O sistema interamericano de direitos humanos teve seus primeiros passos

DISCURSO DO REITOR CLAUDIO GROSSMAN,

PRESIDENTE DA COMISS�O INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, NO MARCO DO DI�LOGO SOBRE O APERFEI�OAMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOSCOMISS�O DE ASSUNTOS JUR�DICOS E POL�TICOS

DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA

Washington, D.C., 3 de maio de 2001

          Senhora Presidenta da Comiss�o de Assuntos Jur�dicos e Pol�ticos do Conselho Permanente, distinguidas e distinguidos Representantes dos Estados membros da Organiza��o e Observadores, Secret�rio Executivo da CIDH, senhoras e senhores:

          Senhora Presidenta:

Quero agradecer a oportunidade de voltar a estar presente nesta Comiss�o de Assuntos Jur�dicos e Pol�ticos, nesta ocasi�o para dialogar com os senhores e senhoras representantes dos governos democraticamente eleitos do Hemisf�rio, sobre o aperfei�oamento do sistema interamericano de direitos humanos. N�o � minha inten��o reiterar no dia de hoje o que mencionei na minha apresenta��o perante esta mesma Comiss�o na semana passada, mas aprofundar alguns pontos de particular import�ncia no estado atual do di�logo sobre o sistema interamericano de prote��o dos direitos humanos e as dire��es que o sistema deveria e est� tomando. Estas reflex�es s�o o produto da larga experi�ncia da CIDH sobre as necessidades de direitos humanos que existem em nossa regi�o e o tipo de sistema que devemos modelar para estar em condi��es de responder estas demandas[1].

          1.          A LEGITIMIDADE DO SISTEMA E A PRUD�NCIA NECESS�RIA

Senhoras e senhores representantes: Estamos vivendo tempos de grande promessa em um hemisf�rio em que nunca como agora tantos homens e mulheres haviam visto a possibilidade essencial de desenvolverem-se como seres livres. Neste marco, o sistema interamericano goza de uma enorme legitimidade, que transcende seus �rg�os j� que irradia esta legitimidade a toda � organiza��o regional.

Esta realidade provoca que cada vez mais homens e mulheres de nosso Hemisf�rio dirijam-se � Comiss�o Interamericana em busca de respostas a suas demandas para a prote��o de seus direitos humanos, levando � Comiss�o a aumentar seu trabalho de casos individuais.

Por exemplo, quando fui Presidente da CIDH pela primeira vez, em 1996, publicamos 31 decis�es em casos individuais, incluindo 16 sobre o fundo, 1 solu��o amistosa e 14 decis�es de admissibilidade/inadmissibilidade. No relat�rio que apresentei na semana passada, como j� mencionei, publicamos 153 decis�es. Isto �, 5 vezes mais decis�es, incluindo 35 de admissibilidade, 23 sobre o fundo e 13 relat�rios de solu��o amistosa, ademais de 21 decis�es de inadmissibilidade e 61 de arquivamento.  Estes n�meros demonstram a legitimidade do sistema atrav�s do aumento da utiliza��o do mesmo, mas tamb�m porque os Estados acompanham e s�o em parte art�fices desta legitimidade. No relat�rio de 1996, em cinco dos trinta e um casos o Governo respectivo n�o respondeu ao pedido de informa��o nem participou do procedimento perante a Comiss�o.[2] No relat�rio do ano 2000, os Governos participaram em todas e cada uma das inst�ncias dos 153 relat�rios que publicamos. Mas a legitimidade do sistema est� demonstrada principalmente no contraste entre a solit�ria solu��o amistosa publicada em 1996[3] e as 13 destas que foram conclu�das durante o �ltimo ano.

N�o desejo ser enfadonho com outros dados, Senhora Presidenta, para apoiar minha tese de que o sistema goza de uma enorme legitimidade que deve ser protegida zelosamente. Por esta raz�o, � imprescind�vel dialogar sobre o sistema partindo dessa premissa b�sica. � preciso atuar com prud�ncia para preservar uma das principais fontes de legitimidade da OEA.

          2.A NECESSIDADE DE CRIAR CONSELHOS ENTRE TODOS OS ATORES DO SISTEMA

Senhoras e senhores representantes, para a CIDH � da maior import�ncia � manuten��o de um di�logo aberto e p�blico sobre o aperfei�oamento do sistema interamericano. A legitimidade do sistema e sua preserva��o exigem que qualquer discuss�o, debate e di�logo que pretenda formar um consenso para fortalecer o sistema interamericano deve envolver a todos e cada um dos atores relacionados com o sistema.

