Como as pesquisas na antártida contribuem para o estudo das mudanças climáticas no planeta

Ciência, tecnologia e Comunicações

Há 30 anos, o Brasil realiza estudos científicos no continente, cujo objetivo é ampliar o conhecimento dos fenômenos naturais antárticos e sua repercussão no Brasil

05/07/2016 - 09:41  

Proantar/Marinha do Brasil

Como as pesquisas na antártida contribuem para o estudo das mudanças climáticas no planeta

A Antártida é detentora de 90% das reservas de gelo (90%) e de 70% da água doce (70%) do planeta

A importância do Programa Antártico Brasileiro será discutida nesta terça-feira (5) na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara.

“A Antártica exerce um papel fundamental nos sistemas naturais globais, pois é o principal regulador térmico do Planeta, controla as circulações atmosféricas e oceânicas, influenciando o clima e as condições de vida na Terra”, explica o deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), que pediu a realização do debate. Ele ressalta ainda que, nas últimas décadas, relevantes produções científicas que evidenciaram a sensibilidade da região polar austral às mudanças climáticas globais foram realizadas no continente, que o parlamentar chama de "laboratório natural".

Pesquisas brasileiras
“O Programa Antártico Brasileiro garante a presença da comunidade científica brasileira na Antártica desde o verão de 1982/83”, lembra Martins.

O programa apoia a execução de pesquisas que tenham por objetivo ampliar os conhecimentos dos fenômenos antárticos e suas influências sobre questões de relevância global e regional. Sua implementação logística está a cargo da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), vinculada ao Comando da Marinha (Ministério da Defesa).

Também são parceiros na execução do programa os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação; do Meio Ambiente; e das Relações Exteriores.

Debatedores
Foram convidados para discutir o assunto:
- o secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm), Contra Almirante Marcos Borges Sertã;
- o diretor científico do Centro Polar e Climático do Instituto de Geociência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jefferson Simões;
- a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cristina Engel Alvarez; e
- o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Henrique Rosa.

A audiência será realizada no plenário 8 a partir das 15 horas.

Da Redação - ND

Como as pesquisas na antártida contribuem para o estudo das mudanças climáticas no planeta

Alanna e professor Rubens estudam material coletado na Antártida

Os milhares de microorganismos que habitam o mundo, a maior parte deles desconhecidos da ciência, também podem trazer respostas sobre um dos fatores mais preocupantes da modernidade: as mudanças climáticas. Uma série de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob coordenação do professor Rubens Tadeu Delgado Duarte, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, investiga como bactérias da Antártida podem trazer respostas sobre o tema e também seu potencial em inovações da biotecnologia.

Uma dessas pesquisas vem sendo desenvolvida pela estudante de iniciação científica Alanna Maylle Cararo Luiz em seu trabalho de conclusão de curso e foi recentemente apresentada no evento da Sociedade Brasileira de Microbiologia. O estudo Estratégias de crescimento de microrganismos de solos de recuo de geleira da Antártica em termos de seleção r-k trabalha com material coletado em uma expedição pelo continente em 2017, parte do projeto Microsfera – A Vida microbiana na Criosfera Antártica: mudanças climáticas, e bioprospecção.

As pesquisas ocorrem no Laboratório de Ecologia Molecular e Extremófilos (LEMEx). O professor explica que a ecologia molecular é uma uma área da da biologia em que se utiliza moléculas para estudar a ecologia dos seres vivos, e os extremófilos são justamente aqueles organismos que conseguem sobreviver em condições extremas – tal como ocorre no ainda desconhecido continente mais frio do planeta. No LEMEx, a proposta é utilizar moléculas das bactérias para entendê-las e desvendar propriedades e funcionalidades desconhecidas. “Tem milhares, dezenas de milhares de espécies de bactérias e um único grama de solo. Então, uma colher de chá de solo tem milhões de indivíduos a serem estudados”, explica.

O continente antártico também é foco dos interesses porque o eixo central das pesquisas está ligado à ideia de compreender as mudanças climáticas. Cientistas do mundo todo investigam esse ponto do planeta por conta do derretimento das geleiras, que ocasiona aumento no nível das águas e produz um verdadeiro efeito cascata na biodiversidade. “Nós queremos utilizar o conhecimento sobre essas bactérias para determinar, por exemplo, se elas podem indicar uma mudança climática mais rápida ou uma mudança climática mais lenta, ou seja, a gente pode utilizá-las como uma forma de monitoramento de mudanças climáticas, como termômetros biológicos”.

