O que aconteceu com os tupinambás que não foram mortos pelos portugueses

Chegando às terras brasileiras, os europeus estabeleceram várias imagens sobre os indígenas, os primeiros povos a ocuparem o território americano. Não raro, os europeus modernos entendiam que os índios eram sujeitos que viviam em estágios primários do processo civilizatório. Em alguns relatos – principalmente naqueles em que o contato era pacífico – os índios eram descritos como portadores de certa inocência, como se fossem crianças que poderiam vir a “amadurecer” e, com o passar do tempo, partilhar dos valores do Velho Mundo.

Por outro lado, a visão construída pelos europeus em relação aos indígenas também foi marcada por noções em que as populações nativas eram compreendidas como animais ou “feras selvagens” que não poderiam ser civilizadas. Essas visões intolerantes apareciam nas situações de conflito, quando a chegada europeia ao território brasileiro era mal vista. Além disso, esse discurso que animalizava o indígena ainda ganhava força quando as práticas antropofágicas foram descobertas.

Esse tipo de visão não levava em consideração que a prática antropofágica entre boa parte dos índios tupinambás acontecia por razões que ultrapassavam a função biológica do alimento. O consumo de carne humana acontecia como um resultado de ações simbólicas desenvolvidas em situações de guerra entre diferentes povos. O mais interessante é notar que esse ato era realizado em uma situação festiva.

Após o aprisionamento de um guerreiro inimigo, os tupinambás ofereciam uma mulher para casar com o prisioneiro. No dia do sacrifício, uma grande festa era realizada para que o consumo de carne humana acontecesse. A expectativa dos participantes envolviam valores bastante peculiares em relação aos da cultura do Velho Mundo. Em primeiro lugar, essa morte era considerada positiva pelo próprio guerreiro conquistado, pois o inevitável fim da vida seria consagrado pela experiência de conflito.

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Por outro lado, ao consumir a carne do guerreiro, os membros da comunidade esperavam vingar os seus antepassados ao poder consumir a carne do prisioneiro. O responsável pela execução não poderia consumir a carne e, depois de matar o preso, ficava uma época resguardado e trocava o seu nome. As carnes mais duras eram secadas e comidas pelos homens. Já as partes mais moles eram cozidas e consumidas pelas mulheres e crianças da comunidade.

A experiência colonial e, principalmente, o processo de conversão religiosa organizado pelos portugueses acabaram extinguindo a prática do canibalismo entre os tupinambás. Desse modo, esse modo de reafirmação da identidade através da conquista do outro ficou depositada no passado. Contudo, muito longe de animalizar o homem, o ritual tupinambá destacava como a ritualização da guerra, da vida e da morte eram extremamente complexas a tais povos.


Por Rainer Gonçalves Sousa
Colaborador Mundo Educação
Graduado em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG
Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG

Hans Staden foi um viajante e mercenário alemão que ficou conhecido por ter feito duas viagens ao Brasil no século XVI. Hans Staden nasceu na cidade de Homberg, na Alemanha, no ano de 1525. No ano de 1548, resolveu fazer uma viagem para a América. Seu relato ficou particularmente famoso por ter sido prisioneiro dos tupinambás, durante nove meses, e após ser libertado escreveu um relato que ficou famoso na Europa da Idade Moderna.

O relato de Hans Staden, naturalmente, é carregado de sua moral religiosa e sua visão etnocêntrica, mas traz informações valiosas sobre a cultura dos tupinambás e sobre a prática da antropofagia (canibalismo). O mercenário alemão foi ameaçado durante os nove meses de ser morto e comido pelos tupinambás, mas acabou sendo libertado.

O livro escrito por Hans Staden foi lançado na Alemanha em 1557 e, atualmente, é conhecido no Brasil como “Duas Viagens ao Brasil”, mas seu nome original, quando foi lançado no século XVI, é: História Verídica e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas terras de Hessen até os dois últimos anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu por experiência própria, e que agora traz a público com essa impressão.

Acesse também: Conheça o episódio em que índios tupinambás foram levados à França

Tópicos deste artigo

  • 1 - Viagens de Hans Staden
  • 2 - Trechos do relato de Hans Staden

Viagens de Hans Staden

O que aconteceu com os tupinambás que não foram mortos pelos portugueses

Hans Staden nasceu na Alemanha e realizou duas viagens para o Brasil no século XVI.*

Hans Staden realizou duas viagens à América e, em uma delas, o destino era o Brasil e, na outra, o destino era o Peru. As viagens de Hans Staden estenderam-se de 1548 a 1555 e, nesse contexto, os europeus tinham acabado de chegar ao continente americano. A região que corresponde ao Brasil fazia parte da América portuguesa e, aqui, a principal atividade ainda desenvolvida era a exploração do pau-brasil.