 Em especial pensamos nos Estados, os �rg�os do sistema e as organiza��es da sociedade civil. Cada um destes atores tem suas pr�prias vis�es que prov�m de seus diferentes pap�is, responsabilidades e experi�ncias que contribuem para uma vis�o integral do sistema. Pelo uso do sistema e sua legitimidade e a condi��o democr�tica dos Estados membros n�o � poss�vel uma reforma utilizando uma modalidade diferente.

A forma��o de consensos requer tempo e di�logo. Por isso, n�o h� que adotar medidas precipitadas que ponham em risco o sucesso alcan�ado at� este momento. Contudo, h� dois pontos centrais, em que coincidem todos os atores do sistema que podem e devem ser considerados na pr�xima Assembl�ia Geral da OEA a se realizar em San Jos� da Costa Rica no pr�ximo m�s de junho. Nos referimos ao aumento substancial dos recursos financeiros para a Comiss�o e a Corte, o estabelecimento de um mecanismo que permita aos �rg�os pol�ticos da OEA exercer adequadamente seu papel na supervis�o do cumprimento das decis�es da Comiss�o e a Corte. Nesse sentido, e tal como o expressarei mais adiante, existem propostas construtivas e oportunas de parte de alguns Estados membros que cobrem aspectos bastante espec�ficos das reformas requeridas que esperamos recebam o apoio necess�rio em San Jos�. Existe um terceiro ponto central para o fortalecimento do sistema interamericano e trata-se da incorpora��o das obriga��es sobre direitos humanos no �mbito interno.

          3.          AS REFORMAS REGULAMENTARES E OS DESAFIOS PENDENTES

Como contribui��o ao fortalecimento do sistema, a Comiss�o[4] e a Corte[5] nos �ltimos meses aprovaram as reformas de seus regulamentos dentro do marco de suas respectivas autonomias, que entendemos refletem as sugest�es contidas na resolu��o 1701 aprovada em Windsor. O Regulamento da CIDH entrou em vig�ncia este 1� de maio e o da Corte entrar� em vigor em 1� de junho. Estas reformas regulamentares foram um dos desenvolvimentos mais importantes do sistema interamericano desde a entrada em vig�ncia da Conven��o Americana h� mais de trinta anos. As reformas n�o podem passar despercebidas e devem ser consideradas seriamente no marco do di�logo.

A Comiss�o e a Corte agilizaram e ordenaram seus procedimentos, ampliaram a participa��o da v�tima, e adotaram as disposi��es necess�rias para evitar a duplica��o de procedimentos perante a Corte. Os �rg�os do sistema tomaram seriamente o desafio do aperfei�oamento e o fizeram. Os novos procedimentos ser�o mais claros, mais ordenados, evitar�o repeti��es desnecess�rias e ser�o mais abertos � participa��o dos indiv�duos.

Pela import�ncia e transcend�ncia destas reformas, � preciso dar o apoio e tempo necess�rio para seu funcionamento e avalia��o. A ado��o de um Protocolo adicional para dar acesso direto �s v�timas ao Tribunal interamericano deve ser estudado somente depois de avaliada essas reformas regulamentares.  Esta posi��o n�o implica que estejamos contra esta proposta, algo que venho defendendo pessoalmente, desde que participei dos primeiros casos perante a Corte h� mais de quinze anos.[6] Pelo contr�rio, implica reconhecer que as novas disposi��es regulamentares contribuem para facilitar o acesso dos peticion�rios � Corte. As modifica��es jur�dicas contam com maiores possibilidades de �xito quando s�o declarativas, ou seja, quando refletem uma transforma��o que teve lugar em grande parte na pr�tica.  Por isso, corresponde hoje dar tempo a que as novas disposi��es regulamentares se desenvolvam na pr�tica. Nesse sentido, o novo Regulamento da Comiss�o prev� as seguintes medidas para ampliar a participa��o da v�tima nos processos perante a Corte: consulta ao peticion�rio e � v�tima de sua posi��o sobre o encaminhamento do caso a Corte (artigo 43.(3)), tomar em conta a opini�o do peticion�rio para decidir se remete o caso a Corte e estabelecimento da presun��o de que todos os casos ser�o remetidos ao tribunal (artigo 44 incisos 1 e 2), participa��o do indiv�duo na prepara��o da demanda perante a Corte (artigo 71) e a possibilidade de que este seja inclu�do como um dos delegados da Comiss�o perante a Corte (artigo 69.(1)).

