Quais eram as principais características da escravidão na África antes da chegada dos portugueses?

História, 15.08.2019 01:04

28. acendera a tocha da berdade que não pode jamais ser apagada" são palavras de mahatma gandhi (1809-1948) queno contexto da guerra fria, inspireram movimentos como(a) o acirramento da disputa por armamentos nucleares entre es eua e a urss objetivando a utilização do arsenal nuclearcomo instrumento de dissuasão e amenização das disputas.(b) a reação dos países colonialistas europeus visando a diminuir o poder da assembleia geral da onu e reforçar o poderdo secretário-geral e do conselho de segurança.(c )as concessões unilaterais de independência as colonias que concordassem em formar alianças económicas, politicas eestratégicas com suas antigas metropoles, como a comunidade británica de nações e a união francofona.(d) o não alinhamento politico, economico e militar aos eua ou à urss, decisão tomada pelos paises do terceiro mundoraunidos na conferência de bandung, na indonesia​

Respostas: 3

A escravidão nas áfricas e o comércio de escravos pelo oceano atlântico

4. O ingresso europeu no comércio negreiro e o tráfico para a América

"Sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros." (Pe. Antonio Vieira)

Com o tráfico atlântico europeu, a escravidão, que já existia no continente africano – e que havia recebido impulso com o tráfico realizado por islâmicos – intensifica-se, fomentando os confrontos interétnicos entre Estados e aldeias em busca do aprisionamento de escravos.

As transformações das sociedades africanas, em decorrência do tráfico de escravos para a América, têm sido objeto de muita discussão entre os estudiosos. Muito se falou sobre os efeitos que esse comércio provocou nas disputas políticas internas, alimentando constantes conflitos entre reinos africanos, como forma de obtenção de contingentes que atendessem a demanda europeia. Também foram considerados os problemas demográficos decorrentes da saída do continente de homens em idade de reprodução e no auge de sua força de trabalho.

Lovejoy (2002) acredita que o impacto do mercado europeu no comércio de escravos foi muito intenso. Segundo suas pesquisas, em um período de 350 anos, saíram da África com destino a América, quase 8 milhões de indivíduos (7.847.000). Considerado desde seu início, em 1450, o total estimado é de mais de 11 milhões (11.313.000). Um comércio que teve um crescimento vertiginoso: entre 1450-1600 foram 409.000 indivíduos; entre 1601-1700 esse número passou para 1.348.000 e entre 1701-1800 saltou para 6.090.000. Para este autor, a abertura do Atlântico para o comércio de escravos marcou uma ruptura radical na história da África, levando esta instituição, que era marginal nas sociedades africanas, para uma posição de grande importância dada a sua envergadura, isto é, o escravo torna-se expressivo produto comercial com uma demanda crescente e os grupos africanos se organizam para atender essa procura (LOVEJOY, 2002b, p. 52).

Exportação de Escravos da África: o comércio atlântico
Período Número de escravos computados Porcentagem
1.450-1.600 409.000 3,6
1.601-1.700 1.348.000 11,9
1.701-1800 6.090.000 53,8
1.801-1.900 3.466.000 30,6
Total 11.313.000 100,00
LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 51

A crescente demanda de escravos está relacionada à expansão das lavouras de gêneros tropicais na América. O século XVI corresponde à criação de um sistema produtivo de gêneros tropicais baseado no trabalho escravo nas ilhas do Atlântico (Açores, Madeira, São Tomé) e as primeiras instalações agrícolas e mineradoras (Peru) na América. No século XVII, após expulsão holandesa do Brasil, houve uma intensificação da produção de açúcar na região do Caribe, aumentando a demanda da região que já era grande. No século XVIII, somam-se às necessidades da agricultura brasileira à abertura da exploração aurífera nas Minas Gerais. Assim, as possibilidades de produção nas colônias americanas cresciam e a dependência do trabalho escravo também, aumentando o fluxo de pessoas da África para a América.

Enquanto na América tropical as sociedades que se formaram nos quadros do sistema colonial serão predominantemente baseadas no trabalho escravo, na África a presença de escravos nunca foi essencial para a reprodução da sociedade, a integração do continente no tráfico de escravos se deu como principal área de oferta dessa mercadoria. A África era exportadora de escravos.

