Qual era o principal objetivo da construção de ferrovias hidrovias e portos nas regiões Centro

INTRODUÇÃO

É cada vez maior a dependência das economias regionais às redes de transportes. Além de importantes instrumentos de apoio a diferentes atividades, por elas circulam bens de consumo, pessoas e um conjunto de objetos que interferem decisivamente no funcionamento do território. É por isso que os transportes, como referem Rodrigue, Comtois e Slack (2013), têm sido um desafio contínuo às economias que participam do mercado internacional. Não obstante, se, por um lado, o controle dessas redes permite integrar, por outro permite segregar, motivo pelo qual se constitui como elemento estratégico de atuação de certos grupos.

No caso específico das ferrovias, o controle dos fluxos é ainda maior. No Brasil, essa característica foi acentuada a partir da década 1990, quando foi criado o programa de desestatização de serviços e infraestruturas. De modo diverso dos trilhos implantados na primeira metade do século XX, em que a infraestrutura ferroviária possuía natureza multifuncional e mantinha forte relação com as demandas locais, apesar de também de atender às demandas de exportação, os trilhos de hoje mantêm relação quase que restrita ao transporte de commodities. Se outrora os trilhos tinham um impacto muito forte na vida das cidades, vilas e povoados servidos por suas estações, atualmente o vínculo é específico às grandes empresas e ao mercado internacional. É nesse contexto de refuncionalização dos trilhos e de construção de infraestrutura de transporte para atender “as áreas de expansão da fronteira agrícola e de exploração mineral”, tal como informado no Plano Nacional de Logística e Transporte (BRASIL, 2012, p. 39), que a Estrada de Ferro 151 foi finalmente construída nos estados do Maranhão, Tocantins e de Goiás.

Mais conhecida como Ferrovia Norte-Sul (FNS), mesmo nome da empresa que efetivou o contrato de subconcessão do Tramo Norte da EF 151, essa ferrovia teve a sua construção iniciada em 1987. Depois de 27 anos, após paralisações, atrasos e acréscimos no projeto inicial, o trecho entre Açailândia (MA) e Anápolis (GO) foi inaugurado. Mas, antes disso, a entrada em operação do Tramo Norte, entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA), já tem evidenciado os efeitos dos trilhos na economia regional de estados como Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O transporte de cargas provenientes de Mato Grosso também ilustra a ampla área de influência da FNS, suscitando a sua importância logística em escala nacional.

Analisar o processo de formação da FNS, seus efeitos na economia regional do centro-norte brasileiro e as conexões com o mercado internacional é o objetivo principal deste estudo. A movimentação de cargas em portos de países como China, Estados Unidos e Holanda é um caso ilustrativo e chama a atenção para o caráter internacional dessa rede. Ao considerar essas escalas, este trabalho também pontua o sentido territorial dos trilhos e o seu caráter estratégico para o Brasil. Os procedimentos metodológicos basearam-se em pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e realização de trabalho de campo com duração de dez dias nos estados de Goiás, Tocantins e Maranhão. Vários trechos, pontes e viadutos da ferrovia foram visitados assim como todos os pátios, tanto aqueles que se encontram em funcionamento como aqueles que ainda estão em construção.

A análise também busca evidenciar o sentido territorial e as escalas de interação da ferrovia. Ou seja, além de entender o sentido dos fluxos, é necessário compreender o sentido das conexões. A análise das relações mútuas e das conexões, discutidas por Castilho (2016) como questões centrais nas proposições de Hartshorne (1978), é necessária ao estudo dos trilhos, porque, à medida que as aproximamos do contexto atual, as relações entre a ferrovia e os múltiplos processos desencadeados nas localidades por ela servida vão diminuindo e as conexões com o mercado internacional (ou com fenômenos externos) vão se tornando cada vez mais proeminentes.

A questão dos usos também deve ser considerada, porque uma determinada localidade pode ser incrementada pelos trilhos, mas são os usos, tal como destacado por Santos e Silveira (2008), que permitem identificar os reais atores que se beneficiam de uma determinada infraestrutura. Essa leitura, que compõe a segunda e terceira parte deste trabalho, ajuda a explicar o caráter estratégico da Ferrovia Norte-Sul. O principal negócio de sua maior acionista, a Vale, é a mineração. Ter o controle desses trilhos é estratégico, por um lado, porque se trata de um grande negócio perante a crescente demanda do centro-norte brasileiro por logística. Por outro, porque amplia ainda mais o controle do fluxo na Estrada de Ferro Carajás e, em função disso, assegura o transporte de minério. Isso demonstra que a ferrovia é um importante instrumento técnico do mercado mundial e, além de incrementar a circulação, é estratégica no controle do próprio funcionamento do território.

A FORMAÇÃO DA FERROVIA NORTE-SUL E O NOVO SENTIDO DOS TRILHOS NO BRASIL

O projeto de construção da Estrada de Ferro 153, mais conhecida como Ferrovia Norte-Sul (FNS), foi elaborado na década de 1980. As obras tiveram início em 1987 por trechos a partir da Estrada de Ferro Carajás, em Açailândia, estado do Maranhão, em direção à cidade de Porto Franco, também no Maranhão. Esse trecho foi inaugurado somente em 1996. De acordo com a Valec (2017), o trajeto inicial previa a construção de 1.550 km, ligando Açailândia (MA) a Anápolis (GO). O projeto, no entanto, passou por muitos atrasos, paralisações e alterações. A partir da década de 2000 novos trechos foram incorporados, a exemplo do prolongamento até o estado do Rio Grande do Sul, passando por Estrela d’Oeste, em São Paulo, e Chapecó, em Santa Catarina. Além disso, diante das limitações na capacidade de transporte no trecho da Estrada de Ferro Carajás, o qual é aproveitado pela FNS para alcançar o Porto de Itaqui em São Luiz (MA), a construção do trecho entre Açailândia (MA) e Belém (PA) encontrase em estudo. O projeto atual, portanto, prevê a construção de 4.155 km de extensão cortando o país de Norte a Sul e justificando o seu nome.