No contexto da chegada de Hans Staden ao Brasil, o modelo de Governo-Geral estava sendo implantado aqui com Tomé de Sousa, sendo o primeiro governador-geral do país. A América Portuguesa era dividida nas capitanias hereditárias, modelo de divisão do território estabelecido em 1534.

Como mencionado, o relato de Hans Staden reproduz os valores do homem comum da Idade Moderna. Sua fala era extremamente religiosa, e a sua visão sobre uma cultura diferente (no caso, a indígena) era marcada pelo estranhamento e pelo etnocentrismo. Sendo assim, é comum, ao longo do texto, Hans Staden referir-se aos indígenas como “selvagens”.

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  • Primeira Viagem

A primeira viagem de Hans Staden aconteceu no primeiro semestre de 1548. Hans Staden saiu de sua cidade, Homberg, e foi para Bremen (Alemanha). Em seguida, dirigiu-se a Kampen (Holanda) e de lá para Setúbal e, finalmente, Lisboa, em Portugal. Lá, conseguiu ingressar em um navio chamado Penteado, que zarpou para o Brasil com o propósito de fazer comércio.

A embarcação que Hans Staden usou para viajar também foi armada para combate, para o caso de avistarem uma embarcação francesa negociando com os indígenas, deveriam abrir fogo. Isso acontecia porque, segundo o Tratado de Tordesilhas, a América havia sido dividida entre espanhóis e portugueses, mas os franceses, não aceitando essa divisão, invadiam locais na América – como o Brasil.

Ao longo da história do Brasil, nos séculos XVI e XVII, os franceses tentaram de fato estabelecer uma colônia aqui. Na região da cidade do Rio de Janeiro, tentaram estabelecer a França Antártica, e, na região da cidade de São Luís, tentaram estabelecer a França Equinocial, ambos os projetos colonizatórios fracassaram. Além disso, aliaram-se aos indígenas que eram hostis com os portugueses – como os tamoios.

Durante a viagem, Hans Staden assumiu a função de artilheiro. A embarcação portuguesa que Hans Staden estava foi para Madeira, de lá para Caho Ghir (Cabo Gué) e depois foi para Pernambuco, local onde eclodiu uma revolta de indígenas. Hans Staden, seus companheiros de viagem e habitantes da capitania juntaram-se e lutaram contra oito mil indígenas.

Depois de derrotarem os indígenas, partiram para a Paraíba para recolher pau-brasil e avistaram uma embarcação francesa negociando com nativos da região. Abriram fogo, mas tiveram o mastro do navio severamente danificado por um tiro francês, o que os obrigou a retornar para Portugal. No retorno, a quantidade insuficiente de alimentos fez a expedição de Hans Staden sofrer com a fome.

  • Segunda Viagem

Depois de retornar para Portugal, Hans Staden deslocou-se para a Espanha, local no qual encontrou uma expedição que estava dirigindo-se ao Peru com o trajeto planejado que atravessaria a foz do Rio da Prata. A segunda viagem de Hans Staden zarpou de Sanlúcar e passou pelas Ilhas Canárias, Cabo Verde e São Tomé. Depois disso rumaram para a América.

Durante o percurso, Hans Staden narrou que uma tempestade separou os navios de sua expedição (eram três). O navio que estava Hans Staden aproximou-se da costa da região de São Vicente e, então, partiu para ilha de Santa Catarina, local onde ficaram aguardando os outros navios chegarem. Tempos depois, o segundo navio chegou na ilha (o terceiro navio desapareceu), e preparativos para seguir a viagem foram realizados.

Quando tudo estava pronto, um imprevisto aconteceu: o navio principal afundou. Hans Staden não deu detalhes de como isso aconteceu. Após esse ocorrido, relatou que ele e seus companheiros permaneceram na ilha de Santa Catarina por dois anos, em um período que, segundo ele afirmou, enfrentaram muitos perigos e a fome.

Depois desse período, os membros da expedição decidiram abandonar a ilha de Santa Catarina em direção a Assunção, no Paraguai. Os membros da expedição dividiram-se em dois grupos, dos quais um rumaria para Assunção a pé. Hans Staden afirmou que muitos membros desse grupo morreram durante o trajeto, mas outros conseguiram alcançar Assunção.

O outro grupo, do qual Hans Staden fazia parte, alcançaria Assunção com o navio restante. Como o navio era pequeno, resolveram ir para São Vicente fretar um navio maior para levá-los a Assunção. Durante o trajeto para São Vicente, uma tempestade naufragou o navio que Hans Staden estava. Os sobreviventes avistaram uma pequena vila de cristãos chamada Itanhaém, que ficava nas proximidades de São Vicente.

Em São Vicente, Hans Staden foi convidado pelos portugueses paraa trabalhar como artilheiro em um forte em construção na região de Bertioga, e que dava proteção a São Vicente. O contrato de trabalho de Hans Staden era inicialmente de quatro meses, mas depois foi prorrogado por dois anos. Em Bertioga, os portugueses lutavam contra os tupinambás.

