Show A Constituição de 1988 e a democracia participativa A palavra democracia (governo do povo) tem origem na Grécia antiga e o princípio democrático tal qual conhecemos hoje tem suas bases nos ideais da igualdade, da liberdade e da fraternidade adotados na Revolução Francesa, no final do século XVIII. Em nosso País, como foi mencionado na aula anterior, a vivência democrática têm sido enorme desafio e construção recente, destacando-se o período histórico-político do século XX e mais, enfaticamente, a partir da década de 1980. Democracia e direitos humanos caminham juntos. “Não há democracia sem direitos humanos e não há direitos humanos sem democracia” (PIOVESAN, 2003).1 No caso do Brasil, a história dos direitos humanos está diretamente vinculada com a história das constituições brasileiras. A primeira Constituição brasileira data de 1824 – a Constituição Imperial, outorgada,2 e apesar de concentrar muitos poderes nas mãos do imperador – a prerrogativa para intervir, não sem protestos, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – trás os primeiros registros da inviolabilidade dos direitos civis e políticos e a consagração dos Direitos Humanos no Brasil. Com a proclamação da República, em 1888, surgiu a primeira Constituição Republicana, datada de fevereiro de 1891, inspirada na Constituição dos Estados Unidos da América. Em seus menos de 100 artigos, estabelece a forma de Estado (Federação); a forma de governo (República); e o sistema de governo (Presidencialismo). Do ponto de vista dos direitos humanos, manteve aqueles poucos consagrados na Constituição Imperial e os ampliou, por exemplo, com o estabelecimento do voto direto para deputados, senadores, presidente e vice-presidente da república. No entanto, à apenas alguns setores da população era conferido este direito. Apesar de ter abolido a exigência de renda como critério de exercício dos direitos políticos, determinou que os mendigos, os analfabetos, os religiosos, não poderiam exercer tais direitos políticos (SAMANIECO, 2000). Em 1934, o País conquistou sua primeira “Constituição social”. Após a revolução constitucionalista de 1932, foi nomeada pelo governo provisório uma comissão para elaborar o projeto de constituição. Com pouca participação popular, a Constituição de 1934 introduziu algumas garantias individuais; assegurou direitos sociais aos cidadãos, notadamente direitos trabalhistas, tais como proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; proibiu o trabalho para menores de 14 anos de idade, noturno para os menores de 16 anos e insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; determinou a estipulação de um salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades do trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação de trabalho a oito horas diárias, entre outras garantias sociais. Para as mulheres esta constituição foi um marco a medida que instituiu o Voto Feminino. No entanto, esta Constituição teve vida curta de apenas 3 anos! No período de 1937 a 1946, sob inspiração nazi-fascista, nosso País viveu a “ditadura de Vargas”. A Constituição do “Estado Novo”, de 10 de novembro de 1937, suprimiu as liberdades, centralizou o poder no Presidente da República, instituiu os tribunais de exceção. Este período foi abordado recentemente no filme “Olga” que retrata tanto a luta pela liberdade e direitos sociais, quanto as barbaridades praticadas pelo terror do Estado e a relação com a ordem nazi-fascista. O mundo vivia o pesadelo da Guerra e como diz Piovesan “a Segunda Guerra trouxe a ruptura com os direitos humanos e o Pós-Guerra trouxe a leitura da sua reconstrução”.3 As liberdades políticas e os direitos humanos foram reconquistados e ampliados com a Constituição redemocratizadora de 1946 (dois anos antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos). Entre outros direitos ampliados, o trabalho noturno a menores de 18 anos foi proibido, institucionalizou-se o direito de greve, houve fortalecimento da Federação. A Constituição redemocratizadora vigora por quase 20 anos até o golpe militar. Em 1964, o Brasil sofre mais um golpe no processo democrático e, em conseqüência, os direitos humanos e as liberdades são novamente usurpados. Passam a vigorar os Atos Institucionais com punições e arbitrariedades, tendo no AI-5 a expressão máxima do terror e do medo provocado pela ditadura militar. A tortura, a ausência de liberdade, as perseguições e assassinatos políticos marcaram este período. 1964
1985
O aparato legal deste cenário político foi garantido na Constituição de 1967 e posteriormente na Constituição de 1969 que incorporou as arbitrariedades dos Atos Institucionais. Ao final da década de 1970, por pressão dos movimentos sociais na luta por direitos, liberdade e democracia, o País conquista a Anistia por meio da Lei no. 6.683 de 28 de agosto de 1979 que inicia o processo de abertura política que culmina, em 1985, com a queda do Regime Militar e a emenda constitucional no 25 a qual convoca as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte.
