O que Tomás de Aquino e Santo Agostinho tem em comum?

Na Idade Média, que ocorre mais ou menos entre os séculos III e XV depois de Cristo, a Igreja Católica se firmou como detentora do poder e do conhecimento, dominando todos os campos da vida social da Europa. Com isso, o cenário político foi dominado pela tensão entre a Igreja e o Estado, o que resultou em uma política de fundo ético-religioso, pois a política medieval não existia como categoria autônoma, mas sim como caráter catequético-teológico e constituía uma espécie de subárea da religião e conferia caráter teocêntrico às relações de poder da época, operando em três níveis diferentes de poder: o religioso, o econômico e o intelectual, que fez com que a Igreja possuísse um círculo de influência, coerção e inspiração. Por isso é que a obediência à moralidade cristã era condição de possibilidade para o exercício do jogo político da época.

O jogo político se dá com a união entre Igreja e Estado, ou Religião e Política, pois o poder religioso se apresentava no fato de que a Igreja era o instrumento divino de conciliação e julgamento, capaz de ligar ou desligar o homem de Deus. Já o poder econômico devia-se ao acesso à terra que a Igreja tinha, por meio do feudalismo. Além disso, o poder intelectual expressava-se no acesso à Bíblia, da qual a Igreja tinha acesso absoluto e considerava-se intérprete por excelência.

Para o filósofo Santo Agostinho existem 2 cidades, uma delas é chamada de Cidade Terrena, que é a dimensão terrena-material do homem, baseada no pecado, nas coisas passageiras e no culto aos prazeres. Já a outra cidade é chamada de Cidade de Deus, que é a dimensão espiritual-divina do homem, formada pela comunidade dos cristãos e que se inspirava no amor de Deus e na crença da vida eterna. Porém, essas duas cidades não são opostas, mas, se o homem deixar-se levar pelo pecado e se dedicar somente à vida terrena, ele se perderá na vida terrena e na vida pós-morte. Por isso é que o Estado deve então favorecer a educação religiosa, ou seja, os costumes que constroem as virtudes e o afastamento do homem da vida material.

Quase um século depois, São Tomás de Aquino apresenta a teoria da dimensão política do Estado como ordenador das necessidades humanas, baseando-se na função entre fé e razão para justificar o poder do Estado e da Igreja. Para o filósofo Tomás de Aquino, a sociedade é um estado natural na vida dos homens e o homem nasceu para viver em sociedade. Mas também possui uma dimensão transcendental e, portanto, não basta o Estado para suprir as necessidades do homem, é necessária a Igreja e seu papel de mediadora. É por isso que, o Estado, embora independente, deve se submeter à Igreja, pois a finalidade de salvar o homem é mais importante que se simplesmente suprir suas necessidades materiais.

De acordo com São Tomás de Aquino, o Estado pode conduzir o povo às noções de justiça e de ordem, que vão ao encontro da teologia católica. O poder político vem de Deus, mas sua lógica está atrelada às necessidades do homem de prover seu bem-estar e sua realização terrena.

Por isso é que Tomás de Aquino institui três tipos de leis, a saber: a lei eterna, também chamada de lei divina, que é a razão de Deus que governa o Universo, por exemplo, a capacidade que alguns seres vivos têm de respirar. Também existe a lei natural, que é aquela dada por Deus ao homem, como os dez mandamentos, por exemplo. Por fim, existe a lei humana, ou direito positivo, que são as leis escritas pelos homens, como é o caso da Constituição. Agora, para Tomás de Aquino, o bom governante instruirá o povo a fazer as leis humanas em concordância com as leis da natureza e a lei de Deus.

Autor: João Paulo Rodrigues

Referências:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. FILOSOFANDO: Introdução à Filosofia. 6ª Edição. São Paulo; Editora Moderna, 2016.

GARCIA, José Roberto; VELOSO, Valdecir da Conceição. Eureka: construindo cidadãos reflexivos. Florianópolis: Sophos, 2007.

Tomás de Aquino foi um padre católico e discípulo do grande escolástico Alberto Magno. Ele auxiliou na reintrodução da filosofia aristotélica no pensamento europeu e atualizou a teologia cristã junto à filosofia medieval, tendo escrito sobre os conflitos entre fé e razão existentes no período.

Aquino é o maior representante da Escolástica, pensamento desenvolvido em um momento de expansão e grande domínio católico na Europa. Havia, no século XIII, uma iminente necessidade de formação de novos líderes religiosos, o que impulsionou a formação de escolas e universidades cristãs para a formação de novos sacerdotes para a Idade Média. As universidades mais antigas do mundo datam dessa época. Tomás de Aquino formou-se e lecionou em universidades cristãs desse período.

