: Montaner y Simón editores, 1934, p. 367.

[146] LINDSAY, T. M. A Reforma. Lisboa: Typ. a vapor de Eduardo Ros, 1912, p. 116.

[147] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 291.

[149] LANE, Tony. Pensamento Cristão – Vol. 2: Da Reforma à Modernidade. São Paulo: Press Abba, 1999,p. 36.

[150] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 269.

[154] WALKER, Williston. História da Igreja Cristã: Volume II. São Paulo: Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, 1967, p. 62.

[155] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 272.

[156] COLLINS, Michael; PRICE, Matthew A. História do Cristianismo: 2000 anos de fé. São Paulo: Edições Loyola, 2000,p. 136.

[157] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 327.

[159] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960,p. 155.

[160] LANE, Tony. Pensamento Cristão – Vol. 2: Da Reforma à Modernidade. São Paulo: Press Abba, 1999,p. 7.

[162] MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p. 173.

[163] BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 141.

[164] LINDBERG, Carter. Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 438.

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Quem foi morto por traduzir a Bíblia?

O padre jesuíta Johan Konings, um dos tradutores da Bíblia que é referência para a Igreja Católica no Brasil, morreu no domingo (21) em Belo Horizonte, Minas Gerais, em decorrência de um aneurisma cerebral.

Quem foi a primeira pessoa que traduziu a Bíblia?

A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2o em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso, o texto é conhecido como Septuaginta.

Quem foi que traduziu a Bíblia?

Almeida não é o único tradutor da bíblia, e pouco se sabe sobre sua história de vida. Sabe-se que ele nasceu por volta de 1628, em Torre de Tavares, Portugal, e morreu em 1691, na cidade de Batávia (atual ilha de Java, Indonésia). Trabalhou como pastor, missionário e tradutor, durante a segunda metade do século XVII.

Em que ano a Bíblia foi queimada?

A Inquisição foi estabelecida pelo papa Gregório 9º, em 1233, como uma corte especial para combater e impedir heresias.

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