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Duarte explica que diferentes seres vivos podem indicar essas variações. Os pinguins, por exemplo, são muito utilizados pela ciência porque se aproveitam do derretimento dos solos para colonizarem o ambiente. Assim, o aumento das “pinguineiras” é uma amostra efetiva do aquecimento. O que ocorre é que este é um processo lento, que depende das características reprodutivas dos animais. As bactérias, ao contrário, podem trazer essas respostas de forma mais ágil e também mais efetiva.

Collins e Baranowski

As pesquisas da UFSC são realizadas a partir da coleta de solo e de gelo de duas geleiras na Antártida: a Collins e a Baranowski. Segundo o professor, isso ocorre porque, enquanto uma apresenta um processo de derretimento lento, a outra degela de forma muito rápida. “Os levantamentos indicam que a Baranowski recuou, em 43 anos, o que a Collins levou mais de mil anos para recuar”, comenta.

Com esse recuo, o solo volta a ficar exposto e as bactérias são despertadas. Esse processo fornece à ciência um gradiente espaço-temporal, já que se coletam amostragens logo em frente às geleiras, no solo que acabou de ficar exposto, e em regiões mais distantes, expostas há vinte, trinta ou quarenta anos. “Esse gradiente é importante porque é possível entender o que aconteceu com as populações de bactérias ao longo do tempo”, explica.

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Ainda segundo o professor, é possível não só comparar o solo exposto mais e menos recentemente como comparar os solos de cada uma das geleiras – a de rápido e lento processo de degelo. “Quando comparamos a Collins com a Baranowski, por exemplo, podemos identificar quais microorganismos ocorrem no solo da geleira que derrete mais rápido. Essas bactérias podem servir como termômetro para nós”.

No caso da pesquisa de Alanna, a ideia é utilizar bactérias dessas amostras coletadas durante a expedição de 2017 para entender o papel do derretimento das geleiras na sucessão ecológica, o que contribui com o monitoramento dos efeitos das mudanças climáticas. Para ilustrar o que esse fenômeno representa, o professor utiliza um exemplo mais familiar para os brasileiros do que o derretimento das geleiras: as queimadas.

De acordo com Rubens, este processo impacta em toda a biodiversidade da região que está sendo investigada. “Vamos para uma floresta Mata Atlântica, aqui próximo a nós. Digamos que tenha uma queimada. Então, você tem a biodiversidade em volta, mas tem uma clareira sem planta nenhuma. Ao longo dos anos, a floresta vai ocupar aquele espaço novamente: novas sementes vão cair ali, animais vão começar a visitar. Ao longo do tempo, haverá um processo de sucessão ecológica”, explica. E existe um padrão para que isso ocorra: primeiro gramíneas, depois plantas arbustivas, pequenos arbustos, árvores de porte pequeno. Os animais também vão se guiando conforme esse padrão.

Na Antártida, o derretimento das geleiras também passa por esse processo, considerando, é claro, as particularidades da região. E é nesse ponto que a investigação da UFSC pode avançar: a geleira derreteu, o solo descongelou e ficou exposto ao oxigênio da atmosfera. Primeiro algumas bactérias começam a crescer, depois outras, sucessivamente. “As populações vão mudando”, reforça o professor. “Isso acontece com qualquer fator de impacto ambiental”. A sucessão ecológica vai refletir os processos de seleção natural de acordo com a disponibilidade de recursos e as estratégias de crescimento dos organismos.

Na pesquisa, o olhar do professor e da acadêmica está voltado para o crescimento dessas bactérias. Alguns desses microorganismos crescem rápido, levando em torno de 48 horas para a população ficar visível em meio à cultura. Já outros demoram muito mais tempo para crescer. Em solos mais jovens, ou seja, mais recentemente expostos ao fenômeno do degelo, é possível encontrar os organismos que crescem de forma mais acelerada. “Mas à medida que nos distanciamos da geleira, encontramos maior diversidade”, pontua. O fenômeno também é diferente na geleira Collins e na Baranowski.

