Mencione qual foi o interesse particular da França ao participar nessa Conferência

Não desejamos criar uma má impressão nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas o mundo é bem maior que essas duas nações e temos que levar em conta as impressões que criamos no restante do mundo. Para nós, portanto, sermos avisados de que os Estados Unidos e o Reino Unido não vão gostar da inclusão da China na Conferência Afro-Asiática não é muito útil. Na verdade, é um tanto quanto irritante. Existem muitas coisas que esses países fizeram de que não gostamos nem um pouco (NEHRU apud LEE, 2010, p. 49, tradução nossa).1

A citação que abre este artigo é parte de uma carta escrita por Jawaharlal Nehru, então primeiro-ministro da Índia, ao secretário-geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld, em 18 de dezembro de 1954. Esse é um documento histórico interessante para observarmos a percepção de Nehru da igualdade formal entre os países africanos e asiáticos e os demais membros do órgão multilateral, ainda que tenha sido preciso lembrar que “o mundo é bem maior que Estados Unidos e Reino Unido” (NEHRU apud LEE, 2010, p. 49, tradução nossa) ao representante máximo da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, deixa evidente, por ser uma resposta do primeiro-ministro a apontamentos feitos pelo então secretário-geral, como a intenção de cinco países2 em organizar uma conferência internacional afro-asiática na Indonésia balançou alguns alicerces do cenário internacional e fez circularem no mundo projeções e receios sobre suas possíveis consequências.

Este artigo pretende discutir mais a fundo as diferentes expectativas sobre a Conferência de Bandung, na Indonésia, criadas à época tanto por africanos e asiáticos envolvidos diretamente no evento quanto por imprensa e governos de países não convidados para o encontro, mas muito lembrados. Junta, a documentação estudada demonstra as conexões transnacionais feitas por meio dos discursos em tribuna, da imprensa e, sobretudo, de ideias e expectativas sobre Bandung que circulavam no mundo, como demonstram relatórios dos Estados Unidos e reportagens de jornais de grande circulação de países europeus, comprovando que a conferência convidou 29 delegações nacionais mas mobilizou, em ação ou atenção, muitos outros países- -chave da balança de poder mundial.

Com esta pesquisa, também buscamos pensar a potencialidade e os limites na compreensão da Conferência Afro-Asiática de 1955 como um objeto possível nos estudos de história global.

Para cumprir o objetivo do texto, serão trabalhados números da revista Asian-African Conference Bulletin (AACB), periódico financiado pelo Ministério de Assuntos Estrangeiros da Indonésia entre 1954 e 1955 com o objetivo de divulgar os preparativos e o desenvolvimento da Conferência Afro-Asiática; relatórios sobre a conferência documentados pela Agência de Inteligência Norte-americana (CIA) e disponibilizamos para consulta pelo Freedom of Information Act; e alguns números da Présence Africaine, revista criada por intelectuais oeste-americanos de expressão francesa, em 1947, que desponta como divulgadora e construtora dos elementos de um política transnacional do Terceiro Mundo a partir da segunda metade da década de 1950.

No exercício da leitura comparativa de fontes com distintos pontos de vista ideológicos e objetivos políticos, é possível perceber, como pelos efeitos da refração da luz em um prisma, Bandung como manifestação de diferentes espectros das percepções e dos receios sobre a entrada do Terceiro Mundo nas negociações internacionais e contribuir para a fortuna crítica a respeito desse encontro, conectando-o a contextos mais amplos e complexos.

BANDUNG E A GUERRA FRIA: MOVIMENTAÇÕES NA GEOPOLÍTICA GLOBAL

A Conferência Afro-Asiática ou Conferência de Bandung, como também é conhecida, foi um marco, uma referência e uma inspiração no período da Guerra Fria para povos e países do chamado Terceiro Mundo. Aconteceu em um momento em que a solidariedade entre as nações recém-independentes foi de encontro aos conflitos bélicos e diplomáticos da Guerra Fria, desafiando o modus operandi de atrito contínuo entre as superpotências. Tratados assinados em Vietnã, Laos e Camboja eram vistos como ameaças pelos Estados Unidos; a França amargava a derrota de Dien Bien Phu; e a Guerra da Coreia havia chegado ao fim sem os louros da vitória aguardados pelos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, esse alargamento das relações internacionais era em si mesmo uma novidade no século XX, e a entrada de países da Ásia e da África na ordem mundial não ocorria de forma simétrica. Havia pressões pela criação de acordos e alianças que mantivessem esses novos atores ligados a países e a interesses que podiam se assemelhar em muito à manutenção dos poderes coloniais, como no caso dos tratados assinados pelo Paquistão, a Tailândia e as Filipinas, ou dos caminhos da política externa chinesa.3 As potências de antes da Segunda Guerra Mundial, junto aos Estados Unidos e à União Soviética, exerciam pressões por meio de seu poderio bélico, do domínio de recursos industriais e de velhos discursos de hierarquização cultural e racial. Posteriormente, as tensões nas disputas por alianças se acirrariam em conflitos como a Guerra do Vietnã e dificultariam a durabilidade do afro-asiatismo (LEE, 2010, p. 16).

Nessa teia de embates mundial, Bandung surge com o intuito de criar uma ilha de entendimentos internos afro-asiáticos que ultrapassasse os desencontros da Guerra Fria. A pressão ocidental sobre o projeto foi implacável, como comprova a irritação de Nehru no início desse artigo a respeito do convite feito à China comunista para o evento. A despeito disso, o Terceiro Mundo daria, naqueles dias de abril de 1955, passos importantes rumo a novas conformações na política global.

Muito já se escreveu desde 1955, data do encontro, e a bibliografia especializada transita pelas vias da História, do Direito Internacional e das Relações Internacionais, sendo esse um objeto de inter e transdisciplinaridade entre os campos. A Conferência de Bandung também conseguiu ultrapassar o limite do fim da União Soviética e da divisão bipolar da Guerra Fria e frequentemente é chamada a auxiliar novas perspectivas sobre as recentes atuações do Sul Global e do mundo multipolar em princípios do século XXI.4

Ao todo, compareceram a Bandung 29 delegações oficiais. Entre elas, 23 eram asiáticas e 6 eram africanas.5 Esses 29 países reunidos compreendiam quase metade do contingente da ONU no momento e congregavam em suas populações, de acordo com estimativas, 1,5 bilhão de pessoas (LEE, 2010, p. 11-12). Do ponto de vista histórico, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início das independências na Ásia ainda na década de 1940, a configuração política do globo e das Relações Internacionais passava por profundas mudanças, não apenas pelos novos atores, mas pela nova balança de poder, ainda uma incógnita para todos, especialmente para as potências coloniais.

Ao longo das duas décadas seguintes, o poder de intervenção asiático e africano aumentou na proporção de suas independências, assim como os sentidos de fazer política compartilhados entre essas nações. De modo crescente, houve a construção de um ponto de vista comum, no qual se destaca a importância dos países periféricos para a manutenção e a estabilidade das grandes potências. Mais do que isso, a noção de equilíbrio mundial ganhava força pela apropriação do vocabulário das Relações Internacionais, consagrado pela criação da ONU, em 1945. Em uma conjuntura posterior aos conflitos de 1939-1945, o temor dos grandes embates armados era amplo, e os territórios chamados periféricos emergiam como atores necessários à construção da paz.

O evento realizado em Bandung destaca-se por ser o primeiro de seu tipo a gerar euforia em torno da ideia do domínio dos meios diplomáticos como possibilidade para a criação política e a promoção do diálogo terceiro-mundista. O principal diferencial de sua proposta era o incentivo à tomada de decisões em um novo eixo geográfico e político. A Conferência Afro-Asiática deu destaque a um palco estratégico de negociações e alianças ligado ao conceito de Terceiro Mundo, que se referia a países que não se definiam como potências capitalistas ou comunistas em razão da economia, que quase sempre não era nem industrializada nem autossuficiente.

