O ano de 2017 é repleto de datas redondas que marcaram significativamente a vida de milhões de seres humanos e que ainda incidem sobre a realidade contemporânea da política internacional em geral e do Oriente Médio em particular. Um século da Declaração Balfour, 50 anos de Ocupação da Cisjordânia e Gaza, e 70 anos da partilha da Palestina.
No dia de 29 Novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 181, proposta por um comitê especial que recomendava a partilha da Palestina. A iniciativa de se formar a comissão foi uma resposta ao anúncio do Império Britânico de que pretendia encerrar o mandato para a Palestina iniciado em 1920. Esses acontecimentos, para alguns aleatórios, mas para outros peças de um quebra-cabeças com encadeamento previsto, é repleto de interpretações que, ao acertar as contas com o passado, tem por objetivo principal a busca por legitimidade de suas ações no presente.
Leia também:
“Israel não tem interesse na criação do Estado palestino”
A declaração Balfour e a situação palestina
De um modo geral os sionistas comemoram todas essas datas (há divisões em relação à ocupação em 1967) e os palestinos as lamentam como tragédias (também há divergências em relação ao tom e prioridade em relação a elas), mas, como foram os perdedores, as investigações e perguntas sobre o passado são muito mais impactantes do que o triunfalismo dos vencedores.
De qualquer forma, por mais que se busque justificar essa ou aquela ação, os fatos são teimosos e não querem ser calados. Vamos a eles. Em 1947, momento no qual a ONU estabelece a partilha da Palestina, os judeus que detinham 7% do território passam a possuir 56%. O Estado judeu proposto conteria 500 mil judeus e 438 mil árabes, enquanto o Estado palestino proposto teria 818 mil árabes e 10 mil judeus.
Com os números não há mágica democrática, étnica ou religiosa. Por volta de 80% do povo palestino foi desprovido de suas casas, terras e negócios. Note: ainda havia quase tantos árabes quanto judeus na parcela atribuída ao domínio de Israel.
Os sionistas criticam os “árabes” por se recusarem a aceitar a criação do Estado de Israel. Pergunto se alguém é capaz de apontar um único exemplo na história em que uma expropriação brutal, como esta relatada nos números acima, é aceita pela população dominada, quaisquer que sejam sua religião e ideologia?
De outro lado, qualquer que seja a justificativa, o movimento político em questão (sionista ou não) para criar e manter seguro um Estado judeu na Palestina, onde os árabes eram a grande maioria, só poderia ser feito pela expulsão, completa ou parcial do nativos, e/ou instituição de um regime de ocupação territorial com direitos de cidadania de segunda classe, se houver, para eles.
Embora as estratégias dos movimentos de resistência nacionais geralmente sejam diferentes em função do seu contexto e objetivos, a resistência ao colonialismo sempre enfrenta graves violações dos direitos humanos nas formas de limpeza étnica, “guetização” de povos nativos, roubos de terra ou violência estrutural, política e militar da população.
Importante notar que, embora o líder sionista Ben-Gurion tenha aceitado a partilha, nunca concebeu as fronteiras estabelecidas para os dois Estados como permanentes. A diferença entre ele e os revisionistas não era entre minimalistas e maximalistas territoriais, mas que ele perseguia uma estratégia gradualista, aquela adotada pelo Estado de Israel que resultou na ocupação dos territórios de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental em 1967.
No fundo, os verdadeiros sionistas pensam logicamente que, se os territórios ocupados em 1967 devem ser devolvidos, isso abriria precedente para reivindicar a terra tomada da mesma forma em 1948. Se a reivindicação judaica exclusiva de qualquer parte da Palestina pode ser contestada, então a reivindicação de qualquer outra parte não se tonaria segura, pensam eles. Assim, soa patético ouvir o bom mocismo do “sionismo de esquerda” que prega o diálogo como instrumento para a desocupação dos territórios anexados em 1967 e a consequente resolução dos dois Estados
Por isso, o simbolismo da data da partilha é essencial para compreender o processo colonial que se seguiu na Palestina, mas é também uma data importante para reivindicar a construção de um Estado que contemple igualdade, justiça e autodeterminação para todos os povos da região.