Em 2007, quando o trecho entre Porto Franco (MA) e Araguaína (TO) foi concluído, a subconcessão até Porto Nacional, próximo à capital tocantinense, foi arrematada pela Vale S.A. para exploração comercial pelo período de trinta anos. Para a operação desse trecho foi criada a subconcessionária Ferrovia Norte-Sul S.A., que passou a ser controlada pela empresa Valor da Logística Integrada (VLI Multimodal S.A.), uma holding que tem em sua composição acionária as empresas Vale S.A., o grupo japonês Mitsui, o fundo de investimento FI-FGTS (um fundo administrado pela Caixa Econômica Federal que aplica recursos do trabalhador em projetos de infraestrutura) e o grupo canadense Brookfield. Em 2010 o trecho até Porto Nacional estava concluído. Anos mais tarde, em 2014, o trecho até Anápolis foi inaugurado. A extensão e as datas de inauguração de todo esse trecho estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1

Inauguração e extensão dos trechos da FNS entre Açailândia e Anápolis

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Fonte: Adaptado do Portal VFCO (2016).

Atualmente o Tramo Norte da FNS, entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA), com seus 719 km de extensão, encontra-se em funcionamento com transporte de grãos, celulose, minério e combustível. O Tramo Central, entre Porto Nacional e Anápolis, possui 855 km de extensão. De acordo com a Valec (2017), nesse último trecho já foi promovido o transporte de dezessete locomotivas, 21 mil toneladas de farelo de soja e 20 mil toneladas de madeira triturada. Para esse transporte, os trens, formados por duas locomotivas de 66 vagões, partiram do pátio de Porto Nacional, que fica a 30 km de Palmas, próximo ao lago da Usina Hidrelétrica de Luiz Eduardo Magalhães (também conhecida por Lajeado), em direção a Anápolis, onde entregaram a carga à Empresa Granol para produção de óleos vegetais.

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Figura 1
Evolução da Ferrovia Norte-Sul entre Açailândia (MA) e Anápolis (GO).
Fonte: Org. dos Autores

Esse transporte, no entanto, é inicial e ainda não representa a movimentação do trecho. Isso porque o fluxo depende da duplicação da Ferrovia Carajás, por onde a FNS alcança o Porto de Itaqui em São Luiz (MA) e realiza o transporte de toda movimentação dos pátios que se encontram em funcionamento no Tramo Norte. A figura 1 mostra a evolução do traçado da FNS entre Anápolis (GO) e Açailândia (MA).

O entroncamento da FNS com a Estrada de Ferro Carajás ocorre no distrito de Piquiá, no município de Açailândia (MA), em uma altitude de 220 metros, de onde segue, no sentido Sul, para o município de Estreito (MA), divisa entre os estados de Tocantins e Maranhão. A ponte férrea sobre o rio Tocantins (figura 2A) foi o maior obstáculo hidrológico do Tramo Norte da FNS. A partir desse ponto, a EF-151 segue, em linhas gerais, os meandros da margem oeste do rio Tocantins, em altitudes que não ultrapassam trezentos metros até o território goiano. Os trilhos adentram o território goiano no município de Porangatu (GO), direcionandose a Anápolis (GO) em caminho paralelo à rodovia Federal BR-153 ora a oeste, ora a leste. Em alguns trechos, como mostra a figura 2B, a ferrovia cruza a rodovia por meio de viadutos.

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Figura 2
A) Ponte Férrea sobre o rio Tocantins, no município de Porto Franco (MA), divisa do Maranhão com Tocantins. B) Viaduto da Ferrovia Norte-Sul sobre a rodovia Federal BR-153 próximo a Jaraguá (GO).
Fonte: Trabalho de campo (ago. 2014). Org. dos Autores.

Conforme consta no quadro 2, o trecho entre Açailândia e Anápolis possui quatorze pátios, dos quais oito estão no Tramo Norte e seis no Tramo Sul. Desses últimos, apenas o pátio de Anápolis encontrase ativo. Os pátios de Jaraguá (GO), Santa Izabel (GO), Uruaçu (GO), Porangatu (GO) e Gurupi (GO) estão em construção. No Tramo Norte, dois deles também se encontram em construção: Araguaína (TO) e Aguiarnópolis (TO). O restante, Açailândia (MA), Imperatriz (MA), Porto Franco (MA), Palmeirante (TO), Guaraí (TO) e Porto Nacional (TO), encontra-se em funcionamento. Em trabalho de campo realizado nos meses de agosto e setembro de 2014 foi possível verificar que os pátios de Porto Nacional e Porto Franco são aqueles que possuem maior movimentação. O primeiro possui infraestrutura para desembarque de gasolina e diesel, além de embarque de grãos. Já o pátio de Porto Franco é voltado para o embarque de grãos.

A movimentação no Tramo Central até o momento ainda é incipiente e atende, como informado anteriormente, à Granol, empresa que produz e comercializa óleos vegetais, biodiesel e grãos. O transporte nesse trecho, cuja duração é de aproximadamente trinta horas entre Porto Nacional de Anápolis, vem sendo feito também pela VLI, por meio de contrato de venda de passagem (VALEC, 2017).

