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Vice-presidente citou alta do petróleo e inflação como efeitos negativos da guerra na economia; queda do dólar e alta das commodities seriam, segundo ele, efeitos positivos. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta segunda-feira (4) que, até o momento, as “consequências positivas” da guerra na Ucrânia “estão sendo maiores” que as negativas para a economia brasileira. Mourão foi
questionado em uma entrevista para a Gazeta Grupo de Comunicações (RS) sobre os reflexos para o Brasil da invasão russa à Ucrânia, deflagrada em 24 de fevereiro. O vice, general da reserva do Exército, afirmou que o conflito aumentou o preço
do petróleo no mercado internacional, o que provocou nova alta dos combustíveis no Brasil e pressionou ainda mais a inflação. Por outro lado, argumentou, produtos agrícolas do país se valorizaram e a cotação do dólar vem caindo nos últimos dias. “Os reflexos imediatos aqui no Brasil foram esse aumento do preço do petróleo, que,
consequentemente, gera um aumento do preço dos combustíveis e isso faz aumentar a inflação que nós estamos vivendo. Mas por outro lado, nós tivemos um aumento significativo das nossas commodities, principalmente as ligadas à área agrícola, e isso traz um ingresso maior de dólares”, disse Mourão. Em seguida, acrescentou: “Tivemos também um ingresso de dólares de
investidores externos, uma vez que o mercado russo se fechou, e com isso o preço do dólar, a relação real-dólar caiu muito, praticamente voltando aos patamares do início de 2020. Ou seja, tivemos consequências negativas, mas as consequências positivas estão sendo maiores".
Ucrânia acusa Rússia de crimes de guerra Mortes na cidade de BuchaMourão também criticou o que chamou "morticínio" provocado pela guerra. Ele comentou as imagens que circularam o mundo neste início de semana de corpos de civis encontrados na cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, capital da Ucrânia, após recuo das tropas russas. "A guerra tem limites e você não pode causar um morticínio da população civil da forma como vimos lá em Bucha. Isso vai contra o que está escrito na nossa Constituição em termos de relações internacionais", disse. De acordo com a procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, corpos de 410 civis foram encontrados próximos de Kiev, parte espalhada pelas ruas da cidade de Bucha. A descoberta de valas comuns levantou questões sobre possíveis crimes de guerra de acordo com as Nações Unidas (ONU). Contra a invasãoQuando a Rússia começou a invasão da Ucrânia, no fim de fevereiro, Mourão disse que o Brasil não concordava com a guerra. Na ocasião, ele disse também que o Brasil respeitava a soberania do território ucraniano. “O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que ele respeita a soberania da Ucrânia. Então, o Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano. Isso é uma realidade”, afirmou Mourão na época. Por causa dessa declaração, o vice foi desautorizado por Bolsonaro. Em uma de suas lives, o presidente disse que cabia a ele, e não a Mourão, verbalizar a posição do Brasil. Em mais de um mês de guerra, Bolsonaro ainda não disse se é contra ou a favor da invasão russa. VÍDEOS: notícias de política
Newsletter G1Created with Sketch. O que aconteceu hoje, diretamente no seu e-mail As notícias que você não pode perder diretamente no seu e-mail. Para se inscrever, entre ou crie uma Conta Globo gratuita. Obrigado! Você acaba de se inscrever na newsletter Resumo do dia. Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1! Formação do pensamento brasileiro moderno sobre a inflação: da Segunda Guerra Mundial à crise cambial (1939-1947)* * Este trabalho contou com o financiamento da Capes e do CNPq, e com os comentários de Ricardo Bielschowsky, André Modenesi, Carlos Bastos, Pedro Fonseca, Angela Ganem e Victor Araújo. Devo agradecer a todos, sem responsabilizá-los por qualquer equívoco ou omissão.The formation of Brazilian modern thought on inflation: from the Second World War to the exchange rate crisis (1939-1947)ResumoEsse artigo analisa a evolução e a controvérsia do pensamento brasileiro sobre a inflação, desde o início da Segunda Guerra Mundial até a Crise Cambial de 1947. Ao longo desse período, o debate se organiza entre dois polos opositores. De um lado, liberais, como Gudin e Carvalho, argumentavam ser o excesso de demanda, aquecida pelas encomendas das economias em esforço de guerra, a principal causa para a inflação. Do outro, desenvolvimentistas, como Simonsen, Almeida e Menezes, argumentavam haver na economia brasileira enormes excedentes de mão de obra a serem incorporados, e viam com bons olhos a internalização de processos industriais. A inflação seria resultado do contexto de exceção, que encarecia importados, e da insuficiência de crescimento da oferta interna. O debate tem seu clímax na definição de uma estratégia para conter a crise do balanço de pagamentos deflagrada pelo esgotamento das reservas internacionais, em 1947. Houve uma convergência entre autores liberais e desenvolvimentistas, quando ambos apoiaram a restrição de importações como solução para a crise. Essa solução, apesar de seu caráter intervencionista, foi a preferida por ambos os polos opositores, já que permitiria evitar eventuais desvalorizações do cruzeiro, que, naquele contexto, foram entendidas como potenciais agravantes do processo inflacionário. A aceitação de posturas intervencionistas por parte dos liberais abriu espaço para o florescimento e diversificação das análises sobre as particularidades do processo inflacionário brasileiro. Palavras-chave: AbstractThis article analyses the controversy and the evolution of the Brazilian thought on inflation, from the eruption of the Second World War to the 1947 exchange rate crisis. Throughout this period, the debate was organized into two opposing poles. On one side, liberals, such as Gudin and Carvalho, argued that excessive demand, increased by purchases from countries involved in the war effort, was the main cause of inflation. Developmentalists, such as Simonsen, Almeida and Menezes, on the opposite side, argued that the Brazilian economy had large workforce surpluses to be utilized, and saw the internalization of industrial processes as positive. The debate reached its climax with the definition of a strategy to contain the exchange rate crisis initiated by the depletion