Da observação Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a
frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que eles te querem, Teu mais amável e sutil recreio... Do estilo Fere de leve a frase...E esquece...nada Convém que se repita... Só em linguagem amorosa agrada A mesma coisa cem mil vezes dita. Das Belas Frases Frases felizes...Frases encantadas... Ó festa dos ouvidos! Sempre há tolices muito bem ornadas... Como há
pacóvios bem vestidos. Do Cuidado da Forma Teu verso, barro vil, No teu casto retiro, amolga, enrija, pule... Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil, Arredondado e liso como um bule! Dos Mundos Deus criou este mundo. O homem, todavia, Entrou a desconfiar, cogitabundo... Decerto não gostou lá muito do que via... E foi logo inventando o outro mundo. Das Corcundas As costas de polichinelo arrasas Só porque fogem das comuns medidas? Olha! Quem sabe não serão as asas De um anjo, sob as vestes escondidas... Das Utopias Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas! Dos Milagres O
milagre não é dar vida ao corpo extinto, Ou luz ao cego, ou eloquência ao mundo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é acreditarem nisso tudo! Das Ilusões Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida... Que extraordinária sensação de alívio! Dos Nossos Males A nós nos bastem nossos
próprios ais, Que a ninguém sua cruz é pequenina. Por pior que seja a situação da China, Os nossos calos doem muito mais... Da Eterna Procura Só o desejo inquieto, que não passa, Faz o encanto da coisa desejada... E terminamos desdenhando a caça Pela doida aventura da caçada. Do Pranto Não tente consolar o desgraçado Que chora amargamente a sorte má. Se o tirares
por fim do seu estado, Que outra consolação lhe restará? Do sabor das coisas Por mais raro que seja, ou mais antigo, Só um vinho é deveras excelente: Aquele que tu bebes calmamente Com o teu mais velho e silencioso amigo... Dos Sistemas Já trazes, ao nascer, tua filosofia. As razões? Essas vem posteriormente, Tal como escolhes, na chapelaria, A forma que mais te
assente... Do exercício da filosofia Como o burrico mourejando à nora, A mente humana sempre as mesmas voltas dá... Tolice alguma nos ocorrerá Que não a tenha dita um sábio grego outrora... Das idéias Qualquer idéia que te agrade, Por isso mesmo... é tua. O autor nada mais fez do que vestir a verdade que dentro em ti se achava inteiramente nua... Da amizade entre mulheres Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual! Haverá quem nisso creia? Salvo se uma das duas, por sinal, for muito velha, ou muito feia... Da Felicidade Quantas vezes a gente, em busca da ventura, Procede tal e qual o avozinho infeliz: Em vão, por toda parte, os óculos procura, Tendo-os na ponta do nariz! Da
Realidade O sumo bem só no ideal perdura... Ah! Quanta vez a vida nos revela Que "a saudade da amada criatura" É bem melhor do que a presença dela... Do Amoroso Esquecimento Eu, agora - que desfecho! Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? Da discrição Não te abras com teu amigo Que ele um outro amigo tem. E o amigo
de teu amigo Possui amigos também... Da Preguiça Suave preguiça, que do mau-querer E de tolices mil ao abrigo nos pões... Por causa tua, quantas más ações Deixei de cometer! Do ovo de Colombo Nos acontecimentos, sim, é que há destino: Nos homens, não - Espuma de um segundo... Se Colombo morresse em pequenino, O Neves descobria o novo
mundo! Do mal da velhice Chega a velhice um dia...E a gente ainda pensa Que vive... E adora ainda mais a vida! Como o enfermo que em vez de dar combate à doença Busca torná-la ainda mais comprimida... Da moderação Cuidado! Muito cuidado... Mesmo no bom caminho urge medida e jeito. Pois ninguém se parece tanto a um celerado Como um santo perfeito... Da calúnia Sorri com tranquilidade Quando alguém te calunia. Quem sabe o que não seria Se ele dissesse a verdade... Da experiência A experiência de nada serve à gente. É um médico tardio, distraído: Põe-se a forjar receitas quando o doente Já está perdido... De como perdoar aos inimigos Perdoas... És cristão...Bem o compreendo... E é mais cômodo, em suma. Não desculpes, porém, coisa nenhuma, Que eles bem sabem o que estão fazendo... Da condição humana Se variam na casca, idêntico é o miolo, Julgem-se embora de diversa trama: Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo Que o mais sutil dos sábios quando ama. Da
própria obra Exalça o remendão seu trabalho de esteta... Mestre alfaiate gaba o seu corte ao freguês... Por que motivo só não pode o poeta Elogiar o que fez?