A política de saúde para os povos indígenas é uma das questões mais delicadas e problemáticas da política indigenista oficial. Sensíveis às enfermidades trazidas por não-índígenas e, muitas vezes, habitando regiões remotas e de difícil acesso, as populações indígenas são vítimas de doenças como malária, tuberculose, infecções respiratórias, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis, entre outras. Show
Desde a criação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967, diferentes instituições e órgãos governamentais se responsabilizaram pelo atendimento aos índios. As diretrizes foram alteradas diversas vezes, mas, com exceção de casos pontuais, em nenhum momento a situação sanitária nas aldeias foi realmente satisfatória. Em 1999, uma política de descentralização do atendimento, mediante a assinatura de convênios com prefeituras e instituições da sociedade civil, reduziu a ação direta do Estado e implementou 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), gerando alguns resultados positivos. O subsistema de saúde indígena do Sistema Único de Saúde era então gerido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que, durante anos, foi alvo de denúncias ligadas a corrupção e deficiências no atendimento. O movimento indígena lutou para que a gestão da saúde indígena passasse às mãos de uma secretaria específica, diretamente vinculada ao Ministério da Saúde – demanda que foi atendida pela presidência da República no ano de 2010. Os DSEIs são, atualmente, de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e foram delimitados a partir de critérios epidemiológicos, geográficos e etnográficos. Cada DSEI possui um conjunto de equipamentos que permite a realização do atendimento de casos simples, ficando as ocorrências de alta complexidade a cargo de hospitais regionais, implicando em um aparato para remoção dos doentes. O controle social se dá por meio dos Conselhos Indígenas de Saúde (Condisi), que garantem, ao menos no plano da legislação, a participação dos índios na gestão dos DSEIs. Os conselheiros são escolhidos pelas comunidades atendidas e participam de reuniões periódicas organizadas pelos gestores de cada DSEI. Na prática, a relação entre os povos indígenas e esses gestores é tensa, permeada por problemas relacionados à gestão e a aplicação de recursos. Caos e retrocessoTexto originalmente publicado como parte da reportagem especial sobre saúde indígena produzida pelo ISA em junho de 2006. A partir de 2005 houve uma explosão nos protestos de diferentes etnias em todo o Brasil, revelando situações de abandono e descaso no atendimento das populações indígenas. Greves se sucederam nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) interrompendo o atendimento das populações e permitindo que doenças antes controladas retornassem com força de epidemia. A desnutrição infantil vitima um número crescente de crianças. A dificuldade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em gerir o sistema chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF). No começo de 2006, o MPF criou um grupo de trabalho para investigar problemas com os convênios firmados com as organizações que realizam o atendimento local e averiguar também a excessiva burocracia da Funasa – que estaria por trás dos recorrentes atrasos nos repasses de recursos e deixaria as aldeias sem médicos ou medicamentos. Entre os mais de 235 povos indígenas com direito ao serviço de saúde, alguns casos se tornaram emblemáticos e marcaram regularmente o noticiário: as mortes por desnutrição das crianças Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, a volta da epidemia de malária entre os Yanomami de Roraima e Amazonas, o alto índice de vítimas fatais causados por acidentes ofídicos no Alto Rio Negro, o falecimento de dezenas de crianças Apinajé no Tocantins e Marubo do Vale do Javari, no Amazonas. Nem o Parque Indígena do Xingu, espécie de cartão-postal da política indigenista oficial e que conta há 40 anos com a presença de médicos da Universidade Federal de São Paulo, se vê livre de sérios problemas: atualmente uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) avança sobre a população xinguana, causando, como mais grave conseqüência, a morte de mulheres por câncer de colo de útero. A incidência de doenças como a malária, a tuberculose e DSTs tem avançado sobre povos indígenas de diferentes regiões do país, o que revela a decadência do atendimento e o sucateamento da infra-estrutura de saúde. As lideranças indígenas reclamam da falta de microscópios e lâminas, medicamentos, meios de transporte e combustível nos postos de atendimento no interior das Terras Indígenas. Também afirmam que a formação de agentes indígenas de saúde caminha em ritmo lento, e que a capacitação dos servidores