A insustentável leveza do ser pdf

(texto da orelha) A insustentável leveza do ser Num mundo em que as vidas são condicionadas por escolhas irrevogáveis e por acontecimentos fortuitos, quando as coisas só acontecem uma vez a existência parece perder a sua substância, o seu peso. Por isso, diz Milan Kundera, sentimos a intolerável leveza do ser Como em outro grande escritor tcheco, Kafka, a vida para ele é um imenso absurdo, totalmente destituída de qualquer significado: tanto pode ser um sonho como um pesadelo. É nesse clima de imprecisão, que um cenário político opressivo torna por vezes sombrio, que vivem os personagens de Milan Kundera. Dois casais constituem o ponto focal dos acontecimentos: Tomas-Tereza e Sabina-Franz. Entre esses quatro personagens, porém, parece haver uma simbiose constante: os traços de caráter de Tomas vão repetir-se em Sabina, e os de Tereza parecem coincidir em muitos pontos com os de Franz. Tereza destrói, de certa maneira, a vida de Tomas, mas para ele isso não tem qualquer importância, quando Sabina abandona Franz, dá um novo rumo à vida deste, mas também para ele isso não tem importância. As coisas acontecem uma vez só, ou são uma interminável repetição? Qualquer que seja a resposta, ela não é importante. O autor coloca-se neste romance como um observador de suas criaturas, como um comentarista de seus atos. Essa técnica permite- lhe fazer digressões sobre problemas do relacionamento humano, principalmente sobre a atração entre os sexos, tema de algumas de suas melhores páginas. Milan Kundera nasceu em Praga, na Tcheco-Eslováquia, em 1929. Era estudante quando o regime comunista foi estabelecido em seu país. Trabalhou depois como operário, foi músico de jazz e, finalmente, dedicou-se à literatura. A publicação de seu primeiro romance, A brincadeira (1967), foi um dos marcos iniciais do movimento de libertação que culminou na Primavera de Praga. Depois da invasão russa de 1968 seus livros foram proibidos. Em 1975 transferiu-se para a França. Capa e foto (vista noturna de Praga) Victor Burton PRIMEIRA PARTE A LEVEZA E O PESO 1 O eterno retorno é uma idéia misteriosa, e Nietzsche, com essa idéia, colocou muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato? O mito do eterno retorno nos diz, por negação, que a vida que vai desaparecer de uma vez por todas, e que não mais voltará, é semelhante a uma sombra, que ela é sem pe so, que está morta desde hoje, e que, por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor, não têm o menor sentido. Essa vida não deve ser considerada mais importante do que uma guerra entre dois remos africanos do século XIV, que não alterou em nada a face do mundo, embora trezentos mil negros tenham encon trado nela a morte através de indescritíveis suplicios. Será que essa guerra entre dois remos africanos do século XIV se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de vezes no eterno retorno? Sim, certamente: ela se tornará um bloco que se forma e perdura, e sua tolice será sem remissão. Se a Revolução Francesa devesse repetir-se eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas, como ela trata de uma coisa que não voltará, os anos sangrentos não são mais que palavras, teorias, discussões são mais leves que uma pluma, já não provocam medo. Existe uma enorme diferença entre um Robespierre que não aparece senão uma vez na história e um Robespierre que voltasse eternamente cortando a cabeça dos franceses. Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva na qual as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas nos aparecem sem a circunstância atenuante de sua fugacidade. Essa circunstância atenuante nos impede, com efeito, de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crespúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia, inclusive a guilhotina. Não há muito tempo, eu mesmo fui dominado por este fato: parecia-me incrível, mas, folheando um livro sobre Hitler, fiquei emocionado diante de algumas de suas fotos; elas me lembravam o tempo de minha infância; eu a vivi durante a guerra; diversos membros de minha família foram mortos nos campos de concentração nazistas; mas o que era a morte deles diante dessa fotografia de Hitler que me lembrava um tempo passado da minha vida, um tempo que não voltaria mais? Essa reconciliação com Hitler trai a perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente perdido. 2 Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Que idéia atroz! No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma insustentável leveza. Isso é o que fazia com que Nietzsche dissesse que a idéia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht). Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, nossas vidas, sobre esse pano de fundo, podem aparecer em toda a sua esplêndida leveza. Mas, na verdade, será atroz o peso e bela a leveza? O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino, O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi- real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes, Então, o que escolher? O peso ou a leveza? Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo nó século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em duplas de contrários: a luz e a obscuridade, o grosso e o fino, o quente e o frio, o ser e o não-ser. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, negativo. Essa divisão em pólos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Menos em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza? Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado negativo. Teria ou não razão? Essa é a questão. Uma coisa é certa. A contradição pesado-leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições. 3 Há muitos anos penso em Tomas. Mas é sob a luz dessas reflexões que o vi claramente pela primeira vez. Eu o vejo de pé, numa das janelas de seu apartamento, os olhos fixos, do outro lado do pátio, na parede do prédio defronte, sem saber o que fazer. Conhecera Tereza três semanas antes, numa pequena cidade da Boêmia. Mal tinham passado uma hora juntos. Ela o acompanhara à estação e esperara até o momento em que ele subiu no trem. Uns dez dias depois veio vê-lo em Praga. Nesse dia logo fizeram amor. De noite ela teve um acesso de febre e passou uma semana inteira com gripe na casa dele. Ele sentiu então um inexplicável amor por essa moça que mal conhecia. Tinha a impressão de que se tratava de uma criança que fora deixada numa cesta, untada com resina e abandonada sobre as águas de um rio para que ele a recolhesse no regaço de seu leito. Tereza ficou com ele uma semana; depois, já curada, voltou para a cidade em que morava, a duzentos quilômetros de Praga. E aí que se situa o momento a que me referia, em que vejo a chave da vida de Tomas: está de pé à janela, os olhos fixos, do outro lado do pátio, na parede do prédio defronte, refletindo: Devo ou não propor que ela venha se instalar em Praga? Essa responsabilidade o assusta. Se convidá-la agora, ela virá oferecer-lhe toda a sua vida. Ou seria melhor desistir? Nesse caso Tereza continuaria garçonete num restaurante de um buraco de província e ele não a veria nunca mais. Desejava que ela ficasse? Sim ou não? Olha o pátio, os olhos fixos no muro defronte, e procura uma resposta. Volta, mais uma vez e sempre, à imagem daquela mulher deitada no divã. Ela não lhe lembra ninguém de sua vida de outros tempos. Não era nem amante nem esposa. Era uma criança que ele retirara de uma cesta untada de resina e que colocara no regaço de seu leito. Ela havia adormecido. Ele se ajoelhara ao seu lado. Sua respiração febril se acelerava e ele ouviu um leve gemido. Encostou o rosto contra o dela e sussurrou palavras reconfortantes durante o sono. No fim de alguns instantes, sua respiração tornou-se mais calma e seu rosto se levantou maquinalmente em direção ao dele. Sentiu nos lábios o cheiro um pouco acre da febre e o aspirou como se quisesse se impregnar da intimidade de seu corpo. Imaginou então que ela estava na casa dele já há muitos anos e que morria. De repente, pareceu-lhe evidente que não sobreviveria à morte dela. Estendeu-se ao seu lado para morrer junto com ela. Seus rostos uniram-se sobre o travesseiro e assim ficaram por muito tempo: No momento Tomas está de pé à janela e relembra esse instante. O que seria senão o amor que assim se revelava? Mas seria amor? Estava persuadido de que queria morrer ao lado dela e esse sentimento era claramente exagerado: estava vendo-a então pela segunda vez na vida! Não seria mais a reação histérica de um homem que, compreendendo em seu foro intimo sua inaptidão para o amor, começa a representar para si próprio a comédia do amor? Ao mesmo tempo, seu subconsciente se mostrava tão covarde que escolhera para sua comédia essa modesta garçonete de província que não tinha praticamente possibilidade de entrar em sua vida. Olhava os muros sujos do pátio e compreendia que não saberia se era histeria ou amor. E, nessa situação em que um verdadeiro homem saberia agir imediatamente, ele se recriminava por negar assim ao mais belo instante de sua vida (está de joelhos à cabeceira da moça, convencido de não poder sobreviver à sua morte) a sua plena significação. Torturava-se com recriminações, mas terminou por se convencer de que era no fundo normal que não soubesse o que queria: nunca se pode saber aquilo que se deve querer, pois só se tem uma vida e não se pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-la nas vidas posteriores. Seria melhor ficar com Tereza ou continuar sozinho? Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? E isso que faz con que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro. Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca. 4 Mas um dia, numa pausa entre duas operações, uma enfermeira vem avisá-lo de que está sendo chamado ao telefone. Escutou a voz de Tereza no aparelho. Estava telefonando da estação. Ele se alegrou com isso. Infelizmente tinha um compromisso naquela noite e só a convidou para o dia seguinte. Depois de desligar, lamentou não ter pedido que ela viesse logo. Ainda havia tempo de desmarcar o compromisso. Ele tentava imaginar o que Tereza faria em Praga durante aquelas longas trinta e seis horas que faltavam para o encontro deles e teve vontade de tomar o carro e sair à sua procura pelas ruas da cidade. Ela chegou na noite do dia seguinte. Usava uma bolsa a tiracolo com uma longa alça, ele achou-a mais elegante do que da última vez. Trazia na mão um livro: Ana Karenina de Tolstói. Tinha maneiras joviais, até mesmo um pouco ruidosas, e esforçava-se para demonstrar que estava passando inteiramente por acaso, graças a uma circunstância especial: estava em Praga por motivos profissionais, talvez (suas propostas eram muito vagas) à procura de um novo emprego. Em seguida viram-se deitados nus e cansados no divã. Já era noite. Ele perguntou onde ela morava, ofereceu-se para levá-la de carro. Ela respondeu, embaraçada, que iria procurar um hotel e que tinha deixado a mala no depósito. Na véspera ele temera que ela viesse oferecer-lhe toda a sua vida se a convidasse para vir para sua casa em Praga. Agora, ao ouvi- la dizer que sua mala estava no depósito da estação, pensou que ela havia depositado sua vida na estação antes de oferecê-la. Entrou com ela no carro, estacionou diante do prédio, foi à estação, retirou a mala do depósito (era grande e infinitamente pesada) e levou-a junto com Tereza para sua casa. Como é que ele tomara uma decisão tão súbita quando hesitara durante quase quinze dias, sem lhe dar o menor sinal de vida? Ele mesmo estava surpreso. Agia contra seus princí pios. Há dez anos, quando se divorciara da primeira mulher, viveu seu divórcio numa atmosfera de alegria, como outros comemoram um casamento. Compreendeu então que não nascera para viver ao lado de uma mulher, qual quer que fosse ela, e que só poderia ser um celibatário. Esforçãva-se, portanto, cuidadosamente para organizar seu sistema de vida de maneira tal que nenhuma mulher jamais viesse se instalar com mala em sua casa. Por isso só tinha um divã. Se bem que fosse um divã largo, dizia às suas companheiras que era incapaz de adormecer na mesma cama com quem quer que fosse, e levava-as sempre de volta depois de meia-noite. Por sinal, na primeira vez em que Tereza ficou na casa dele com gripe, não dormiu com ela. Passou a primeira noite numa grande poltrona, e nas outras noites foi para o hospital onde em seu gabinete de consulta havia uma espreguiçadeira que utilizava nos plantões noturnos. No entanto, desta vez, adormeceu ao lado dela. De manhã percebeu que Tereza, que ainda dormia, segurava sua mão. Teriam ficado de mãos dadas a noite inteira? Era difícil de acreditar. Ela respirava profundamente enquanto dormia, segurava sua mão (com força: ele não conseguia se desvencilhar da pressão) e a pesadissima mala estava ao lado da cama. Não ousava soltar a mão do seu aperto, por temer acordá-la, e virou-se com muito cuidado para observá-la mais à vontade. Mais uma vez, ocorreu-lhe que Tereza era uma criança posta numa cesta untada com resina e abandonada ao sabor da corrente. Como deixar derivar para as águas impetuosas de um rio a cesta onde se abriga uma criança? Se a filha do Faraó não tivesse retirado das águas a cesta do pequeno Moisés, não teria havido o Velho Testamento e toda a nossa civilização! No começo de tantos mitos antigos, existe sem pre alguém que salva uma criança abandonada. Se Pólibo não tivesse recolhido o pequeno Édipo, Sófocles não teria escrito sua mais bela tragédia! Tomas compreendeu então que as metáfo...

O que significa a insustentável leveza do ser?

Romance de Milan Kundera, publicado em 1984, é um dos maiores clássicos da literatura contemporânea. A ação de A Insustentável Leveza do Ser desenrola-se em Praga, em 1968, centrando-se no cirurgião Tomas que procura a liberdade sexual como forma de alcançar a felicidade.

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