Todo o trecho já inaugurado da EF 151 é basicamente uma ferrovia de meio, já que interliga a Ferrovia Centro Atlântica, em Anápolis, à Ferrovia Carajás, em Açailândia, e tem a sua funcionalidade dependente dessas ferrovias. O histórico de sua construção também demonstra que a FNS é um projeto que vem do Norte motivada pelas demandas produtivas do centro-norte brasileiro. A sua construção, portanto, além de inaugurar um novo padrão logístico dos trilhos no país, reforçado pelo delineamento no sentido Sul-Norte, também promove a integração regional e impacta a economia em uma escala nacional.

O fato é que, de modo diverso aos trilhos da primeira metade do século XX, os trilhos de hoje não atendem àquela diversidade de demandas locais. O papel da ferrovia em escala nacional é cada vez mais restrito aos grandes grupos empresariais. Se outrora, assim como analisado por Castilho (2012), os trilhos fundavam cidades e, em suas dezenas de estações, atendiam a demandas rotineiras da população por meio do transporte de pessoas, animais, banha de porco, farinha, arroz e uma diversidade de produtos, atualmente atendem a demandas mais específicas de grandes empresas. A figura 3 apresenta duas fotografias em que se comparam uma estação da Estrada de Ferro Goiás na década de 1940, na cidade de Anápolis, e um pátio da Ferrovia Norte-Sul em 2014, no município de Porto Nacional. Na figura 3A é possível observar pessoas, várias caixas, sacas de arroz e baús (provavelmente com ferramentas e utensílios pessoais) na plataforma da estação aguardando a chegada do trem. Ao lado da estação e da plataforma está uma carroça sendo descarregada por uma pessoa. Não é difícil notar a grande diferença entre essa estação e um dos maiores pátios da FNS localizado no município de Porto Nacional, próximo à cidade de Palmas. O contexto econômico e as condições técnicas, obviamente, são muito distintos, bastando observar o tamanho das instalações e o modo como estão equipadas. A questão, no entanto, é entender a função que cada uma desempenhou e desempenha no contexto histórico e espacial. No primeiro caso há uma multifuncionalidade e forte relação com a vida local; no segundo, a função é mais específica e exclusiva às demandas das grandes empresas exportadoras.

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Figura 3
A) Estação de Anápolis da Estrada de Ferro Goiás na década de 1940. B) Pátio de Porto Nacional (TO) da Ferrovia Norte-Sul em agosto de 2014.
Fonte: A) Blog História Local Recanto do Sol (2016). B) Fotografia dos autores (2014).

No lugar das pequenas estações com serviços de frete, telégrafo e suas plataformas de embarque, atualmente os trilhos e pátios são voltados quase que exclusivamente aos volumes do mercado mundial.

Mesmo que as antigas estradas de ferro mantivessem relação com a economia exportadora, o seu sentido multifuncional e o papel nas trocas locais eram inegáveis. No entanto, nas últimas décadas, período em que a FNS foi construída, a operação logística dos trilhos passa a se voltar exclusivamente para as grandes empresas exportadoras e importadoras de commodities. No caso da exportação, a crescente produção das áreas de expansão da fronteira agrícola do Brasil é emblemática e ajuda a entendermos a forte relação entre a Ferrovia Norte-Sul, a economia do centro-norte do Brasil e o mercado mundial. Vejamos em detalhe.

FERROVIA, ECONOMIA REGIONAL E INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL

Há três formas de estabelecer a área de influência de uma ferrovia. A primeira é considerar os municípios diretamente ligados aos trilhos. Tal perspectiva de análise implica, por exemplo, a compreensão dos aspectos morfológicos da via permanente, dos impactos ambientais de sua execução e da fragmentação das propriedades rurais. A segunda forma é determinar, por meio de análise da dinâmica produtiva ou mesmo das receitas públicas municipais, como a ferrovia interfere nas economias municipais, tanto no período de execução quanto no período de operação. A terceira forma pressupõe considerá-la articulada ao sistema ferroviário nacional e ao sistema multimodal de transportes, o que envolve mudanças no sistema logístico nas escalas regional, nacional e internacional.1

A necessidade de caracterizar a economia regional é resultado da natureza que assumiu, contemporaneamente, a rede ferroviária nacional diante das demandas do mercado mundial. No Maranhão, a via permanente compreende, predominantemente, áreas de pastagens e as áreas mais povoadas do sul maranhense. No Tocantins, além das áreas de pastagem, a via permanente abrange áreas com maior produção agrícola de grãos, localizadas na região Sul desse estado. Em Goiás, o destaque é para a área de mineração, no Norte do estado, assim como áreas de cultivo de cana-de-açúcar na microrregião de Ceres. Para além da área de influência direta da via permanente, é preciso antever como a FNS afetará a produção dos mercados regionais, considerando a natureza do transporte de carga ferroviária que requer maior volume de produção e maior distância média entre as áreas produtoras e os mercados consumidores externos. O modal ferroviário é, majoritariamente, utilizado para exportações e importações, o que demanda o acionamento dos portos nacionais.