O Brasil, como vimos, desde a independência é regido por Constituições que ao longo da história refletiram as diferentes dimensões e o conceito dos direitos humanos. A Constituição Federal de 1988 é um marco! Segundo Piovesan, é um marco simbólico que reinventa a nossa cidadania, é o marco da transição democrática e da nacionalização dos direitos humanos no país.7 Em seu preâmbulo, a Constituição de 1988, institui o Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Estabelece em seu primeiro artigo, o fortalecimento da Federação, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, declara seus princípios fundamentais e afirma a soberania popular. Além de instituir como novo paradigma, a democracia participativa.
Garantiu entre seus princípios fundamentais a redução das desigualdades, considerando a diversidade sexual, de raça, geração, e o combate a qualquer forma de discriminação, expressos em seus artigos terceiro e quinto.
Além disso, nossa Constituição Cidadã, primou pela garantia dos direitos humanos, dos direitos sociais e políticos, em seus artigos 5o ao 11o e do 14o ao 16o. É, sem dúvida, um novo paradigma no arcabouço jurídico e democrático brasileiro. Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL, 1988) Segundo Moroni, “a Constituição Federal de 1988 inova em aspectos essenciais, especialmente no que se refere à gestão das políticas públicas, por meio do princípio da descentralização político-administrativa, alterando normas e regras centralizadoras e distribuindo melhor as competências entre o poder central (União), poderes regionais (Estados e Distrito Federal) e locais (municípios). Com a descentralização, também aumenta o estímulo à maior participação das coletividades locais – sociedade civil organizada –, criando mecanismos de controle social”.8 Estes são alguns dos motivos porque a Constituição de 1988 é considerada como a mais democrática dentre todas aquelas constituições brasileiras. Se a participação popular institucionaliza-se a partir da Constituição de 1988, sua efetividade já vinha sendo construída no período pré - Constituição e consolida-se durante os anos 1990.
Todo cidadão possui direitos políticos garantidos na Constituição Federal de 1988. O principal direito político e o mais exercido por todos é o direito de votar e ser votado. Mas a participação da população não se limita ao voto para a escolha de seus
representantes no Poder Executivo e no Poder Legislativo. Estão previstos no artigo 14 da Constituição Federal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, também como direitos políticos.
Estes direitos políticos foram regulamentados apenas dez anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a publicação da Lei no 9.709 de 18 de novembro de 1998. O primeiro exemplo de plebiscito no País
ocorreu em 1993 quando a população foi consultada sobre o tipo de governo que o Brasil deveria adotar (presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia). A Iniciativa Popular também foi regulamentada na lei no 9.709/98, sendo que são requisitos para sua implementação:
Para dar viabilidade a este direito, a Câmara dos Deputados criou a Comissão Permanente de Legislação Participativa, que acolhe as iniciativas populares. Quem pode apresentar sugestões Legislativas? Associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades da sociedade civil, exceto partidos políticos. Desde que tenham participação paritária da sociedade civil, também podem apresentar Sugestões Legislativas aos órgãos e às entidades da administração pública direta e indireta, como o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional de Assistência Social etc. Não é permitida esta iniciativa aos organismos internacionais. Se o significado de democracia é governo do povo, sem a garantia de participação da população não existe democracia de fato. Sem a sociedade organizada participando das questões estatais, há sempre o risco para que regimes autoritários surjam e ocorram retrocessos nos direitos conquistados. Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988, ao incorporar os direitos humanos e a democracia plena em nosso País, impôs ao legislativo a regulamentação de tais direitos e o incentivo de uma participação cada vez maior dos cidadãos e cidadãs. É com este intuito que a partir de 1988 os vários setores da sociedade organizada pressionam e colaboram na elaboração e aprovação das legislações complementares, com objetivo de regulamentar e aprofundar os direitos humanos, os direitos sociais e a democracia participativa.