Apesar de ter sido criado para ressaltar uma falta, porém, o termo Terceiro Mundo foi apropriado e ressignificado por movimentos políticos da Ásia, da África e, mais tarde, da América Latina. De certa forma, portanto, o Terceiro Mundo passou a designar, na década de 1950, países que se articulavam com autonomia e peso cada vez maiores no mundo das negociações pós-Segunda Guerra Mundial e dos processos de independência de antigas colônias ocidentais.6

Essa tendência, conhecida como terceiro-mundista, emergia como fruto dos debates iniciados na década de 1940 e da agência de políticos asiáticos e africanos. O desejo era estabelecer um diálogo verdadeiro, entre iguais, longe da assimetria representada pelo poder colonial dos países europeus que não abandonavam o interesse de exploração quando em negociação direta com suas antigas colônias. Nessa perspectiva, o diálogo e a eventual solidariedade entre essas forças não centrais, sem o intermédio ocidental, tornava-se um caminho desejável e, mais do que isso, urgente, e a Política dos Encontros7 foi um dos meios encontrados para isso. Já o diálogo entre iguais, como se verá nos tópicos seguintes, provou-se um percurso bem mais árduo do que o planejado.

Diante desse quadro, portanto, é interessante notar como as visões a respeito desses novos laços políticos internacionais, formados pelo Terceiro Mundo à revelia das antigas potências coloniais – mas também em torno de ou até contra elas –, movimentavam a imprensa e os próprios gabinetes de relações exteriores de países presentes e ausentes em cada um dos encontros, sendo Bandung um caso paradigmático.

OS DEZ PRINCÍPIOS DE BANDUNG, O AACB E OS RELATÓRIOS DIPLOMÁTICOS: UM PRIMEIRO APORTE DOCUMENTAL

Colonialismo e imperialismo

No fim de abril de 1955, foi divulgado o documento mais conhecido da Conferência Afro-Asiática. “Os dez princípios de Bandung” foram ancorados na Carta das Nações Unidas e advogam pelo respeito aos direitos fundamentais do homem; à soberania e à integridade de todas as nações; pela não ingerência nos assuntos internos de outros países; pelo direito de cada nação de se defender só ou coletivamente; pela abstenção de recorrer a acordos de defesa coletiva que tenham em vista servir aos interesses particulares de uma grande potência; pela abstenção de qualquer país de exercer pressão sobre outros países; pelo não recurso à força contra outro país; pela resolução negociada dos problemas em litígio e cooperação; pelo respeito pela justiça; e pelo respeito aos compromissos internacionais (AACB, 1955i, p. 2-7).

Os princípios foram divulgados junto ao comunicado final, de 24 de abril de 1955, que reúne as decisões sobre cooperações práticas nos âmbitos econômico, cultural, dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos, dos países ainda colonizados e da promoção da paz mundial:

Asiáticos e africanos declaram sua convicção de que a cooperação amigável de acordo com esses princípios contribuiria efetivamente para a manutenção e a promoção de paz e segurança internacionais, enquanto a cooperação nos campos econômico, social e cultural ajudaria a promover a prosperidade comum e o bem-estar de todos (AACB, 1955i, p. 2-7, tradução nossa).8

Quem busca conhecer a Conferência de Bandung logo depara com essa fonte primordial, na qual vemos um documento assinado por todas as delegações envolvidas. Seria uma prova do alto grau de entrosamento e concordância entre as 29 nações? Por ser o documento mais conhecido desse fato histórico, muitas vezes Bandung é vista unicamente por seu papel agregador, pelo esforço coletivo de união. No entanto, a ausência de material complementar em conjunto com as declarações oficiais e protocolares de seus envolvidos finda por invisibilizar as dificuldades de realmente estruturar, no sentido mais completo do termo, a solidariedade entre os povos.

No primeiro número do Asian-African Conference Bulletin, publicado antes do encontro de 18 de abril, o primeiro-ministro da Indonésia, organizador e também representante oficial de Bandung, busca elencar os denominadores comuns do evento. Para o premiê, os problemas sociais, econômicos e culturais compartilhados entre as nações têm sua razão de ser no colonialismo ao qual todas estiveram submetidas em algum momento de sua história (AACB, 1955a, p. 7).

A aposta no colonialismo como ponto central de união foi, portanto, divulgada pela própria revista antes do início dos trabalhos. Tratava-se de um tópico que gerava a desconfiança da imprensa mundial e, provavelmente, sua publicidade vinha da crença, tanto do corpo editorial quanto dos próprios organizadores, de que essa desconfiança se mostraria, durante a conferência, infundada. Uma reportagem publicada no The Times of India, em 28 de dezembro de 1954, e reproduzida no AACB, em março de 1954, aponta para a vulnerabilidade das alianças almejadas ao afirmar que

o entusiasmo das perspectivas sobre uma cooperação mais próxima entre as nações afro-asiáticas não deve nos cegar para as reais dificuldades de formar uma organização que não é um bloco, mas é, ao mesmo tempo, suficientemente coesa para representar os interesses de países na vasta área dos continentes afro-asiáticos. Obviamente, o anticolonialismo é uma plataforma muito negativa para dar o sentido de propósito construtivo que só pode fazer a organização realmente efetiva (AACB, 1955a, p. 14, tradução nossa).9

A questão do tratamento do colonialismo como justificativa aglutinadora mostra- -se ainda mais complexa no texto “This afro-asianism!”, publicado primeiramente no Paquistão, país alinhado aos Estados Unidos, e reproduzido no mesmo número do AACB. Os desentendimentos e as lutas por significações que a Conferência de Bandung enfrentaria em poucos meses estavam já evidentes. No artigo paquistanês, destaca-se o questionamento sobre o ponto C do Comunicado de Bogor,10 feito pelas Potências de Colombo:

Por que o comunicado C menciona apenas a soberania nacional, o racialismo e o colonialismo como problemas de especial interesse para Ásia e África? [...] não há racismo e colonialismo dentro do próprio mundo afro-asiático? [...] É apenas pretensão das Potências de Colombo pensar que, enquanto, por um lado, ignoram essas realidades internas do mundo afro-asiático, podem, por outro, promover “a paz e a cooperação mundiais” ao mobilizarem a Ásia e a África contra todo o resto. Nosso primeiro-ministro, senhor Mohammed Ali, fez bem ao apontar enfaticamente em Bogor, assim como em Colombo, que, se tais reuniões e conferências devem ter algum propósito útil sobre os problemas da região, as disputas entre os países conferencistas devem ser reconhecidas e resolvidas, em vez de tratadas como se não existissem (AACB, 1955a, p. 15-16, tradução nossa).11

Essa é uma fonte importante em pelo menos dois aspectos. Primeiro, por estar publicada em um periódico governamental de divulgação da Conferência de Bandung, que em princípio se propõe a propagandear o feito do governo indonésio de recepcioná-la e as conquistas alcançadas, mas que escolhe também expor as fissuras entre as nações organizadoras do evento sobre um “denominador comum”. Segundo, como uma decorrência do aspecto anterior, por revelar os embates sobre o próprio conceito, o que revela a por vezes frágil solidariedade internacional do Terceiro Mundo em formação, percebida até por um observador norte-americano presente na reunião: “O único assunto importante sobre o qual todos os conferencistas facilmente concordam é que a França deveria sair do norte da África” (CIA, 1955b, tradução nossa).12

O mesmo relatório catalogado como top sec1ret pela CIA cita parte do discurso do primeiro-ministro iraquiano Fadhel al-Jamali como um exemplo do papel desempenhado pelos países anticomunistas no evento: “Os comunistas confrontam o mundo com uma nova forma de colonialismo, muito mais mortal que a anterior”(CIA, 1955a, tradução nossa).13 Chamam a atenção ainda as palavras de Zhou Enlai sobre o mesmo assunto publicadas no AACB: “A regra do colonialismo nesta região [Terceiro Mundo] ainda não chegou ao fim, e novos colonialistas tentam tomar o lugar dos antigos. Não são poucos os que na Ásia e na África ainda levam uma vida de escravidão colonial” (AACB, 1955f, p. 6, tradução nossa).14

Afinal, ainda que a palavra colonialismo fosse um ponto pacífico e de experiência histórica entre todos os envolvidos em Bandung, seu significado estaria em constante disputa desde as reuniões preparativas até a escrita do comunicado final, entre comunistas e anticomunistas, pró e antissoviéticos. Se os males da colonização eram inegáveis, de qual colonização falar: a do passado ou a do presente? No antigo ou no novo molde? Por fim, qual deveria ser denunciada publicamente sem colocar as nações participantes em posição desconfortável com seus outros parceiros na Guerra Fria?

