Como se deu a transição para o Renascimento?

O renascimento compreendeu um período de retomada de elementos da cultura clássica e sua confluência com a cultura cristã herdada da Idade Média.

Como se deu a transição para o Renascimento?
"Torre de Babel", quadro produzido pelo pintor renascentista Pieter Bruegel quando esteve em Roma em 1563

Por Me. Cláudio Fernandes

Quando se estuda a transição da Idade Média, especificamente a Baixa Idade Média, para a Idade Moderna, percebe-se que ainda vigora em muitos livros didáticos de história, revistas e blogs de educação uma certa perspectiva reducionista que compreende o Renascimento Cultural dos séculos XIV, XV e XVI como um fenômeno de ruptura radical e definitiva com a Idade Média. Essa visão supõe ser a Idade Média um período decadente e obscuro que nada ofereceu de significativo ao universo cultural que sobreveio com o Renascimento. 

Mas muito pelo contrário, no período compreendido como Renascimento confluíram vários elementos da cultura cristã florescida na Idade Média, como elementos da cultura clássica (greco-latina), que passou a ter uma dimensão maior na Europa Ocidental, sobretudo em regiões de intenso comércio marítimo, como a Itália (ao sul) e a Holanda e os Países Baixos (ao norte), que também tiveram um intenso desenvolvimento urbano ainda no período medieval. 

Para o historiador Thomas Woods, o Renascimento, mais do que uma ruptura total com o passado medieval, pode ser considerado o auge da Idade Média. Diz ele que “os medievais, tal como uma das figuras exponenciais do Renascimento, tinham um profundo respeito pela herança da antiguidade clássica, ainda que não a aceitassem de modo tão acrítico como o fizeram alguns humanistas: e é na Idade Média que encontramos as origens das técnicas artísticas que viriam a ser aperfeiçoadas no período seguinte.” (WOODS, Thomas. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. São Paulo: Quadrante, 2008. p. 119)

A confluência entre a cultura clássica e a cultura cristã viu-se expressa na obra de vários autores do Renascimento, desde artistas como Michelângelo e Leonardo da Vinci até escritores como Erasmo de Rotterdan, Nicolau de Cusa e Thomas Morus. Uma característica que se tornou, sim, uma identidade renascentista no âmbito dos estudos intelectuais foi a redescoberta dos textos clássicos originais, sobretudo os gregos. Filósofos como Aristóteles e Platão eram lidos na Idade Média por meio de traduções latinas com pouca precisão. Eruditos do Renascimento, como Leonardo Bruni – tradutor da Política e da Ética a Nicômaco, de Aristóteles –, foram responsáveis por esse resgate das fontes primárias dos textos gregos e pela feitura de traduções criteriosas e comentadas. 

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Além disso, outras características também contribuíram para compor uma identidade própria ao Renascimento. A concepção antropocêntrica do mundo, que aos poucos se impôs, divergiu da perspectiva teocêntrica medieval, ainda que vários elementos doutrinais tenham sido preservados. O humanismo, isto é, a valorização das potencialidades humanas, da faculdade racional, da capacidade de criação artística, de observação, registro e cálculo dos fenômenos naturais e de organização política, também contribuiu para definir essa época que antecedeu o século XVII – século da Revolução Científica operada por Galileu Galilei.  As grandes navegações e a descoberta do “novo mundo” (o continente americano) e das civilizações e culturas que nele se desenvolveram também foram decisivas para configurar o Renascimento como uma época de experiências novas e enriquecimento cultural. Somou-se a isso a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico, que também passou a ajustar-se ao antropocentrismo e à capacidade do homem de descobrir os mistérios da “harmonia do mundo”, isto é, os mistérios cosmológicos. 

No mais, foi no início do século XVI, já no auge do Renascimento, que ocorreram dois acontecimentos decisivos no âmbito intelectual, religioso, moral e político da Europa:  invenção da imprensa, por Joannes Gutenberg, e a Reforma Protestante, desencadeada por Martinho Lutero. Esses dois acontecimentos combinados mudaram, aos poucos, a relação dos homens com o conhecimento intelectual antes restrito ao domínio da língua latina. Matinho Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, enquanto a invenção de Gutenberg facilitou a reprodução e a leitura de livros (como a Bíblia) pelo público leigo.

