O que acontece com Charlie em As Vantagens de ser Invisível?

Foto: Hortência Araújo.

Será que é mesmo necessário dramatizar excessivamente a narrativa de um livro ao falar de um tema denso? Em “As vantagens de ser invisível”, escrito por Stephen Chbosky, em 1999, vemos que isso não é requisito essencial na criação de um romance. Muitas vezes seguir outro caminho na construção da história é uma escolha muito mais inteligente e eficaz. O que lemos nesta obra que, se passa entre os anos de 1991 e 92, retrata de forma crua e o mais próxima da realidade as vivências de Charlie, o protagonista do livro, um adolescente que começa a cursar o ensino médio e sofre de depressão, doença que já é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o mal deste século.

O livro é narrado em formato epistolar, ou seja, através de cartas escritas por Charlie e endereçadas ao “querido amigo”, uma pessoa anônima, para quem ele expõe de forma íntima, hilária e devastadora tudo o que vem passando. Charlie é um personagem extremamente sensível, e através de sua escrita franca e intimista, descreve não apenas seu presente, mas os traumas do passado que interferem no seu estado emocional. E, embora em sua primeira carta o adolescente cite o medo de se sentir excluído no ensino médio, aos poucos ele se dá conta do quanto aquele momento poder ser a mudança que tanto deseja em sua vida pessoal e social. Todo esse pensamento se solidifica quando ele conhece Sam, Patrick e demais pessoas que se autodenominam, ironicamente, como o grupo “ilha dos brinquedos rejeitados”. Charlie começa a ter diversas experiências, entre elas, convívio social, primeiro amor, uso de drogas lícitas e ilícitas, brigas e várias outras situações, enquanto lida com seus traumas de infância, além dos dilemas que surgem não só em sua vida, mas nas das pessoas que o cercam.

Chbosky traz também referências musicais e literárias, utilizadas claramente como recomendações e narrativa própria para os leitores. A música “Heroes”, do cantor e compositor David Bowie, encaixa-se perfeitamente no sentimento compartilhado entre Charlie e seus amigos, a ânsia de se fazer um grande feito, ou como a própria canção cita “nós podemos ser heróis, apenas por um dia”. Há também a indicações de livros, entre eles, O sol é para todos, O grande Gatsby e Hamlet, feitas por Bill, professor do adolescente, que acabam contribuindo para sua visão de mundo e senso crítico.

Mas o que realmente diferencia esse livro das demais ficções juvenis, é o modo como o autor não poupa o leitor das qualidades, defeitos e demais características de cada personagem, mesmo a narrativa apresentando um único ponto de vista. Apesar de ser uma história direcionada ao público jovem, As vantagens de ser invisível é o tipo de livro que pode ser lido não só por adolescentes. Afinal, é uma obra rica em frases de impacto e reflexão e, ao mesmo tempo, possui certo grau de humor moderado, principalmente na forma como o protagonista se expressa em determinados momentos. Serve para entreter, ensinar e nos lembrar de momentos complicados da vida.

Não apenas a depressão, mas a tentativa de suicídio são temas abordados na obra, e eles são inseridos na história de forma certeira, pois criam inúmeras sensações no leitor, como por exemplo, a compreensão e empatia do que leva o protagonista a atitudes tão extremas, ao mesmo tempo em que se cria um desejo de que o mesmo supere, apesar de ser algo bastante complexo e doloroso. Além de, conscientizar de que em caso de depressão, sempre será necessário ajuda clínica, o quanto antes, mesmo existindo apoio de familiares e amigos.

Stephen Chbosky possui uma abordagem madura e atemporal, e isso resulta em um retrato sincero de como um jovem pode tentar se recuperar de eventos traumáticos, visando confrontar a si mesmo a viver. E também prova o poder do amor e da amizade, ao trazer a possibilidade de tirar qualquer um de seus momentos mais complexos e sombrios.

“Então, acho que somos quem somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas. Mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar ficar bem com elas.”