1914
Nas vésperas da I Guerra Mundial, parte do Médio Oriente ainda estava sob o Império Otomano. Outros territórios estavam sob controlo britânico e italiano, e outros já tinham conquistado a sua independência.
1939
No dia que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a maior parte do Médio Oriente ainda era administrada pela potência colonial da Grã-Bretanha. Turquia e Irão eram independentes.
1947
Em 29 de Novembro de 1947, por 33 votos a favor, 10 contra e 13 abstenções, a ONU divide a Palestina do mandato britânico em dois Estados: um judaico e um árabe. A Resolução 181 previa uma união económica e colocava Jerusalém sob estatuto internacional. Os dois Estados seriam territórios descontínuos ligados por corredores estreitos. Ao Estado judaico foi atribuída uma larga faixa costeira ao longo do Mediterrâneo, a Galileia oriental, e praticamente todo o deserto do Neguev, com uma saída para o mar Vermelho. Ao Estado árabe foi oferecida a Galileia ocidental, com acesso ao Mediterrâneo, a partir de Acre, a Cisjordânia (excepto Jerusalém) e a Faixa de Gaza. Jaffa, cidade portuária de maioria árabe, permaneceria um enclave árabe. Os sionistas apoiaram este projecto de divisão que garantia soberania e imigração sem entraves. Os árabes rejeitaram-no unanimemente e pegaram logo em armas. O plano jamais chegou a ser aplicado.
1967
A vitória na Guerra dos Seis Dias de Junho de 1967 dá a Israel importantes posições estratégicas. Começa uma acelerada colonização da Cisjordânia e é anexado o sector oriental de Jerusalém. A cidade é unilateralmente proclamada “capital una e indivisível” do Estado judaico.
1985
Após a Guerra de Yom Kippur, a única alteração, imposta pelos EUA, foi a evacuação da cidade de Kuneitra nos Montes Golã. Em 1981, este planalto, conquistado à Síria em 1967, é anexado por Israel, e um tratado de paz devolve ao Egipto a península do Sinai. Em 1982, Israel invade o Líbano e cerca Beirute, mas, em 1985, depois de expulsar 8000 guerrilheiros da OLP, reposiciona-se numa “zona de segurança” no Sul do país – a retirada total só se dará em 2000.
1992-2008
Os Acordos de Oslo assinados em 1992 por Israel e pela OLP de Arafat levam a uma complexa fragmentação territorial. A Autoridade Palestiniana passa a controlar 70% da Faixa de Gaza. Na Cisjordânia são instituídas três zonas: A (controlo palestiniano); B (controlo misto) e C (controlo exclusivo de Israel), incluindo as instalações militares e 150 colonatos judaicos. Este mapa de Oslo ficou mais retalhado em 2000, quando, depois da Segunda Intifada, Israel reocupou militarmente a Cisjordânia e iniciou a construção de um “muro de separação” ou “barreira de segurança” – que tem transformado povoações palestinianas em guetos.
2017-2018
As iniciativas legislativas do Governo de direita dominado pela ala nacionalista do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, visa criar mais retalhos no mapa, abrindo caminho para a anexação de facto de territórios ocupados. Em Setembro de 2017, o Parlamento aprovou uma lei que permite a criação de universidades na Cisjordânia ocupada. E há iniciativas para os tribunais israelitas terem jurisdição na Área C, que compreende 60% da Cisjordânia. Os colonatos não cessam de aumentar.
Muro da Cisjordânia
Muros, vedações electrificadas e outros obstáculos são utilizados para controlar o movimento dos palestinianos. A construção do muro dentro da Cisjordânia continua, apesar de o tribunal internacional de Justiça ter considerado que não devia existir
Colonatos
Os colonatos judaicos são locais onde vivem civis israelitas em território ocupado (e alguns casos anexado). São ilegais à luz da lei internacional, mas Israel distingue entre colonatos regulares (que a lei israelita permite) e “selvagens” (proibidos mesmo por Israel). Os colonatos israelitas são muito diferentes entre si, podendo ir desde um par de caravanas ou pré-fabricados no cimo de um monte (no caso dos “selvagens”) até autênticas cidades estabelecidas, com instituições como câmaras municipais ou universidades.