of foreign currency in 1947. Convergence between liberals and developmentalists took place, and both supported an administrative import license in order to control the commercial deficit that Brazil was increasingly experiencing. Both sides considered it a solution that could potentially solve the exchange crisis and, at the same time, avoid an inflationary shock, which could potentially result from a devaluation of the exchange rate. The liberals' acceptance of interventionist stances allowed for the flourishing and diversification of analyses on the particularities of the Brazilian inflationary process. Keywords: IntroduçãoEste artigo se propõe a analisar o pensamento sobre a inflação no Brasil, do início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, até a Crise Cambial que se desencadeou em 1947. Trata-se de um período marcado por um processo de reordenamento global associado ao conflito, no qual as autoridades e acadêmicos brasileiros perceberam uma oportunidade de exercer um papel mais destacado na economia mundial. Como resultado dessa percepção, houve uma crescente efervescência, circulação e consolidação de publicações ligadas à economia no Brasil, que foi chamada de “boom” dos Estudos Econômicos: “Nós testemunhamos agora uma corrida na organização de institutos, fundação de sociedades e faculdades de Economia, novas publicações econômicas e assim por diante” (Normano, 1944NORMANO, J. F. Apresentação. Digesto Econômico, ano 1, n. 1, dez. 1944., p. 15). As análises sobre a realidade econômica expressas no princípio dos anos 40, no entanto, se caracterizavam por um marcante ecletismo. Autores inspiravam-se em aportes de escolas de pensamento distintas com muita fluidez, o que pode ser explicado pela incipiência do estudo da economia no Brasil, ou pela dificuldade enfrentada em aplicar-se os aportes teóricos formulados no primeiro mundo à uma realidade subdesenvolvida (Fonseca, 2000FONSECA, P. C. D. As origens e as vertentes formadoras do pensamento Cepalino. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, jul./set. 2000.). A maioria dos autores, mesmo dentre aqueles que rivalizavam, concordavam em apontar o sistema econômico brasileiro como particularmente distinto daqueles observados nos países centrais. Não havia, assim, uma clara associação às escolas tal como se apresentavam originalmente no contexto europeu e estadunidense, e os debates se organizavam em torno da identificação das causas e soluções para os problemas econômicos particulares enfrentados pela economia brasileira. O debate com contornos mais bem-acabados, que vinha se desenrolando desde os anos 1930, estabeleceu-se em torno da necessidade, ou não, de planejamento estatal da economia (Teixeira; Maringoni; Gentil, 2010TEIXEIRA, A., MARINGONI, G., GENTIL, D. L. Roberto Simonsen - Eugênio Gudin. Desenvolvimento: o debate pioneiro de 1944-1945. Brasília: Ipea, 2010.). Desde a Revolução de 1930 o Estado vinha assumindo as rédeas da economia, em paralelo com o New Deal de Roosevelt, e a discussão do planejamento tornou-se necessária para estabelecer os limites e possibilidades dessa atuação. Houve, então, como fruto dessa pauta, uma polarização entre autores liberais, representados por Gudin, e desenvolvimentistas (ou intervencionistas, como se convencionou chamar no período), representados por Simonsen . O cenário polarizado que se desenhou contrastava com a relativa hegemonia do pensamento liberal que havia sido a tônica do princípio do século XX (Mantega, 1984MANTEGA, G. A economia política brasileira. São Paulo; Petrópolis: Polis/Vozes, 1984.; Bielschowsky, 1988). O liberalismo brasileiro, que tinha as classes agroexportadoras como principal base social de sustentação, agia em defesa do livre-comércio, posicionando-se em contrário a políticas que privilegiassem o desenvolvimento industrial. O intervencionismo era capitaneado pelos ainda incipientes industrialistas, que se circunscreviam à emergente agenda do desenvolvimentismo . Nessa controvérsia, o debate sobre inflação se tornou central para a argumentação de ambos os lados da oposição estabelecida, como se verá adiante. De modo geral, o período compreendido entre 1939 e 1947 pode ser dividido em duas fases. Primeiro, o período coincidente com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no qual o comércio mundial esteve parcialmente interrompido. Nesse contexto, a economia brasileira passou a acumular superávits comerciais e, consequentemente, reservas em dólares, já que as importações, mesmo que demandadas, não podiam realizar-se nos montantes demandados. As importações de máquinas, equipamentos e insumos foram dificultadas, mas, ao mesmo tempo, a economia brasileira teve de atender às encomendas dos países aliados para fomentar, com bens agrícolas e semimanufaturados, as economias em esforço de guerra. Na primeira parte do texto serão analisadas as percepções dos autores sobre os impactos desses condicionantes contextuais para a dinâmica interna de preços. O período subsequente (1945-1947) corresponde à transição para a normalidade do comércio global, mas que implicou na emergência de uma severa crise cambial no Brasil, precipitada pela explosão do volume e dos preços das importações realizadas. A expectativa de um período de estabilidade monetária e cambial no pós-guerra se frustrou, e o esgotamento das divisas forçou um diálogo entre os analistas da economia brasileira, que precisaram encontrar uma solução para o problema cambial que ao mesmo tempo mantivesse sob controle a trajetória interna dos preços. Os contornos desse debate, bem como a solução adotada serão analisados neste texto. 