Vale ressaltar que esta foi a primeira publicação de um livro de Chbosky. A obra foi aclamada pela crítica, justamente pela forma com descrevia os adolescentes sem estereotipá-los. Esse sucesso levou o autor e roteirista inevitavelmente ao cinema. Foi assim que ele se arriscou na direção de seu primeiro filme comercial que se baseou nesse sucesso literário. A adaptação contou com os atores Logan Lerman (Charlie), Emma Watson (Sam), Ezra Miller (Patrick), tendo seu lançamento em 2012, e também recebeu bastante elogios da crítica mundial, por transmitir de forma delicada uma história tão complexa e inquietante.

O clássico de Stephen Chbosky sobre adolescência, solidão e a busca por amor próprio acaba de ganhar uma nova edição brasileira com conteúdo inédito.

Emma Watson, Logan Lerman e Ezra Miller na adaptação cinematográfica de “As vantagens de Ser Invisível”. Foto: reprodução.

Desde meados de 2012, o romance “As Vantagens de Ser Invisível” passou a ocupar lugar de destaque nas prateleiras das livrarias, tornando-se uma indicação instantânea para leitores que procurassem uma história honesta e emocionante sobre os desafios da adolescência. Essa explosão de popularidade do livro, originalmente publicado em 1999, foi um efeito da sua adaptação cinematográfica, que catapultou a obra que antes possuía um culto seleto de fãs para o topo da lista de best-sellers mundiais. Agora, o livro chega em uma nova edição ao Brasil pela editora Rocco com capa e trecho inéditos, em comemoração aos vinte anos de seu lançamento.

A recepção calorosa acerca da obra parece provar que a história do introvertido Charlie descobrindo novos rumos para a sua vida realmente tem um apelo atemporal e universal. Para mim e para muitos outros jovens leitores, esse livro foi a porta de entrada para um tipo de literatura que não idealizava as experiências dos adolescentes ou se confiava em estereótipos, e sim retratava de modo mais autêntico como os jovens lidam com os conflitos internos e externos tão característicos dessa fase da vida. Foi uma obra que colocou o holofote em temáticas não tão abordadas ou naturalizadas pela maioria dos produtos midiáticos até então — como saúde mental, violência doméstica, distúrbios alimentares, gravidez precoce e abuso sexual — sem perder o tom reflexivo e esperançoso que a tornou tão celebrada.

Relembre a trajetória do livro desde a sua concepção até conquistar o status de clássico contemporâneo:

Um romance semi-autobiográfico

Capa da nova edição lançada pela editora Rocco é exclusiva do Brasil. Foto do autor: reprodução.

O autor Stephen Chbosky estava na faculdade em 1994 quando, após um término de relacionamento conturbado, escreveu por acaso em seu caderno a frase que hoje se tornou conhecida por toda uma geração de leitores: “nós aceitamos o amor que achamos que merecemos.” A partir desse desabafo ele enxergou a história que queria contar, e passou os próximos cinco anos planejando e escrevendo o que viria a se tornar o seu romance de estréia.

Chbosky nunca escondeu que o livro, apesar de possuir vários elementos fictícios, também foi em grande parte inspirado na sua própria vida. O protagonista, Charlie, age como um porta-voz dos pensamentos e emoções que o autor guardava dentro de si desde a adolescência e que acreditava que iriam ressoar com outros jovens que estivessem lidando ou conhecessem alguém que lidasse com dilemas similares. Da mesma forma, Chbosky baseou os demais personagens em trejeitos e confissões que ele reuniu de seus colegas de escola: Sam, a garota popular que se torna o interesse amoroso de Charlie, é a união de várias amigas diferentes do autor, e Patrick representa, nas palavras do próprio, “uma celebração de todos os jovens gays que conheci e que estavam encontrando o seu caminho e construindo a sua própria identidade”.

O cenário da história — uma cidade suburbana na década de 1990 — também é fortemente influenciado pelas memórias do autor de sua cidade-natal, Pittsburgh, de onde ele incluiu inúmeros detalhes. Até mesmo a ideia da estrutura narrativa do livro — na qual Charlie escreve cartas e as envia para um destinatário anônimo — surgiu de uma experiência pessoal: em seu último ano de ensino médio, Chbosky escreveu uma carta falando sobre como o filme Juventude Transviada havia o influenciado e a enviou sem assinar para Stewart Stern, roteirista do longa, que mais tarde o encontrou e se tornou seu mentor. Chbosky relata que encontrou nas cartas a maneira mais intimista de se comunicar com o leitor, além de um modo de retratar fielmente as mudanças de humor que acompanham os altos e baixos da juventude.

A autenticidade e a delicadeza de Chbosky são aspectos importantes que transparecem em cada página do romance. De acordo com ele, o objetivo principal que o motivava a escrever era claro: ele queria comunicar a seus leitores que, seja pelo que for que eles estavam passando, tudo “é válido e merece ser respeitado e comemorado”.

Publicação inicial, repercussão e censura

Em fevereiro de 1999, quando Chbosky tinha 29 anos, o mundo finalmente pôde conhecer a história de Charlie, um adolescente tímido enfrentando o seu primeiro ano de ensino médio enquanto se recupera de uma depressão ocasionada por dois eventos traumáticos: a morte de sua tia, a única pessoa de quem ele se sentiu realmente próximo na vida, e o suicídio de seu melhor amigo. Ele se sente incapaz de confiar em seus familiares para compreendê-lo e tem dificuldades de se relacionar com as pessoas em geral, apesar de ser um garoto inocente, sensível e amável. A relação mais próxima de uma amizade que ele desenvolve é com o seu professor de inglês, que reconhece a paixão de Charlie pela literatura e escrita e encoraja-o a usar esse talento para descobrir novos sentidos na vida.

Tudo muda quando Charlie conhece dois formandos, Sam e seu meio-irmão Patrick, com quem ele rapidamente forma um vínculo improvável mas bastante significativo. Sam é acolhedora e moderna, mas sofre de um passado familiar que abala sua confiança e a faz aceitar menos do que merece em seus relacionamentos. Já Patrick é excêntrico, divertido e gosta de viver intensamente em busca da aceitação de sua homossexualidade. O contraste entre essas personalidades tão diferentes, mas que de algum modo encontraram a companhia ideal uma da outra, é o que guia Charlie em sua inquietante jornada de autodescoberta.

O que se segue é uma série de episódios que marcam a tentativa de Charlie de não se isolar do que acontece ao seu redor: ele vai a festas, experimenta drogas, participa da montagem de um espetáculo musical, tem seus primeiros encontros e primeiros beijos e descobre novas camadas de si mesmo. No meio disso, porém, ele também precisa lidar com situações inesperadas envolvendo seus familiares e amigos, e tomar decisões que trazem à tona sentimentos e memórias há muito tempo reprimidos e que podem ser uma causa fundamental de suas peculiaridades.

A deterioração e a instabilidade da saúde mental de Charlie são retratadas de forma convincente e responsável por Chbosky, que busca chamar atenção para a seriedade dessas situações sem deixar de mostrar que toda dor deve ser encarada como temporária e pode ser vencida com a ajuda certa.

“Então, esta é a minha vida. E quero que você saiba que sou feliz e triste ao mesmo tempo, e ainda estou tentando entender como posso ser assim.”

O romance alcançou um nível considerável de sucesso e captou a atenção do público jovem, conquistando-o com sua abordagem acessível e suas diversas referências a filmes, músicas e demais elementos da cultura popular da época. Devido aos temas considerados polêmicos contidos na obra, ela chegou a ser banida de algumas escolas e bibliotecas a pedidos de pais conservadores. A crítica especializada ficou dividida entre aclamar o livro por seu sucesso em dialogar de maneira aberta, sincera e saudável com seus leitores e repudiar seus aspectos mais controversos e sua linguagem simplista. Nada disso impediu que a obra se mantivesse na ponta da língua dos adolescentes, rendendo comparações com outros clássicos renomados como “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger, mas também conquistando um espaço novo no mercado e pavimentando o caminho para mostrar o que a literatura jovem-adulto contemporânea poderia — e deveria — explorar.

Adaptação para o cinema e ressurgimento como fenômeno global

Chbosky recebeu inúmeras propostas para vender os direitos autorais do livro para estúdios de cinema, mas se negou a permitir que a obra fosse tirada de seu controle tão facilmente. O autor sempre declarou que sonhava em ver a história de Charlie chegando nas telonas, mas que tinha um compromisso com os fãs de entregar uma adaptação que fizesse jus às várias nuances que tornaram o livro tão amado. Após muita negociação, o filme, roteirizado e dirigido pelo próprio Chbosky, estreou em setembro de 2012.