Esta afirmação significa que o crescimento do tráfico não foi acompanhado por uma internalização das atitudes europeias em relação à escravidão. As sociedades onde havia a utilização desse tipo de trabalho mantiveram os parâmetros das sociedades linhageiras, isto é, desenvolviam-se no contexto do trabalho familiar e os escravos eram usados por elites e pelo governo de forma suplementar no comércio (transporte de mercadorias), no serviço militar, na administração. A possibilidade de incorporação dos escravos no interior das famílias e comunidades africanas foi mantida, enquanto que na América, o escravo, considerado mercadoria, “coisificado”, estava sujeito à inferiorização e ao racismo.

Apesar da integração na sociedade não ter desaparecido como possibilidade, o aumento crescente de escravos no interior do continente, particularmente nas áreas cortadas por rotas comerciais, começa a transformar a relação dos africanos com a escravidão. Como vimos na África Ocidental, onde surgem os Estados centralizados, desenvolve-se a utilização de escravos na produção interna, atendendo eventualmente às necessidades de um rei ou nobre em áreas de mineração, na produção de tecidos, na obtenção de sal e marfim ou, ainda, para produzir lavouras que alimentariam os exércitos. Em muitas regiões do continente africano, a escravidão cresceu e se expandiu até os últimos anos do século XIX (LOVEJOY, 2002b, p. 56).

A propriedade privada do trabalho escravo, a única forma de propriedade reconhecida na África, foi a forma de investimento adotada para gerar riqueza. Empregados em inúmeras formas de trabalho e com grande liberdade de movimentos, muitas vezes produzindo ou trabalhando com grande autonomia, os escravos africanos transmitiram aos viajantes da época a ideia que eram mais bem tratados que os escravos da Europa ou América. Para Thorton (2004, p. 142), “estruturas legais diferentes levaram africanos e europeus a desenvolver a instituição da escravidão de modos bem diversos”.

Thornton (2004) procura recuperar as dinâmicas internas dos reinos africanos, sua capacidade de decidir e escolher sobre aquilo que se refere às relações com os europeus no contexto de suas características culturais. Numa comparação dos valores próprios de cada cultura ele observa que, enquanto os europeus promoviam a apropriação do solo e tratavam essa característica como normal, natural, os africanos sempre tiveram a terra como bem comum, coletivo e os escravos como única forma de propriedade privada (THORNTON, 2004, p. 125). A terra na Europa e o escravo na África eram os meios adotados para obtenção de rendimentos e símbolo de status e de riqueza.

O valor comercial dos escravos explicaria o interesse das elites políticas e econômicas africanas em participar do tráfico vendendo grandes contingentes de escravos obtidos no interior do continente:

...o comércio de escravos (e o comércio no Atlântico em geral), não deve ser visto como um “impacto” externo e funcionando como uma espécie de fator autônomo na história da África. Em vez disso, ele desenvolveu-se e foi organizado de forma racional pelas sociedades africanas que dele participaram, as quais tinham completo controle sobre o mesmo, até que os escravos embarcavam nos navios europeus para levá-los para as sociedades do Atlântico.  (THORNTON, 2004, p. 124).

Vamos nos lembrar da afirmação de Baquaqua: “...em Gra-te vi o primeiro homem branco o que, pode ter certeza, chamou-me muito a atenção” (LARA, 1988, p. 274). Assim, podemos observar que, até chegar ao porto de embarque no litoral Atlântico, muitos escravos não tinham tido nenhum contato com europeus. A demanda europeia na costa do Atlântico promoveu um aumento da procura dessa mercadoria, mas o fez a partir de uma rede comercial já existente que era controlada pelos africanos.

O comércio no Atlântico sofreu muitas variações, segundo a época e a conjuntura política, por outro lado, os números relativos às viagens no Atlântico, apesar de mais precisos que aqueles do tráfico transaariano, variam muito conforme o estudioso consultado. Os dados que são comentados a seguir devem ser acompanhados com o mapa do site do Trafico Trans-Atlântico de Escravos Database – Viagens.
Este mapa representa, de forma resumida, a quantidade de escravos (embarque/desembarque) de acordo com as regiões e os portos de origem e chegada, indicados por círculos amarelos (embarque) e vermelhos (desembarque). 