A tabela 1 indica, em tonelagem, o perfil da produção regional, considerando cargas agrupadas em granéis sólidos (grãos) e cana-de-açúcar, insumo para produção de etanol e açúcar. A maior fração das cargas transportadas pelas ferrovias brasileiras é composta por minérios, grãos, biodiesel e fertilizantes. Em 2014 foram transportados pela FNS, segundo relatório da CNI (2014), três milhões de toneladas de soja, milho e farelo, valores incipientes, especialmente quando consideramos o potencial produtivo dos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Bahia, Mato Grosso e Piauí. Os seis estados produziram, em 2013, 101.590.789 toneladas de cana-de-açúcar, volume que justifica o número de usinas de processamento em Goiás e Mato Grosso, bem como sua expansão no estado do Tocantins. A produção de soja desses estados, no mesmo ano, foi de 39.739.184 toneladas e de milho 30.558.557 toneladas. Os três cultivos (cana-de-açúcar, soja e milho), em 2013, atingiram 171 milhões de toneladas. Esses cultivos compõem a maior fração da pauta das exportações dos estados citados.

Tabela 1

Área de influência dos tramo Norte e Central da EF-151 e principais cultivos temporários, 2013

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Fonte: IBGE (2015); Trabalho de campo (2015). Org. dos Autores *Municípios cortados pela via permanente

É necessário advertir que essa produção por estado, considerando sua localização em relação aos terminais da FNS, resulta em diferentes custos logísticos. Os produtores de algumas regiões, a exemplo da chamada Mapitoba, já utilizam essa ferrovia como vetor de escoamento da produção da soja e do milho. Conforme mostra a figura 4, essa região, uma espécie de entroncamento entre as divisas do Sul do Maranhão, Nordeste do Tocantins, Sudoeste do Piauí e o Oeste da Bahia, é apontada como a mais recente fronteira agrícola do país. Relatório da CNI (2015) projeta uma participação de 8,9% da produção de grãos dessa região, em relação ao total nacional, para o ano de 2024.

Outras regiões, como o Sudoeste Goiano, têm uma fronteira consolidada de cultivo de grãos, com destaque para os municípios de Rio Verde e Jataí, o que, por si só, representa um potencial de acionamento da FNS. No Mato Grosso, 3% da produção de soja e milho, em 2014, tinham como destino o Porto de Itaqui (MA), o que implica acionamento do modal rodoviário a partir da BR-158 até a altura do terminal de Porto Franco (MA). A demanda por transporte de soja (grãose farelo) e de milho é mais significativa nos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, cuja exportação, a partir do Porto de Itaqui, correspondeu a 93,9%, 64,1% e 71,4%, respectivamente, das exportações provenientes desses estados (CNI, 2015).

Uma maneira eficaz de avaliar o impacto da expansão da FNS é analisar o fluxo de cargas a partir dos terminais de embarque e desembarque de cargas. Essa perspectiva de análise permite a compreensão das áreas de influência. Os terminais são “nós” logísticos de distribuição de cargas e mercadorias. Locais que agrupam empresas de processamento e armazenagem de grãos, centros de distribuição de combustíveis, entre outro conjunto de empresas ligadas às atividades de suporte logístico. Como locais de transbordo, os terminais agrupam um conjunto de infraestruturas técnicas que permitem armazenagem e processamento de grãos, como silos, moegas, tulhas, além de tanques para armazenagem de combustíveis. Localizados em extensas áreas dos distritos industriais municipais, às margens da via permanente, são organizados mediante regimentos de arrendamentos de áreas para as empresas.

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Figura 4
Produção de soja na região do Mapitoba e na área de influência da FNS (2013).
Fonte: Org. dos Autores. Adaptado de IBGE (2013).

Nos Tramos Norte e Sul da ferrovia, conforme mapeado na figura 4, existem sete terminais em funcionamento e outros sete em fase de construção. Todos os terminais estão distantes dos centros urbanos e/ou localizados no que virão a ser distritos industriais ou mesmo nas zonas rurais em áreas que podem atingir 70 hectares, a exemplo do terminal de Porto Nacional (TO). No Tramo Norte, dos terminais em operação, aqueles com maior movimentação de cargas são os terminais de Porto Franco (MA) e o terminal de Porto Nacional (TO), seguidos dos terminais de Palmeirante (TO) e de Guaraí (TO). O terminal de Porto Franco (MA) apresenta uma considerável capacidade de armazenagem de grãos, indicado pela presença de empresas como a Agrex do Brasil, a Multigrain, a Algar Agro e a Cargil. Apenas a empresa Algar Agro possui capacidade de armazenagem estática de 120.000 toneladas e 1,5 mil toneladas de esmagamento diário (ALGAR AGRO, 2015). A produção processada e transportada origina-se, na sua maior fração, do Sul do Maranhão, dos municípios de Balsas, Tasso Fragoso, Sambaíba, Riachão, Alto Parnaíba e Carolina, que produziram, em 2013, 1.092.693 toneladas de soja, equivalente a 69,07% da produção total do estado. Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a pauta de exportações desses municípios foi composta, majoritariamente, por produtos básicos, especialmente soja (BRASIL, 2015). O maior destino das exportações de soja em todos os referidos municípios citados foi a China. De Carolina, Alto Parnaíba e Sambaíba, as exportações para a China, em relação ao total de exportações municipais, em volume de recursos, atingiram 100%, 69,82% e 36,06%, respectivamente. A pauta de importações é composta de fertilizantes, insumos e bens de capital, parte também originada da China.