não-índios permanece insatisfatória. Nesse cenário, as iniciativas promissoras de educação para a saúde foram canceladas, a instabilidade no repasse de verbas tornou-se constante e as ações das equipes de saúde, insustentáveis. Os problemas relacionados à gestão desses recursos e às atribuições das conveniadas estão no centro da situação calamitosa denunciada pelos índios. Mesmo com a destinação de milhões de reais repassados aos 34 DSEIs anualmente, a morosidade e a burocratização no repasse dos recursos federais às entidades conveniadas causam constantes atrasos no pagamento de salários e na quitação de dívidas com os fornecedores. A centralização da compra de medicamentos e a contratação de horas de vôo pela Funasa revelaram-se ineficientes, consumindo os recursos públicos enquanto a situação sanitária nas áreas indígenas piora. Novos horizontesElaborado por Urihi – saúde Yanomami Como se viu em todo o país, a FUNASA demonstrou, em quase duas décadas, não ter a capacidade necessária para se responsabilizar pela saúde indígena. Contando com um quadro de pessoal improvisado, insuficiente e inadequado, tanto no nível central com em suas Coordenações Regionais, e sob forte influência política, cujo resultado foi o absoluto loteamento da instituição, a fundação não apenas teve um desempenho técnico muito aquém dos grandes desafios da saúde indígena, como foi responsável por inúmeros escândalos de corrupção em vários estados. Por outro lado, as parcerias da FUNASA com as organizações indígenas e ONGs indigenistas, estratégia preferencial adotada em 1999 para a implantação dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, foram se desgastando em suas incongruências políticas, administrativas e jurídicas até o ponto de sua inviabilidade. De cara, o modelo de convênio não é um instrumento adequado para ações de caráter contínuo. Além disso, os contratos são regidos pela Instrução Normativa Nº 1 do Tesouro Nacional que, até a sua modificação pela IN Nº 3 do TN em setembro de 2003, era extremamente vaga em relação à forma de execução dos recursos dos convênios com as ONGs. O marco regulatório nebuloso e a falta do prometido apoio técnico e administrativo da FUNASA colocaram várias organizações em situação de inadimplência. Em alguns casos, atendendo a interesses anti-indígenas locais, na disputa dos recursos da saúde indígena ou para desmoralizar ONGs que criticavam a política de saúde vigente, auditorias enviesadas da FUNASA passaram a aplicar retroativamente a legislação atual. Assim, procedimentos administrativos idôneos, econômicos e, à sua época, aceitos e até recomendados pela própria FUNASA foram transformados em irregularidades. Para piorar o quadro, desde 2004 os convênios para a saúde indígena passaram, na prática, a meros instrumentos para a contratação irregular de pessoal para o Estado executar suas próprias ações. Esta foi à conclusão do Ministério Público do Trabalho em seu relatório sobre o assunto, baseado numa profunda avaliação de vários convênios espalhados pelo país. Por todas essas razões, há que se substituir o atual modelo por um novo sistema de atenção à saúde dos povos indígenas que seja adequado às diferentes e complexas realidades de cada um e que esteja à altura da grave situação de saúde por quase todos eles enfrentada. Ao mesmo tempo, medidas imediatas precisam ser tomadas para, ao menos, minimizar os danos no inevitável período de transição. Proposta de Novo Modelo de Gestão da Saúde Indígena:
A saga das reformas da saúde indígena (1967-2004)
Cronologia da Saúde Indígena: da Funasa à SesaiComo era a saúde dos povos indígenas antes da chegada dos europeus em território brasileiro?Como se sabe, antes da chegada de europeus em território brasileiro, os povos indígenas já o habitavam há centenas de anos. Os povos indígenas já tinham enfermidades, mas com a colonização portuguesa tudo piorou, principalmente pela conhecida expressão usada em aulas sobre a história do Brasil: as “doenças de branco”.
Como viviam os povos indígenas antes do contato com os europeus?A costa, o litoral, por onde os portugueses chegaram, era ocupada por uma população homogênea. De norte a sul, era habitada pelo povo tupi-guarani, composta de aproximadamente dois milhões de indivíduos. Praticavam a pesca, a caça e a agricultura de coivara; também desfrutavam de recursos fluviais e marítimos.
Qual foi a atitude dos indígenas antes da chegada dos europeus?Os indígenas resistiram à tentativa de submissão e extermínio, expulsando rapidamente os portugueses.
O que é saúde para os povos indígenas?A saúde para os povos indígenas é uma constru- ção coletiva, conquistada através da participação e do fortalecimento do seu protagonismo e poder de decisão.
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