Nessa querela, passado e presente se encostam e se entrelaçam, colocando em xeque a exclusividade do estatuto de país colonizador para as nações europeias ou estendendo-o às superpotências no mundo bipolar. No comunicado final, porém, foi aprovada por unanimidade a declaração de que “o colonialismo, em todas as suas manifestações, é um mal que deveria rapidamente acabar” (AACB, 1955i, p. 2-7, tradução nossa),15 frase bastante genérica e que acoberta profundos desentendimentos. A forma vaga como o texto oficial se refere à temática pode ser entendida como uma pista de como se tentava evitar o posicionamento direto, algo que poderia comprometer a assinatura conjunta do documento. A linguagem diplomática pacificadora não significou, todavia, um real consenso alcançado.

Desde o princípio dos debates, era latente a divergência entre os participantes sobre a condenação ou não do imperialismo soviético, e alguns de seus primeiros observadores e analistas apontaram o assunto como um ponto de divisão maior na solidariedade que se queria declarar. Adolpho Justo Bezerra de Menezes, já em 1960, descreveu a formação de dois blocos antagônicos no encontro sobre essa delicada questão. O primeiro, protagonizado pela Turquia e pelas Filipinas, pedia a denúncia da ingerência soviética, enquanto o segundo, composto por Índia, Birmânia e Indonésia, intercedia pela condenação exclusiva do colonialismo europeu (MENEZES, 1960, p. 258).

Interessante, para compreender essas polêmicas e o peso da decisão a ser tomada publicamente, é a recepção do comunicado final pelos observadores norte- -americanos em seus relatórios:

O aspecto mais marcante da conferência foi o papel desempenhado pelas nações anticomunistas. [...] Exemplo: o comunicado final não fez nenhuma menção à coexistência neutralista com o comunismo ou aos cinco princípios [de coexistência pacífica formulados por Zhou Enlai]. Em vez disso, cita que “as nações devem praticar a tolerância e viver unidas na paz, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas”. [...] Exemplo [da vitória]: após longa batalha, o colonialismo, tema que os organizadores esperavam ser o denominador comum de Bandung, foi denunciado “em qualquer forma que se manifeste”, linguagem que abarca a expansão comunista e o passado ocidental (CIA, 1955a, tradução nossa).16

A certeza de estar sob observação era justificada, como as fontes norte- -americanas comprovam. A reação positiva dos observadores, entretanto, não pode ser considerada um indício simples de que a influência dos Estados Unidos havia sido vencedora e dominara as negociações em Bandung. Aqui vale a pena lembrar os perigos de tornar o relato de atores externos e ocidentais uma espécie de verdade absoluta sobre histórias não ocidentais. É preciso levar em consideração a maneira como o relato externo foi construído – os interesses e os sentidos em disputa por meio de sua produção – e a forma enviesada a partir da qual agentes de culturas distintas podem se entender mutuamente.17 É premente não hierarquizar as fontes e, sobretudo, não delegar ao falante norte-americano uma onisciência que inviabilize a percepção da agência de representantes e políticos afro-asiáticos no evento.

Assim, cabe fazer um breve recorte para falar sobre a espionagem em Bandung e a presença norte-americana. Os relatos não deixam dúvidas sobre a inserção dos Estados Unidos na conferência. Segundo Nehru (1955) em correspondência oficial enviada ao ministro de Estado indiano, os Estados Unidos enviaram vários “homens de inteligência” (intelligence men) para as sessões, mas o bloco norte-americano oficial era tão forte que seus espiões não eram imprescindíveis (NEHRU apud KHOSLA, 2014, p. 388; AHMAD, 2009, p. 190). Turquia, Paquistão, Iraque, Líbano e Irã representavam, às vezes de forma bastante agressiva, a doutrina de Washington, reportou Nehru ao seu governo (AHMAD, 2009, p. 190).

Além disso, de acordo com Amitav Acharya, em East of India, South of China: Sino-Indian Encounters in Southeast Asia, as rivalidades em Bandung foram exageradas pela mídia ocidental e pelos espiões, mas é inegável que a conferência mexeu com as certezas norte-americanas (ACHARYA, 2017). Assim, na análise das fontes, longe de acatarmos a visão dos relatórios secretos enviados à CIA, buscamos observar as divergentes opiniões acerca do evento, sem fazer juízo de valor sobre qual interpretação é mais ou menos correta, verdadeira ou falsa.

De qualquer forma, o que se pode perceber é uma intricada rede de sentidos que, apesar dos esforços em torno da criação de um aparente consenso que desse sentido ao termo Terceiro Mundo, nem sempre tinha um denominador comum. Tanto os atores oficiais quanto os que pretendiam se manter incógnitos, não obstante já fazerem parte de um modo de ação esperado e reconhecido no período, traziam percepções, conexões e projeções difíceis de serem conciliadas. Para complexificar os cenários que as fontes secretas da CIA parecem desenhar, a participação da delegação da China, como a citação inicial já demonstra, foi simbólica.

A presença da China comunista em Bandung

Outra controvérsia que mobilizou diversos países e provocou as mais distintas e conflitantes visões antes, durante e após a conferência de Bandung foi a presença da China comunista, conforme demonstra, por exemplo, a resposta de Nehru ao secretário-geral das Nações Unidas que abriu este artigo e a correspondência do embaixador dos Estados Unidos em Jacarta, Hugh Smith Cumming Jr.:

Ao contrário das primeiras expectativas de muitos, a conferência afro-asiática está agora a ponto de se tornar realidade. Por um lado, a China comunista teve uma vitória real: com pouca participação na ONU, ganhou um fórum e um público potencial além de suas expectativas. Esse é um ganho real para Pequim e Ho Chi-Minh. Por outro lado, acho que não devemos nos desanimar. A conferência, se adequadamente controlada por nossas agências de informação e mediante ação diplomática bem planejada, pode, creio, ser usada em nossa vantagem (apud FRASER, 2003, p. 118, tradução nossa).18

Havia razões óbvias para preocupação. A República Comunista da China era um obstáculo considerável às pretensões expansionistas norte-americanas na Ásia, tanto por seu apoio à Coreia do Norte na Guerra de 1950 quanto pelo auxílio à derrota da França na Indochina. Assim, sua presença consentida em Bandung colocava em dúvida a efetividade da campanha antichinesa dos Estados Unidos, daí a atuação da figura notória do premiê chinês mobilizar a atenção dos relatórios diplomáticos: “Zhou Enlai foi claramente a figura mais fascinante [...] Não cometeu nenhuma falha. Sua maior vitória foi a proposta de negociar sobre [o estatuto] de Formosa” (CIA, 1955c, tradução nossa).19

Ao reportar as impressões positivas do embaixador britânico a respeito da participação de Nehru, Neilson Debevoise destaca: “Nem o sr. Landon nem eu, concordamos com o embaixador [britânico] Malik, já que consideramos que ele [Nehru] foi completamente ofuscado por Zhou Enlai” (CIA, 1955c, tradução nossa).20

A embaixada britânica em Jacarta, capital da Indonésia, reuniu os discursos de abertura de alguns líderes das delegações em Bandung entre os dias 18 e 19 de abril de 1955, sendo o mais significativo para esta análise o do primeiro-ministro chinês, no qual afirma sua busca por um ponto de apoio de entendimento comum e da importância da conferência acima das diferenças ideológicas (EMBAIXADA BRITÂNICA, 1955). Ciente do terreno caudaloso em que estava pisando, Enlai optou por palavras de conciliação. Como se vê, mesmo escritos de testemunhas da época não são unânimes sobre Enlai. Enquanto um relatório aponta a vitória do bloco anticomunista da conferência, outro reporta a excelência da atuação comunista.

O escritor norte-americano Richard Wright, que esteve presente na reunião e deu início à bibliografia sobre Bandung, confirma a polifonia das impressões sobre as tendências gerais da conferência. The Color Curtain: A Report on the Bandung Conference, lançado em 1956, trata das impressões de Wright sobre os preparativos e a própria conferência, suas viagens pela Indonésia, entrevistas com políticos e intelectuais importantes, e é hoje uma fonte para o estudo do tema (WRIGHT, 1995) considerada por Vijay Prashad a narrativa inaugural dos estudos afro-asiáticos (PRASHAD, 2006, p. XI).