Para trabalhar com o mapa siga os passos seguintes:

  1. Clique neste link.
  2. Vá até a aba "Maps"
  3. Observe ao lado direito o formulário que permite alterar as informações apresentadas no mapa
  4. Use a aba "Select Map" para alternar os dados entre os "Portos" e "Regiões", além de poder selecionar períodos específicos. Selecione: “Regions (all periods)” e clique a seguir “Refresch”. Na parte alta do mapa, clique o último retângulo para ter uma melhor visão (ampliação) do mapa.
  5. Passe o mouse sobre os círculos na área do mapa para obter informações mais detalhadas.

Você poderá explorar também, no mesmo site, os “Mapas Introdutórios”.

Acompanhando esse mapa, podemos observar que o maior número de embarques de escravos ocorre na região da África Centro Ocidental com 3.324.026; em segundo lugar encontra-se a Baia do Benin, com 1.530.881. A concentração de embarques nessas regiões chama a nossa atenção, será interessante acompanhar algumas características desse comércio.

A Baia do Benin e toda a região vizinha – Costa do Ouro; Baia de Biafra, Costa da Guiné – desenvolveram o tráfico escravo voltado para o Atlântico, como uma extensão e continuidade do antigo comércio transaariano que acima analisamos. Os portugueses e demais europeus que comercializavam na região ficavam confinados nos portos costeiros, seguindo as regras estabelecidas por funcionário destes portos. Portugueses não exerciam uma presença militar na região, não capturavam escravos e os recebiam, assim como as demais mercadorias, de comerciantes muçulmanos responsáveis pelas ligações entre os Estados exportadores e o interior mais distante (LOVEJOY, 2002b, p. 102).

Nos séculos XV e XVI esse tráfico supriu as demandas dos países europeus e das plantações das ilhas do Atlântico (Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e São Tomé) sendo dirigidos na segunda metade do século XVI para as plantações da Bahia e de Pernambuco, além das plantações da América espanhola. Nos séculos seguintes, XVII e XVIII, a África Centro Ocidental irá assumir o predomínio do fornecimento de mão de obra, tornando-se preponderante durante o século XIX, quando começam surgir legislações restritivas ao tráfico, com maior incidência no hemisfério norte ⚑.

Na costa da África Centro Ocidental, os portugueses encontram uma situação política bastante diversa do Golfo do Benin e da Guiné. Ali não existia influência islâmica e com facilidade entraram em contato com o rei do Congo e chefaturas associadas, que aceitaram prontamente aderir ao cristianismo e se submeter ao batismo.

Sobre esse primeiro contato, Vainfas e Marina Souza afirmam:

Quando Diogo Cão chegou à foz do rio Zaire, em 1483, e contactou pela primeira vez o mani Nsoyo, chefe da localidade na qual aportara, o Congo era um reino forte e estruturado, cuja chefia máxima cabia ao Mani Congo. Formado por grupos de etnia banto, especialmente os bakongo, abrangia grande extensão da África Centro-Ocidental e se compunha de diversas províncias. (VAINFAS & SOUZA, 2008).

A recuperação histórica dessa formação política baseia-se nas tradições orais recolhidas desde meados do século XVII, em documentos escritos por viajantes portugueses, que chegaram à costa Centro Ocidental no final do XV, e por outros viajantes europeus (espanhóis, holandeses, italianos) e em documentos escritos produzidos por nobres congos, formados em Portugal desde os primeiros anos da chegada dos portugueses.