Até hoje citado como uma das adaptações mais fiéis já feitas das páginas para as telas, o longa-metragem foi unanimemente aclamado por crítica e público, estabelecendo-se como um grande sucesso de bilheteria (com mais de 32 milhões arrecadados mundialmente) e sendo indicado a vários prêmios da indústria. No filme, Charlie, Sam e Patrick são interpretados pelos atores Logan Lerman, Emma Watson e Ezra Miller, respectivamente, que foram bastante elogiados por suas performances e ajudaram a elevar o interesse do público, especialmente visto que Lerman e Watson estavam se distanciando de papéis marcantes em grandes franquias internacionais (as sagas Percy Jackson e Harry Potter) que eram direcionadas ao mesmo público. O filme conta ainda com nomes como Paul Rudd, Nina Dobrev, Kate Walsh e Joan Cusack. Além do elenco, o roteiro e a trilha sonora foram outros pontos considerados positivos.

O lançamento do filme ocasionou uma nova onda de procura pelo livro, que então ganhou novas tiragens e alcançou o topo da lista dos mais vendidos em vários países, onde se manteve por tempo o suficiente para ser considerado um verdadeiro fenômeno literário.

Nova edição e legado

Para a edição comemorativa de aniversário da obra lançada em 2019 nos Estados Unidos, o autor incluiu uma nova carta escrita por Charlie vinte anos após a conclusão dos eventos do livro, como uma forma de responder a curiosidade dos leitores que se perguntavam o que havia acontecido com o protagonista. É essa edição que chega ao Brasil agora pela editora Rocco, contando também com uma nova capa exclusiva.

Para uma história como essa, manter-se relevante duas décadas após o seu lançamento não é uma tarefa fácil, mas também não é uma surpresa que tenha conseguido. Chbosky parece tê-la escrito com camadas suficientes para se entrelaçar com a vida de adolescentes ao redor do mundo, focando em simples experiências transformadoras e nas consequências — boas e ruins — que elas acarretam na construção da visão de mundo e do caráter de jovens confusos. Sua insistência em retratar assuntos vistos como tabus evitando romantizar ou glorificar essas questões mostra um compromisso em falar sobre o que é real e sobre como escolhemos encarar essa realidade. Creio que o que mais se destaca no livro é justamente essa sua habilidade de retratar temas tão densos de maneira crua e madura.

“Então, acho que somos quem somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas. Mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar ficar bem com elas.”

A cena mais emblemática e lembrada pelos fãs da obra encapsula perfeitamente essa mensagem: quando Charlie atravessa um túnel de pé na traseira do carro com os braços abertos enquanto seus amigos dirigem e escutam “Heroes”, hino de David Bowie, no volume máximo, ele deixa de ser invisível e sente que se tornou infinito. Essa sensação de pertencimento e aceitação de si mesmo e da vida é a alma de toda história sobre adolescentes tentando amadurecer, o que por natureza é uma missão bagunçada e por vezes solitária, mas que sempre guarda surpresas que valem a pena.

Qual é o trauma do Charlie?

Trauma e Sexualidade A questão que envolve a maior parte do trauma de Charlie é a respeito de sua sexualidade. Ao longo da história e de seus envolvimentos amorosos – com Mary Elizabeth (Mae Whitman) e Sam – vemos que o garoto tem dificuldades em sentir-se à vontade em momentos íntimos com elas.

Qual o transtorno do Charlie de As vantagens de ser invisível?

Ansiedade e Depressão na adolescência no filme As Vantagens de Ser Invisível. As Vantagens de Ser Invisível é um filme estrelado por Logan Lerman, Emma Watson e Ezra Miller. Traz a história de Charlie, um adolescente que está no ensino médio e sofre de depressão e ansiedade.

Como o amigo de Charlie se matou?

Baseado no livro homônimo de Stephen Chbosky (que também dirigiu e escreveu o roteiro), As Vantagens de Ser Invisível, conta a história Charlie, um garoto de 15 anos que se recupera de uma depressão, e tenta seguir sua vida depois de perder seu único amigo que se matou com um tiro na cabeça.

Quem é o amigo de Charlie em As vantagens de ser invisível?

Charlie tem 15 anos de idade, entrou para o ensino médio, é tímido, retraído, e seu único amigo, Michael, morreu, cometeu suicídio no ano anterior.