Na obra, Wright destaca a ação calculada do político comunista de não discutir a questão de Formosa sob a alegação de que esse assunto monopolizaria a conferência sem chegar a nenhum resultado (WRIGHT, 1995, p. 158). Ele dedica muitas páginas de seu relato para narrar a postura de Enlai no encontro em Bandung, muitas vezes com um tom laudatório. Esse posicionamento se confirmaria, ao menos parcialmente, na posterior apreciação do diplomata brasileiro Adolpho Justo Bezerra de Menezes:

A atuação do senhor Zhou Enlai poderia ser classificada por um observador desprevenido como uma ovelha mansa ou pomba da discórdia. [...] [Mas] a perspicácia do senhor Enlai, sua posição de aparente humildade, facilitou muito a boa marcha da Conferência, e ele mesmo veio a dar a nota mais concreta do conclave ao declarar, no penúltimo dia, que a China Comunista estaria à disposição dos Estados Unidos para examinar as possibilidades de uma solução pacífica para a questão de Formosa (1960, p. 258-259).

Para algumas testemunhas oculares, como Richard Wright, estudiosos da política internacional da época e o próprio embaixador Hugh Cumming, portanto, estava claro o ganho de influência do Partido Comunista Chinês entre os não alinhados,21 ao contrário da visão dos relatórios enviados a Washington pelo serviço de inteligência, que garantiam a “vitória” do bloco anticomunista no encontro. Sobre essa visão bastante polarizada do evento entre as narrativas – se ganhadores ou perdedores na corrida ideológica –, trata-se de um indício preciso de como Bandung movimentou e balançou os desenhos geopolíticos do mundo. Mais do que um evento a ser observado sem grandes apreensões, as fontes mostram como a Guerra Fria era realmente global (WESTAD, 2005).

Como se vê, Bandung anunciou uma mudança de perspectivas. Segundo Fraser (2003), o encontro foi um teste da disposição dos norte-americanos a acomodar as mudanças de poder na Ásia, realidades que apontavam para a diminuição da influência ocidental na região. A embaixada dos Estados Unidos em Jacarta, na figura de Cumming Jr. (1954), entendeu o cenário e propôs a flexibilização da conduta como pré-requisito para a continuidade da influência do país da América do Norte.

A linha mais útil a ser seguida diplomática e publicamente seria a de uma simpatia geral, o desejo pelo sucesso da conferência e expressões moderadas, sem condescendência, de aprovação do exemplo do crescimento de um senso de responsabilidade para e no mundo dessas novas nações, mesmo que possamos não concordar com seus métodos ou todos os seus objetivos. Em outras palavras, encorajamento, não desencorajamento (apud FRASER, 2003, p. 119, tradução nossa).22

Mais do que as disputas, talvez mais claras ou evidenciadas, entre comunismo e capitalismo, ou entre campos de influência ocidentais ou soviéticos, existiam cisões políticas, históricas e diplomáticas internas a um discurso que pretendia fundar um bloco afro-asiático. Interessa, pois, perguntar sobre o papel dos países africanos no evento e, para além disso, as propostas e os espaços que a cúpula central, asiática, abriu ou direcionou para a participação africana antes, durante e depois de Bandung, bem como sua recepção e apropriação pelos agentes africanos. Afinal, quais eram os termos para a ligação afro-asiática?

ASSIMETRIAS INTERNAS E APROPRIAÇÕES DO ESPÍRITO DE BANDUNG NA PRÉSENCE AFRICAINE

O discurso se contradiz

A pesquisadora Dohra Ahmad (2009) afirma que Bandung falhou em atender e entender necessidades e preocupações de seus participantes africanos, o que ratifica, segundo a autora, a abstrata noção de solidariedade presente em Bandung. Richard Wright diz, por exemplo, que nenhuma das delegações tinha muita noção sobre questões relacionadas a Etiópia, Libéria e Costa do Ouro (atual Gana), e que o Congo Belga nem mesmo havia sido mencionado publicamente. Wright foi categórico ao afirmar que a “África negra era a parte mais fraca da conferência” (WRIGHT, 1995, p. 128, tradução nossa).23 E essa não foi uma característica exclusiva de Bandung.

Na maior parte dos anos 1950, o “asiatismo” foi a voz mais forte e persuasiva nas reuniões de solidariedade, prevalecendo a vontade e a força política dos países dessa região. Nesse cenário, a África foi muitas vezes recebida como o continente mais frágil, com maior necessidade de assistência internacional dentro da esfera afro-asiática.

Frank Gerits (2016) afirma que as delegações da Ásia queriam obter sucesso onde as grandes potências colonialistas haviam falhado e, assim, promover o desenvolvimento econômico nas regiões subdesenvolvidas do mundo, sendo o continente africano a imagem maior desse desejo de ação. Essa postura, no entanto, acabava por reforçar e reproduzir modelos já desgastados nos protocolos internacionais, desafiando a própria noção de solidariedade. No primeiro número do AACB, o artigo “Brown Man’s Burden”, uma clara referência à expressão “fardo do homem branco”,24 é sintomático:

Os povos da África, em seu tortuoso caminho rumo à liberdade, buscam nas pessoas vivendo na Ásia apoio moral e espiritual. Acreditam que a Ásia, que até recentemente estava vivendo em subjugação, vai olhar para seus problemas de modo empático. [...] Uma ação que traga liberdade a todos os povos oprimidos, todavia, não é a única obrigação que a Ásia livre deve assumir em relação aos povos colonizados (AACB, 1955a, p. 16-17, tradução nossa).25

Segundo o artigo, a Ásia deveria auxiliar e estar presente nas transferências de poder, a fim de ajudar nas questões administrativas, além de repassar experiência em questões econômicas para os povos recém-independentes. E finalizava: “O homem moreno [brown man] também tem um fardo a carregar em um mundo onde a insegurança e o caos em uma região ameaçam a paz e a estabilidade de todos” (AACB, 1955a, p. 18, tradução nossa).26

O discurso final de Nehru em Bandung também revela um entendimento bastante próximo do fardo do homem asiático lançado no número de estreia do AACB:

Acho que não há nada mais terrível, não há nada mais horrível, do que a tragédia infinita da África nos últimos séculos. Quando penso nisso, todo o resto se torna insignificante – essa tragédia infinita da África, desde os dias em que milhões de pessoas foram levadas em galés para a América e outras partes do mundo, o modo como foram tratados, como foram levados, 50% morrendo nos navios. Temos que carregar esse fardo, todos nós. [...] Cabe à Ásia ajudar a África, no melhor de suas habilidades, porque somos continentes irmãos (AACB, 1955j, p. 8, tradução nossa).27

O paternalismo em relação à África que reverberou nos discursos asiáticos em Bandung revelou concepções a respeito do desenvolvimento africano compartilhadas, de modo bastante problemático, por asiáticos e europeus (GERITS, 2016, p. 8). As relações afro-asiáticas foram seladas por solidariedades e também por desigualdades de posições que se repetiram em outros encontros pós-Bandung, construindo um modelo nem sempre igualitário e não completamente novo de fazer política internacional por parte do Terceiro Mundo.

Por fim, a iconografia oficial do evento também informa sobre o lugar dado aos representantes africanos. A documentação fotográfica oficial, em parte publicada no AACB, deixa entrever o pouco interesse nas delegações africanas e muito do exotismo dirigido aos representantes desse continente. As fotografias de políticos asiáticos foram constantes no periódico, enquanto para a África – à exceção dos chefes das delegações da Costa do Ouro, Kojo Botsio, e da Libéria, Momolu Dukuly – restavam poucas e genéricas identificações como “um delegado do Sudão em uma loja cultural na conferência” (AACB, 1955h, p. 16, tradução nossa) e o “Senhor Kojo Botsio com um membro de sua delegação” (AACB, 1955h, p. 8, tradução nossa). Ahmad ainda consegue mapear outras fotografias em sua pesquisa com os dizeres “Indira Gandhi com delegados da África” e “Chefe de delegação em traje tradicional” (AHMAD, 2009, p. 191, tradução nossa).28

Tudo isso demonstra como, no encontro, as delegações africanas eram colocadas em um lugar de subalternidade semelhante ao que o discurso racialista ocidental colocara as populações do continente ao longo dos séculos XIX e XX (HERNANDEZ, 2008, p. 132). A vigência de significados retirados do período colonial era visível de forma mais evidente pela refabricação da imagem da África como fardo.