O Reino do Congo se desenvolveu ao sul do rio com o mesmo nome e se consolidou ao articular as regiões vizinhas do interior e as do norte, constituindo-se de um conjunto de territórios com um estratégico centro político: Mbanza (capital) Congo, próximo à foz do rio Congo/Zaire e no cruzamento de duas rotas tradicionais de comércio: a estrada do sal, ligando o litoral ao interior, e a estrada do cobre. Além das regiões que constituíam o núcleo central (Mpemba, Mbama, Nsundi, Mpangu, Mbata), compunham o reino as regiões periféricas (Loango, Kakongo, Ngoyo), áreas estas que tinham uma tendência a se furtar ao domínio real. As fronteiras ao Oriente a ao Sul eram mais imprecisas e talvez alguns desses territórios pagassem algum tipo de tributo ao rei do Congo (M’BOKOLO, 2009, p. 194).

Como muitos outros grandes Estados africanos, o Congo se constituiu por uma coleção de outros Estados menores incorporados por meio de alianças ou conquistas, conservando os menores à autoridade local, fazendo com que houvesse constantes confrontos entre estas autoridades (THORNTON, 2004, p. 145).

M’Bokolo (2009), apoiado na tradição oral e nos mitos fundadores do Reino, atribui o poder do rei tanto à estruturas hierárquicas, pela submissão de pequenas aldeias, como à estruturas em rede, isto é, por complexos processo de articulação de diversas localidades autônomas cuja origem, provavelmente, era anterior à constituição do Reino e baseavam sua legitimidade nas relações de parentesco e na referência a ancestralidade (kanda). Estas localidades se complementavam sem que nenhuma pudesse sobrepor-se a outra. Finalmente, havia outra forma de organização política baseada no poder religioso, assentado nas forças espirituais, que regiam o território, sendo o mais importante o bitomi encarregado de manter a harmonia das populações com a natureza e assegurar a fertilidade dos homens, das plantas e dos animais; seu poder era simbolizado pelo fogo (M’BOKOLO, 2009, p. 186-187).

Sobre estas formas de poder Vainfas e Souza afirmam, em relação às províncias:

Algumas delas, como as de Nsoyo, Mbata, Wandu e Nkusu, eram administradas por membros de uma nobreza local que assumiam os cargos de chefia há gerações, sendo o controle político mantido por uma mesma linhagem, enraizada no local. Outras províncias eram administradas por chefes escolhidos pelo rei dentre a nobreza que o cercava na capital. (VAINFAS & SOUZA, 2008)

Os portugueses, ao aportarem nas costas africanas – acontecimento que tem lugar na região de Nsoyo (Soyo ou Sonho) – não conseguiram compreender a dinâmica dessas relações e tentaram construir paralelos às formas hierárquicas de poder da Europa.
A extensão do reino pode ser avaliada pelas designações dos reis, por exemplo, Nzinga Mvemba (1506-1543), batizado como Afonso I, dizia-se:

(...) rei do Kongo, de Loango, de Kakongo e de Ngoyo, aquém e além Zaire, senhor dos Ambundo e de Angola, de Aquisima, de Musuru, de Matamba, de Mulilu, de Musuku e dos Anzico, da conquista de Pangu Alumbu, etc. (M´Bokolo, 2009, p. 194).

M’Bokolo apresenta a seguinte cronologia dos primeiros contatos:

  • 1487: Instalação missionária no Kongo
  • 1486: Primeira doação outorgando aos habitantes de São Tomé o privilégio do tráfico nas costas vizinhas.
  • 1487-1491: Nzinga Nkuwu envia uma embaixada kongo a Portugal
  • 1491: Regresso da embaixada kongo. Conversão da família real e da maior parte da nobreza ao cristianismo
  • 1493: Envio de jovens Kongo para formação em Portugal. (M´Bokolo, 2009, p.417).

Vainfas e Souza, recorrendo ao cronista Rui de Pina, analisam a cerimônia de batismo e a associação imediatamente percebida pelos congoleses entre fé e poder.

O batismo foi reservado aos maiores do reino, numa certa ordem de hierarquias. Principalmente não podia ser usufruído antes de que o rei o recebesse, fato percebido pelo mani Nsoyo, que respondeu negativamente aos nobres que pediram para também serem batizados, justificando o seu próprio batismo antes do Mani Congo por ser tio do rei e mais velho que ele. (VAINFAS & SOUZA, 2008).