O terminal de Porto Nacional (TO), também conhecido como terminal de Palmas (TO) em função da proximidade com a capital tocantinense, exerce uma função central na logística regional, por abrigar uma base de distribuição de combustíveis (álcool, gasolina e diesel) da BR Distribuidora, além da distribuidora Raízen. Segundo informações das ANP (2015), a base da BR Distribuidora apresenta uma tancagem de 32.848,2 M3 e a Raízen de 17.764,86 M3. O combustível atende demandas dos diversos estados do centro-norte brasileiro, sendo insumo indispensável para veículos automotores, máquinas agrícolas e produção de energia em pequena escala. De acordo com informações do gerente da Raízen (GOBBO, 2014), a empresa movimenta 50 milhões de litros de combustível diariamente. O fluxo de combustíveis registrado no pátio de Porto Nacional ocorre em dois sentidos. Do Porto de Itaqui (MA) chegam o diesel e a gasolina, e da base desse pátio é despachado o etanol. É importante destacar que, excluindo essa base operacional de distribuição, só existe outra base em Gurupi (TO), com tancagem de 1.620 M3, o que dá ideia de sua importância para o estado do Tocantins. No pátio também há processamento e transbordo de soja pela empresa Agrex, com capacidade para armazenagem de 15 mil toneladas de grãos (AGREX, 2015).

No pátio de Palmeirante (TO) o destaque é para as empresas VLI e Nova Agre. Essa última apresenta capacidade estática de 30.000 toneladas de grãos, capacidade de recepção de 600 toneladas/horas e capacidade de expedição de 1.200 toneladas/horas (NOVAAGRE, 2015). O pátio de Guaraí (TO) exerce, exclusivamente, a função de transbordo do combustível etanol produzido na Usina de Pedro Afonso (TO), de propriedade da Bunge, que dista 50 km do pátio. A empresa informou, em 2014, a capacidade de moagem de 2,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (BUNGE, 2015).

É preciso ressaltar que, como dito anteriormente, a movimentação no Tramo Central da FNS ainda é incipiente. O principal eixo de movimentação de cargas entre o Sudeste brasileiro e o Norte brasileiro, como indicaram Arrais, Castilho e Aurélio Neto (2015), continua sendo por meio da rodovia BR-153. Essa via é, sem dúvida, o eixo essencial de articulação do modal rodoviário com a FNS. A conclusão de todo trajeto da EF-151, incluindo a ligação entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA), no Porto Vila do Conde (PA), influenciará os fluxos nacionais, facilitando, igualmente, as exportações de grandes volumes de cargas. Além da conclusão do Tramo Sul da EF-151, estão previstas integrações com as ferrovias EF-232 e EF-334, interligando, respectivamente, os estados do Piauí e Bahia à FNS, e finalmente, a EF-354, conhecida como Ferrovia Transcontinental, que almeja a integração de Mato Grosso e Rondônia ao sistema ferroviário nacional.

Em 2008, como indica a figura 5, a FNS somou uma carga transportada de 1.026 tku (tonelada quilometro útil), volume que passou para 2.377 em 2013, representando um crescimento superior a 230%. Esse volume é bastante modesto, considerando, por exemplo, o volume total que é transportado por outras concessionárias, a exemplo da Estrada de Ferro Carajás, a Estrada de Ferro Vitória Minas e a Ferrovia Teresa Cristina, que transportaram, em 2013, o equivalente a 101.011, 72.009 e 61.468 tku, respectivamente (ANTT, 2013).

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Figura 5
Evolução do transporte de cargas pela Ferrovia Norte-Sul (milhões de tku).
Fonte: ANTT (2013).

A efetivação do sistema de ferrovias nacionais pode mudar o perfil dos fluxos de cargas nacionais e internacionais, especialmente nos estados do Piauí, Maranhão, Tocantins, Goiás, no Oeste da Bahia e no Nordeste do Mato Grosso. O caso de Goiás é emblemático especialmente quando observamos a relação entre o perfil das exportações, os pontos de chegada e os pontos de escoamento das mercadorias. Em 2014 o Porto de Santos (SP) foi responsável por 44% das chegadas de mercadorias para o território goiano (GOIÁS, 2015). Desse porto partiram 58% das mercadorias exportadas por Goiás. Outros 32,7% tiveram como destino os portos de Vitória (ES), Paranaguá (PR) e Itajaí (SC). A integração da economia goiana com o Porto de Itaqui (MA) é praticamente inexistente, mesmo quando consideramos a demanda de circulação mineral dos municípios do norte goiano. A conclusão da EF-151, portanto, não apenas reduziria os custos logísticos da produção de grãos, minérios e combustíveis, como também facilitaria o escoamento de produtos de menor volume e maior valor agregado, o que implica a diversificação da pauta de exportações. A conclusão da integração impactaria positivamente nos custos das importações, notadamente dos insumos agrícolas, como fertilizantes. Em estudo de previsão de demanda em trecho de 477 km, entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA), verificou-se a possibilidade para 2023 de elevação da pauta de transportes para 14.430 (TU 000), o que inclui produtos ligados à siderurgia, veículos, contêineres, papel e celulose, além dos grãos e combustíveis. O estudo da CNI (2014), no entanto, revela-se bastante otimista, pois prevê o funcionamento desse trecho para o ano de 2017, cenário de difícil efetivação, uma vez que apenas a fase de estudos técnicos foi concluída.

A construção da Ferrovia Norte-Sul, que é uma parte da EF-151, ocorre em um momento de intensa internacionalização da economia brasileira e aumento das trocas comerciais com a China. Em 2000, a participação da China nas exportações brasileiras foi de 3,97%, percentual que passou para 12,71% em 2014. Evolução similar tiveram as importações, que passaram de 3,35% em 2000 para 10,30% em 2014 (BRASIL, 2015b). A maior demanda, relacionada ao aumento da produção de grãos em regiões dos estados do Tocantins, Goiás, Bahia, Mato Grosso e Piauí, exige a ampliação da capacidade operacional do Porto de Itaqui (MA), que possui vantagens locacionais para exportação em relação aos portos de Santos (SP) e Vitória (ES), mais distantes do mercado asiático e europeu.