Essa hierarquização pode ser relacionada, inclusive, com os lugares distintos que Oriente e África tinham nos impérios coloniais europeus que se desmantelavam, mas deixavam rastros duradouros. Além disso, cabe imaginar que essa percepção diferenciada das colônias asiáticas teve repercussões práticas nos movimentos anticoloniais desse continente, assim como na formação do afro-asiatismo em suas primeiras configurações, confirmando a tese de Gerits sobre o protagonismo asiático na época.

Resta, contudo, a pergunta: o que os africanos fizeram com a sub-representação em Bandung? Acataram a assimetria política nos sete dias de conferência?

Leituras africanas de expressão francesa sobre a Conferência Afro-Asiática

O terceiro número da nova série da revista Présence Africaine, criada por intelectuais entre os quais figuravam nomes centrais também para a política no Oeste da África, dedicou, em 1955, uma sessão especial à Conferência Afro-Asiática. Os discursos de apresentação dos seis líderes africanos convidados para participar de Bandung, traduzidos para o francês, foram reproduzidos ao lado de “Témoignages des africains sur Bandoeng”, no qual se liam os “testemunhos” de cinco intelectuais de origem africana e interlocutores da revista que haviam estado na Conferência. A cobertura de Bandung dá início a uma temática que se torna recorrente na Présence Africaine, voltada para encontros diplomáticos e sua linguagem.29

Essa valorização ocorre concomitantemente à apropriação do repertório da política internacional por outros movimentos anticoloniais e pelos países africanos e asiáticos recém-independentes. A análise da recepção do evento feita pela Présence Africaine e os usos que a revista fez do exemplo de Bandung são dimensões que complexificam o cenário apresentado e demonstram a agenda de africanos francófonos ao ressignificar as ideias gestadas na Indonésia para suas próprias demandas.

As reações desses intelectuais africanos selecionadas e publicadas na Présence são uma demonstração de como Bandung e seus princípios foram feitos instrumentos para propostas internas. A conferência foi assumida em sua inovação e, ao mesmo tempo, inserida em bandeiras anteriores, de solidariedade racial e continental.

Como se viu no tópico anterior deste artigo, a significação do termo colonialismo mobilizou muitos participantes do encontro e pesquisadores. Christopher Lee, em Making a World After Empire, de 2010, reitera que um dos ideais mais sublinhados em Bandung foi de fato o anticolonialismo. Diante disso, o relato de Abdoulaye Wade, publicado no número 3, de 1955, da Présence Africaine, pode causar alguma confusão.

Bandung não foi a conferência do anticolonialismo, já que as potências anfitriãs Indonésia, Birmânia, Ceilão, Índia e Paquistão haviam decidido, desde Bogor, convidar não movimentos, mas governos. Essa decisão limitou consideravelmente o objeto do encontro e colocou à margem da conferência os representantes de movimentos presentes: Istiqlal, MTDL, Néo-Destour. Nota-se, no entanto, que o termo colonialismo teve em Bandung um uso mais amplo. Além disso, a questão do colonialismo ocupou no comunicado final somente um dos cinco pontos principalmente considerados (Présence, 1955, p. 39, tradução nossa).

Para Abdoulaye Wade, a disposição de somente aceitar delegações representando “governos” demonstrava que Bandung não tinha como ponto principal o anticolonialismo, que, conforme sugere o texto, permanecia um assunto ligado a movimentos, e não a nações. Segundo o autor, o grande mérito de Bandung estaria no fato de ser “a entrada em combate de dois ‘jovens’ continentes que, diante da resistência de seus ‘tutores’, decidem sozinhos por sua emancipação” (Présence, 1955, p. 40, tradução nossa),31 e não em uma disposição anticolonialista.

Nas impressões de Abdoulaye Wade, chama a atenção também o ceticismo diante de propostas de colaboração econômica que não envolvessem a participação de países fora do Terceiro Mundo. Para o autor, nenhum dos países que faziam parte desse bloco poderia participar de uma rede de trocas de técnicos e especialistas, o que tornaria qualquer projeção nesse sentido nada realista (Présence, 1955, p. 40).

Essas percepções entravam em contradição com a visão de outro texto publicado no mesmo número da Présence Africaine. Moustapha Wade destacava, da mesma forma que Abdoulaye Wade, o fim da exclusão dos “mudos de ontem”, com a entrada ativa da Ásia e da África na gestão dos negócios mundiais, porém apostava mais fortemente nas propostas de alianças terceiro-mundistas. “A ideia de resolver na África os antagonismos da economia europeia desumanizada está para sempre arruinada. A Euráfrica, tão cara aos srs. Chastenet e Senghor, não existirá” (Présence, 1955, p. 39, tradução nossa).32 Segundo Moustapha Wade, a colaboração com os países asiáticos livraria a África de ter que lidar com os intuitos duvidosos da manutenção da ligação com países europeus.

Já David Diop representa Bandung como uma grande afronta às potências europeias que esperavam poder contornar o anticolonialismo com velhas táticas de “dividir para conquistar”. O poeta sublinhou ainda a novidade de uma solidariedade baseada somente em uma experiência histórica compartilhada, ao afirmar: “Pela primeira vez na história, homens de raças diferentes, mas unidos pelo ódio ao colonialismo e pelo amor à paz, proclamaram sua vontade de combater por toda parte a tirania e de defender sua independência contra toda ingerência estrangeira” (Présence, 1955, p. 41, tradução nossa).33

As múltiplas pressões no palco das negociações em Bandung são também lembradas pelo autor, que culpa agentes infiltrados de tentar minar o clima amistoso suscitando clivagens entre comunistas e neutralistas, que, no entanto, se resolvem graças à “perspicácia de Nehru e à calma dos representantes da China popular” (Présence, 1955, p. 42, tradução nossa).34

O jovem Joseph Ki-Zerbo contribuiu também para o número 3, de 1955. Seu “testemunho” sobre Bandung, em uma visão oposta à de David Diop, pensa o evento a partir de uma ideia de solidariedade racial, para além da experiência histórica recente. O relato de Ki-Zerbo procura pensar a história como resultado da articulação de atores coletivos, nem imperiais nem nacionais, mas raciais. Seu texto demonstra como a apropriação da noção de um pertencimento racial continua como uma das leituras possíveis do movimento afro-asiático ou terceiro-mundista.

Pode-se pensar aqui, mais uma vez, em uma adaptação à linguagem política pan-africanista, de grande relevância no período. As escolhas feitas em Bandung de privilegiar os Estados como atores não inviabilizaram projetos e visões de mundo por vieses não nacionais, e foram usadas, no caso do texto de Ki-Zerbo e de mobilizações posteriores da Présence Africaine, para endossar agendas políticas que se situavam fora da premissa do Estado-nação como única ou principal fonte de unidade cultural ou legitimidade política. Assim, ao contrário das colocações dos autores já citados, a leitura do evento feita por Ki-Zerbo sublinha Bandung como palco da mobilização dos povos de cor para acabar com a opressão colonial:

Depois do grande fluxo da raça branca sobre o mundo no século XV, tem início agora um refluxo generalizado. Bandung não precisou fazer um julgamento, e sim estabelecer, acima de qualquer coisa, uma espécie de constatação, unida a uma atitude positiva, em relação a problemas precisos, como o colonialismo e o desarmamento mundial. “Como podemos dizer que o colonialismo morreu há tanto tempo assim, se vastas regiões da Ásia e da África não foram libertadas?”, declarou o presidente Sukarno. Nehru disse: “A Ásia quer ajudar a África”. Certamente, não se devem minimizar os perigos que ameaçam esse esforço planetário dos povos de cor para acabar com a opressão colonial. Ainda que ausentes em Bandung, os “amargos europeus” se faziam presentes por sua influência ideológica ou financeira. O colonialismo é proteiforme. Por outro lado, a Ásia e a África têm mais ou menos as mesmas necessidades de países subdesenvolvidos, razão de uma solidariedade, mas também de uma falta de complementaridade, salvo pelo problema demográfico: a África esvaziada pelo tráfico de escravos, a Ásia sobrecarregada de homens e que tem fome de terras. A solidariedade deve atuar nesse ponto? Seja como for, a África não pode ter atualmente melhor apoio do que essa maioria da humanidade. A Ásia é sua aliada natural. Juntas, dispõem do maior capital moral, das maiores riquezas naturais. A dinâmica da história não reserva a elas uma grande sorte? Se a obra empreendida em Bandung continuar, essa conferência representará, certamente, um “novo começo na história do mundo” (Présence, 1955, p. 43, tradução nossa).35

O argumento da especificidade racial dada pelo pertencimento aos chamados “povos de cor”, vocabulário herdado das dinâmicas raciais norte-americanas, não foi usado como uma visão concorrente à apresentada em Bandung, mas como mais um fator de sua legitimação. Além disso, o autor prefere lidar com atores continentais ao falar de negociações e tendências da conferência, o que permitiu que citasse acordos entre África e Ásia sem mencionar qualquer unidade estatal ou conflito localizado.