Assim ocorre, provavelmente, como uma importante estratégia política, a conversão ao cristianismo do rei de Nsoyo e sua mulher e, depois, pelo Mani Congo, Nzinga-a-Nkuwu, batizado como João I e a capital, Mzamba Congo, passa a se chamar São Salvador. Estabelece-se entre o rei de Portugal e o rei do Congo uma relação de equilíbrio, mas também de mal entendidos pelos quais, por um lado, o rei de Portugal, passou a oferecer símbolos de legitimidade de poder ao rei do Congo sendo assimilado ao “mais velho”; e por outro, receber do rei do Congo, presentes simbólicos, como peles de animais, num tratamento tipicamente atribuído ao “mais novo”. (M’BOKOLO, 2009, p. 416).

As atividades comerciais da região, realizadas predominantemente pelos naturais de Loango, já eram intensas antes da chegada dos portugueses e giravam em torno de produtos específicos a certas áreas, como sal, metais, tecidos e derivados de animais havendo um forte sistema monetário, cujo equivalente eram conchas chamadas nzimbu, coletadas na região da ilha de Luanda.

Com a morte de João I, o reino do Congo vive uma crise sucessória em que sai vencedor o partido “cristão”, subindo ao trono Afonso I (1505-1543), que irá governar por 37 anos. Ele irá assinar com os portugueses um tratado que estabelece exclusividade de comércio no Atlântico entre os portugueses e o Reino do Congo, o que irá despertar ciúmes de outros nobres, enfraquecendo o poder central do rei.

Mas as relações entre os dois reinos, Portugal e Congo, se deteriora rapidamente. O aprisionamento incontrolável de escravos que passa a se realizar será motivo de muitas controvérsias entre os reis dos dois Estados, levando Afonso I a mandar uma correspondência a Portugal reclamando que até nobres congoleses estavam sendo capturados, violando tanto o monopólio real quanto as regras tradicionais que regiam o antigo comércio de escravos na região (M’BOKOLO, 2009, p. 416).

Na segunda metade do século XVII, após o governo de Afonso I, tem início um período de desintegração do Reino do Congo, que deixa de ser a principal fonte de fornecimento de escravos. Instaura-se um período em que nenhuma lei ou autoridade é reconhecida e as regiões passam a ser controladas pelos “senhores da guerra”, fossem eles nobres do Congo, chefes imbangalas, novos príncipes guerreiros do interior do continente ou comandantes portugueses, que chegam cada vez em maior número, em particular após a fundação da colônia portuguesa de Luanda (1576). (LOVEJOY, 2002b, p. 129).

O interesse crescente em escravos e no controle das minas levaram os portugueses a tentar uma expansão para o interior a partir de Luanda, colônia fundada em 1576, no território de Angola. Segundo Boxer:

Quanto a Angola, podemos assim chamar a área situada entre os rios Dande e Longo, com o seu prolongamento para o interior numa extensão de centenas de milhas. Ndongo era o seu nome nativo; os portugueses denominaram-na Angola, por causa do nome, ou título, de seu governante (Ngola) na época em que a visitaram pela primeira vez. Primitivamente, seus chefes prestavam obediência ao rei do Congo, cuja suserania foi repudiada mais ou menos nos meados do século dezesseis, ficando o rei na posse apenas da ilha de Luanda e de sua valiosa pesca de búzios. (BOXER, 1973, p. 237).

O ngola queria estabelecer relações diretas de comércio com os portugueses o que levou o rei Congo, pressionado pelos comerciantes da capital, a entrar em guerra contra Ndongo, tendo sofrido uma pesada derrota. Depois desta emancipação, os governantes do Ndongo tiveram que conviver com as interferências dos governadores portugueses, que passam a chegar a Angola, e seu crescente envolvimento no comércio negreiro. Entre estes está Manuel Cerveira Pereira, que chega em 1603 e, em 1614, resolve conquistar o reino de Benguela. Sobre este episódio, há uma interessante versão ficcional no romance de Pepetela, Ao Sul do Sombreiro.