Amostras de solo foram coletados a distâncias de 0, 50, 100, 200, 300 e 400 m à frente das duas geleiras da Antártica. A contagem de células viáveis ​​foi realizada em cada uma dessas amostras. As colônias foram contadas diariamente e classificadas de acordo com o seu tempo de crescimento – maior ou menor que 48 horas. A partir daí, o estudo envolveu compreender a estratégia de crescimento e a distância em que se encontravam da geleira.

O professor explica que, segundo modelos ecológicos, os organismos de crescimento rápido ocorrem logo no início da sucessão e são substituídos, com o passar do tempo, por organismos de crescimento mais lento. No caso dos solos da Antártica, se organismos de crescimento rápido forem encontrados longe da geleira, é um sinal de que um grande volume de gelo derreteu recentemente. A comparação desse fenômeno entre as duas geleiras, associada a dados climáticos da região, irá comprovar a hipótese do grupo de pesquisadores e poderá trazer uma nova ferramenta para estudos de mudanças climáticas em áreas polares.

Geralmente, estudos como estes requerem também o sequenciamento genético das bactérias selecionadas. Mas o custo alto do processo e os recursos cada vez mais escassos para o investimento em pesquisa podem impedir esse passo adiante.

Diversidade dos microrganismos sugere possíveis aplicações

Outra vertente que os materiais coletados na Antártida pela UFSC também pode originar é a investigação das possíveis aplicações biotecnológicas dos organismos presentes no solo e no gelo. Além da pesquisa de Alanna, pelo menos outros sete trabalhos do LEMEx utilizam as amostras do continente.

Como as pesquisas na antártida contribuem para o estudo das mudanças climáticas no planeta

Segundo Rubens, um dos mecanismos de adaptação de microrganismos ao frio extremo é a produção de proteínas anticongelantes, ou seja, que interferem na formação do gelo e na sua recristalização. Isso confere resistência celular a baixas temperaturas e ao congelamento. “Uma aplicação possível é na saúde pública, nas vacinas de DNA”, explica. Espera-se que os resultados dos estudos demonstrem que as proteínas produzidas por bactérias da Antártida aumentem a estabilidade da vacina de adenovírus submetidas ao congelamento, o que poderia ser aplicável em produtos como os imunizantes do coronavírus.

Um dos estudos em execução nessa linha é o da doutoranda Joana Camila Lopes, que investiga a caracterização dessas proteínas buscando as aplicações biotecnológicas. A pesquisa ainda está em fase inicial, mas as expectativas são positivas, podendo também gerar propostas de aplicações na agricultura, como na proteção contra as geadas, por exemplo.

Todas essas pesquisas são realizadas com amostras coletadas em expedições científicas do Programa Antártico, cuja participação mais recente por parte do LEMEx ocorreu em 2017. As amostras de gelo e de solo ficam armazenadas no laboratório e servem a diferentes pesquisas, de diferentes níveis – da graduação ao doutorado. O material, preservado, também pode servir para estudos futuros.

Fotos e Texto: Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC

Qual e a importância das pesquisas feitas na Antártica?

A questão da ciência na Antártica é bem delicada, mas importantíssima. Mais do que simplesmente apresentar dados científicos, as pesquisas buscam compreender as relações do bioma e clima antártico com o restante do planeta, além de alertar as pessoas sobre a importância do continente gelado.

Qual a importância da Antártica para as pesquisas desenvolvidas na área ambiental em todo o mundo?

Para ele, a Antártica é tão importante para o equilíbrio ambiental da Terra quando a Floresta Amazônica. O especialista explicou que o continente de 14 milhões de quilômetros quadrados influencia o clima de todo o mundo, incluindo a circulação atmosférica e as correntes marítimas.

Que vantagens sobre os demais possuem os países que desenvolvem pesquisas na Antártida?

A outra vantagem pouco conhecida da Antártida tem a ver com seus céus, que são particularmente limpos e excepcionalmente livres de interferência de rádio. Isso os torna ideais para pesquisas no espaço profundo e rastreamento de satélite.

Qual e a importância do continente antártico na regulação do clima no planeta?

É o principal regulador térmico do Planeta, controla as circulações atmosféricas e oceânicas, influenciando o clima e as condições de vida na Terra. Além disso, é detentora das maiores reservas de gelo (90%) e água doce (70%) do Planeta, além de possuir recursos minerais e energéticos incalculáveis.