Em quais casos de Neoplasias Malignas podemos observar o CA 125 elevado?

Relato de Caso

Leiomioma uterino associado a CA125 > 2000 U/mL

Uterine leiomyoma associated to CA125 > 2000 U/mL

Diego Lopes Paim Miranda1; Carolina Matos Dórea1; Anderson Rodrigues Dourado Bastos1; Adson Roberto Santos Neves1,2; Luciana Castro Garcia Landeiro3

1. Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Medicina – Salvador, BA, Brasil
2. Hospital da Mulher - Salvador, Bahia, Brasil
3. Grupo Oncoclínicas - Núcleo de Oncologia da Bahia – Salvador, BA, Brasil

Endereço para correspondência

Diego Lopes Paim Miranda
E-mail:

Recebido em 27/05/2020
Aceito em 04/06/2020

Conflito de interesses: Não

Resumo

Níveis elevados de CA125 têm sido associados a vários tipos de câncer e outras doenças benignas, tais como endometriose e leiomioma uterino. No entanto, pacientes com endometriose normalmente não apresentam níveis > 100 U/mL e um aumento significativo raramente é observado no cenário do leiomioma uterino. Uma mulher de 47 anos, nulípara, com leiomioma, apresentou-se ao nosso Departamento de Oncologia devido ao aumento de volume abdominal e elevação de CA125 (valor máximo: 2002 U/mL). A ressonância magnética da pelve revelou miométrio heterogêneo com múltiplos nódulos (aspecto sugestivo de leiomiomatose uterina) e a tomografia por emissão de pósitrons não demonstrou aumento no metabolismo de FDG. A paciente foi submetida a histerectomia total, salpingectomia bilateral e a biópsia em cunha de ambos os ovários e o exame histopatológico confirmou o diagnóstico de endometriose e de leiomioma uterino. O período pós-operatório transcorreu sem intercorrências e o nível sérico de CA125 voltou à normalidade após a cirurgia.

Palavras-chave: Endometriose. Leiomioma. Biomarcadores Tumorais.

INTRODUÇÃO

O biomarcador tumoral CA125 é uma glicoproteína de alto peso molecular, originada no epitélio celômico1. Níveis elevados de CA125 estão associados a diversos tipos de câncer, tais como câncer de mama, de pulmão e, mais frequentemente, câncer de ovário2. Por outro lado, níveis aumentados também têm sido associados a outras doenças benignas, como endometriose e leiomioma3-6.

Na prática clínica, encontra-se intimamente associado ao câncer de ovário, uma vez que até 80% dos casos desse tipo de câncer cursam com níveis elevados de CA1252. Conforme recomendações da Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO), a dosagem de CA125 de rotina é recomendada para diagnóstico do carcinoma epitelial de ovário (CEO) e para avaliação clínica de sua recorrência2.

Quanto ao uso deste biomarcador no rastreio do câncer de ovário, estudos falharam em demostrar redução de mortalidade quando realizado na população geral7. No que diz respeito a idade, foi encontrada maior sensibilidade do CA125 para CEO em mulheres na pré-menopausa e maior especificidade em pacientes na pós-menopausa, visto que outras patologias no período pré-menopausa também são responsáveis por alterações no CA1258,9.

Endometriose é uma condição benigna caracterizada pela presença de glândulas endometriais funcionais e seu estroma fora da cavidade uterina10. Atualmente, estima-se que esta patologia está presente em aproximadamente 10-15% das mulheres na pré-menopausa e a literatura sugere que níveis séricos de CA125 são consideravelmente maiores em mulheres que apresentam doença moderada ou grave10,11. Contudo, na literatura, níveis séricos de CA125 > 1000 U/mL foram relatados de forma pontual em pacientes com endometriose11.

Pacientes com leiomioma uterino também podem apresentar elevação dos níveis séricos de CA1256,12. Entretanto, também são raros os relatos de CA125 > 1000 U/mL em associação a leiomiomas uterinos6,11. Leiomiomas uterinos são tumores ginecológicos benignos comuns, que afetam cerca de 60-80% das mulheres na pré-menopausa, sendo queixa frequente em consultas ginecológicas4,12. Aproximadamente 20% dos leiomiomas são sintomáticos e necessitam de tratamento, no entanto, marcadores tumorais não são utilizados para diferenciação ou monitoramento dessa doença12.

A etiologia precisa do leiomioma não é bem estabelecida. O estrógeno é capaz de estimular seu crescimento, podendo ser evidenciado após a menarca, progredindo durante a gestação e reduzindo após a menopausa, com recrescimento após o início de terapia hormonal4. Diante disso, níveis elevados de CA125 foram associados com, ao menos, um mioma com diâmetro ≥ 5 cm, além de adenomiose associada12.

Este relato apresenta o caso de uma paciente de 47 anos com leiomioma uterino e endometriose associados a níveis extremamente elevados de CA125 (valor máximo: 2002 U/mL).

RELATO DO CASO

Uma mulher nulípara de 47 anos de idade, com história de leiomioma uterino, apresentou-se ao nosso Departamento de Oncologia com queixa de aumento progressivo da circunferência abdominal e elevação de CA125.

