Papel da enfermeira de saúde materno-infantil na promoção da saúde da família

Artigo Reflexivo

Atuação do enfermeiro junto à população materno-infantil em uma unidade de saúde da família, no município de Passos-MG

Performance of nurses caring for mothers and infants at a family health unity in Passos, State of Minas Gerais, Brazil

Débora Falleiros de MelloII; Raquel Dully AndradeI

IEnfermeira PSF-Passos-MG. Mestranda em Enfermagem em Saúde Pública – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP
IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP

Endereço para correspondência

Rua Capitólio, 697, Muarama II
Passos-MG Cep: 37.902.336. E-mail:

Recebido em: 14/01/2004
Aprovado em: 20/02/2006

Resumo

Este artigo apresenta uma reflexão sobre a atenção materno-infantil e a enfermagem em saúde da família, com base na literatura e na experiência das autoras. Entre as limitações estão: o grande número de pessoas cadastradas, a área territorial vasta e o tempo insuficiente diante da demanda. Na busca de caminhos, encontram-se recursos na equipe e nas parcerias intersetoriais, procurando assistir essa clientela de forma menos normatizadora e mais vinculada a um conceito amplo de saúde. Obstáculos e possibilidades devem ser discutidos, visando trazer subsídios à capacitação do enfermeiro, bem como melhorar a estruturação do PSF, favorecendo aspectos qualitativos da assistência.

Palavras-chave: Medicina de Família, Enfermagem Familiar, Programa Saúde da Família, Saúde Materno-Infantil, Bem Estar da Criança

Tradicionalmente, as propostas na área da atenção à saúde da criança, embasadas nos princípios da puericultura, visam normatizar os aspectos que dizem respeito à melhor forma de cuidar das crianças. Assim, a idéia de alcançar a saúde infantil através de práticas educativas prescritivas sobre higiene e cuidados das crianças foi fortemente consolidada, sendo que as esferas federal e estadual do governo brasileiro decidiam e regulamentavam as ações que deveriam ser desenvolvidas nas esferas locais.(1)

No cenário internacional, destaca-se a declaração de Alma Ata, em 1978, trazendo a discussão sobre a inter-relação entre saúde e desenvolvimento socioeconômico, enfatizando o fomento ao desenvolvimento da atenção primária à saúde. Já a realização da Cúpula Mundial em Favor da Infância em Nova Iorque, em 1990, fez uma revisão crítica das metas não atingidas da declaração de Alma-Ata, marcando o reconhecimento de governos de países de todo o mundo para estabelecer ações que reduzissem a morbimortalidade materna e infantil, sendo especialmente focalizada a necessidade de maior integração das estratégias e ações.(2)

Em conformidade com esse cenário mundial, no Brasil, a reforma do setor saúde trouxe, em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) e com ele o princípio da descentralização, além de uma proposta de mudança no modelo assistencial que atualmente busca ser operacionalizada, principalmente, por meio da Estratégia de Saúde da Família, baseando-se no trabalho em equipe e na abordagem familiar, reconhecendo o processo saúde–doença como uma produção social, pretendendo constituir uma atenção integral, contínua e humanizada.

Atuar nesse modelo possibilita ao profissional enfermeiro assistir a clientela infantil de forma mais ampla, em conformidade com a concepção de Figueiredo(3), sobre características importantes na assistência a esse grupo etário, valorizando os processos subjetivos, considerando as condições de existência da criança e sua família, construindo um instrumental que não seja preso a critérios voltados para doenças e que não resuma a atenção primária em uma lista de orientações e regras sobre cuidados com as crianças.

Considera-se que construir este instrumental, tanto na forma de compreendê-lo quanto na forma de praticá-lo, constitui-se um desafio ao enfermeiro inserido e comprometido com as novas propostas na área da saúde da criança, especialmente aquele que atua em equipes de Saúde da Família.

Assim, este estudo apresenta um relato sobre a atenção materno-infantil e a prática de enfermagem em uma Unidade de Saúde da Família do município de Passos-MG, visando contribuir com discussões sobre a atenção primária à saúde da criança.

OBJETIVO

Este estudo teve como objetivo discutir a assistência materno-infantil, o seguimento da criança, o atendimento domiciliar e a intersetorialidade.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo sobre a experiência de um trabalho de enfermagem em uma realidade concreta e contextualizada, representada pela atuação de enfermeiros no Programa de Saúde da Família, no município de Passos-MG.