Uma das razões dos sucessos portugueses foi a aliança feita com os terríveis guerreiros imbangalas ou jagas, povo violento e canibal, operavam a partir de campos fortificados, eram nômades, não constituíam família, renunciavam à reprodução humana eliminando os recém-nascidos, adotando alguns jovens, prisioneiros de guerra, a quem treinavam dentro de seus costumes. Atuavam a partir de Caçanje e Matamba; entre 1568-1575, invadiram e pilharam o reino do Congo, contribuindo com a crise interna vivida por aquele reino.  Como viviam viajando e guerreando, abasteciam de escravos os portugueses, vendendo os que não queriam comer ou adotar, garantindo um fornecimento ininterrupto para o tráfico. Assim, os portugueses passam a interferir na política da região, construindo acordos e alianças com diferentes reinos e contribuindo para o aumento da turbulência da África Centro-Ocidental (LOVEJOY, 2002b, p. 121).

Muito rapidamente comerciantes de outros países europeus irão querer participar do lucrativo comércio de escravos. Inicialmente os espanhóis, carentes de braços em suas colônias e favorecidos pela União Ibérica (1580-1640), obtêm de Felipe II, da Espanha, a concessão do primeiro asiento estrangeiro, que foi entregue a Pedro Gomes Reynel, em 1595, com o compromisso de fazer chegar a Buenos Aires nada menos que 38.250 negros, que dali seriam levados ao Peru. (M’BOKOLO, 2009, p. 277). 

Os holandeses, organizados na Companhia das Índias Ocidentais, serão responsáveis pelos mais graves ataques em territórios portugueses, entre eles, a tomada de Pernambuco, em 1630, a tomada de São Jorge da Mina, em 1638, e a ocupação de Luanda, em 1640. A tomada de Luanda teve como objetivo restabelecer o fornecimento de escravos para os engenhos de Pernambuco, interrompido devido à guerra de restauração entre Portugal e Espanha. A invasão não encontrou resistência, retirando-se os portugueses da cidade levando todos os bens e pertences que pudessem carregar, pois acreditavam que o interesse dos holandeses seria apenas de saquear a cidade, à semelhança do ocorrido na Bahia, em 1624.

Quando na manhã de 26 de agosto, entraram na praça deserta, depararam os holandeses com “uma grande e bonita cidade, contendo cerca de 5.000 casas construídas de alvenaria, e não menor que Olinda”, sem falar em “cinco fortes e sete baterias, onde estavam assestadas cerca de 130 peças de artilharia, sessenta das quais de bronze”. (BOXER, 1973, p. 254).

Durante a ocupação de Luanda, os holandeses receberam a adesão do rei do Congo e de todos os Estados da região, inclusive o apoio da rainha N’Zinga. Segundo M’Bokolo (2009), ela era “irmã” do ngola e a primeira informação que se tem dela é do período de 1621-1622, quando esteve em Luanda negociando um tratado com os portugueses, aparentemente com um mandato do ngola. Concluído o acordo, que lhe dava inúmeros benefícios comerciais e religiosos, volta ao Ndongo e toma o poder eliminando e assassinando todos os seus adversários. Depois de um reinado de cinco anos, passa a ser ameaçada pelos portugueses e se refugia num reino vizinho, Matamba, onde, em condições mal elucidadas, foi aceita como rainha. Travando repetidas guerras expansionistas, transforma aquele reino no mais poderoso da região e, também, num dos maiores fornecedores de escravos (M’BOKOLO, 2009, p. 426). Ana Nzinga foi descrita por um missionário de Luanda, da época da ocupação holandesa:

Se bem que seja cristã e se chame Dona Ana, ela prática com os seus soldados todos os ritos yaka. Todo o seu povo é canibal. Manda oferecer sacrifícios sangrentos, com numerosas vítimas. Manda matar e comer pelos cães, logo que nascem, os filhos de todas as mulheres do seu exército, ou então manda-os enterrar vivos, de maneira que estas mulheres são obrigadas a ir dar a luz a uma distância de quatro a seis milhas. A rainha prática ainda uma infinidade de outras superstições. (M’BOKOLO, 2009, p. 426).