Os dados de movimentação no Porto de Itaqui (MA), conforme mostra a figura 6, ilustram a relevância do Tegram (Terminal de Grãos do Maranhão) no contexto da movimentação geral desse Porto. A movimentação de soja, em 2011, representou 4,1% do total da carga movimentada, passando para 14,69% em 2005 e 16,72% em 2014, ano que representou o maior volume individual, entre todos os tipos de cargas (contêineres, granéis sólidos e granéis líquidos). O volume de exportação de soja, a partir de 2009, ultrapassou as exportações de ferro-gusa. Nesse total não estão incluídos os volumes de ferro, manganês, concentrado de ferro e ferro-gusa, transportados pelo Terminal de Uso Privativo Ponta da Madeira, da VALE.2

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Figura 6
Movimentação de cargas no Porto de Itaqui (Soja e Ferro-Gusa) em TEUs.
Fonte: Maranhão (2015).

Além da soja, o milho aumentou a participação na pauta de exportações, passando de 36.824 toneladas em 2011 para 624.424 toneladas em 2014. Comparando o Porto de Itaqui (MA) com o Porto de Vila do Conde (Barcarena-PA), destino futuro da EF-151, percebe-se que o primeiro porto é acionado para granéis líquidos, seguido dos granéis sólidos, com irrelevante participação das cargas conteinerizadas. O Porto Vila do Conde (Barcarena, PA) tem nos granéis sólidos os maiores registros de movimentação de cargas, seguidos dos granéis líquidos e com participação das cargas conteinerizadas quatro vezes maior que a registrada no Porto de Itaqui. De qualquer forma, a movimentação de contêineres nos dois portos corresponde, segundo dados da ANTAQ (2015), a menos de 1% do total da movimentação brasileira, o que sugere uma lacuna na expansão dessa modalidade de carga. Ainda em relação ao Porto de Itaqui, a elevada participação dos grãos indica a necessidade de aprimorar a infraestrutura logística interna, especialmente nas rodovias, ferrovias e hidrovias, com o propósito de aproveitar a rota do Canal do Panamá. Informações do Tegram, divulgadas no jornalGazeta do Povo (2015), mostram que, usando a rota do Canal do Panamá, um navio que sai de São Luís chegará à China com um frete 20% mais barato que as rotas saindo dos Portos de Santos ou Paranaguá. O caminho para Europa, principal importador de farelo de soja do Brasil, também é mais próximo saindo de Itaqui, informa o mesmo jornal.

Considerando a distância dos Portos de Itaqui (MA) e Santos (SP), em relação aos portos de Tianj (China) e Long Beach (EUA), a vantagem é evidente para o porto maranhense, o que permite, em tese, redução do custo do transporte em relação aos mercados europeu e asiático. Como mostram a figura 7 e a tabela 2, comparando a distância do Porto de Itaqui em relação ao Porto de Santos, a vantagem de Itaqui é de 293 milhas náuticas para Tianj (China) via Canal do Panamá, e de 1.322 milhas náuticas para Roterdã. Nessa última rota o ganho é de cinco dias.

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Figura 3
Principais rotas das exportações brasileiras (2015).
Fonte: Org. dos Autores. Adaptado de Brasil (2015).

Tabela 2

Distância entre os portos brasileiros e portos estrangeiros selecionados

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Fonte: sea-distances.org *CP: Canal do Panamá. CBE: Cabo da Boa Esperança. EM: Estreito de Magalhães. AO: Oceano Atlântico.

** Duração média com base na velocidade de 10 nós = 18,52 km/h.

O acesso ao mercado mundial por meio dos portos do Norte também diminuirá o intenso fluxo de cargas nas rodovias do Sudeste brasileiro. A questão da distância entre os portos do Brasil e de outras partes do mundo, no entanto, não é o único fator que influencia o acionamento dessas rotas em comparação ao Cabo da Boa Esperança. Serra, Moreira Neto e Weber (2010), em estudo detalhado sobre os efeitos da expansão do Canal do Panamá para os portos brasileiros, apontam restrições em relação à capacidade dos navios que circulam no canal, especialmente no que toca ao transporte de cargas minerais. A junção entre as limitações de utilização de embarcações panamax e o custo de passagem pelo canal, como argumentam os autores, supera os possíveis ganhos da menor distância.

A reforma do Canal do Panamá, cuja principal alteração é a construção de duas novas eclusas, permitirá superar as restrições operacionais para navios de grande carga. A conclusão das obras, de acordo com a administração do Canal do Panamá, ocorrerá no final de 2015, com previsão para entrada em operação no ano de 2016.3 A perspectiva de menor custo do transporte marítimo, associada à entrada em operação do trecho entre Porto Nacional (TO) e Anápolis (GO), local de entroncamento com a Ferrovia Centro Atlântica, mudará o perfil da oferta logística no centro-norte brasileiro. É possível que a movimentação de cargas conteinerizadas aumente, aproveitando-se da ligação com os portos do Sudeste brasileiro, do Maranhão e, posteriormente, com o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). O aumento na movimentação de cargas na EF-151 dependerá, além da oferta de sistemas técnicos (SANTOS, 1997), de questões conjunturais que atingem o mercado regional e o mercado global. Regionalmente é necessária uma atenção aos cenários de evolução da produção agrícola e mineral. Dados da CONAB (BRASIL, 2015c) apontam, considerando os estados de Goiás, Tocantins, Bahia, Mato Grosso, Piauí e Maranhão, um progressivo aumento da produção de grãos nessas regiões. A evolução da produção da tonelagem de soja, como atesta a tabela 3, é resultado tanto da ampliação das áreas quanto do aumento da produtividade regional.