1 A controvérsia sobre inflação no contexto de guerraAs condições econômicas dos primeiros anos da década de 1940 foram fortemente afetadas pelas interrupções e alterações dos fluxos comerciais geradas pela Segunda Guerra Mundial. Economias centrais dedicaram toda a produção interna ao esforço de guerra, interrompendo os fluxos de manufaturas que normalmente se fazia para a periferia e, ao mesmo tempo, demandavam, a preços crescentes, produtos alimentícios, outros bens primários e artigos semimanufaturados para abastecer as economias ao longo do conflito (Gudin, 1944GUDIN, E. Inflação e Economia de Guerra. Rio de Janeiro; São Paulo: Civilização Brasileira, 1944.; Carvalho, 1947CARVALHO, F. M. A inflação brasileira. O Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, n. 133, fev. 1947.). Nesse contexto, a estrutura produtiva brasileira diversificou-se. Houve um forte aumento da produção manufatureira, como forma de atender à demanda interna, que deixou de contar com a oferta externa, devido à interrupção do fluxo de importações . Ao mesmo tempo, o país atuava fornecendo insumos sobretudo para os EUA e para a Inglaterra, e interessava aos aliados que os produtos chegassem no maior nível de processamento possível, como forma de poupar tempo de trabalho nas já sobrecarregadas estruturas produtivas internas. Como resultado, a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações e no total da renda brasileira aumentou progressivamente. Bens agropecuários passaram a ser exportados após alguma etapa de processamento industrial . O quantum das exportações se retraiu ao longo do conflito, mas os valores mais que compensaram essa queda. O mesmo movimento ocorreu com as importações, que se retraíram em quantum, com elevações no valor em contrapartida. O aumento do valor das importações, no entanto, foi muito inferior ao das exportações, o que se traduziu em amplos e sucessivos superávits comerciais ao longo do conflito . Esse contexto, de florescimento industrial e de acumulação de superávits, penetrou então no debate econômico. As instâncias de poder absorveram em seu discurso um tom industrialista, que até então teria estado ausente, posicionando-se em favor de medidas pró-industrialização :
Liberais, por sua vez, articulados em torno de Eugênio Gudin, entendiam que o crescimento da indústria seria reflexo de distorções de caráter degenerativo da estrutura produtiva brasileira, provocada pela excepcionalidade contextual do conflito mundial. A demanda externa aquecida e a impossibilidade de importar teriam deslocado capacidade produtiva dos setores tradicionais, de maior produtividade, para setores novos e menos eficientes. Nessa perspectiva, o desenvolvimento industrial seria então um resultado indesejado do mau funcionamento do livre mercado num contexto de guerra. A inflação, que se acelerava, seria a manifestação monetária da perda de eficiência do sistema:
A crítica liberal, que sustentava sua argumentação com base na noção de vocação agrária brasileira , interpretou a inflação crescente como fruto da alocação ineficiente de recursos na indústria. O contexto permitiu essa interpretação, já que a aceleração dos preços e o crescimento mais veloz do segmento industrial, foram fenômenos que ocorreram em paralelo, sobretudo a partir de 1941, e interpretados por liberais como correlatos. Num país vocacionado para a agricultura, qualquer deslocamento de escassos recursos para a indústria seria ineficiente, e se manifestaria, cedo ou tarde, como inflação. Nesse contexto, Gudin apontava as políticas de promoção de obras públicas , o deslocamento de capacidade produtiva para atendimento das demandas por importações dos países em guerra, e a impossibilidade de importar o que internamente se demandava , como os principais fatores que superaqueciam a economia, escasseando a disponibilidade de fatores de produção :
O argumento de que haveria perda de eficiência na passagem de segmentos agropecuários para a indústria, sustentado por Gudin, era alimentado, naquele contexto, pelo fato dos setores de exportação da economia brasileira serem “verdadeiras ilhas de alta produtividade, em forte contraste com o atraso do restante do sistema produtivo” (Bielschowsky, 1988, p. 19). As fontes adicionais de demanda e a subjacente absorção de mão de obra no setor industrial, teriam então gerado uma situação de sobre-emprego, na qual o nível de atividade estaria operando acima da capacidade produtiva do sistema, implicando num leilão por mão de obra, e preços crescentes. Essa análise parte do pressuposto de que não haveria mão de obra sobressalente disponível , e, assim, o deslocamento de trabalho para a indústria só poderia ocorrer em detrimento do emprego nas lavouras, que abasteciam o mercado interno, e com aumento do custo do trabalho:
A análise de Gudin encontrou ressonância no texto de Fernando Mibieli de Carvalho, A Inflação Brasileira, que escreveu ao Observador Econômico e Financeiro como funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) . Carvalho argumentava que os crescentes preços de produtos exportáveis brasileiros teriam atraído fatores de produção para estes setores, deixando em segundo plano setores tradicionais. O aumento dos custos de importação de trigo e combustíveis, foram incorporados às explicações para a aceleração dos preços, mas seriam secundários num contexto de superaquecimento da economia interna:
Ambos Gudin (1944)GUDIN, E. Inflação e Economia de Guerra. Rio de Janeiro; São Paulo: Civilização Brasileira, 1944. e Carvalho (1947)CARVALHO, F. M. A inflação brasileira. O Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, n. 133, fev. 1947., além de criticar a suposta sobrecarga exercida sobre os meios de produção, sustentaram a ideia de que os superávits comerciais acumulados ao longo da guerra teriam contribuído para a evolução de preços. Os saldos positivos em dólares (e outras divisas) eram esterilizados com moeda local, gerando um aumento da base monetária. Assim, enquanto cresciam as reservas internacionais, crescia em paralelo a base monetária, já que o governo precisava emitir cruzeiros para comprar os dólares resultantes do saldo exportador:
A excepcionalidade da guerra impedia as divisas de serem gastas em importações, e a forma como se conduzia a esterilização de excedentes do comércio exterior seria então uma das raízes do processo inflacionário. Como aponta Gudin, “[e]xportar sem importar é acumular reservas. O mal está em sermos obrigados, para esse fim, a emitir grandes quantidades de papel-moeda, com efeitos desastrosos para nossa economia interna. [...] O problema consiste em absorver as emissões feitas para a exportação” (Gudin, 1944, p. 23). Bulhões e Kingston (1947)BULHÕES, O. G.; KINGSTON, J. Política monetária para 1947. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1947., e Kershaw reforçaram a argumentação de Gudin e Carvalho, apresentando dados de uma grande expansão da base monetária, entre 1941 e 1946, que teria ocorrido, sobretudo, via emissões feitas para esterilizar os superávits comerciais. Mas, ao argumento básico de Gudin, os autores adicionaram a ideia de que o contexto inflacionário teria proporcionado maior liberdade para que produtores aumentassem os preços de venda numa velocidade superior ao aumento dos salários, aumentando suas margens de lucro. Estaria em curso um perverso mecanismo de expansão monetária, alavancado por superávits comerciais, no qual produtores absorviam parcela cada vez maior da renda total, em detrimento dos trabalhadores, já que a autonomia para reajustar preços era significativa e escamoteada pela confusão do contexto inflacionário (Bulhões; Kingston, 1947). Como propostas de solução para o problema da inflação, Gudin (1944GUDIN, E. Inflação e Economia de Guerra. Rio de Janeiro; São Paulo: Civilização Brasileira, 1944., 1945, e 1946), Carvalho (1947CARVALHO, F. M. A inflação brasileira. O Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, n. 133, fev. 1947.) e Bulhões e Kingston (1947BULHÕES, O. G.; KINGSTON, J. Política monetária para 1947. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1947.) propuseram o contingenciamento das despesas públicas, a emissão de “Obrigações Especiais” para absorção de divisas oriundas dos superávits comerciais, e a criação de um orçamento separado para as inevitáveis despesas de guerra. As duas primeiras medidas incidiriam diretamente nos aludidos efeitos de expansão da base monetária e reduziriam a pressão exercida pelo governo sobre a estrutura produtiva. A terceira medida sinalizaria o ordenamento das contas públicas. Além disso, Bulhões e Kingston se mostraram preocupados com o direcionamento da produção nacional, que seguia praticando preços elevados, voltados para o mercado externo, mesmo após a guerra:
Visando reduzir os preços praticados pelos produtores nacionais, os autores propuseram a categorização dos produtos, separando aqueles tipicamente voltados para o mercado externo e os potencialmente consumidos internamente . Produtos de exportação teriam os preços submetidos a monitoramento e, em momentos de alta, os excedentes seriam absorvidos por um fundo público, que compensaria as perdas em momentos de baixa. Os produtos de consumo interno teriam a exportação restrita aos casos de preços compatíveis com os praticados internamente. Esses mecanismos funcionariam como um imposto regulador de preços, que absorveria as flutuações geradas no mercado internacional e priorizaria o abastecimento interno independentemente da rentabilidade do comércio exterior. O que se nota, implícito na proposta, é o diagnóstico de que os choques externos estavam perturbando o funcionamento do mecanismo de preços, e que cabia ao Estado proativamente absorvê-los para evitar seus desdobramentos. Os autores propuseram ainda a incidência de um imposto sobre os lucros “extraordinários” da indústria , e o encaminhamento de pessoas desocupadas a núcleos agrícolas organizados pelo Estado para evitar seu emprego em indústrias ineficientes . O conjunto de medidas propostas protegeria o mercado interno das influências externas nocivas, e permitiria a canalização dos recursos para os setores desejados:
Num contexto de aceleração inflacionária, as propostas de Bulhões e Kingston (1947BULHÕES, O. G.; KINGSTON, J. Política monetária para 1947. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1947.) tiveram caráter pouco ortodoxo, propugnando elevado grau de intervenção sobre a estrutura produtiva. Os autores entendiam que um pacote de medidas exclusivamente monetárias não seria suficiente para conter a evolução dos preços, num contexto tão particular quanto aquele que enfrentavam, e que a depressão era indesejável qualquer que fosse o cenário: “Essas sugestões apresentam, a nosso ver, a vantagem de constituírem um conjunto harmônico de medidas monetárias e amonetárias como programa de combate à inflação e de cautela contra a depressão” (Bulhões; Kingston, 1947 p. 29). De maneira geral, as propostas de Gudin, Carvalho e de Bulhões e Kingston, foram representadas nos Anais do I Primeiro Congresso Brasileiro de Economia, de 1943 , realizado no Rio de Janeiro, que abarcou as mais variadas vertentes ideológicas. No entanto, a posição de Bulhões e Kingston, isoladamente, talvez deva ser entendida como intermediária no espectro entre intervencionismo e liberalismo, enquanto Gudin e Carvalho representam o liberalismo. Intervencionistas também tiveram espaço no Congresso, e Roberto Simonsen exercia o contraponto a Gudin e Carvalho. A força da argumentação do autor, bem como da maioria dos autores que se opunham à ideia de vocação agrária, estava na defesa do potencial de desenvolvimento portado pela indústria, algo que defendia desde os anos 1930:
Simonsen argumentava, com base em List e Manoilescu, que seria necessário proteger a indústria nascente até que ganhasse escala e projeção global, afim de desenvolver o potencial manufatureiro brasileiro, e compilou os “fundamentos científicos do protecionismo” (Simonsen, 1934, p. 45). Dentre os princípios, estava a ideia de que a disseminação do progresso técnico se daria com maior facilidade nos setores industriais, e que a indústria tenderia a ter, em países atrasados, produtividade muito similar à verificada em países desenvolvidos , o que permitiria uma interação competitiva no mercado global. No que concerne mais especificamente à inflação, Simonsen refutava a ideia de industrialização inflacionária, apoiando-se no argumento de aumento da produtividade (Simonsen, 1931). Entendia a moeda como veículo das transações , que deveria acompanhar, em volume, a expansão da produção, duvidando de seu potencial inflacionário per se. Reputava, aliás, à “baixa elasticidade do meio circulante ” um dos principais problemas da economia brasileira. A expansão monetária tardaria a reagir ao crescimento da produção, prejudicando o crescimento econômico:
Quanto à inflação no período de guerra, as razões estariam associadas às dificuldades enfrentadas pela situação de exceção, que encarecia as importações, mas também a uma certa estagnação do setor agropecuário, que não teria se expandido o suficiente ao longo do conflito, ao passo que a população seguia crescendo. Concordou com Gudin ao afirmar ser a transferência de mão de obra de setores voltados ao mercado interno para setores exportadores, uma das causas do aumento de preços:
Simonsen, apesar de afirmar haver distúrbios de preços causados pelo contexto de exceção e pelo excesso de demanda por trabalho, acreditava que a solução para o problema da inflação passava por uma industrialização progressiva, inclusive no segmento agropecuário, como forma de conter preços através da expansão da oferta. Esteve por trás da Carta Econômica de Teresópolis, fruto da conferência de representantes das classes produtoras na cidade serrana, em 1945, um dos fóruns onde expressou-se mais sólida e enfaticamente uma proposta de combate à inflação em linha com a defesa do desenvolvimento industrial . O diagnóstico elaborado na Carta é híbrido, e a restrição do meio circulante e dos gastos públicos apareceu entre as propostas, mas o cerne do documento está na promoção da atividade produtiva como forma de atender à demanda cada vez maior. Nessa linha, o texto é explícito ao sugerir “o estímulo da produção para efeito de corrigir a deficiência de bens, provocando, assim, a absorção do excesso do poder aquisitivo existente e concorrendo, também, para a redução do custo de vida” (Carta Econômica de Teresópolis, 1945, p. 12). O estímulo à produção passaria pela criação de um mecanismo de seleção de créditos prioritários (ou seletivos), aos quais empreendimentos entendidos como importantes para a expansão da capacidade produtiva teriam acesso, reduzindo a pressão sobre a capacidade instalada: “As inversões de capital devem ser sujeitas ao seletivo de crédito, de modo que não concorram para agravar a inflação, sendo ampliadas convenientemente as operações normais de crédito sob essa orientação” (Carta Econômica de Teresópolis, 1945, p. 12). A expansão do crédito através do mecanismo seletivo visava evitar um estímulo monetário exagerado, garantindo a expansão daquelas atividades entendidas como estratégicas para o crescimento e o desenvolvimento econômico. A carta ressaltava, assim como fizeram Bulhões e Kingston, a necessidade de se subordinar a política monetária ao objetivo do desenvolvimento econômico: “É princípio reconhecido pelas classes produtoras a subordinação da política monetária à política econômica geral de fomento das atividades produtivas, e à ampliação do capital nacional” (Carta Econômica de Teresópolis, 1945, p. 12). Cabe lembrar que a delegação brasileira em Bretton Woods, em 1944, defendeu posição similar sobre o financiamento do desenvolvimento industrial e da mecanização da agricultura . Havia a esperança de que o governo pudesse fomentar a produção com o apoio de empréstimos de Estado a Estado (Barreiros, 2009BARREIROS, D. P. Atuação da Delegação Brasileira na formulação do Acordo Internacional de Bretton Woods (1942-1944). História, São Paulo, v. 28, 2009.), esperança essa que se mostrou infundada no pós-guerra. Outra esperança frustrada foi a de que o FMI pudesse operar como garantidor de liquidez para as transações internacionais , o que evitaria as dificuldades com moedas inconversíveis, além da institucionalização de instrumentos para contornar os impactos das oscilações da economia global sobre a estrutura produtiva brasileira . Dentre os desenvolvimentistas do período, Rômulo de Almeida pode ser destacado como aquele que expressava a posição que mais destoava da defendida por Gudin. O autor apresentou argumentos sobre o problema inflacionário na sua participação na Conferência Internacional de Comércio e Emprego, ocorrida em Londres entre outubro e novembro de 1946. O relato de Almeida, publicado em janeiro de 1947, deu ênfase às ideias e argumentos de “economistas indígenas” que afirmavam existir, no Brasil, enormes contingentes de mão de obra subempregada, ou empregada na subsistência:
Em outras palavras, haveria no país expressivos excedentes de fatores de produção, tanto de trabalho quanto de matéria-prima e terras, ainda passíveis de exploração. O contraste com o que vinha argumentando Gudin - que transparecia ter em mente a inadaptabilidade de determinados contingentes populacionais ao trabalho formal - é marcante. Almeida enaltecia a necessidade de “pleno emprego qualitativo”, transferindo a população dedicada a atividades de subsistência para setores modernos, mais produtivos. A proposta encontrou eco em outras comitivas, sobretudo na da Índia, que experimentava fenômeno similar, mas terminou sendo repudiada pela comitiva estadunidense, como sendo uma tentativa de se “exportar desemprego” (Almeida, 1947). Ainda na Conferência do Comércio, foram discutidas medidas para estabilizar os preços de artigos alimentares e agrícolas “tendo em vista não só curar, mas prevenir com antecedência os desequilíbrios na produção, nos mercados e nos preços, dar garantias aos importadores e conseguir abundância alimentar” (Almeida, 1947ALMEIDA, R. O Brasil e a Conferência de Comércio. O Observador Econômico e Financeiro, n. 132, jan. 1947., p. 45), repetindo as demandas da delegação brasileira que esteve em Bretton Woods , dessa vez com apoio da comitiva inglesa. Foram propostos mecanismos como escalas de preços básicos, fixando os máximos (garantia dos consumidores) e os mínimos (dos produtores) e estoques reguladores (buffer stocks). Para o caso da persistência crônica de excedente, foi proposto um esquema regulatório que limitaria a produção e melhoraria a distribuição nos mercados e sugeriu-se o estabelecimento de contratos de longo prazo, que teriam a função de assegurar estabilidade à produção de gêneros perecíveis. Outro tema abordado na conferência foi o controle direto de preços. Havia uma preocupação com a maneira como reagiriam os preços após a remoção dos controles vigentes nos EUA, e que haviam se tornado comuns no mundo ao longo do conflito. No Brasil, as primeiras iniciativas surgiram em 1934 , mas se intensificaram durante a guerra, através do decreto-lei n. 4750 de setembro de 1942 . O decreto criou a Coordenação de Mobilização Econômica, que tinha como função empenhar todos os recursos produtivos para os esforços de guerra, evitar a especulação, sobretudo num contexto de exceção, e garantir o suprimento de bens essenciais à população (Cytrynowic, 2000, p. 247). A ideia de controlar diretamente preços gozava de certa legitimidade , mas a eficácia dos mecanismos era questionada , e há relatos sobre como era fácil contorná-los . De maneira geral, o contexto do conflito mundial foi marcado por dois blocos de interpretação do processo inflacionário. De um lado, havia aqueles, como Gudin e Carvalho, que sustentavam a ideia de que a estrutura produtiva brasileira estava sob demanda excessiva, e que isso levava à operação num nível acima do desejável, com impacto sobre os salários, e os excedentes comerciais estariam provocando aumentos inflacionários na base monetária. Ambas as pressões estariam deslocando fatores de produção de setores tradicionais para novos setores, menos eficientes. A solução passaria por uma redução dos estímulos fiscais atuantes sobre a economia, e pela retirada de circulação dos excedentes monetários resultantes do superávit comercial. Com a retomada do comércio mundial e das importações, e com o fim do esforço de guerra, a tendência era que ambas as pressões retrocedessem, e o processo inflacionário se arrefeceria. Por outro lado, havia aqueles, como Simonsen e Almeida, que sustentavam ser a inflação fruto das flutuações internacionais de preços e da lentidão na expansão da oferta agrícola, que não acompanhava a evolução da demanda. Nesse caso, a solução passaria por mecanismos regulatórios e estratégias de focalizadas de fomento à produção. 