A pesquisa descritiva tem o propósito de observar, descrever e explorar aspectos de uma situação que naturalmente ocorre, buscando o conhecimento sobre o fenômeno a ser estudado.(4)

Foi utilizado referencial teórico relativo ao SUS, ao Programa de Saúde da Família e à saúde materno-infantil.

A ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL

O município de Passos-MG possui cerca de 100 mil habitantes e 15 Unidades de Saúde da Família (USF), com uma cobertura de aproximadamente 70% da população. Dentro dessa estratégia de atenção à saúde, a atuação do profissional enfermeiro, em relação à população materno-infantil, inicia-se na realização, conjunta com o médico da equipe, do pré-natal de baixo risco das gestantes cadastradas na área de abrangência e que optarem pelo acompanhamento do Programa de Saúde da Família (PSF), já que essas usuárias tiveram a opção de realizar seu pré-natal com os ginecologistas da rede ambulatorial do município, e puderam manter essa opção depois da implantação das USF. Entretanto, a Secretaria Municipal de Saúde vem buscando, gradativamente, diminuir o número de médicos e de ações realizadas nessa rede, na medida em que o PSF vem assumindo todas as ações básicas de saúde.

A incorporação das consultas de pré-natal às atividades do PSF aconteceu depois que o secretário municipal de saúde levou a proposta ao conhecimento do Conselho Municipal de Saúde, quando houve muita resistência por parte dos médicos presentes, os quais questionaram a possibilidade de o profissional enfermeiro requisitar exames de pré-natal e realizar consultas, sendo questionada também a realização do pré-natal pelo médico generalista do PSF, ao invés do ginecologista/obstetra.

Mesmo diante dessa oposição, o gestor municipal não voltou atrás em sua decisão e o acompanhamento do pré-natal de baixo risco começou a ser realizado nas 15 USF, conjuntamente pelo médico e pela enfermeira da equipe, após realização de treinamento e estabelecimento de protocolo para estruturação uniforme da assistência, sendo os casos de alto risco encaminhados para a referência específica do sistema de saúde municipal.

A introdução de novas práticas e abordagens do objeto de trabalho em saúde passa pelo enfrentamento de obstáculos e conflitos de classe, sendo esse um processo que vem se tornando muito presente na busca de uma inversão do modelo assistencial, exigindo por parte dos gestores municipais e dos profissionais de saúde, embasamento sobre as novas propostas e comprometimento com o estabelecimento dessas, além da disponibilidade de trabalhar os conflitos que permeiam essa dinâmica.

Assim, o atendimento na USF também enfrenta resistência por parte da população, a qual traz como bagagem a tradicional valorização central do especialista no atendimento à saúde. Porém, o enfrentamento da incipiente adesão das usuárias ao pré-natal no PSF tornou-se um processo tranqüilo e gradativo, já que o profissional de saúde também é responsável pela conformação da demanda, de forma que na medida em que o atendimento vai se mostrando de qualidade, naturalmente a aceitação e solicitação por essa assistência se ampliam, processo que vem ocorrendo em cascata.

Aqui, mostraram-se fundamentais alguns aspectos do atendimento, como o acolhimento, a humanização, a continuidade, o acesso facilitado e o vínculo. Esses têm sido os principais diferenciais do acompanhamento de pré-natal realizado na estratégia de saúde da família, no qual o profissional enfermeiro desempenha papel essencial.

As gestantes atendidas pela enfermeira nas consultas de pré-natal tendem a procurar com mais freqüência essa profissional diante de suas intercorrências, dúvidas, angústias, incertezas e inseguranças, assim como tendem a seguir mais satisfatoriamente as orientações e a desenvolver maior comprometimento com seu autocuidado. Pode-se perceber a confiança, o vínculo, a co-responsabilização e a maior valorização do profissional na relação enfermeira-gestante, o que acaba se estendendo a outras necessidades dessa cliente e sua família e, portanto, ao atendimento em geral, sendo que essa relação vem se sustentando e mantendo-se após o parto, e ainda tende a se refletir em outros clientes, contribuindo para a valorização da atuação do profissional enfermeiro como um todo.

Entre as ações realizadas pela enfermeira está a educação em saúde em Cursos de Gestantes, os quais contam com a participação de outros profissionais, favorecendo a busca de um trabalho interdisciplinar. Cada curso tem a duração de três meses, com encontros semanais, onde são abordados os seguintes assuntos: importância do pré-natal, relacionamento familiar, aspectos psicológicos da gravidez, aleitamento materno, planejamento familiar, DST e AIDS, cuidados com a gestante, cuidados com o bebê, teste do pezinho e vacinação, direitos da criança, parto e puerpério.

Em continuidade ao atendimento materno-infantil realizado pela enfermeira do PSF, está a atenção ao puerpério, facilitada pela parceria firmada com a maternidade do hospital onde se realizam os partos pelo sistema público de saúde no município, de forma que toda puérpera sai do hospital com o nome da enfermeira, endereço e telefone da USF da área à qual pertence. O objetivo é que as puérperas solicitem, o mais precocemente possível, a visita puerperal, que constitui uma das atividades que compõem a atuação de enfermagem no PSF. Além da orientação oferecida à cliente na maternidade sobre esse atendimento domiciliar, as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) são responsáveis por acompanhar a gestante mensalmente, por meio de visita domiciliar e do preenchimento da Ficha B-Ges (impresso de acompanhamento da gestante preconizado na rotina do PSF), estando atentas à data provável de parto e requisitando a visita domiciliar da enfermeira logo após o nascimento do bebê.

A visita de puerpério deve se realizar no primeiro momento da assistência à criança, constituindo o trinômio "mãe-filho-família", quando são observados e abordados fatores relacionados à puérpera, ao bebê e à família. Nessa ocasião a mãe já é orientada a levar seu filho à USF com 15 dias de vida, para que se inicie o acompanhamento mensal do crescimento e desenvolvimento da criança na unidade de saúde.

O SEGUIMENTO DA CRIANÇA

As ações de enfermagem para a promoção da saúde infantil devem delinear-se com o objetivo de influir no processo saúde-doença da criança, fortalecendo as ações dos usuários/famílias e de outras pessoas que possam influenciar o desenvolvimento dessas crianças, buscando superar riscos potenciais.(5)

O seguimento da criança na USF é estruturado conforme o Calendário Mínimo de Consultas para a Assistência à Criança, do Ministério da Saúde(6), que propõe sete consultas no primeiro ano de vida, duas no segundo e uma por ano a partir do terceiro ano de vida até a criança completar seis anos de idade. A base estruturante dessa assistência é o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, no qual são abordados os aspectos relacionados a aleitamento materno, imunização, infecções respiratórias agudas, diarréia, uso do reidratante oral, mensuração de dados antropométricos e verificação das atividades psicomotoras esperadas de acordo com a idade da criança, além da alimentação, hospitalização e outras intercorrências, pautando-se na observação da criança e na educação em saúde, que busca ser construída em conjunto com a mãe e a família, a partir da realidade em que ela está inserida.

Esses atendimentos são realizados em um trabalho conjunto entre ACS e auxiliar de Enfermagem, sob supervisão da enfermeira. Assim, as agentes comunitárias passam por uma capacitação, individualmente ou em dupla, coordenada pela enfermeira, quando são abordados, sob a forma de diálogo e discussão, tanto os aspectos teórico-cientifícos, quanto os empíricos, relacionados à realidade da clientela atendida e às vivências das educandas. Essa ação educativa é realizada segundo os fundamentos de Paulo Freire apud Jardim(7) sobre a problematização; assim o processo torna-se mais próximo da realidade de todos os envolvidos na atividade, sendo valorizados e trabalhados todos os saberes, de forma que, tanto educandos quanto educador, aprendem e ensinam, construindo conjuntamente um conhecimento singular.

A educação continuada da equipe de saúde é uma importante função da enfermeira e essa atividade educativa em saúde coletiva deve favorecer o trabalho como eixo integrador de suas ações, superando o modo tradicional de ensinar e aprender, construindo um processo educativo a partir de dados da realidade e da própria prática do trabalho em saúde, privilegiando o seu enfrentamento como referência para a aplicação dos conhecimentos produzidos e como base de reflexão que propicie a reconstrução das práticas de saúde em vigor.(8) Essa forma de educação também é a que se busca realizar no contato com a mãe-criança-família, sendo que as ACS são orientadas quanto a esse importante fator. Além dessa atividade introdutória, a capacitação das ACS se faz através de um processo contínuo, por meio de discussões de caso, reuniões, esclarecimento de dúvidas no dia-a-dia do trabalho e da solicitação da presença da enfermeira no momento do atendimento da criança na USF ou no domicílio.

Observou-se que o atendimento aqui relatado, realizado pelas ACS, representou para elas, ao mesmo tempo, um fator estressante por causa da responsabilidade que o envolve, agravada pela amplitude da demanda, pela ação burocrática que o permeia e pela própria falta de proximidade com essa prática. Mas por outro lado, nota-se claramente a satisfação que as mesmas obtêm na aproximação com os conhecimentos durante as atividades de educação continuada, assim como na realização da prática, tendo a oportunidade de ocupar um espaço de atuação onde podem desenvolver habilidades e conhecimentos, bem como serem reconhecidas e valorizadas pela clientela e pela equipe, contribuindo para o autodesenvolvimento e para a motivação no dia-a-dia do trabalho em saúde.

Um dos limites encontrados pela equipe, em relação à adesão ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança na unidade de saúde, refere-se à longa distância de boa parte da área de abrangência até a USF, dificultando o acesso das famílias ao serviço.

Os atendimentos de enfermagem à criança em situação de risco tendem a estender-se ao domicílio e à família, especialmente por meio de visitas domiciliares, que constituem um importante e rico instrumento de trabalho dentro da estratégia de saúde da família.

A ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NO ATENDIMENTO À CRIANÇA

O atendimento de enfermagem domiciliar é realizado com o intuito de buscar trabalhar conhecimentos, hábitos e relações familiares, em prol da proteção da saúde e da promoção da qualidade de vida da criança.

Ressalta-se a visita da equipe do PSF como um caminho de aproximação entre o serviço e o usuário, contribuindo para o encurtamento da distância entre o que é idealizado e, conseqüentemente, normatizado em termos de saúde e a realidade vivida pela clientela.(9)

A ampliação e o fortalecimento da assistência domiciliar são considerados como resultados do aprimoramento no campo da saúde coletiva, possibilitando a valorização do processo saúde-doença e a influência do ambiente de vida e da dinâmica familiar sobre a saúde infantil, viabilizando-se assim a entrada dos trabalhadores de saúde dentro dos lares, com o objetivo de observar e trabalhar o desenvolvimento da criança dentro do seu contexto ambiental, cultural e familiar.(10)

Esse é um enfoque complexo e delicado, que valoriza o papel dos próprios usuários na busca do seu desenvolvimento e no enfrentamento de sua realidade/adversidade, pressupondo como aspecto central o envolvimento do indivíduo e da família no atendimento de suas necessidades/problemas de saúde. Diante dessa necessidade de compromisso do cliente para que se alcance êxito na assistência domiciliar, um dos principais obstáculos com o qual se depara, a ser enfrentado nesse processo de trabalho, é a falta de motivação e de perspectiva de vida, representada pela acomodação e alienação de muitos usuários.

A assistência domiciliar é um campo de atuação importante para o enfermeiro que faz parte da Equipe de Saúde da Família (ESF), embora há que se reconhecer a necessidade de melhor preparação desse profissional para tal, assim como maior disponibilidade de tempo diante da proposta de atendimento qualitativo a uma clientela cadastrada tão ampla, considerando que essa prática é inovadora, desafiante e complexa.

Entretanto, mesmo diante de todos os fatores limitadores, é preciso buscar técnicas, caminhos e alternativas. Assim, o primeiro recurso utilizado é a parceria com a própria equipe, especialmente com as ACS. Dessa forma, diante da realidade da família de uma criança em situação de risco, principalmente quando se trata de uma família com mecanismos de resistência perante a assistência, é fundamental a discussão com a equipe sobre possíveis vias de motivação, solicitando às agentes visitas domiciliares mais freqüentes. Em nosso trabalho, vimos construindo uma prática conjunta entre enfermeira e ACS, reconhecendo o relacionamento com a família com franqueza, firmeza, valorização, respeito, confiança, apoio e co-responsabilização para cada componente, ressaltando sempre quando essa clientela se mostra mais ou menos envolvida e atuante.

Esse é um tipo de relacionamento equipe/família que articula o atendimento, seja na unidade, no domicílio ou na comunidade, pela diretriz do cuidado à saúde realizado pela equipe em parceria com a família. Entretanto, mesmo diante da tentativa de vários caminhos e muitos esforços, nem sempre é possível obter resultados satisfatórios. Essa impossibilidade vem sendo percebida principalmente nos casos de crianças das quais tanto o pai quanto a mãe são alcoólatras, situações essas que passam a fazer parte de uma realidade social cada vez mais excludente. As visitas domiciliares nesses casos são constantes, já que essa clientela dificilmente comparece à USF, representando uma população que se apresenta especialmente sob risco.

As crianças dessas famílias apresentam-se, comumente, com vacinas atrasadas, baixo peso, precárias condições de higiene e com freqüentes e reincidentes hospitalizações. Aqui, a assistência domiciliar realizada por toda a equipe tem se mostrado inócua, inclusive pela comum ausência da rede de familiares co-sanguíneos ou de qualquer outra rede de solidariedade nesses casos, agravando ainda mais a exclusão social. A alternativa usada para enfrentar esse quadro, bem como em outras situações, é a busca de parcerias externas à área de saúde, num esforço de apreender e exercitar a intersetorialidade na atenção à criança.

A INTERSETORIALIDADE

Muitos problemas de saúde não podem ser resolvidos no interior do sistema de saúde, exigindo, cada vez mais, ações intersetoriais. Por essa razão, a ótica da promoção da saúde, na concepção dos sistemas de vigilância, propõe o reconhecimento dos determinantes da saúde e dos possíveis caminhos, os quais, muitas vezes, demandam o envolvimento de outros setores governamentais e da sociedade.(5)

Assim, torna-se também importante repensar o papel da Unidade Básica de Saúde (UBS), para que a mesma possa ser um local de ações individuais e coletivas e ao mesmo tempo um espaço de articulação entre as práticas de saúde e as outras práticas sociais.(11)

As parcerias intersetoriais que vêm ocorrendo na construção da atenção à saúde da criança, aqui relatada, referem-se a instituições como creches, escolas, Associação de Bairros, Conselho Tutelar, Vicentinos e Pastoral da Criança.

O Conselho Tutelar participa, principalmente, diante dos casos de alcoolismo já citados, entretanto com atuação muito limitada, baseada principalmente na ameaça de afastamento entre os pais e as crianças.

Os Vicentinos constituem uma organização da Igreja Católica que cadastra e fornece regularmente alimentos às famílias carentes, mediante uma assistência também permeada pela visita domiciliar, como instrumento que possibilita, aos atores sociais voluntários desse trabalho, conhecer e educar a família para seu autodesenvolvimento. Assim, a equipe do PSF, diante de crianças e famílias passando por privações alimentares, recorre aos serviços desse organismo social, de forma que essa parceria contribui também para uma soma de esforços no sentido de educar e mobilizar a clientela, representando um importante apoio a uma população desprovida do atendimento de suas necessidades básicas.

Considerando-se que a educação em saúde, direcionada ao indivíduo no momento em que passa fome, terá grandes chances de estar fadada ao fracasso, compreende-se que o atendimento dessa necessidade imediata, embora constitua muitas vezes uma assistência paliativa, representa um fator essencial para que se possa dar continuidade ao cuidado de saúde humanizado e integral, compreendido como produção social.

A Associação de Bairros também contribui com recursos financeiros, geralmente oriundos das festas realizadas na própria comunidade, as quais também ocorrem com a colaboração e envolvimento da ESF, havendo como aspecto fundamental dessa parceria uma relação harmoniosa e reciprocamente comprometida entre a enfermeira responsável pela USF e o representante do bairro.

Existe também uma porta sempre aberta para o diálogo entre a ESF e a diretora da escola local, possibilitando a discussão de casos de alunos e a busca conjunta de soluções. Além disso, a escola requisita os serviços do PSF, diante de qualquer intercorrência que necessite de um atendimento imediato ou encaminhamento, como por exemplo para oftalmologista ou psicólogo, o que ocorre geralmente a partir da detecção da necessidade em sala de aula. Da mesma forma, a escola se mostra receptiva à atuação da ESF em seu espaço para a realização de atividades de educação em saúde.

Destaca-se a realização de um encontro educativo com os alunos da escola local, através de uma idéia que partiu da diretora da instituição. O planejamento e execução dessa atividade foram realizados pela ESF com participação ativa da diretora da escola, do representante do bairro, de duas representantes da igreja e de dois integrantes do grupo de jovens da comunidade. Considera-se que esse foi um passo importante para a construção de uma prática intersetorial mais sistematizada e integrada, com efetiva participação da comunidade.

A figura da creche aparece aqui, principalmente diante de famílias que estão apresentando dificuldade de assumir o seu papel em relação a um fator de risco da criança. Para ilustrar melhor esse tipo de situação, pode-se descrever, como exemplo, o caso de uma criança de três anos, obesa, com hipertensão arterial e hipercolesterolemia. Essa criança permanece a maior parte do tempo em casa, na presença apenas de adultos, preferindo brincadeiras que favorecem o sedentarismo, apresentado uma clara intolerância à atividade física, revelada pela intensa dispnéia diante de uma pequena caminhada ou ao subir pequenos degraus. A equipe identificou ainda, na família, hábitos alimentares inadequados, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo, além de um comportamento de agitação e isolamento social por parte da criança. Essa criança passou a ser acompanhada pelo médico do PSF, por um pediatra e por um endocrinologista. Além disso, ocorreram conversas freqüentes da enfermeira com a família dessa criança e o acompanhamento constante da ACS, reforçando todas as orientações. Foram realizados diversos exames laboratoriais, que demonstraram a ausência de doenças associadas e definiram a obesidade como a morbidade base, sustentada principalmente pelos hábitos inadequados de vida, estruturados prioritariamente no ambiente familiar. Mesmo diante de toda assistência, orientações e acompanhamento, a capacidade dessa família de realizar uma transformação significativa em seus hábitos de vida e na forma de relacionar-se com a criança mostrou-se insuficiente para o enfrentamento de uma condição de risco já bastante estabelecida.

Assim, buscou-se como parte da estratégia de atenção a essa criança, a permanência da mesma na creche, o que pode favorecer a interação social, principalmente em relação a outras crianças, além da aproximação com atividades mais movimentadas, da observação de hábitos alimentares mais adequados, da disciplina em relação a horários e do estabelecimento de limites, aspectos esses facilitados numa relação menos afetiva do que a familiar. Casos assim demandam a realização de contatos e parceria entre a equipe da creche e da USF, representando um recurso fundamental na assistência familiar e intersetorial à criança.

Complementando a questão da intersetorialidade, destaca-se aqui o potencial da parceria que está sendo firmada com a Pastoral da Criança, que atua na comunidade, através de uma reunião com representantes dessa organização social e a ESF, quando foi combinada a articulação sistematizada e contínua entre essas duas equipes, estruturada principalmente a partir da realização conjunta da pesagem mensal das crianças, da interação entre cada ACS e cada voluntário da Pastoral responsáveis pelo acompanhamento de uma mesma criança e pela realização de reuniões periódicas entre os dois grupos de assistência à criança. Além disso, a configuração de uma porta de diálogo permanentemente aberta, destinada a um fluxo mútuo de troca de informações, solicitação e oferecimento de apoio, proporciona o desenvolvimento integral e saudável das crianças atendidas. A enfermeira supervisiona a articulação entre ACS e voluntários da Pastoral da Criança, procurando estar atenta para que tal parceria represente um compartilhamento de responsabilidade e não se transforme num mecanismo de divisão nem de transferência de tarefas.

Na perspectiva intersetorial dessa experiência, identifica-se ainda que a presença do nutricionista e do profissional de educação física seria muito importante. Assim, é viável a busca de parceria com a Faculdade de Nutrição e a Faculdade de Educação Física que foram implantadas este ano no município.

Viana & Dal Poz(12) relatam que o PSF evidencia um novo tipo de aliança na política da saúde: gestores locais, com instituições externas à área de saúde, como escolas, creches e associações da comunidade. Considera-se que esse processo tenha no profissional enfermeiro um importante papel de disparador, articulador e supervisor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação do enfermeiro na saúde da criança dentro da Estratégia de Saúde da Família é permeada pela construção de uma prática que busca a mudança de modelo assistencial, surgindo propostas, introduzindo-se novas formas de compreensão e de intervenção. Entre os meios de se atuar nesse processo de trabalho estão: a abordagem familiar e a visita domiciliar, o trabalho em equipe e a intersetorialidade, além da constituição de uma prática mais integrada, viabilizada por um fio que conduz toda a assistência primária realizada pela equipe de saúde.

Entre os aspectos a serem enfrentados, está a consolidação da tradicional prática biomédica, curativista e altamente especializada, presente tanto na bagagem dos profissionais quanto na dos usuários, resultando em mecanismos de resistência às novas propostas. Porém, observa-se um espaço aberto para se trabalhar esses conflitos mediante, principalmente, a qualidade do serviço prestado.

Entre outros fatores importantes a serem enfrentados na atenção à criança estão as precárias condições socioeconômicas, a exclusão social, a alta incidência de pais e mães alcoólatras e a falta de motivação e de comprometimento com o cuidado em saúde demonstrada por muitos usuários. A qualidade do trabalho realizado tem como fatores limitantes: o grande número de pessoas cadastradas na USF, a área territorial vasta e dispersa o que dificulta o acesso, além do grande número de atividades sob responsabilidade do enfermeiro, tornando a disponibilidade de tempo insuficiente para um atendimento integral, humanizado e personalizado, o qual se mostra necessário diante das questões a serem enfrentadas e das características das novas propostas de assistência.

Entretanto, ao caminhar no desenvolvimento de suas funções, o enfermeiro tem a possibilidade de identificar caminhos e alternativas num campo potencial como o da Estratégia de Saúde da Família, encontrando recursos principalmente na equipe e, em especial, na figura do novo trabalhador em saúde representado pelo ACS, além das parcerias interdisciplinares e intersetoriais.

Considera-se que esse campo de atuação representa um importante espaço de crescimento e reconhecimento para a enfermagem, onde profissionais dessa área vêm tendo a oportunidade de desenvolver uma nova forma de assistir a população materno-infantil, libertando-se de uma prática normatizadora, em direção a uma atenção mais vinculada ao processo de cidadania e ao conceito mais amplo de saúde. Essa assistência apresenta obstáculos e fatores limitadores, os quais devem ser discutidos, visando melhor preparação do profissional enfermeiro para enfrentar os desafios que se colocam à frente de sua atuação, discussão essa que também deve subsidiar uma melhor estruturação da Estratégia de Saúde da Família, a fim de favorecer aspectos qualitativos da assistência.

REFERÊNCIAS

1. Caraffa RC. Fundação de Assistência à Infância de Santo André 1967-1987: 20 anos de experiência de um sistema de saúde voltado à área materno-infantil [dissertação]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas-Universidade Estadual de Campinas; 2000.

2. Felisberto E et al. Estratégia de Atenção Integrada das Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI)-considerações sobre o processo de implantação. Rev. IMIP 2000;14(1):24-31.

3. Figueiredo GLA. A enfermagem no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil em unidade básica de saúde: fragmentos e reconstruções [dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo; 2001.

4. Polit DF, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.

5. Veríssimo MDLOR. Ações de enfermagem para a promoção da saúde infantil.In: Brasil. Instituto para o Desenvolvimento da Saúde. Universidade de São Paulo. Ministério da Saúde. Manual de Enfermagem: Programa de Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. p.119-25.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.

7. Jardim VMR. Cidadania: um conceito construído por uma ONG através da educação em saúde [dissertação]. Pelotas: Programa de Pós-Graduação em Enfermagem-Universidade Federal de Santa Catarina; 1997.

8. Paim JS, Nunes TCM. Contribuições para um programa de educação continuada em saúde coletiva. Cad. Saúde Pública 1992;8(3):262-9.

9. Jesus PBR, Carvalho DV. Percepção de usuários de Unidade de Saúde da Família sobre a assistência à saúde-uma contribuição da enfermagem. REME Rev. Min. Enf. 2002;6(1/2):48-56.

10. Yamamoto RM. Um modelo de ensino para médicos residentes na área de pediatria comunitária: a visita domiciliar contribuindo para uma formação profissional mais abrangente. Rev. Pediatr. 1998;20(3):172-8.

11. Sucupira ACSL. Repensando a atenção à saúde da criança e do adolescente na perspectiva intersetorial. RAP 1998;32(2):61-78.

12. Viana ALD, Dal Poz MR. A reforma do sistema de saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. Rev. Physis 1998;8:11-48.

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