Cabe apontar ainda como a leitura de Ki-Zerbo do discurso proferido por Nehru, comentado no tópico acima, não considera a ideia de que a Ásia queria ajudar a África como uma hierarquização do lugar desses dois continentes no interior do afro- -asiatismo, ou, ainda, como um empecilho ao protagonismo africano. O que imperava em sua leitura do momento histórico eram os perigos que representavam os interesses externos para a realização dos ideais de solidariedade presentes nessas e em outras falas. Esses escritos, unidos à forma como a Présence Africaine publica os discursos e os testemunhos sob o adjetivo “africanos”, sem qualquer detalhamento nacional, indicam que os agentes continentais e pan-africanos não estavam fora do vocabulário da conferência nem dos diálogos que suscitou.

O último relato sobre a Conferência Afro-Asiática publicado no número 3 da Présence Africaine é assinado por Sylla Assane. O estudante de letras senegalês insiste em Bandung como uma representação do anticolonialismo e reforça a ligação imaginada no momento e verificada na Carta das Nações Unidas, de 1945, entre equilíbrio, paz mundial e autodeterminação dos povos. Ao escolher “os povos” como os atores históricos centrais, Assane se abstém de escolher a nação ou a raça como marcadores da especificidade cultural ou política a ser protegida pela ONU. O tom do texto demonstra como os preceitos retirados de 1945 e do comunicado final da Conferência Afro-Asiática poderiam ser inseridos e apropriados para legitimar mobilizações não nacionais, centrais para os cenários políticos continentais e regionais na África (Présence, 1955, p. 44).

Para Assane, qualquer conflito seria resolvido se fosse garantido o direito que cada povo teria de dispor de sua soberania livremente. Uma dimensão, porém, permanecia como questão a ser resolvida: como determinar o que chamar de povo, o que delimitar como ator político? O diálogo mundial simétrico deveria se passar entre nações, Estados, raças, continentes ou povos? Essas categorias podem parecer equivalentes em um primeiro olhar, mas sua delimitação era parte da agenda dos países que se tornavam independentes, e nem sempre a multiplicidade de abordagens foi facilmente conciliada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a consolidação das Relações Internacionais como disciplina e campo de ação política, o Estado-nação é entendido como fomentador privilegiado de enunciados e de regras no jogo de forças mundial, algo que as teorias mais recentes do próprio campo buscam desconstruir. Como aponta Christopher Lee em sua introdução ao livro Making a World After Empire, o resultado mais duradouro da Conferência de Bandung e com maiores desdobramentos “foi o sentimento de possibilidade política apresentado a partir dessa primeira ocasião de solidariedade do ‘Terceiro Mundo’, o que foi logo referido como Espírito de Bandung” (LEE, 2010, p. 15, tradução nossa).36

Mais do que a política de neutralidade ou de não alinhamento em meio à Guerra Fria, o que não era unanimidade para as 29 delegações nacionais presentes ou seus expectadores, o que dominou a ocasião foi o vislumbre de um campo que se abria com o surgimento de novos participantes na política internacional em um mundo que velava o ocaso dos impérios coloniais.

Como apontou Nehru em uma das cartas enviadas da Indonésia para seu ministro de Estado em 1955: “A Conferência Afro-Asiática foi um evento mundial que atraiu muita atenção. Todos os países do mundo estavam acompanhando os acontecimentos de perto e, às vezes, com apreensão” (NEHRU apud KHOSLA, 2014, p. 388, tradução nossa).37 Essa é uma visão interessante sobre Bandung como precursora da Política dos Encontros. Foi um evento de participação restrita, bem delimitado em relação aos critérios de presença, mas que movimentou o pêndulo oscilante de poder da Guerra Fria e, junto com os conflitos na Coreia, no Vietnã, nas independências africanas e nos governos autoritários na América Latina, por exemplo, escancarou o caráter global do conflito, deixando evidente a impossibilidade dessa história ser contada apenas pela perspectiva das duas superpotências envolvidas (WESTAD, 2005, p. 1-8).

Odd Arne Westad defende que o argumento de que a Guerra Fria conceitual e analiticamente não pertence ao Sul é infundado por dois principais motivos. Primeiro, porque o intervencionismo dos Estados Unidos e da União Soviética moldou mudanças nos países do então chamado Terceiro Mundo. Segundo, porque as elites do Terceiro Mundo apresentaram ao globo propostas e modelos alternativos de desenvolvimento e convivência internacionais, gerando uma relação intricada e transnacional no fazer da nova ordem que exigia atenção em escala global (WESTAD, 2005, p. 1-8).

Os projetos que estiveram por trás ou que se desdobraram da realização da Conferência de Bandung, em 1955, são representações emblemáticas da imbricação entre atores, repertórios e práticas distintos e de como as configurações de suas relações e conflitos só podem ser entendidas em sua complexidade quando expostas a análises que rompem a naturalidade dada a unidades como Estado, país ou região. O trabalho proposto neste artigo não implicou a implosão de tais categorias, mas a percepção de sua dimensão precária e incerta nos debates e nos problemas percebidos em um momento de (re)fundação da ideia de “ordem mundial”.

Aqui, conexões e apropriações que se procurou destacar por meio da abordagem de discursos em e sobre Bandung eram parte da percepção dos atores sobre o conceito de ação política e projetavam propostas para o futuro conjunto do chamado Terceiro Mundo. Dessa forma, não podem ser ignoradas em nome de unidades de análise preestabelecidas.

Assim, como campo teórico-metodológico, as histórias global e transnacional são mais do que necessárias para revisitar os acontecimentos do período da Guerra Fria e oferecer perspectivas plurais às análises internalistas e nacionais sobre o conflito. Enquanto alguns especialistas, como Chris Bayly e Isabel Hofmeyr, afirmam que há diferença entre história comparada, transnacional, mundial e global, e que a expressão história global é mais próxima dos fenômenos da globalização pós- -1990, há consenso de que todas as abordagens buscam o abandono do Estado- -nação ou das fronteiras imperiais como categoria absoluta e necessária de análise e compreensão do passado e do presente, além da defesa de uma narrativa histórica crítica a parâmetros etno ou eurocêntricos.

Além disso, a chave para abordagens transnacionais é sua preocupação com movimentos, fluxos, circulação de ideias e pessoas. A preocupação das análises não são processos históricos em lugares diferentes e desconectados do mundo, mas a própria construção desses processos feita na movimentação entre lugares e regiões (BAYLY; BECKERT; CONNELLY; HOFMEYR; KOZOL; SEED, 2006, p. 1440-1464). Sem dúvida, Bandung configura-se como um ponto de encontro ímpar para a execução desse pensar.

REFERÊNCIAS

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Notas

AUTORIA

Raissa Brescia dos Reis: Doutora. Pesquisadora autônoma, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Taciana Almeida Garrido Resende: Mestre. Professora do ensino básico técnico e tecnológico, Instituto Federal de Minas Gerais, Ipatinga, MG, Brasil.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Raissa Brescia dos Reis. Rua Manganês, 140, 31140-250, Belo Horizonte, MG, Brasil.

ORIGEM DO ARTIGO

Extraído, em parte, da tese de doutoramento de Raissa Brescia dos Reis – África imaginada: história intelectual, pan-africanismo, nação e unidade africana na Présence Africaine (1947-1966), apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais e à École doctorale de l’Université de Bordeaux-Montaigne, em 2018, e, em parte, da pesquisa de doutorado de Taciana Almeida Garrido Resende – Pelo futuro da África: atuações africanas nas conferências de Bandung, Addis Abeba e Havana, iniciada em 2016 no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo e interrompida em 2018.

