Ninguém ouviu Um lamento triste Negro entoou E de guerra em paz E ecoa
noite e dia
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor
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O “Canto das Três Raças” foi composto por Mauro Duarte (música) e Paulo César Pinheiro (letra) com o intuito de ser um samba-enredo para a Portela, o que não aconteceu. Clara Nunes gravou a canção no LP Clara, de 1976, alcançando grande sucesso.
A canção recorre à imagem corrente de três raças constituindo o Brasil. Ainda, a canção afirma que os inconfidentes lutaram “pela quebra das correntes”, mas, como mostram as pesquisas históricas, apenas alguns inconfidentes entendiam que a escravidão era incompatível com a causa da independência em relação a Portugal. Como afirma o historiador Luiz Carlos Villalta (UFMG), em artigo publicado em 2013, na Revista de História, “A Inconfidência Mineira foi uma conspiração abortada, protagonizada por membros das elites intelectual, política, social e econômica, quase todos brancos (a única exceção foi um mulato, sem importância no movimento). Com a intenção de reter em suas mãos as riquezas geradas na capitania, combatiam o monopólio da Coroa sobre o comércio e sobre a extração de diamantes, pediam o perdão de dívidas e defendiam a liberdade para estabelecer manufaturas. O que os inconfidentes queriam era participar do poder e de oportunidades de lucro, fossem elas lícitas ou ilícitas (o contrabando). Para isso, cogitaram diferentes soluções: implantar uma República (sua proposta predominante), ou que a família real (ou um de seus membros) viesse para o Brasil, ou que se fizesse alguma negociação com a Coroa portuguesa. Falavam na transferência da capital para São João del-Rei, na criação de uma Universidade em Vila Rica e na criação de milícias formadas pelos cidadãos, no lugar de um exército permanente. Sonhavam com apoios da França e dos Estados Unidos. Pensavam em alforriar mulatos e crioulos (escravos nascidos na colônia), mas houve oposição à ideia.”
Sobre o enredo, Paulo César Pinheiro contou, em Histórias das Minhas Canções, que a ideia surgiu sobre a exploração das três etnias, índios, negros e brancos, e que para compor a letra se lembrou de um poema seu, “Canto Brasileiro”, que falava sobre a formação da música popular brasileira. Esse poema foi gravado pelo autor no LP O importante é que a nossa emoção sobreviva nº 2, de 1976:
Meu coração é o violão de Espanha
Meu sangue quente é o banjo americano
A minha voz é o cello da Alemanha
Meu sentimento é o bandolim cigano
A minha mágoa é o som francês do acordeom
Meu crânio é a gaita de fole
escocesa
Meus nervos são como bandoneon
Minha calma é igual guitarra portuguesa
Meu olho envolve como flauta indiana
Minha loucura é como harpa romana
Meu grito é o corne inglês de desespero
Maldito ou bíblico, demônio ou santo
Cada país foi me emprestando um canto
E assim nasceu meu Canto Brasileiro
20 nov 2020 . 10:11
Raízes negras, samba e batuque africano na música de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, cantada por Clara Nunes falam da formação do brasileiro a partir de três raças, o branco, o negro e o índio. Índios saqueados, negros sequestrados, todos escravizados pelo branco europeu. A resistência do quilombo, o extermínio indígena, o “soluçar de dor”, a histórica responsabilidade do branco europeu.
A opressão de escancarada durou mais de 300 anos, e foi superada há pouco mais de 100 anos, não por questões humanitárias, mas sim pela necessidade de adequação à economia.
Sua superação, entretanto, com a abolição da escravidão articulada pela monarquia, não acabou com a mentalidade que sustentou tais relações por séculos. Nem tampouco significou a transformação da estrutura social, marginalizando, desta forma, o negro e o índio na chamada civilização europeia.
A música, desta forma, resgata a origem de um racismo recorrente, assassino, e, mesmo assim, tolerado e ignorado pelos poderes instituídos. Até quando?
Canto das Três Raças
(Composição: Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte/1974)
Intérprete: Clara Nunes
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz
em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor