A relação jurídica de locação é uma prática amplamente utilizada pela população mundial e não seria diferente no Brasil. Foi em 1934, com a alta prática da locação de imóveis que os legisladores decidiram regulamentar as relações locatícias não residenciais, através do Decreto-Lei n° 24.150, conhecido como “lei de luvas”, limitando o poder do proprietário de cobrar valores abusivos pela renovação do contrato e garantindo maior segurança jurídica ao locatário.
Com o aumento da população somada ao êxodo rural, bem como em razão das novas regras de convivência social, as relações locatícias foram passando por transformações fazendo com que o ordenamento jurídico também se readequasse a dinâmica socioeconômica, sendo assim, em 18 de outubro de 1991, foi promulgada e Lei n.º 8.245, popularmente conhecida como a Lei do Inquilinato, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes.
A Lei do Inquilinato trouxe à baila os direitos e deveres que cada uma das partes – locador e locatário – possuem ao celebrarem um negócio jurídico e, ainda, certas diretrizes as quais o contrato de locação deve observar, como por exemplo, o prazo de duração do contrato, as condições para renovação, a possibilidade de o locador exigir garantias locatícias, dentro outros aspectos.
Sobre esta última que abordaremos brevemente neste texto.
Pois bem, a Lei do Inquilinato dispõe em seu artigo 37 acerca das garantias locatícias cujo objetivo é proteger o locador, a fim de garantir o cumprimento da obrigação principal da locação, sendo elas a caução, a fiança, o seguro de fiança locatícia e a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Cumpre destacar brevemente o conceito de cada uma das garantias locatícias previstas em lei, sendo que, i) a caução consiste na situação de o locatário dispor algum dos seus bens próprios, móveis ou imóveis, ou até mesmo o dinheiro, no valor que não poderá exceder o equivalente a três meses de aluguel pactuado, conforme disposto no §2º do artigo 38 da Lei do Inquilinato; ii) a fiança, que representa a garantia pessoal concedida por terceiro em favor do locador; iii) o seguro fiança, modalidade de garantia na qual o inquilino/locatário adquire um plano de seguro que garante o pagamento dos aluguéis e seus encargos e; iv) a cessão fiduciária de quotas de fundos, na qual o locatário ou terceiro transfere a titularidade das quotas de um fundo de investimento ao locador, de maneira não definitiva, apenas pelo período de vigência do contrato de locação.
O que muitos locadores e locatários não sabem é que no momento de pactuação do contrato de aluguel é vedado por lei exigir mais de uma modalidade de garantia locatícia, conforme disposto no parágrafo único do artigo 37 da Lei do Inquilinato, conforme podemos observar no texto da lei:
“Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.”
A redação da norma legislativa é clara ao proibir a utilização de mais de uma das modalidades de garantias no contrato de locação e, se acaso essa determinação legal não for respeitada pelas partes, será considerada nula a garantia locatícia excedente para que remanesça apenas uma garantia ao negócio jurídico nos termos da legislação.
O legislador ao estipular tão vedação teve por finalidade atribuir um equilíbrio mínimo à relação jurídica locatícia para que fosse evitado o abuso contratual do locador, pois a finalidade da Lei do Inquilinato, além de resguardar o locador possui como destaque proteger o inquilino.
A prática da exigência de dupla garantia nos contratos de locação constitui contravenção penal, previsto no artigo 43, inciso II da Lei do inquilinato, que dispõe acerca das penalidades criminais e civis, prevendo punição com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado.
Vale destacar que, ao contrário do que o locador objetiva com a exigência de duas garantias no contrato de locação para se resguardar, além de não lhe proporcionar vantagem alguma, a garantia prestada em excesso será nula. Entretanto, o contrato de locação não será afetado, ou seja, a nulidade atingirá tão somente aquilo que houver excedido a disposição legal.
Ademais, caso o contrato de locação tenha erroneamente previsto a dupla garantia, o que será considerado nulo? Pois bem, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça a exigência de dupla garantia em contrato de locação não implica na nulidade de ambas as garantias nem do contrato, mas tão-somente daquela garantia que houver excedido a disposição legal e deverá ser nula a garantia estipulada em acréscimo a primeira, prevalecendo intactas as demais disposições do contrato de locação.
Entretanto, há outros posicionamentos que defendem que deverá analisar qual a garantia mais gravosa ao locatário, ou seja, deverá ser analisado qual das garantias inseriu o locatário em uma posição de maior onerosidade, sendo esta excluída do contrato de locação.
Sendo assim, para evitar possíveis litígios durante o período de locação, se faz necessário que o locador e locatário avaliem durante a elaboração do contrato qual a modalidade de garantia que melhor poderá garantir a satisfação do crédito, observando as disposições legais previstas na Lei do Inquilinato, evitando-se, portanto, a caracterização do abuso contratual por parte do locador e a onerosidade excessiva sofrida pelo locatário.