FINANCIAMENTO

Este artigo foi financiado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não houve conflito de interesse.

LICENÇA DE USO

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PUBLISHER

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em História. Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES

Alex Degan

Beatriz Mamigonian

Fábio Augusto Morales

Flávia Florentino Varella (Editora-chefe)

Tiago Kramer de Oliveira

Waldomiro Lourenço da Silva Júnior

HISTÓRICO

Recebido em: 30 de janeiro de 2019

Aprovado em: 15 de abril de 2019

Como citar: REIS, Raissa Brescia dos; RESENDE, Taciana Almeida Garrido. Bandung, 1955: ponto de encontro global. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 309-332, maio/ago. 2019.

1 No original: “We have no desire to create a bad impression about anything in the US and the UK. But the world is somewhat larger than the US and the UK and we have to take into account what impressions we create in the rest of the world… For us to be told, therefore, that the US and the UK will not like the inclusion of China in the Afro-Asian Conference is not very helpful. In fact, it is somewhat irritating. There are many things that the US and the UK have done which we do not like at all”.

2 Burma (atual Mianmar), Ceilão (atual Sri Lanka), Índia, Indonésia e Paquistão, que, no ano anterior, em 1954, haviam projetado e organizado a reunião de Bandung após dois encontros, o primeiro deles realizado na cidade de Colombo, no Ceilão, e, a segunda, em Bogor, Indonésia.

3 A China tinha então uma estreita ligação com a União Soviética, e Irã, Iraque, Paquistão e Turquia – que já era membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – haviam assinado o Pacto de Bagdá com a Grã-Bretanha, em fevereiro de 1955, para a formação da Organização do Tratado Central. Os Estados Unidos também estavam presentes com a Organização do Tratado do Sudeste Asiático, assinado em 1954, da qual participavam Tailândia, Filipinas e Paquistão. Essas organizações ofereciam apoio econômico em troca de contratos de exclusividade que impedissem a expansão do poder da União Soviética na região (LEE, 2010, p. 10-13). Para mais, ver: DUBE, 2009, p. 267.

4 Sobre o tema, conferir os trabalhos mais recentes de Christopher Lee (2010), Hilmar Farid (2016), Richard Devetak, Tim Dunne e Ririn Tri Nurhayati (2016) e Anne Mahler (2018).

5 A lista de membros vindos da Ásia contava com Afeganistão, Arábia Saudita, Camboja, China, Filipinas, Irã, Iraque, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Nepal, Síria, Tailândia, Turquia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e Iêmen. Em meio a esses participantes, estavam também os organizadores: Burma (atual Mianmar), Ceilão (atual Sri Lanka), Índia, Indonésia e Paquistão. Do continente africano, foram à conferência na Indonésia as seguintes delegações: Costa do Ouro (atual Gana), Egito, Etiópia, Líbia, Libéria e Sudão.

6 Interessante pensar que o termo Terceiro Mundo, ao delimitar o espaço dos que se encaixam em seu significado, também conectou o resto do mundo, deixando evidente o jogo de forças internacional sufocante para africanos, asiáticos e latino-americanos. Assim, foi Bandung a mais marcante ocasião para a criação de uma identidade e um imaginário, o sempre lembrado “espírito de Bandung”, em torno do projeto de solidariedade entre os atores que deixavam o domínio colonial e apresentavam-se a um presente prenhe de possibilidades inéditas.

7 Por “Política dos Encontros” entendemos um repertório de práticas criado pelo Terceiro Mundo a partir da ocupação e da subversão de espaços oficiais antes reservados ao imperialismo e ao colonialismo. O reconhecimento do valor e da potência das trocas internacionais, a afirmação de um não alinhamento – ou o alinhamento sob condições de interlocução – e o trânsito das teorias do desenvolvimento e do subdesenvolvimento formaram o terreno fértil no qual se sedimentou a certeza de que a Política dos Encontros valia a pena como aposta de que países e povos, cada qual com suas especificidades, poderiam conviver, articular e criar suas próprias saídas.

8 No original: “The Asian and African declare its conviction that friendly cooperation in accordance with these principles would effectively contribute to the maintenance and promotion of international Peace and security, while cooperation in the economic, social and cultural fields would help bring about the common prosperity and well-being of all”.

9 No original: “The enthusiasm with which the prospects of closer co-operation among the Afro-Asian powers have been received should not blind us to the very real difficulties of forming an organization which is not a bloc but is at the same time sufficiently cohesive to represent the interests of countries covering so vast an area as that of the Afro-Asian continents. Clearly, anticolonialism is too negative a platform to provide the sense of constructive purpose which alone can make the organization truly effective”. 10 Reunião realizada em 1954, após o encontro em Colombo, para discutir os pontos essenciais para Bandung. Participaram Birmânia, Ceilão, Índia, Indonésia e Paquistão.

10 Reunião realizada em 1954, após o encontro em Colombo, para discutir os pontos essenciais para Bandung. Participaram Birmânia, Ceilão, Índia, Indonésia e Paquistão.

11 No original: “[...] why under C, does the comunique mention only national sovereignty, rationalism and colonialism as problems of special interest to Asia and Africa? [...] but is there no racialism and colonialism inside the Afro-Asian world itself? [...] It is only a pretense for the Colombo Powers to think that while on the one hand they ignore these internal realities within the “Afro-Asian” world, they can, on the other hand, promote “world peace and co-operation” by mobilizing Asia and Africa against the rest. Our Prime-Minister, Mister Mohammed Ali, has done well to point out emphatically at Bogor, as he did on the previous occasion at Colombo, that if such meetings and conferences are to serve any useful purpose the internal problems of the region, such as disputes between conferring countries themselves, must be taken cognizance of and dealt with, instead of pretending as if they did not exist”.

12 No original: “Only important issue on which all conferees readily agreed: French should quit N. Africa”.

13 No original: “communists confront world with new form colonialism, much deadlier than the old”.

14 No original: “The rule of colonialism in this region has not yet come to an end and new colonialists are attempting to take place of the old ones. Not a few of the Asian and African are still leading a life of colonial slavery”.

15 No original: “Colonialism in all its manifestations is an evil which should speedily be brought to an end”.

16 No original: “Most remarkable aspect of conference was effective role played by Anti-Communists. […] Example: closing communique made no mention of Communist-neutralist ‘coexistence’ of ‘five principles’, instead said that ‘nations should practice tolerance and live together in peace’ in accordance with UN principles. […] Example: after long battle, colonialism, which conference sponsors expected to be common denominator at Bandung, was denounced ‘in whatever form it may manifest itself’ – language which covers present Communist expansion as well as past Western history”.

17 Seguimos a linha metodológica que José da Silva Horta menciona em seu trabalho sobre o uso de fontes de viajantes europeus para a construção de conhecimento acerca da agência histórica africana durante a idade moderna (HORTA, 1995, p. 189-200).

18 No original: “Contrary to earlier expectations of many, Afro-Asian conference is apparently now about to become a reality. From one standpoint Red China has won a real victory: short of membership in UN they have gained a forum and a potential audience which must have been beyond their expectations. This is real gain for Peking and for Ho Chi-Minh. On the other hand I think we should not be discouraged. The conference, if properly handled by our information agencies and through well-planned diplomatic action, may, I think, be used to our advantage”.

19 No original: “Chou En-Lai was easily the most outstanding figure. […] He made no mistake. His crowning victory was the final offer to negotiate on Formosa”. A questão da ilha de Taiwan, ou Formosa, gerou um conflito internacional e diplomático entre China e EUA desde 1949, quando Chiang Kai-Shek e as forças nacionalistas refugiaram-se em Taiwan após a derrota para as forças de Mao Tse Tung. Durante a Guerra Fria, a ilha foi objeto de disputas entre os dois países, como demonstra a fonte citada neste artigo. A China, desde então, reivindica o território, que permanece com governo independente.

20 No original: “Neither Mr. Landon nor I agree with the Ambassador that Nehru made a great success at the conference since we feel he was completely overshadowed by Chou En-Lai […]”.