Tabela 3

Evolução da produção de soja, em toneladas, nos estados do centro-norte do Brasil

Qual era o principal objetivo da construção de ferrovias hidrovias e portos nas regiões Centro

Fonte: CONAB (BRASIL, 2015).

O aumento da produção de grãos requererá investimentos nos sistemas de estocagem e de circulação eficientes para saída dos grãos e chegada de insumos agrícolas. Nesse quesito é importante destacar a dependência do Brasil em relação aos insumos necessários à produção de fertilizantes. A importação de potássio, que provém da Rússia, Canadá e Alemanha, e do fosfato, que provém dos Estados Unidos, Rússia, China (IBRAM, 2012), é estratégia para manter os níveis de produtividade regional. Na escala internacional, é necessária a atenção aos preços do mercado, uma vez que o quadro de decisões dos atores que estão no início da cadeia de grãos e da cadeia de minérios depende da dinâmica que envolve relações de trocas, especialmente com os mercados chinês, japonês e estadunidense. A eficiência da EF-151, como de todo o sistema ferroviário brasileiro, dependerá de uma engenharia econômica que envolve não apenas o mercado externo, mas também o potencial de expansão, considerando o perfil das cargas e a expansão do mercado interno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Ferrovia Norte-Sul participa de um contexto técnico e político bastante influenciado pelas demandas do mercado internacional. Os transportes, nesse contexto, são cada vez mais padronizados para atender aos interesses corporativos, como bem defende Silveira (2009). Além disso, como importante elemento de modificação das estruturas regionais, conforme defendido por Campos (2015), é necessário considerar que o posicionamento da FNS no território brasileiro promove indiscutíveis alterações na logística do país. O fato de ser uma ferrovia de meio a torna, por enquanto, dependente da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). Apesar de construída por uma empresa controlada pelo Ministério dos Transportes, a Valec, e de ter como responsável pela conservação, manutenção, melhoramento e adequação a Ferrovia Norte Sul S.A., a sua operação é realizada pela VLI, que tem como principal acionista a mineradora Vale. A VLI, portanto, é quem opera a FNS e quem controla a passagem de suas cargas pelas ferrovias que dão acesso aos portos. Importa destacar que o principal negócio da Vale é a mineração. Isso significa que o controle do acesso ao Porto de Itaqui garante o acesso e a prioridade de seu principal negócio (o ferro), e ao mesmo tempo assegura lucratividade com o transporte de commodities que se encontram em franca expansão no centro-norte brasileiro. Não menos estratégico, portanto, é o controle da FNS. Poder de acesso, controle de fluxo e lucratividade são estratégias que a Vale obteve ao arrematar a subconcessão dessas linhas supramencionadas.

O fato é que a operação e o controle dos fluxos têm se tornado um grande negócio no Brasil. Aatuação de empresas privadas no controle de importantes redes de transportes, como é o caso da FNS, atesta este fato e chama a atenção para o papel do Estado na legitimação das concessões e na garantia do equilíbrio econômico financeiro de grupos empresariais. A localização dos trilhos e dos pátios, conforme observa Vencovsky (2006), ao não servir as principais áreas urbanas das regiões cortadas pelas ferrovias recém-construídas, também demonstra a restrita função das ferrovias e a ausência de uma política que vise à ampliação do acesso à sociedade brasileira a mais um tipo de transporte. Isso significa que o modelo de ampliação dos trilhos, portanto, é restrito a alguns atores.

Se, por um lado, como bem observado por Capel (2011), as ferrovias configuram a geografia dos territórios e dos centros urbanos, é necessário considerar que a conjunção de características do território, e dos meios técnico-políticos, também influencia a demanda pela oferta de transporte ferroviário. No caso do Brasil, por exemplo, a extensão territorial, a densidade da ocupação na faixa litorânea, a histórica concentração do mercado de consumo e das industrias em determinadas regiões, assim como a ampliação da produção agropecuária nas regiões da hinterlândia exigem disposição de infraestruturas para o transporte de mercadorias. Se considerarmos a economia interna, mesmo o fluxo de cargas em grandes volumes ainda é concentrado no modal rodoviário, a despeito da maior eficiência do modal ferroviário. A multimodalidade de transporte entre a origem e o destino das cargas e mercadorias precisa ser estimulada. Isso deve ser acompanhado pela oferta de modais também à sociedade brasileira. É nesse contexto que os planos de expansão do sistema ferroviário nacional, de modo geral, e da Ferrovia Norte-Sul, de modo particular, ao contrário do que acontece, poderiam mudar positivamente toda a geografia da circulação no centro-norte brasileiro. O cenário, no entanto, não aponta para isso, tendo em vista a sua restrição às conexões com as demandas do mercado internacional.