No momento da consulta, referiu não estar tomando nenhum medicamento, mas relatou histórico de uso de pílulas contra-ceptivas com baixa dosagem hormonal entre os 18 e 20 anos, e histórico familiar de câncer de mama (duas tias paternas com < 60 anos aos diagnóstico). Negou antecedentes médicos e uso de tabaco, álcool ou outras drogas. Ela foi submetida a painel de genes de alto risco para câncer de mama e ovário hereditários, o qual resultou negativo para mutações patogênicas (37 genes avaliados por NGS).

Os marcadores tumorais obtidos na época demonstraram um nível sérico máximo de CA125 de 2002 U/mL, que aumentou significativamente desde a primeira medida (129 U/mL), 5 anos antes. (Tabela 1).

Na ressonância magnética da pelve (abril/2019) observou-se útero aumentado e miométrio heterogêneo com contorno lobulado e múltiplos nódulos (maior: 8,3x7,2cm). A tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT) com o uso do traçador fluordeoxiglicose (FDG) em junho/2019 mostrou útero aumentado, com imagem nodular hipoatenuante na região anexial direita, de 3,2x1,8 cm, associada a um foco hipermetabólico em sua periferia (SUV: 4.3) - possivelmente representando alterações fisiológicas - e outra imagem hipoatenuante nodular inferior à mencionada acima, medindo 2,8 x 1,9 cm, sem aumento do metabolismo de FDG.

Em agosto/2019, foi submetida a histerectomia total, salpingectomia bilateral e biópsia em cunha de ambos os ovários. O exame histopatológico confirmou a presença de pequenos focos de endometriose e leiomiomas uterinos. O período pós-operatório transcorreu sem intercorrências e o valor sérico de CA125 normalizou após a cirurgia. No seguimento, após três meses da cirurgia, os níveis de CA125 ainda estavam normais (12 U/mL).

DISCUSSÃO

O CA125 foi identificado como antígeno do câncer de ovário em 1981 e, posteriormente, desenvolvido como biomarcador para detecção precoce do CEO. Através de imunohistoquímica, mostrou-se estar localizado no epitélio das tubas uterinas, en-dométrio, cérvice e células mesoteliais da pleura, pericárdio e peritônio12,13. Níveis séricos > 35 U/mL foram encontradas em mais de 80% de pacientes com CEO e em apenas 1% de mulheres saudáveis9. Uma dosagem acima de 200 U/mL foi definida como critério positivo para diferenciação entre massas pélvicas benignas e malignas em mulheres na pré-menopausa, com menos de 50 anos de idade13.

Apesar de níveis mais altos de CA125 estarem associados a CEO, níveis aumentados foram também atribuídos a diversas patologias benignas ginecológicas e não-ginecólogicas, tais como endometriose, leiomioma, doença inflamatória pélvica, cirrose hepática e outras neoplasias malignas não-ginecológicas4,5,13. O valor preditivo positivo do CA125 (> 95 U/mL) para câncer de ovário é de 96% entre mulheres na pós-menopausa, com altas sensibilidade e especificidade9. Apesar disso, este biomarcador tem baixa especificidade entre mulheres na pré-menopausa3.

Endometriose é uma das doenças benignas mais comumente associadas ao aumento do nível sérico de CA125, no entanto pacientes normalmente não apresentam valores > 100 U/mL8,11. Níveis séricos refletem progressão e gravidade do quadro14. Sabe-se, ainda, que há queda e normalização após tratamento cirúrgico ou clínico adequado2. No entanto, dosagem de CA125 de rotina não é recomendada para diagnóstico ou tratamento de endometriose15.

O leiomioma uterino é a neoplasia ginecológica mais comum em mulheres na idade reprodutiva13. Existem poucos relatos na literatura de associação entre altos níveis de CA125 e leiomioma uterino4,5,10,13. Diante disso, uma elevação tal como a descrita neste relato de caso é raramente observada no cenário do leiomioma uterino. Frequentemente, há queda acentuada e normalização dos níveis de CA125 após miomectomia13.

Neste relato de caso, é descrito aumento expressivo e progressivo de CA125 (maior nível: 2002 U/mL) em uma paciente com leiomioma e pequenos focos de endometriose. Não foram evidenciadas alterações histopatológicas associadas a malignidade e os níveis de CA125 normalizaram após procedimento cirúrgico.

Tal como ilustrado neste relato de caso, níveis de CA125 significativamente aumentados podem se associar a patologias benignas ginecológicas e não-ginecológicas, como endometriose e leiomioma4,5,13. No entanto, existem poucos casos na literatura de associação entre leiomioma e níveis séricos tão elevados de CA125 (2002 U/mL). Neste caso, torna-se evidente que no diagnóstico diferencial de uma massa de tamanho acentuado (atentar para as características radiológicas) com níveis extremamente altos de CA125 em uma mulher na idade reprodutiva, deve-se considerar também patologias benignas como leiomiomas e/ou endometriose, apesar da raridade da associação entre níveis tão elevados de CA125 com patologias benignas, como no caso aqui descrito.