21 Cary Fraser, em “An American Dilemma: Race and Realpolitik in the American Response to the Bandung Conference, 1955”, trabalha com as correspondências de Cumming, sendo algumas delas de especial interesse para o argumento aqui desenvolvido (FRASER, 2003, p. 119).

22 No original: “The most useful line to be taken both diplomatically and publicity wise would be one of general sympathy, hope for the conference’s success, and moderate expressions, short of condescension, of approval of this example of the growth of a sense of responsibility to and in the world of these new nations, even though we may not agree with their methods or all their aims. In other words, encourage[ment,] not discouragement”.

23 No original: “[...] the Negro Africa was the weakest part of the conference”.

24 Expressão que tomou fama após o poema de Rudyard Kipling de 1899, bastante utilizada no conjunto de argumentos morais que, teoricamente, justificavam o imperialismo e o neocolonialismo a partir do século XIX.

25 No original: “The peoples of Africa, on their tortuous path to freedom, look to the peoples living in Asia for spiritual and moral support. They believe that Asia which has but recently been living in subjection will look on their problems sympathetically. [...] Action which will bring freedom to all oppressed peoples, however, is not full measure of the obligations which the Free Asia nations must assume towards the colonial peoples”.

26 No original: “The brown man, too, has a burden to carry in a world where insecurity and unrest in one region threatens the peace and stability of all”.

27 No original: “I think there is nothing more terrible, there is nothing more horrible than the infinite tragedy of Africa in the past few hundred years. When I think of it, everything else pales into insignificance –, that infinite tragedy of Africa ever since the days when millions of them were carried away in galleys as slaves to America and elsewhere, the way they were treated, the way they were taken away, 50% dying in the galleys. We have to bear that burden, us all. [...] it is up to Asia to help Africa [...], to the best of her ability, because we are sister continents”.

28 No original: “A delegate from Sudan in a cultural shop at the conference”; “Mr. Kojo Botsio with a member of his delegation”; “Indira Gandhi with African delegates”; “Chief Delegate in traditional dress”.

29 Depois de Bandung, uma nova Conferência Afro-Asiática foi realizada no Cairo, Egito, em 1957. Mas essa ocasião não teve a mesma repercussão que Bandung graças à dissensão de algumas delegações asiáticas importantes, que se recusaram a participar do evento diante de sua proposta de receber, além dos Estados, também representantes de movimentos políticos de países ainda colonizados, o que poderia ser entendido como uma afronta às potências, principalmente do Oeste. Já o nome que recebeu o encontro mostrava essa diferença: Conferência de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos. Esse impasse foi agravado pelos conflitos envolvendo Egito – dirigido por Gamal Abdel Nasser –, Israel, Reino Unido e França em torno da posse do canal de Suez, no que ficou conhecido como “crise de Suez”. Tanto o evento no Cairo quanto o embate diplomático foram noticiados na Présence Africaine, no editorial “Liminaire: le sous-équipement et les leçons du Caire”, e em uma crônica assinada por XXX e intitulada “De Bandoeng au Caire – La conference des peuples afro-asiatiques”, ambos no número 17, de dezembro 1957/janeiro de 1958. Outro exemplo da cobertura dada pela revista às Relações Internacionais foi a Conferência de Adis Abeba, de 1963, na qual foi criada a Organização da Unidade Africana (OUA). Nesse caso, destacam-se o texto de Aaron Tolen, “Addis-Abeba: un diagnostic, deux thérapeutiques, un compromis”, do número 49, de 1964, e o editorial “Il y a un an, Addis-Abeba”, no número 50, também de 1964. Esses são exemplos diretos, mas o repertório e as referências vindas desses movimentos extrapolavam esse tipo de registro e estavam presentes como repertório mobilizado para a realização de eventos culturais e intelectuais internos à agenda política da revista para o futuro africano.

30 No original: “Bandoeng n’a pas été la conférence de l’anticolonialisme. D’abord parce que les puissances invitantes: Indonésie, Birmanie, Ceylan, Inde et Pakistan avaient depuis Bogor décidé d’inviter, non les mouvements, mais les gouvernements. Cette décision en limitait donc considérablement l’objet, et mettait en marge de la conférence les représentants de mouvements présents: Istiqlal, MTLD, Néo-Destour. On notera cependant que le terme de colonialisme a eu à Bandoeng un sens plus extensif. Ensuite la question du colonialisme n’a occupé dans le comuniqué final qu’un point sur les cinq essentiellement envisagés”.

31 No original: “[...] l’entrée en lice de deux ‘jeunes’ continents qui, en face de la résistance des ‘tuteurs’, décident eux-mêmes de leur émancipation”.

32 No original: “L’idée de résoudre en Afrique les antagonismes de l’économie européenne déshumanisée est à jamais ruinée. L’Eurafrique, si chère à MM. Chastenet et Senghor, ne sera pas.”

33 No original: “Pour la première fois dans l’histoire, des hommes de races et de tendances diverses mais unis dans la haine du colonialisme et l’amour de la paix ont proclamé leur volonté de combattre partout la tyrannie et de défendre leur indépendance contre toute ingérence étrangère”.

34 No original: “[...] clairvoyance de Nehru et le calme des représentants de la Chine populaire”.

35 No original: “Après le grand flux de la race blanche sur le monde au XVe siècle, s’amorce maintenant un reflux généralisé. Bandoeng n’avait pas à faire un procès, mais à établir surtout une sorte de constat qui se double d’ailleurs d’une attitude positive à l’égard de problèmes précis comme le colonialisme et désarmement mondial. ‘Comment pourrions-nous dire que le colonialisme est mort aussi longtemps que de vastes contrées d’Asie et d’Afrique ne sont pas libérées’, a declaré le Président Soekarno; et Nehru: ‘L’Asie veut aider l’Afrique’. Certes, il ne faut pas minimiser les dangers qui menacent cet effort planétaire des peuples de couleur pour liquider l’oppression coloniale. Bien qu’absents à Bandoeng, les ‘amer-Européens’ étaient présents par leur influence idéologique ou financière. La colonisation est protéiforme. D’autre part, l’Asie et l’Afrique ont peu près les mêmes besoins de pays sous-développés. Raison d’une solidarité, mais aussi d’une manque de complémentarité sauf pour le problème démographique: l’Afrique vidée par la traite négrière surtout. L’Asie surchargée d’hommes, et qui a faim de terre... La solidarité doit-elle jouer sur ce point? Quoi qu’il en soit, l’Afrique ne peut avoir actuellement de meilleur soutien que cette majorité de l’humanité. L’Asie est son alliée naturelle. Ensemble elles disposent du plus grand capital de puissance morale, des plus grandes réserves de richesses naturelles. La dynamique de l’histoire ne leur réserve-t-elle pas bientôt une grande chance? Si l’oeuvre entreprise à Bandoeng se poursuit, cette conférence représentera sûrement un ‘nouveau départ de l’histoire du monde’”.

36 No original: “[…] was the feeling of political possibility presented through this first occasion of ‘Third World’ solidarity, what was soon referred to as the Bandung Spirit”.

37 No original: “The Asian-African Conference was a world event which had attracted great attention. Every country in the world was following it closely and, sometimes, with apprehension”.

Qual era o objetivo da conferência de Paris e quem participou?

O Acordo de Paris foi assinado por 195 países com o objetivo de conter o aumento do aquecimento global. O Acordo de Paris pretende conter o aumento do aquecimento global. O Acordo de Paris é um compromisso mundial sobre as alterações climáticas e prevê metas para a redução da emissão de gases do efeito estufa.

Qual é o objetivo da conferência de Paris?

A conferência de Paris foi o encontro das potências vencedoras da I Guerra Mundial e destinou-se a estabelecer o novo quadro diplomático e internacional decorrente da vitória dos aliados e da derrota das Potências Centrais, ou seja, da Alemanha, do Império Austro-Húngaro, do Império Otomano e da Bulgária.

Quais os pontos discutidos na conferência de Paris?

Acordo de Paris: situação atual.
Reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025..
Reduzir as emissões de carbono em 43% até 2030..

Por que a Alemanha não participou da Conferência de paz de Paris?

Principais imposições do Tratado de Versalhes Como mencionado, os termos do tratado foram duríssimos, e o documento foi imposto unilateralmente para os alemães, uma vez que o país não teve direito de participar da Conferência de Paz de Paris.