Em 1990, a Lei Federal no. 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências, cujo primeiro artigo diz que:
A participação nos conselhos, como efetivação da democracia participativa, tem significado permanente educação para a cidadania. A sociedade conquista um espaço de co-responsabilidade na definição de leis e políticas garantidoras dos seus direitos. A Lei Federal no 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, é um exemplo importante, como outros que veremos em nossa próxima aula, quando trataremos dos conselhos dos direitos.
LYRA, Rubens Pinto, Os conselhos de direitos do homem e do cidadão e a democracia participativa, texto disponível em: MORONI, José Antônio, Participamos, e daí? - Artigo publicado pelo Observatório da Cidadania, membro do Colegiado de Gestão do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos – Inesc,
dezembro de 2005. Disponível em: BOBBIO, N. O futuro da democracia. Rio e Janeiro: Paz e Terra, 1986. ______. Crise e redefinição do Estado brasileiro. In: LESBAUPIN, I; PEPPE, A. (Orgs.). Revisão constitucional e Estado democrático. Rio de Janeiro: Centro João XXIII, 1993. FALCÃO, M. C. A seguridade na travessia do Estado Assistencial Brasileiro. In: SPOSATI, A. et al. Os direitos (dos desassistidos) sociais. São Paulo: Cortez, 1991. RAICHELIS, Raquel. A construção da esfera pública no âmbito da política de assistência social. Tese (Doutorado em Serviço Social). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997. SOUZA FILHO, R. Rumo à democracia participativa. 1996. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Escola de Serviço Social, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos humanos como utopia. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=76. ANAIS DA V CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Brasília 2003, palestra de Flávia Piovesan. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/anais.pdf Constituição Federal de 1988 – disponível em: http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm LEI
FEDERAL 8142 – Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS – disponível em: Notas 1. Anais da V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Brasília 2003, palestra de Flávia Piovesan. 2. Constituição outorgada: é redigida e imposta pelo poder governante, normalmente monarcas absolutistas, ditadores e juntas golpistas. 3. Anais da V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Brasília 2003, palestra de Flávia Piovesan. 4. Primeiro presidente do regime militar. 5. Último presidente do regime militar. 6. Nome dado por Ulysses Guimarães à Constituição Federal de 1988. 7. Idem. 8. Moroni, José Antônio, Participamos, e daí?- artigo publicado pelo Observatório da Cidadania, membro do Colegiado de Gestão do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos – Inesc, dezembro de 2005, disponível no site: http://www.ibase.br/pubibase/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1183&sid=127 9. Anais da V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Brasília 2003, palestra de Flávia Piovesan. < Voltar Quais são os mecanismos de democracia participativa?Ela pode assumir as mais variadas formas, desde as clássicas, como o referendo ou o plebiscito, até formas que propiciam intervenções mais estruturantes no processo de formação das decisões, como a iniciativa legislativa, o veto popular, os referendos revogatórios, os chamados recalls.
Quais são os mecanismos diretos de participação popular na Constituição de 1988?Além do voto, a Constituição prevê outras formas de participação popular. Nos plebiscitos, a população opina, por meio de voto, sobre temas de uma medida que ainda não foi elaborada. Após a votação, a legislação é construída pelos parlamentares de acordo com o desejo da maioria.
Quais as formas de democracia direta prevista na Constituição Federal de 1988?O art. 14 da CF/88 vem nos dizer quais são essas formas de se exercer a soberania popular nos termos da Constituição, quais sejam: sufrágio universal (voto nas eleições regulares), plebiscito, referendo e iniciativa popular (Lei de iniciativa popular).
Quais são os mecanismos de participação popular na Constituição brasileira?O Brasil adotou, no art. 14, I, II e III, da CF/88, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular como mecanismos de participação direta.
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