2 O Pós-Guerra, e a escassez de dólaresO fim do conflito armado propiciou o retorno à normalidade dos fluxos de importação. Para muitos dos economistas liberais, a entrada massiva de importações teria como resultado a estabilização dos preços, via concorrência externa, e a liberação de fatores de produção para setores tradicionais da estrutura produtiva brasileira. Ao longo de 1947, o influxo de importações de fato se acelerou, e reverteu o saldo do balanço de pagamentos. As exportações se mantiveram num ritmo similar, mas, com o aumento no volume de importações, a balança comercial passou a acumular déficits, e em junho foram declaradas encerradas as reservas de dólares, fazendo eclodir uma crise cambial. O déficit comercial externo, que se manifestou na América Latina como um todo , foi interpretado como um sinal da escassez de dólares , e houve certa perplexidade diante da persistência da inflação em paralelo com a reversão do saldo do balanço de pagamentos . O reestabelecimento do comércio internacional não implicou na redução dos preços internos, como era esperado; as importações foram retomadas, em grande vulto, mas concentradas, sobretudo, no consumo de bens não produzidos no Brasil, frustrando as expectativas de redução dos preços via acirramento da concorrência:
A discussão centrou-se na busca por uma solução para a urgente crise cambial. Abandonada a ideia de que o livre comércio seria a solução para o problema da inflação, e diante do desequilíbrio do balanço de pagamentos, o debate se estabeleceu entre as opções de desvalorização do cruzeiro e do controle seletivo de importações. Azevedo (1948bAZEVEDO, A. M. O crédito a moeda o capital. Digesto Econômico, ano 5, n. 49, dez. 1948b.) ressaltava a prioridade do controle da inflação, e resistia à ideia de desvalorização cambial, potencialmente inflacionária. Rômulo de Almeida, ainda em 1946, havia percebido que o déficit externo era um problema no horizonte, e que havia certa tolerância das nações líderes - a exceção dos EUA - com relação ao controle de importações :
Haberler (1947HABERLER, G. von. Protecionismo alfandegário. Digesto Econômico, ano 3, n. 35, out. 1947., 1948), economista austríaco, radicado nos EUA e professor de Harvard próximo a Gudin, entendia o resultado negativo no balanço de pagamentos dos países latino-americanos como fruto da reafirmação da supremacia econômica e produtiva dos EUA no cenário do pós-guerra . Afirmava ser necessário evitar a desvalorização, já que se trataria de uma manipulação monetária superficial, que não atuaria nas causas do problema, com impactos sobre o padrão de vida da população local . Apesar de sua orientação liberal, Haberler foi mais um a defender a atuação do Estado na restrição às importações . Uma eventual desvalorização encareceria as importações, e dificultaria a renovação do parque industrial, algo que se fazia necessário naquele contexto para os chamados “países novos”:
Menezes (1947MENEZES, D. O dinheiro, os preços internos e os internacionais e as crises. Digesto Econômico, ano 3, n. 35, out. 1947.) se somava aos autores que entendiam a desvalorização como um mecanismo inadequado para reequilibrar as contas externas. Argumentou, que tal política, na prática, traria benefícios aos exportadores, em detrimento da classe trabalhadora , que teria que lidar com o aumento de preços-chave para a economia brasileira:
Dentre os autores que defendiam outras soluções alternativas, é possível mencionar Souza (1948SOUZA, R. P. Paridade cambial do Cruzeiro na presente conjuntura econômica. Digesto Econômico, ano 5, n. 49, dez. 1948.), que defendia a adoção de câmbio múltiplo, mas, de modo geral, houve certa convergência com relação à necessidade de se evitar a desvalorização cambial. A proposta que prevaleceu foi a de restringir administrativamente as importações, mesmo entre autores de tradição liberal :
O livre-cambismo perdeu, então, por força de uma crise cambial, substância no Brasil, assim como em outros países acossados pela escassez de dólares. Randall Hinshaw, economista egresso do Federal Reserve Board, graduado na Universidade de Princeton, e que então trabalhava no Plano Marshall em Paris, percebeu a defesa da liberdade comercial como uma retórica conveniente para a nação líder:
Na esteira desses movimentos nos arranjos ideológicos com relação ao comércio internacional, a frustração das expectativas a respeito da trajetória da inflação deu visibilidade a leituras e diagnósticos alternativos para o problema. A persistência da aceleração de preços, mesmo após uma mudança abrupta de conjuntura, passou a ser uma evidência de que a falta de importações e a esterilização dos superávits comerciais - que agora já não se manifestavam - não seriam suas causas. Emergiram, então, outras explicações para o processo inflacionário, que passaram a ter uma leitura menos mecanicista/universalista do fenômeno, destacando a diversidade de tipos de inflação:
Como corolário do surgimento de tipologias para diferentes formas de inflação, as análises a respeito das consequências do processo inflacionário também se diversificaram. Cada tipo de inflação teria características particulares, e consequências para o ordenamento socioeconômico também particulares. Os desequilíbrios intersetoriais, os impactos sobre preços relativos e o conflito distributivo resultantes do processo inflacionário entraram na ordem do dia:
As políticas anti-inflacionárias passaram, então, a ser interpretadas considerando seus efeitos sobre o desenvolvimento econômico . Ora, se cada tipo de inflação enseja resultados distintos sobre a economia, e demanda remédios específicos, o policy maker teria então que escolher, caso a caso, a política ideal, entre diferentes possibilidades, com desempenho melhor ou pior a depender da acuidade da escolha. Mais ainda, as interpretações sobre o problema inflacionário brasileiro voltaram-se cada vez mais para as condições da estrutura produtiva. Para um número crescente de economistas, a inflação brasileira deveria ser entendida como um fenômeno intrinsecamente associado à dinâmica da produção nos diferentes setores da economia:
A interpretação de Menezes é um exemplo de como a manifestação monetária dos preços passou a ser analisada em conjunto com a dinâmica produtiva. A correspondência entre moeda e inflação não é negada, mas entendida em conjunto com a produção. A aceleração de preços não se devia à expansão da quantidade de moeda per se, mas fundamentalmente às relações entre moeda e estrutura produtiva . Para o autor, a análise isolada da quantidade de moeda não teria sentido econômico:
Linhares e Montalegre estabeleceram leituras similares à de Menezes, e o primeiro destacou a compatibilidade da interpretação da inflação como fenômeno associado ao processo produtivo com a Teoria Quantitativa da Moeda, criticando os efeitos recessivos de políticas monetárias contracionistas:
A perspectiva de Linhares, assim como a de Menezes, tem a inflação como um resultado possível da retração da produção, num contexto em que a base monetária se mantém constante. Nessa leitura, seria possível ter os preços em aceleração, ao mesmo tempo em que se gera desemprego, o que fez reacender a controvérsia sobre a existência ou não de pleno emprego na economia brasileira. Menezes argumentava haver um enorme contingente de desempregados, que agia como mecanismo moderador dos salários. Aumentos nos salários poderiam ocorrer como resultado de uma redução significativa do exército de reserva em ausência de progresso técnico. Mas, o volume de desempregados seria, no Brasil de então, tão elevado que não se poderia imaginar inflação de salários como resultado do excesso de estímulo monetário:
Com as atenções voltadas para a estrutura produtiva, a predominância agrícola na produção brasileira, e a consequente inserção comercial internacional primário-exportadora, surgiu como potencial explicação para a inflação. Torres atentou para a assimetria nas trajetórias de preços do comércio global, identificando um descompasso no preço pago pelas mercadorias importadas e as exportadas, o que pode ser interpretado como uma antecipação da noção de deterioração dos termos de troca . Gudin referira-se ao caráter “reflexo” da economia brasileira, que por seu padrão de especialização reagia reflexivamente aos movimentos do mercado global. A dinâmica dos países centrais, então, condicionava a evolução da economia nacional, incapaz de determinar sua própria trajetória, dado seu padrão de inserção como fornecedora de insumos para outros sistemas econômicos. Na mesma linha, Vieira (1948VIEIRA, D. T. Meio para remediar a balança de pagamentos desfavorável no Brasil. Digesto Econômico, ano 4, n. 48, nov. 1948.) afirmava ser o retorno extraído do comércio internacional menor para países exportadores de matéria-prima, e a instabilidade uma fatalidade inerente a esse padrão de especialização:
A intersecção entre essas análises, que enfocavam de um lado o padrão submetido de inserção da economia brasileira na economia global, e de outro a trajetória cadente dos preços relativos das exportações brasileiras, se tornou protagonista no debate sobre inflação. Preços de importações sempre crescentes, e de exportações sempre cadentes, seriam uma razão potencial para o processo inflacionário em curso. O poder de compra da moeda nacional estaria, nesse movimento, se deteriorando em relação à moeda internacional de referência, e dada a dependência de importações para abastecer o mercado interno, essa perda de poder de compra inevitavelmente se traduziria em inflação. Paralelamente, afirmava-se que as oscilações de preços teriam efeitos desastrosos para economias altamente especializadas como a brasileira, com surtos de alta e baixa na renda nacional provocados por movimentos externos e com impactos sobre a dinâmica interna de preços. Todas essas percepções foram posteriormente fortalecidas pelas contribuições da Cepal, mas já sinalizavam uma nova interpretação para as causas do processo inflacionário:
A análise que Gudin apresentara em “Inflação e Economia de Guerra” (1944GUDIN, E. Inflação e Economia de Guerra. Rio de Janeiro; São Paulo: Civilização Brasileira, 1944.), que apontava o superávit comercial do período de guerra como inflacionário, perdeu, então, nesse cenário, sua força. A economia brasileira havia voltado a ter acesso a importações, e as exportações retrocederam, sem que fosse controlada a inflação. As novas leituras dos economistas inverteram a pergunta, e passaram a questionar como fomentar a estrutura produtiva brasileira de forma a responder à demanda crescente, demanda esta que deixou de ser entendida como um caso excepcional do período de conflito:
Diante dessa nova perspectiva analítica que se construía, Gudin arrefeceu sua percepção de que a inflação seria causada pela evolução monetária. Numa leitura à Keynes, ressaltou características institucionais da economia e do comportamento dos agentes econômicos que impediriam o repasse da redução de custos - oriunda do progresso tecnológico - para preço . Haveria, assim, uma assimetria na formação de preços, como resultado dessa rigidez, que impediria as reduções. Em seguida, reproduziu trechos de relatórios do Federal Reserve demonstrando a complexidade do fenômeno inflacionário, a impossibilidade de contê-lo exclusivamente a partir de mecanismos monetários e a necessidade de se considerar objetivos mais amplos do que o controle inflacionário ao se desenhar uma política monetária:
Reconhecida a necessidade de intervir no sistema econômico a partir de uma perspectiva mais ampla, visando objetivos múltiplos, e considerando as idiossincrasias de cada sistema econômico, a questão passou a ser como canalizar os escassos recursos de uma economia periférica para a solução de dificuldades estruturais e para a produção dos bens necessários para a continuidade do processo de crescimento, sem gerar instabilidade econômica e monetária. A situação de atraso relativo de um certo número de países que nas trocas internacionais absorviam parcelas cadentes de valor relativo precisava ser levado em conta ao se desenhar políticas econômicas. O laissez-faire e o mecanicismo monetário ganharam, naquele contexto, conotação de instrumento garantidor do status quo, parte de discursos externos interessados , e se difundiu, ainda que de maneira desorganizada, uma consciência sobre a necessidade de intervir-se planejadamente na realidade concreta para superar tal situação de atraso. Foi essa a argumentação que alimentou o desenho de uma política de restrição às importações, que visava, a rigor, contornar a desvalorização, potencialmente inflacionária, do cruzeiro. ConclusãoEsse artigo abordou a evolução do pensamento brasileiro sobre a inflação no período entre 1939-1947. Primeiro, foram apresentados os principais argumentos para explicar a inflação em ambos os lados da controvérsia entre desenvolvimentistas e liberais, no período da Segunda Guerra Mundial. Simonsen, dentre os desenvolvimentistas, propunha a aceleração do processo de industrialização brasileiro, com os instrumentos disponíveis, para promover a ampliação da oferta de produção interna. A industrialização progressiva conduziria ao desenvolvimento, e a redução da dependência da oferta externa conduziria a preços variáveis dos produtos industriais. Além disso, criticou a maneira mecanicista como muitos apresentavam a relação entre moeda e preços, e se mostrou favorável aos mecanismos de crédito seletivo. Não discute, no entanto, estratégias para a contenção dos preços a curto e médio prazo, ressaltando apenas o caráter particular do contexto vivido durante a guerra, e a falta de investimentos para a agricultura, que crescia num ritmo inferior ao da indústria. Gudin, por seu turno, acompanhado por Carvalho, destacou-se entre os liberais e dedicou-se muito particularmente à questão da inflação. A causa da inflação, para ambos, estava associada ao excesso de demanda e a um montante demasiadamente elevado de recursos monetários atuando sobre a estrutura produtiva brasileira. A particularidade do contexto de conflito mundial impedia o Brasil de importar para atender à demanda interna, e gerava a acumulação de superávits comerciais, que aplicados internamente exageravam a oferta monetária, causando inflação. O crescimento da indústria teria ocorrido como resultado desse sobre-estímulo, inflando a demanda por emprego no setor e, consequentemente, o custo do trabalho em todo o sistema econômico. Os déficits fiscais seriam outro fator a pressionar a demanda agregada, elevando ainda mais os salários, e promovendo uma transferência intersetorial de recursos. Bulhões e Kingston estiveram em linha com Gudin na interpretação de excesso de demanda e de estímulos monetários, mas preocuparam-se particularmente com as margens de lucro excessivas praticadas por produtores nacionais atuando num mercado protegido. Almeida, em marcante contraste ao pensamento de Gudin, afirmava haver no Brasil excedentes de mão de obra dedicados a atividades de subsistência, passíveis de serem incorporados aos setores industriais, de produtividade mais elevada. Contraria, portanto, a ideia de que a inflação seria resultado de uma escassez de mão de obra disponível. Com o fim do conflito armado e a retomada dos fluxos de comércio internacional, as percepções do fenômeno inflacionário alteraram-se. A economia brasileira passou a performar déficits comerciais e esgotou suas reservas internacionais sem que a inflação retrocedesse, fragilizando o argumento de Gudin. O debate centrou-se, então, na busca por soluções para a crise do balanço de pagamentos, e desenvolvimentistas e liberais concordaram em adotar restrições administrativas às importações, como forma de reduzir o déficit externo. Essa estratégia foi consensualmente percebida como aquela capaz de, ao mesmo tempo, reverter o déficit comercial e evitar uma aceleração do processo inflacionário, o que seria potencialmente o resultado de uma desvalorização cambial. Como fruto dos movimentos na conjuntura, houve uma diversificação das análises do processo inflacionário. Os argumentos passaram a enfatizar o caráter de reflexo e de inserção submetida da economia brasileira, assim como a assimetria na trajetória dos preços do comércio internacional. A inflação deixa de ser entendida como um monólito, e discutem-se os tipos de inflação e a consequente diversidade de causas para o processo inflacionário. Além disso, todo o debate é tomado por um pragmatismo que se afirma pela necessidade de ter objetivos múltiplos ao se desenhar uma política de contenção da evolução dos preços. Por fim, Gudin, o mais célebre dos representes dos liberais, reconheceu ser o fenômeno da inflação demasiadamente complexo para que seja causado ou contido por instrumentos exclusivamente monetários. Volta-se, assim, ele próprio para as características específicas da economia brasileira como explicação para o recorrente problema da inflação.
Referências bibliográficas
Datas de Publicação
Histórico
Como a Segunda Guerra Mundial afetou a economia do Brasil?A guerra na Europa gerou alguns impactos significativos no brasileiro comum daquela época. Houve uma recessão de consumo, principalmente de produtos essenciais, como pão e leite.
Quais foram os impactos da Segunda Guerra no Brasil?O Brasil na era do aço
Um dos primeiros e mais importantes impactos da Segunda Guerra Mundial para o Brasil foram as mudanças que o conflito trouxe para a economia brasileira. “Foi uma guerra de enormes proporções, talvez com a maior mortalidade de todos os tempos em um curto espaço de tempo.
Quais foram os impactos econômicos da Segunda Guerra Mundial?Consequências Econômicas da Segunda Guerra
Além das perdas humanas, o conflito custou 1 trilhão e 385 bilhões de dólares em perdas monetárias. Do montante, 21% coube aos Estados Unidos, 13% à União Soviética e 4% ao Japão. Todos os 72 países envolvidos acumularam perdas em diferentes proporções.
O que afetou o Brasil na Segunda Guerra Mundial?Navios torpedeados e a declaração de guerra
Entre 5 e 17 de agosto de 1942, seis navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães, o que resultou na morte de mais de 600 pessoas. O fato comoveu a nação, que passou a pressionar Vargas a declarar guerra à Alemanha.
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