Por Cláudio Fernandes

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O Renascimento (ou Renascença, Renascentismo) foi, ao mesmo tempo, um período histórico e um movimento cultural, intelectual e artístico surgido na Itália, entre os séculos XIV e XVII, e atingiu seu ápice no século XVI. Como sabemos, renascimento significa, literalmente, nascer novamente. Por isso, esse termo foi utilizado para indicar o movimento de retomada da cultura clássica greco-romana. Embora a Itália, especialmente Florença, sejam consideradas o berço da Renascença, ela se expandiu para outras regiões europeias, tais como Alemanha, Flandres e o norte dos Alpes.

Vejamos alguns acontecimentos históricos que contribuíram para o seu desenvolvimento. O Renascimento está situado num período de transição entre a Idade Média e a Modernidade, o que corresponde ao final do Feudalismo e início do Capitalismo. Naquele momento, uma importante mudança no modo de perceber o mundo estava ocorrendo: passava-se de um pensamento predominantemente teocêntrico - onde tudo se explica a partir de uma origem divina - para uma visão de mundo antropocêntrica, onde o homem assume papel central em relação ao universo. Tais pensamentos resultaram no surgimento do Humanismo, um movimento intelectual que se dedicou a valorizar a condição humana e suas múltiplas possibilidades de realizações e descobertas em variados campos do saber, tais como a ciência, a literatura e as artes.

Os italianos daquela época identificaram esses ideais na poderosa Roma Antiga e, com o intuito de reviver esse período, buscaram retomar os seus valores, hábitos, literatura e mitologias. Para isso, os artistas renascentistas estabeleceram como parâmetros para as suas produções as antigas obras clássicas greco-romanas, consideradas, por eles, o que de melhor havia sido produzido em termos artísticos até então. Ao fato de reviver os padrões da antiga Arte Clássica, tais como realismo, simetria e beleza, é que consideramos o Renascimento como o segundo momento da Arte Clássica na história da arte.

Durante o Renascimento houve um grande desenvolvimento naval, comercial e urbano, o que resultou em um significativo crescimento econômico, que deu origem a uma nova classe social, a burguesia. Em virtude dessa ascensão social de uma parcela da população, surgiu um modo diferente de relação entre a arte e a sociedade: o mecenato. O mecenas foi uma figura de extrema importância nesse contexto, pois costumava patrocinar os artistas e suas obras, auxiliando assim na expansão de múltiplos talentos. Sem esse cenário econômico favorável, talvez o Renascimento não encontrasse condições para se desenvolver.

A arquitetura foi a primeira das artes a ser influenciada pelos ideais renascentistas. Inspirado nos modelos arquitetônicos clássicos, o arquiteto Filippo Brunelleschi, projetou a cúpula da catedral de Florença, Santa Maria del Fiore (c.1420-1436) com formas simétricas e harmoniosas. Brunelleschi influenciou enormemente outros arquitetos daquele período e dos séculos seguintes. Leon Allberti, na elaboração da fachada, à maneira romana, da Igreja de S. Andrea (c.1460), em Mântua, é um exemplo da influência exercida por Brunelleschi sobre seus contemporâneos. Nas letras, vale destacar a produção de Dante Alighieri, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio.

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Catedral de Santa Maria Del Fiore (Florença, Itália). Foto: kavalenkava / Shutterstock.com

Podemos identificar as primeiras características da pintura renascentista a partir do século XIV, na produção de Giotto di Bondone. Em pinturas como A Lamentação (c.1305), Giotto rompeu com o estilo artístico de sua época, caracterizado por formas rígidas, ao inserir, em sua pintura, figuras mais realistas e sensação de profundidade na paisagem ao fundo, por meio da perspectiva. Tais princípios de perspectiva foram ainda mais desenvolvidos no século XV, com Masaccio e sua perspectiva matemática, o que pode ser observada na pintura A Santíssima Trindade (c.1420).

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A Lamentação, pintura de Giotto di Bondone (entre 1304-1306).

O Renascimento foi repleto de inovações técnicas no campo artístico. A observação direta da realidade é um deles. Assim, os artistas costumavam desenhar exaustivamente para melhor representarem em suas pinturas e esculturas aquilo que estava diante deles. Outras invenções importantes foram a pintura de cavalete (com a utilização de uma tela colocada sobre esse suporte), e o aprimoramento e uso popularizado da tinta a óleo (mistura de pigmentos com óleos vegetais), pois permitiram tanto o deslocamento e comercialização das obras, quanto uma maior vivacidade nas cores e efeitos mais realistas nas pinturas. Além disso, os artistas, antes anônimos, passaram a ser valorizados pela sociedade. Com isso, teve início a prática do autorretrato, que podemos comparar, em menores proporções, com as atuais selfies.