Do ponto de vista da economia exportadora, a sua relevância resulta da conjunção de três possibilidades, cujos impactos na economia regional e nacional serão inegáveis:

  • Possiblidade de integração dos mercados do centro-norte brasileiro com o Sudeste brasileiro, via ligação com a Ferrovia Centro-Atlântica, o que resultará em uma nova lógica de trocas regionais. Além disso, a previsão de conexão com a EF- 354, conhecida como FICO (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), e com a EF-334, conhecida como FIOL (Ferrovia de Integração Leste-Oeste), resultará em novas opções de fluxo de cargas no território brasileiro;

  • Possibilidade de redução dos custos de produção da cadeia de grãos, tendo em vista as opções de escoamento pelo Porto de Itaqui (MA) e, posteriormente, pelo Porto de Vila Conde (Barcarena, PA). A perspectiva de descentralização dos pontos de escoamento é necessária e poderá reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade dos produtos no mercado externo;

  • Possibilidade de redução dos custos de importação de produtos ligados à cadeia de fertilizantes, assim como bens manufaturados, uma vez que o custo dos transportes pode ser reduzido. Da mesma forma que o custo das exportações pode ser reduzido com a integração com o Porto de Itaqui (MA) e a rota do Canal do Panamá, também as importações da China, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Coréia do Sul, Itália, França etc. podem ser reduzidas em função da possibilidade de acionamento de novas rotas marítimas.

É no conjunto dessa economia cada vez mais articulada com os mercados internacionais que a Ferrovia Norte-Sul, considerada uma ferrovia da integração nacional, pode ser determinante na logística brasileira. O peso do investimento público na rede ferroviária é resultado direto de uma concepção de logística, para utilizar a acepção de Moniè e Silva (2003), colocando o Estado como protagonista no investimento e na regulamentação de uma rede em função de interesses corporativos em detrimento das demandas sociais. As concessões e o jogo de interesses envolvendo a entrada de grupos empresarias no controle e operacionalização dos trilhos, portanto, demonstram que o sentido logístico dessa rede é acompanhado por um complexo jogo político correlacionado diretamente ao mercado internacional. Impossível, portanto, compreender a FNS sem discutir as suas escalas de interações bem como o sentido das ações que comandam o seu fluxo.

Agradecimentos

Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto “Novas determinações produtivas, regionais e urbanas nas áreas do Cerrado brasileiro: uma avaliação sobre os efeitos das obras de infraestrutura rodoferroviárias na integração regional” (Edital Pró-Integração/Capes n° 055/2013).

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Notas

1 Orientamo-nos pelo conceito de logística de Corò (2003, p. 105): “Em uma acepção moderna, a logística deve ser entendida como o conjunto de atividades que orientam, em correlação com um fluxo de informações preciso, a movimentação de mercadorias dentre de uma rede produtiva completa. Em outras palavras, a logística moderna deve ser interpretada como uma infraestrutura estratégica que, reduzindo as barreiras físicas e operacionais entre locais de produção e de consumo, permite organizar a divisão do trabalho em escala global em ciclos produtivos espacialmente diferenciados”.

2Terminal de Uso Privativo – TUP: Instalação portuária explorada por pessoa jurídica de direito público ou privado, utilizada na movimentação de passageiros ou armazenagem de mercadorias, destinados ou provenientes de transporte aquaviário (Lei n° 8.630/93). Esses terminais podem ser de uso exclusivo – para movimentar carga própria, ou de uso misto, para movimentar carga própria e de terceiros, desde que fora da área do porto organizado, ou quando o interessado for titular do domínio útil do terreno, mesmo que dentro da área do porto organizado” (AN-TAQ, 2015).

3 “El Canal de Panamá tiene tres juegos de esclusas: Gatún (en el lado Atlántico), Pedro Miguel y Miraflores (en el lado Pacífico). Las esclusas de dos vías permiten a los buques transitar simultáneamente en dirección opuesta si es requerido. Los tres juegos de esclusas tienen diferentes niveles: Miraflores tiene dos niveles de levantamiento de los buques hacia el lago Miraflores; la esclusa de Pedro Miguel tiene un solo nivel hasta el lago Gatún; mientras que Gatún, que es la esclusa más grande, tiene tres niveles para descender el buque hacia el lado Atlántico. Las cámaras de las esclusas tienen las siguientes medidas: 33.5 mts (110 pie) de ancho, 304.8 mts (1,000 pie) de largo y 12.8 mts (42 pie) de profundidad. Estas dimensiones restringen a los barcos a un máximo de 32.3 mts (106 pie) en manga; 294.1 mts (965 pie) en eslora; y 12.04 mts (39.5 pie) en calado de agua dulce. El proyecto de expansión del Canal de Panamá le añadirá dos esclusas adicionales de tres niveles que serán 55 mts (180 pie) de ancho, 427 mts (1,400 pie) de largo y 18.3 mts (60 pie) de profundidad con el fin de permitir el tránsito de naves con mayor capacidad de carga” ( http://logistics.gatech.pa/es/assets/panama-canal/components).

Qual é o principal objetivo da construção de ferrovias hidrovias e portos nas regiões Centro

A construção das primeiras ferrovias, no período imperial, teve como objetivo integrar regiões e escoar a produção do interior até os mercados consumidores e os portos. Mesmo sendo rápido, econômico e pouco poluente, o transporte ferroviário não vem sendo priorizado.

Qual o objetivo da construção das ferrovias?

A Estrada de Ferro surgiu como uma alternativa para romper o estrangulamento da economia goiana quanto à sua demanda por um meio de transporte que viesse atender as necessidades de escoamento de sua produção.

Qual a importância das ferrovias e hidrovias para o desenvolvimento da região Centro

Panorama da infraestrutura em transporte no Centro-Oeste Conforme estudos da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (FAMATO), transportar grãos usando o modal hidroviário diminuiria os custos em aproximadamente 70%. Usando as estradas de ferro, esses gastos cairiam em 35%.

Qual era a principal finalidade das primeiras ferrovias brasileiras?

O seu principal objetivo era facilitar o escoamento do café produzido no interior paulista. Em 1877 foi realizado a ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Outra inauguração importante foi a Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, implantada em 1884 com uma extensão de 112 km.