REFERÊNCIAS

1. Rao S, Kapurubandara S, Anpalagan A. Elevated CA 125 in a case of Leaking Endometrioma. Case Rep Obstet Gynecol. Published online: 12 Sep 2018; DOI: 10.1155/2018/2385048.

2. Ledermann JA, Raja FA, Fotopoulou C, Gonzalez-Martin A, Colombo N, Sessa C. Newly diagnosed and relapsed epithelial ovarian carcinoma: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Annals of Oncology 2013, Ox-ford: Oxford University Press: 10.1093.

3. R. L. Barbieri, J. M. Niloff, R. C. Bast Jr., E. Scaetzl, R. W. Kistner, and R. C. Knapp. Elevated serum concen-trations of CA-125 in patients with advanced endometriosis. Fertil Steril. 1986 May;45: 630-634.

4. Jao MS, Huang KG, Jung SM, Hwang LL. Postmenopausal uterine leiomyoma with hemorrhagic cystic degeneration mimicking ovarian malignancy. Taiwan J Obstet Gynecol. 2007 Dec;46:431-434.

5. Ghamande SA, Eleonu B, Hamid AM. High levels of CA-125 in a case of a parasitic leiomyoma presenting as an abdominal mass. Gynecol Oncol. 1996 May;61:297-298.

6. Dunn JS Jr, Anderson CD, Method MW, Brost BC. Hydropic degenerating leiomyoma presenting as pseudo-Meigs syndrome with elevated CA 125. Obstet Gynecol; 1998 Oct;92:648-649.

7. Kamal R, Hamed S, Mansour S, Mounir Y, Abdel-Sallam S. Ovarian cancer screening-ultrasound; impact on ovarian cancer mortality. Br J Radiol. Published online: 04 Sep 2018; DOI: 10.1259/bjr.20170571

8. Terlikowska KM, Dobrzycka B, Witkowska AM, et al. Preoperative HE4, CA125 and ROMA in the differential diagnosis of benign and malignant adnexal masses. J Ovarian Res. Published online: 19 Jul 2016. DOI:10.1186/s13048-016-0254-7.

9. Bast RC Jr, Feeney M, Lazarus H, Nadler LM, Colvin RB, Knapp RC. Reactivity of a monoclonal antibody with human ovarian carcinoma. J Clin Invest. 1981 Nov:68(5):1331-1337.

10. Agic A. Combination of CCR1 mRNA, MCP1, and CA125 measurements in peripheral blood as a diagnostic test for endometriosis. Reprod Sci. 2008 Nov;15:906-911.

11. Shiau CS, Chang MY, Chiang CH, Hsieh CC, Hsieh TT. Ovarian endometrioma associated with very high serum CA-125 levels. Chang Gung Med J. 2003 Sep;26(9):695-699.

12. Babacan A, Kizilaslan C, Gun I, Muhcu M, Mungen E, Atay V. CA 125 and other tumor markers in uterine leiomyomas and their association with lesion characteristics. Int J Clin Exp Med. 2014 Apr;15:1078-1083.

13. Rani AK, Kapoor D. Ruptured ovarian endometrioma with an extreme rise in serum CA 125 level - A case report: Ovarian endometrioma with very high CA-125 level. Gynecol Oncol Case Rep. Published online 19 May 2012; DOI: 10.1016/j.gynor.2012.05.005.

14. Kahraman K, Ozguven I, Gungor M,Atabekoglu CS. Extremely elevated serum CA-125 level as a result of unruptured unilateral endometrio-ma: the highest value reported. Fertil Steril. 2007 Oct;88(4): 968. e15968e17.

15. Jacobsand I. Bast RC Jr. The CA 125 tumour-associated antigen: a review of the literature. Hum Reprod. 1989 Jan;4: 1-12.

O que significa CA 125 aumentado?

Níveis elevados de CA125 estão associados a diversos tipos de câncer, tais como câncer de mama, de pulmão e, mais frequentemente, câncer de ovário2. Por outro lado, níveis aumentados também têm sido associados a outras doenças benignas, como endometriose e leiomioma3-6.

Quando o CA 125 é considerado câncer?

As concentrações de CA-125 no sangue devem estar igual ou abaixo de 35 U/mL . Valores acima de 35 U/ml, podem indicar a presença de alguma doença. Além disso, quando o exame é usado para avaliar o tratamento do câncer, a diminuição dos valores normalmente quer dizer que ele está tendo efeito.

Quando o exame CA 125 da alterado?

O que pode ser o resultado alterado O valor normal de CA 125 no sangue é de até 35 U/mL, sendo valores acima desse considerados alterados e, na maioria das vezes, indicativo de câncer de ovário ou endometriose, devendo o médico solicitar outros exames para chegar ao diagnóstico final.

O que indica o CA 125?

O que é CA 125? CA 125 é uma proteína que ocorre naturalmente no corpo e que pode servir como um marcador tumoral para cânceres de ovário e endométrio, além de um indicador da presença de tumores em órgãos como fígado, pulmão, mama, reto e estômago.