Senhora Presidenta, as mudan�as transcendentais nos regulamentos da Comiss�o e a Corte exigem neste momento o pleno apoio pol�tico por parte dos Estados membros aos �rg�os do sistema. Entendemos que as tr�s medidas fundamentais que devem ser adotadas na pr�xima Assembl�ia Geral s�o a dota��o dos recursos financeiros necess�rios para os �rg�os, o estabelecimento de um mecanismo espec�fico que permita aos �rg�os pol�ticos impulsionar o cumprimento efetivo das decis�es da Comiss�o e da Corte e a obriga��o dos Estados de incorporar no �mbito interno as normas internacionais de direitos humanos.

Paralelamente se deve permitir que os regulamentos da Comiss�o e da Corte funcionem por um prazo razo�vel, e evitar entrar numa perigosa espiral reformista. Este tempo permitiria avaliar os resultados, apreciar os benef�cios, e identificar os problemas que n�o foram resolvidos ou antecipados.

          4.          A RATIFICA��O UNIVERSAL

Senhoras e senhores Representantes: N�o � novidade para ningu�m nesta sala que em nossa regi�o existe um sistema interamericano com tr�s graus de ades�o: uma ades�o universal e m�nima para todos os Estados membros em que os habitantes gozam da prote��o dos direitos reconhecidos na Declara��o Americana por parte da Comiss�o Interamericana.[7] Um segundo sistema para os Estados membros que ratificaram a Conven��o Americana, mas que n�o aceitaram a compet�ncia da Corte[8] e um terceiro para aqueles que ratificaram a Conven��o e aceitaram a jurisdi��o da Corte.[9]

Este sistema indubitavelmente n�o � o ideal.[10] Do ponto de vista dos direitos humanos coloca os habitantes de importantes pa�ses da regi�o em uma situa��o de desvantagem quanto ao grau de prote��o internacional de seus direitos. Por isso, a Comiss�o ap�ia a proposta formulada pelo Governo do Brasil no sentido de que os Estados membros deveriam enviar relat�rios periodicamente sobre as medidas adotadas para ratificar a Conven��o e os demais instrumentos bem como os obst�culos para conseguir tal objetivo. Esta proposta, modelada em parte no sistema utilizado pela Organiza��o Internacional do Trabalho,[11] permitir� seguramente levar a uma nova etapa a discuss�o sobre a ratifica��o universal.

          A CIDH est� convencida que a publicidade e a transpar�ncia s�o elementos indispens�veis em uma estrutura democr�tica. Por esta raz�o, e como complemento da proposta brasileira, nos permitimos sugerir que na resolu��o respectiva a ser adotada na pr�xima Assembl�ia Geral inclua-se um anexo explicando aos Estados que n�o ratificaram os respectivos instrumentos e os Estados que n�o aceitaram a jurisdi��o da Corte. Com isso, o chamado da Assembl�ia Geral � ratifica��o universal n�o seria simplesmente gen�rico, mas seria destinado claramente �queles pa�ses que figuram no anexo que propomos.

          A CIDH n�o ignora que a aplica��o da Declara��o Americana prov� ao sistema um sentido universal. Tampouco desconhece que em alguns dos pa�ses que n�o ratificaram a Conven��o se oferece um n�vel de prote��o aos direitos humanos compar�vel ao ideal na regi�o. Entretanto, a n�o ratifica��o da Conven��o e aceita��o da jurisdi��o da Corte tem um claro sentido negativo. Existe o risco de limitar o valor universal do mecanismo de prote��o. Em um hemisf�rio que avan�a em sua integra��o, os direitos humanos n�o podem ficar para tr�s.