Para combater os holandeses, o governo de Lisboa autorizou, em auxílio dos portugueses em Angola, reforços da Bahia e do Rio de Janeiro. O primeiro grupo foi destroçado pelos jagas ao desembarcar, o segundo, comandado por Souto Maior, conseguiu desembarcar em Massangano, em 1646, e obteve importante vitória sobre a Rainha N’Zinga.

Por essa mesma época os holandeses estacionam uma frota em frente à Ilha de Itaparica, na tentativa de bloquear o acesso português à baia de Todos os Santos (1647); isso obrigará Portugal dividir seus esforços na luta contra os holandeses, organizando duas forças de reação dirigidas uma para Bahia e outra para Angola. Esta última, comandada por Salvador Correia de Sá, antes de se dirigir para Angola, faz uma parada no Rio de Janeiro e obtém uma importante contribuição financeira dos moradores daquela capitania para armar sua esquadra além dos investimentos feitos com recursos próprios. Após alguns reveses, as forças portuguesas conseguem a rendição dos holandeses, em agosto de 1648, os quais se retiram de Luanda e São Tomé.

Salvador de Sá assume o governo de Angola e evita tomar medidas de represália contra os chefes africanos que estiveram ao lado dos holandeses, entre estes, a rainha N’Zinga,  que retira-se para o interior. Contra algumas chefaturas do interior, aliadas aos holandeses, que ofereceram alguma resistência foram enviadas colunas punitivas, muitos fugiram, mas a maioria voltou aos seus territórios sem criar problemas.

Com o rei do Congo, entretanto, as coisas eram mais complexas e a descrição dos acontecimentos ilustra a interessante relação entre Portugal e aquele reino. Na época, governava D. Garcia Afonso II, que havia assumido o trono no momento da invasão holandesa, em diversos momentos apelara aos holandeses para auxiliá-lo em conflito com o reino vassalo do Sono (Soyo), até mesmo enviando emissários a Maurício de Nassau, em Pernambuco. Por outro lado, apesar das pressões holandesas, não abandonou o cristianismo, mas aceitou frades capuchinos espanhóis e italianos e desrespeitou as regras do padroado enviando uma embaixada ao Vaticano, em 1648, solicitando a nomeação de três bispos para o Congo independente da jurisdição eclesiástica de Portugal.
Salvador de Sá tentou, frente a esses fatos, exigir de D. Garcia um acordo de paz bastante rigoroso, mas foi impedido pelo rei de Portugal, D. João IV que declarou:

(...) não ser o rei do Congo vassalo desta Coroa, mas um irmão em armas de seus reis; e não ser direito com ele negociar valendo-se de nosso poder, ao invés de obedecer aos ditames da razão e da justiça.

E ainda,

(...) temos muito mais a ganhar concedendo uma paz benévola, e a esperança de amizade no futuro, do que insistindo em exigir a reparação de passados danos e perdas. (BOXER, 1973, p. 290).

E, efetivamente ganharam muito mais, todo o território ao sul do Dande e a ilha de Luanda passaram a ser possessão portuguesa desde 1649.

Salvador de Sá restabeleceu o tráfico de escravos não só com o Brasil, mas, também, com o Rio da Prata, exigindo dos espanhóis, pelo fornecimento regular de escravos, que tinham o Peru como destino, o pagamento exclusivamente em prata (BOXER, 1973, p. 292). 

O tráfico de escravos cresceu incessantemente e as guerras entre os Estados africanos, envolvendo ou não a participação de Portugal, tiveram continuidade alimentando essa economia e promovendo uma contínua interiorização dos apresamentos em direção à África Central e ao vale do rio Zambeze, de onde saíam caravanas de mercadores em direção ao litoral Atlântico.

Do outro lado do continente, o corredor do Zambeze em direção ao Índico era uma importante rota de comércio, que antecede a chegada dos portugueses. Por ali, grandes quantidades de ouro e marfim, além de outros produtos, eram comercializados pelo Reino Monomotapa com os árabes. Os portugueses tentaram se apropriar desse comércio e das minas de ouro envolvendo-se na política interna do Reino e nas crises sucessórias. No século XVIII, os escravos passam a representar uma parcela cada vez maior no comércio do Oceano Índico, com uma área de captação em torno do lago do Malawi, em direção à Ilha de Moçambique ou à Quelimane. (LOVEJOY, 2002b, p. 132).

