E cabível a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos na Lei Maria da Penha?

01 de Abril de 2012

Pena alternativa e lei Maria da Penha

Passados mais de dez anos da promulgação da Lei 9.714/1998, observa-se que a mesma continua a provocar polêmica em alguns aspectos relacionados à sua aplicação.

De fato, a Lei 9.714/1998 representou um marco à época de sua edição ao criar alternativas penais, possibilitando que crimes de menor gravidade tivessem um tratamento diferenciado, mediante a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, cujas condenações não fossem superiores a quatro anos e o autor da infração não fosse reincidente específico.

Ao vedar a substituição da pena privativa de liberdade para os crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, pretendeu o legislador impedir a concessão de tal benefício àqueles condenados por crimes de maior gravidade e que tanto provocam repúdio à sociedade, em face da violência ou ameaça empregadas para a sua consecução. Contudo, essa regra poderá ser excepcionada quando o delito for considerado de pequena potencialidade ofensiva.

Assim, para os tipos penais que, apesar de cometidos com o emprego de violência ou ameaça à pessoa, admitirem a aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/1995, igualmente será cabível a aplicação de pena alternativa à prisão, nos moldes estabelecidos pela Lei 9.714/1998.

Em relação à Lei Maria da Penha, algumas observações devem ser feitas.

Como é cediço, a Lei 11.340/2006 dispõe expressamente em seu art. 41 que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099”.

Atentou o legislador infraconstitucional para o fato de que a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/1995 não se mostrariam suficientes para coibir tais práticas criminosas, no âmbito da relação familiar, daí por que a previsão do art. 41 da Lei 11.340/2006.

A Lei Maria da Penha foi uma grande novidade há muito necessária em nosso ordenamento jurídico, e, como toda novidade, muita polêmica doutrinária foi travada ao redor da mesma, cabendo aos tribunais firmar uma jurisprudência em torno de seus pontos mais controversos.

Como não poderia deixar de ser, a interpretação da Lei Maria da Penha entra em rota de colisão com a Lei 9.714/1998, especificamente, no que concerne à possibilidade de aplicação de pena alternativa aos crimes de violência contra a mulher, mesmo quando se trata de crimes de menor potencial ofensivo (ameaça, lesão corporal leve etc.).

O STF, nos autos do HC 106212,(1) julgado em 24.03.2011, decidiu pela constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, tornando inaplicável a Lei 9.099/1995 a toda prática delituosa perpetrada contra a mulher, mesmo quando se trata de simples contravenção penal.

Ainda pela citada decisão, os crimes de violência contra a mulher não são considerados de menor potencial ofensivo, ao contrário, são crimes considerados graves, uma vez que a intenção da Constituição Federal (art. 226, § 8.º) foi conceder proteção especial à família, em especial, à parte mais fragilizada da relação familiar, a mulher.

Em que pese a citada decisão do STF, passa-se a questionar agora quanto à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nesses tipos de crime.

O art. 17 da Lei 11.340/2006 veda a aplicação “de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A intenção do legislador ordinário foi a de não permitir que os crimes de violência contra a mulher, pela sua gravidade e pela sua perniciosidade, fossem banalizados e a punição viesse a se resumir à simples entrega de cestas básicas ou ao pagamento de uma dada quantia, gerando uma sensação de completa impunidade e de total descrédito.

Pela redação do art. 17 da Lei 11.340/2006, pode-se compreender ser admissível a substituição da pena prisional por restritiva de direito, desde que esta não tenha cunho pecuniário, como é o caso da prestação de serviços à comunidade e da limitação de fim de semana.

O STJ tem se posicionado no sentido de que, nesses casos, isto é, de crimes contra a mulher, a simples incidência da violência é motivo suficiente para vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.    

Levando-se em conta que o crime de violência contra a mulher não é de menor potencial ofensivo, em razão do bem jurídico que se pretende proteger, conforme decidido pelo STF, inviável a substituição da pena prisional por restritivas de direitos, mesmo por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

A nosso ver, considerando o teor do art. 17 da Lei Maria da Penha, em caso de condenação por crimes de menor potencial ofensivo, mesmo cometidos com violência e grave ameaça, será possível a substituição da pena prisional somente pelas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos (apenas a proibição de frequentar determinados lugares), desde que preenchidos os demais requisitos do art. 44 do CP..(2)

Para reforçar tal entendimento, basta verificar que a Lei 11.340/2006, em seu art. 45, alterou a redação do art. 152 da Lei de Execução Penal, relativo à pena de limitação de fim de semana, estabelecendo no parágrafo único que, “nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”.

Ora, a própria Lei Maria da Penha, além de não excluir no seu art. 17 a possibilidade de aplicação de algumas penas alternativas (p. ex.: prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana) em caso de condenação, desde que não tenham cunho pecuniário, admite de forma expressa no referido art. 45, a possibilidade de aplicação de pena de limitação de fim de semana – modalidade de pena alternativa – nos casos de violência doméstica contra a mulher.

É de se concluir pela possibilidade de substituição da pena prisional por restritivas de direitos nas condenações por crimes previstos na Lei 11.340/2006, desde que as penas não possuam cunho pecuniário e sejam preenchidos os demais requisitos exigidos pelo art. 44 do CP.

NOTAS

(1) Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2012.

(2) Coimbra, Valdinei Cordeiro. Aspectos criminais da Lei n. 11.340, de 08.08.2006, que trata da violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: , 12.09.2006. Acesso em: 22 jan. 2012.

Grecianny Carvalho Cordeiro
Mestre em Direito Público pela UFC e UNIFOR.
Promotora de Justiça.

É cabível a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos?

44 do Código Penal é possível a substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos se o delito praticado não o for com violência ou grave ameaça à pessoa, a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos e o agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício.

É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos crimes de lesão corporal leve?

Lesão corporal não autoriza substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito.

É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de lesão corporal leve constrangimento ilegal é ameaça?

Súmula 588 do STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

É cabível a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos apenas em relação à contravenção penal de vias de fato?

Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos tanto no caso de crime como contravenção penal praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. É o teor da Súmula 588-STJ.