O curto período chamado de Renascimento Pleno (1500-1520) foi responsável pelo surgimento das obras dos três mais conhecidos artistas desse período: Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti e Rafael Sanzio. O interesse de Da Vinci por variados campos do saber contribuiu para sua fama de “artista completo”, tão valorizada durante a Renascença. Podemos notar sua inventividade nos projetos para a construção de aeronaves, nos desenhos anatômicos realizados a partir de cadáveres etc. Na sua pintura mais famosa, a Mona Lisa (1503-1506), estão presentes os ideais renascentistas de serena harmonia. A suave transição dos tons mais escuros para os mais claros são o resultado de uma técnica criada pelo próprio artista, e chamada de sfumato (fumaça, em italiano).

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Mona Lisa, pintura de Leonardo da Vinci.

Embora não se considerasse um pintor e sim um escultor, não podemos deixar de nos impressionar com a força das imagens presentes nos afrescos (técnica que consiste na realização de pinturas sobre o gesso ainda úmido) realizados por Michelangelo no teto da Capela Sistina, em Roma (o processo de realização dessas pinturas pode ser compreendido através do filme Agonia e Êxtase, de 1965). Essa mesma força está presente na obra Davi (1501-1504), uma estátua de aproximadamente quatro metros de altura, que representa a determinação, e as belas formas, do jovem herói bíblico em sua batalha contra o gigante Golias.

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Estátua de Davi, de Michelangelo, em exposição na Academia de Belas Artes em Florença, Itália. Foto: Lucas Martins / InfoEscola.com

É frequente mencionar o mais jovem desses três artistas, Rafael, como a síntese dos talentos dos outros dois. Em Triunfo da Galateia (c.1512-1514), a mitologia é o tema para a execução de uma pintura linear, em que predominam os contornos. Tudo nesta pintura, como em muitas outras do Renascimento, é extremamente nítido e claro, não existem áreas sombrias. Simbolicamente, nada existe que seja oculto ao homem renascentista. Não há nada que permaneça nas trevas do desconhecimento, pois através dos seus inúmeros saberes culturais e científicos, ele é capaz de lançar luz a todos os mistérios do mundo. Eis um ideal renascentista que, em breve, não mais se sustentaria.

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Triunfo de Galateia, pintura de Rafael Sanzio (1511).

Leia também:

  • Alta Renascença
  • Renascimento científico

Referências:

CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

GOMBRICH, Ernest H. A história da arte. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2011.

JANSON, H.W. História geral da arte: Renascimento e Barroco. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RICHMOND, Robin. Michelangelo: escultor, pintor, poeta. Rio de Janeiro: Salamandra, 1992.

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/movimentos-culturais/renascimento/

À EXCEÇÃO DE UMA, as alternativas abaixo apresentam de modo correto características do Renascimento. Assinale-a.

Como foi a transição da Idade Média para o Renascimento?

A transição da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada por inúmeras mudanças na Europa: o comércio se intensificou, as cidades se desenvolveram, a burguesia se tornou um grupo social muito poderoso, enquanto a nobreza e o clero perderam prestígio.

Qual a transição de pensamento iniciada no Renascimento?

O Humanismo foi um movimento de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, ou entre o Trovadorismo e o Renascimento. Como o próprio nome já indica, esse período literário correspondeu a ideais filosóficos, morais e estéticos que valorizavam o ser humano.

Qual o período de transição do Renascimento?

As fases do Renascimento representam a divisão desse movimento artístico em três períodos: Trecento, Quattrocento e Cinquecento. Elas marcaram a transição da Idade Média para a Idade Moderna nos séculos XIV, XV e XVI.

Como ocorreu o surgimento do Renascimento?

O renascimento surgiu na Europa entre os séculos XV e XVI e teve seu desenvolvimento ligado a uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas que ocorreram no final da História Medieval. Após a queda de Constantinopla, os antigos bizantinos se instalaram na Itália, onde desenvolveram a cultura clássica.