A desestruturação dos reinos do Congo e do Monomotapa nos leva a perguntar sobre o grau de interferência que a presença portuguesa desempenhou nessas crises. Thorton considera que a o aumento das guerras e a instabilidade política de algumas áreas podem ter contribuído para o crescimento do comércio de escravos dessas regiões, mas não acredita que a demanda tenha causado as guerras. É nos interesses econômicos das elites e nas dinâmicas internas dos Estados que deve ser buscada a razão do crescimento do tráfico e não nas maquinações portuguesas.

Ao se compreender essa dinâmica, o papel dos europeus como agentes provocadores de guerras (em oposição a se beneficiarem dela, tanto como um veículo para a venda de armas ou a compra de escravos) começou a ser menos decisivo. (THORNTON, 2004, p. 183).

  Depois de expulsar os holandeses de seus domínios na América e na África, os portugueses passam a organizar seu comércio por companhias monopolistas de comércio, cuja principal função era o tráfico negreiro, e que produziram fortunas enormes para seus participantes. Assim surge a Companhia Geral de Comércio do Brasil (1649), a Companhia de Cacheu (1675), mais tarde Companhia de Cabo Verde e Cacheu de Negócios de Pretos (1690), a Companhia Real de Guiné e das Índias (1693). Estas companhias foram o caminho para a participação de capitais provindos dos cristãos novos, muitos dos quais haviam desenvolvido suas atividades comerciais com os holandeses. Entretanto, a presença de outras bandeiras de navegadores realizando o tráfico (ingleses, franceses, italianos, etc) nunca foi totalmente eliminada.

Assim, até o ano de 1845, com o Bill Aberdeen e 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, os africanos continuaram a ser trazidos para a América nas mesmas e abjetas condições de transporte, nos porões dos navios negreiros. A viagem de Baquaqua foi uma das derradeiras e por isso envolta em tanta dissimulação.

Chegamos em Pernambuco, América do Sul, de manhã cedo e o navio ficou zanzando durante o dia, sem lançar âncora. Ficamos sem comida e sem bebida o dia inteiro e nos foi dado a entender que deveríamos permanecer em silêncio absoluto, sem clamor algum, senão nossas vidas estariam em perigo. (LARA, 1988, p. 273).

Mas, mesmo com as legislações acima muitos escravos continuavam a ser trazidos clandestinamente para o Brasil ou transportados pelas costas brasileiras desde áreas de agricultura decadente do nordeste até o sudeste para atender a dinâmica lavoura cafeeira.

Quais eram as principais características da escravidão na África antes da chegada dos portugueses no século XV?

As pessoas se tornavam escravas na África principalmente em razão das guerras: membros de tribos rivais eram reduzidos à condição de cativos, ou seja, escravos. As guerras se davam entre os diversos reinos africanos e, também, por meio dos conflitos que ocorriam entre as diferentes etnias africanas.

Quais eram as características da escravidão existente na África?

A escravidão na África se estabeleceu em moldes domésticos. Nela, o escravo era obtido por meio da guerra, por exemplo, e poderia até ter certo grau de autonomia, podendo se casar e ter terras. Com o tempo, ele era integrado à comunidade de que passou a fazer parte.

Quais são as características da África antes da chegada dos europeus?

Antes da chegada dos europeus, a África teve reinos ricos e fabulosos. Na Antiguidade, temos o império de Cartago e do Egito; e na Idade Média, a constituição do Império de Mali e da Etiópia. Através das cidades do norte da África se estabeleceu o contato e trocas comerciais com os países europeus.

Que tipo de escravidão existia na África?

Formas de escravidão. "Desde os tempos mais antigos, alguns homens escravizaram outros homens, que não eram vistos como seus semelhantes, mas sim como inimigos e inferiores. A maior fonte de escravos sempre foram as guerras, com os prisioneiros sendo postos a trabalhar ou sendo vendidos pelos vencedores.

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