Suas principais influências são, de um lado, Platão e Santo Agostinho (que pode ser considerado um neoplatônico) e, de outro, Alberto Magno e Aristóteles (que representa o pensamento filosófico grego dominante durante a Escolástica).

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Tópicos deste artigo

  • 1 - Biografia
  • 2 - O pensamento de Tomás de Aquino
  • 3 - Obra
  • 4 - Influências
  • 5 - Frases

Biografia

Tommaso Aquinate (em latim), ou simplesmente Tomás de Aquino, nasceu no feudo de Roccasecca, na Sicília, em 1225. Seus estudos iniciais ficaram por conta de monges beneditinos (conhecidos pelo extremo rigor com que tratam os estudos e a intelectualidade), tendo ingressado como seminarista na Ordem dos Dominicanos, em 1244. A vida de Aquino foi dedicada ao estudo e ensino de Filosofia e Teologia. O filósofo escreveu, ao todo, mais de 60 livros.

Em 1245, o filósofo mudou-se para Paris, continuando seus estudos seminaristas com o célebre padre e filósofo Alberto Magno. Em seguida, passou um tempo em Colônia, na Alemanha, entre 1248 e 1252, voltando em seguida a Paris, onde retomou sua pesquisa acadêmica, visando a alcançar o título de doutor em Teologia, feito que ele conseguiu em 1259.

Entre 1259 e 1274, Aquino lecionou em vários monastérios franceses e italianos. Concomitante com a sua atividade docente, desenvolveu notável pesquisa filosófica, que resultou na escrita de muitos livros, entre eles Súmula Contra os Gentios, O Ente e a Essência(um livro que explica grande parte da interpretação de Aristóteles) e Suma Teológica (talvez a sua obra magna, que não foi concluída, mas representa uma brilhante parte da Teologia Cristã Escolástica). Aquino também foi um dos responsáveis pela reintrodução da filosofia aristotélica no mundo europeu, que durante anos ficou esquecida por conta da proibição católica aos escritos do filósofo grego pagão.

O pensamento de Tomás de Aquino

Havia, sobretudo em Paris, uma disputa cabal entre os intelectuais do século XIII: de um lado, os dialéticos (professores de Filosofia) defendiam a preponderância da filosofia grega pagã para as explicações do mundo; de outro, encontravam-se os teólogos cristãos, que buscavam dar a explicação para o mundo por meio das escrituras sagradas. Aquino encontrava-se no meio dessaDisputa de Questõesou, como eles chamavam, Quaestio Disputata.

Esse embate resume a produção filosófica das universidades mais antigas em seus tempos de gestação. Os acadêmicos dedicavam-se a debater sobre a primazia de um ou de outro campo. Havia aqueles que afirmavam a primazia da teologia sobre a pagã filosofia. Outros afirmavam a primazia do pensamento filosófico. Aquino foi um dos que defenderam um elo entre a filosofia pagã grega e a teologia cristã, buscando em Aristóteles elementos para firmar essa ligação, formando o “pensamento tomista” e o “tomismo aristotélico”.

Uma das maiores influências de Aristóteles sobre o tomismo encontra-se na distinção entre essência e existência. Para Aristóteles, não havia procedência formal que conectasse aquilo que existe em essência a um objeto. Aquino cria um movimento de conexão, sem fazer perder o preceito filosófico, afirmando que o que existe em essência existe de alguma maneira, mesmo que ontologicamente.

Para Aquino, a identidade (princípio fundamental da lógica aristotélica) era o elo fundamental que, ao conectar a existência e a essência, mostrava o toque divino. A perfeição divina era capaz de alcançar e de explicar essa relação tão obscura e intrigante.

Baseado na filosofia aristotélica, Tomás de Aquino desenvolveu as Cinco Vias que Provam a Existência de Deus, uma espécie de regressão causal que, em todos os casos (nos cinco argumentos), Deus é o princípio. As cinco vias são dispostas desta maneira:

  1. O movimento do motor primeiro: em todo o universo, há movimento. Aristóteles propõe que para o movimento, existe um movente (motor), que dá a propulsão e o movimento ao corpo movido. Se fôssemos procurar cada movente de cada movimento, sem conjecturar a existência de um primeiro motor que não foi movido por ninguém, faríamos um movimento ad infinitum e não encontraríamos a causa primeira. Portanto, é necessário pensar que há uma causa primeira (motor imóvel) que colocou o primeiro movimento em tudo.