O que aconteceu com os tupinambás que não foram mortos pelos portugueses

Forte de São João da Bertioga construído no período que Hans Staden esteve presente na região.

Certo dia, enquanto caçava, Hans Staden foi surpreendido por vários indígenas que o capturaram e o levaram como prisioneiro. O aprisionamento de Hans Staden ocorreu a fim de que ele fosse morto e devorado pelos tupinambás. Isso acontecia porque os tupinambás eram antropófagos, isto é, eram canibais. Os tupinambás acreditavam que ao devorar a carne humana adquiririam as qualidades de seu adversário.

O cativeiro de Hans Staden durou nove meses e, nesse período, ele foi espancado diversas vezes, além de ter sido ameaçado outras tantas. Também presenciou (e participou) de guerras indígenas e deixou um relato com detalhes da cultura e do estilo de vida dos tupinambás.

Depois desses nove meses, foi libertado por franceses que negociaram a libertação de Hans Staden. Os franceses pertenciam à embarcação chamada Catherine de Vatteville, e seu capitão era Guilherme de Moner. Hans Staden desembarcou na Europa, na cidade de Honfleur, na França, em 20 de fevereiro de 1555.

Acesse também: Saiba mais sobre a língua falada no Brasil durante a colonização portuguesa

Trechos do relato de Hans Staden

Sobre o relato de Hans Staden, destacamos os seguintes trechos:

  • Sobre sua captura:

“Quando eu estava andando na floresta, eclodiram grandes gritos dos dois lados da trilha, como é comum entre os selvagens. Os homens vieram na minha direção e eu reconheci que se tratava de selvagens. Eles me cercaram, dirigiram arcos e flechas contra mim e atiraram. Então gritei: ‘Que Deus ajude minha alma!’. Nem tinha terminado estas palavras, eles me bateram e empurraram para o chão, atiraram e desferiram golpes sobre mim”|1|.

  • As ameaças que Hans Staden sofreu dos indígenas:

“Seus costumes ainda não me eram tão conhecidos como os foram depois, e, portanto, pensei que agora estavam se preparando para matar-me. Mas logo chegaram os irmãos Nhaêpepô-oaçu e Alkindar-miri, que me haviam aprisionado, e disseram que me haviam presenteado ao irmão do pai deles, Ipiru-guaçu, em sinal de amizade. Ele me guardaria e mataria quando quisesse me comer, o que faria, graças a mim, ganhar mais um nome”|2|.

  • Sobre a terra e os nativos:

“A América é uma terra extensa. Existem lá muitas tribos de homens selvagens com diversas línguas e numerosos animais estranhos. Tem um aspecto aprazível. As árvores estão sempre verdes. Lá não crescem madeiras parecidas com as nossas madeiras de Hessen. Os homens andam nus. (…) Naquela terra existem também algumas frutas de vegetação rasteira e arbórea, das quais homens e animais se alimentam. As pessoas têm o corpo de cor marrom avermelhada. Isso vem do sol, que as queima assim. É um povo hábil, maldoso e sempre pronto para perseguir e comer os inimigos”|3|.

  • Sobre a moradia dos indígenas:

“Essas cabanas têm aproximadamente duas braças de altura, são redondas como uma abóbada de porão, no topo, e cobertas com uma espessa camada de folhas de palmeira para que não chova dentro. No interior, não são subdivididas por paredes. Ninguém tem quarto próprio; no entanto, cada núcleo, marido e mulher, dispõe de um espaço de doze pés no sentido longitudinal”|4|.

|1| STADEN, Hans. Duas Viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Porto Alegre: L&PM, 2011, p.61-62.
|2| Idem, p. 69.
|3| Idem, p. 133.
|4| Idem, p. 136.

*Créditos das imagens: Commons

Por Daniel Neves
Graduado em História

O que aconteceu com os tupinambás?

Essas ordens eram camufladas pelos católicos que alegavam que estavam fazendo uma catequização amigável. Mas no geral, a relação entre os Tupinambás e os portugueses foi sangrenta havendo um genocídio entre ambas as partes. As guerras contra os nativos acarretaram em devastação das aldeias e diminuição da população.

Onde os tupinambás vivem atualmente?

Atualmente povos tupinambás ainda vivem na vila de Olivença no estado da Bahia e no Baixo rio Tapajós no estado do Pará.

Como vivem os tupinambás atualmente?

Como viviam os Tupis ou Tupinambás A população dessas tribos girava em torno de 200 indivíduos, mas podia atingir até 600. Viviam da caça, coleta, pesca, além de praticarem a agricultura, sobretudo de tubérculos, como a mandioca e a horticultura.

O que aconteceu com os indígenas após o conflito com os portugueses?

Consequências. Os conflitos brutais entre indígenas e portugueses resultaram em mortes e aprisionamentos. As relações entre os dois povos foi marcada pela violência e imposição dos lusitanos, muitas vezes disfarçada pela presença dos missionários.