  2. A causa não causada, ou a primeira causa eficiente: partindo da mesma reflexão que foi desenvolvida na primeira via, é necessário entender que tudo foi causado no mundo, exceto uma primeira causa. Essa é a causa prima e ela não teve evento anterior. Foi um primeiro momento em que uma primeira coisa aconteceu. Essa causa não causada é Deus.

  3. Ser necessário e seres possíveis: os conceitos de necessidade e possibilidade estão em jogo. Existem seres possíveis, que podem ou não existir. Existem os seres necessários, que, independentemente das contingências, existem. Os seres contingentes são gerados, existem e são extintos (deixam de existir). Eles estão em transformação contínua. Porém, existe um ser que é. Do mesmo modo que é, sempre foi e sempre será. Esse é o ser necessário e Ele é Deus.

  4. Graus de perfeição: baseando-se na filosofia platônica, Aquino classifica diferentes graus de perfeição existente entre os seres. Existe uma espécie de hierarquia entre os graus de perfeição que pode classificar seres entre a bondade e a nobreza, por exemplo. Para Tomás de Aquino, se há essa hierarquia, deve haver um padrão de excelência que serve para a correção dos seres mais evoluídos. Esse padrão é Deus.

  5. Governo supremo: há uma organização das coisas e dos seres materiais. Os corpos, mesmo que inconscientemente, orientam-se para um fim. Essa ordenação é um governo supremo, ordenado por Deus.

Acesse também: As condições históricas para o surgimento da Filosofia

Obra

Tomás de Aquino produziu uma vasta obra escrita, somando mais de 60 livros. Entre os principais, encontram-se a Suma Teológica e O Ente e a Essência.

  • Suma Teológica: escrita entre 1265 e 1274, período de maturidade de Tomás de Aquino, a obra trata da existência de Deus, da natureza do homem e da moralidade. É nesse escrito que são encontradas as Cinco Vias que Provam a Existência de Deus.

  • O Ente e a Essência: nessa obra, Aquino resolve questões metafísicas com base na filosofia aristotélica. O pensador propõe que existem duas categorias lógicas distintas, ente e essência. Enquanto a essência propõe-se a denominar as coisas, apontando “o que é” cada ser, o ente é o próprio ser.

Influências

  • Agostinho e Platão: Tomás de Aquino foi fortemente influenciado pelo patrístico Agostinho de Hipona. Não obstante, leva para a teologia cristã elementos da filosofia grega que, para Agostinho, eram, sumariamente, retirados da filosofia platônica (daí a denominação de neoplatonista dada a Agostinho). Porém, Tomás de Aquino vai além e dá à Escolástica um tom mais aristotélico.

  • Aristóteles: após longo período proibido pelo Index Librorum Prohibitorum, Aristóteles passou a ser revisitado pelos escolásticos, por influência, principalmente, de Tomás de Aquino. A influência aristotélica na obra tomista começa com os ensinamentos de Alberto Magno e remetem a toda a produção de Aquino.

Frases

  • “Ninguém tende a uma determinada coisa pelo desejo e pelo estudo, se tal coisa não lhe for previamente conhecida.”

  • "Por seu pecado, os hereges merecem não apenas ser separados da Igreja, pela excomunhão, mas também do mundo, pela morte."

  • "A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria."

  • “Deus é uno, simples, perfeito, infinito, dotado de inteligência e vontade.”

Como Agostinho e Tomás de Aquino explica a relação entre fé e razão?

São Tomás de Aquino afirma que não pode haver contradição entre fé e razão, estas são distantes não opostas, assim como filosofia e teologia não se opõem, pelo contrário se aperfeiçoam e se qualificam em busca da verdade.

Quais as semelhanças e as diferenças existentes nos pensamentos de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino?

Como diferenças devemos nos lembrar que Aristóteles era um grego e Aquino um cristão, assim, a felicidade para Aquino estava no conhecimento de Deus e este era a causa final de todas as coisas. Aristóteles entendia que a felicidade estava no agir de cada indivíduo e que a causa final era um motor imóvel.

Qual é a contribuição de Santo Agostinho e Tomás de Aquino para a doutrina filosófica?

Consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos pagãos e contra as heresias), procurou integrar a filosofia grega à religião cristã, identificando conceitos platônicos sobre o mundo das idéias para associar com o divino.