          5.CUMPRIMENTO DAS DECIS�ES DOS �RG�OS DE DIREITOS HUMANOS E SUA SUPERVIS�O COLETIVA PELOS �RG�OS POL�TICOS DA ORGANIZA��O

Senhora Presidenta, embora o cumprimento das resolu��es emanadas da Comiss�o e da Corte aumentaram em compara��o � �poca em que imperavam numerosas ditaduras no hemisf�rio, a situa��o est� longe de ser satisfat�ria. Em contraste com a situa��o atual, durante as ditaduras existia uma maior iniciativa de parte dos �rg�os pol�ticos da OEA em respaldar as decis�es da Comiss�o (a Corte recentemente proferiu suas primeiras senten�as nos casos contenciosos de 1987).[12]  Todos conhecem os s�rios esfor�os dos pa�ses democr�ticos naqueles anos, entre os quais se destacam o M�xico, a Venezuela e os Estados Unidos, por respaldar a atua��o efetiva da Comiss�o e promover debates no �mbito do Conselho Permanente e da Assembl�ia Geral sobre o cumprimento das recomenda��es que a Comiss�o formulara com rela��o a pa�ses onde se cometiam massivas viola��es de direitos humanos. Hoje em dia, por�m, e apesar dos ventos democr�ticos que sopram no hemisf�rio, os �rg�os pol�ticos da OEA n�o operam suficientemente como guardi�es coletivos do sistema.

H� mais de 140 anos Juan Bautista Alberdi, o ide�logo da Constitui��o Argentina substancialmente ainda vigente hoje em dia,[13] nos explicava a import�ncia da garantia coletiva na vig�ncia dos direitos humanos. Alberdi sustentava que: �Cada tratado ser� uma �ncora de liberdade posta na Constitui��o. Se esta for violada por uma autoridade nacional, n�o ser� a parte contida nos tratados, que ser�o respeitados pelas na��es signat�rias; e bastar� que algumas garantias estejam vigentes para que o pa�s conserve inviol�vel uma parte de sua Constitui��o, que logo restabelecer� a outra�.

� essencial que sejam adotadas na pr�xima Assembl�ia Geral em San Jos� as medidas necess�rias para permitir que os Estados atuem como garantidores coletivos do sistema. Neste sentido, a CIDH est� convencida que as propostas apresentadas por diversos Estados, no sentido de estabelecer um procedimento de revis�o anual do cumprimento das decis�es da Comiss�o e da Corte, por parte do Conselho Permanente e a Assembl�ia Geral, pode representar um avan�o significativo nesta dire��o e conta com nosso firme apoio.

A CIDH acompanha com interesse os debates e decis�es adotadas em Quebec referentes � inclus�o de uma cl�usula democr�tica vinculada ao acordo de livre com�rcio regional. Nos parece que este valioso passo deve expressamente incluir o cumprimento das decis�es dos �rg�os de direitos humanos, como um elemento v�lido para avaliar se um governo � democr�tico. Afinal, as normas de direitos humanos contribuem para definir o que � uma democracia, inter alia, a separa��o de poderes, independ�ncia judicial, devido processo legal, igualdade perante a lei, liberdades pol�ticas, liberdade de express�o, associa��o, religi�o. � importante destacar que no caso do Conselho da Europa o descumprimento das decis�es dos �rg�os de direitos humanos acarreta san��es que incluem a exclus�o do sistema regional.[14]

          6.A INCORPORA��O DAS OBRIGA��ES INTERNACIONAIS NO �MBITO INTERNO

A Conven��o estabelece que os Estados partes n�o somente se comprometem a garantir a todas as pessoas sujeitas a sua jurisdi��o os direitos e liberdades nela reconhecidos, mas tamb�m dar efeito jur�dico a esses direitos e liberdades no �mbito interno, e harmoniza a interpreta��o da legisla��o vigente (artigo 2). Como corol�rio, os Estados podem encontrar-se na circunst�ncia de ter que modificar, ou inclusive derrogar, normas internas que resultam incompat�veis com as obriga��es assumidas no marco da Conven��o. Os Estados partes tamb�m est�o obrigados a oferecer recursos judiciais a quem considerem que seus direitos e liberdades tenham sido violados (artigo 25). A regra do pr�vio esgotamento dos recursos internos prevista na Conven��o (artigo 46) est� baseada na id�ia de que o Estado deve contar com a possibilidade de reparar a situa��o infligida dentro do marco de sua pr�pria jurisdi��o.

�, portanto, preocupante o fato de que a Comiss�o deva tratar numerosos casos nos quais os Estados membros se abstenham de acolher de maneira operativa em sua legisla��o interna os direitos consagrados na Conven��o, ou quando os ju�zes aplicam normas de direito interno de forma claramente incompat�vel com as obriga��es adquiridas mediante a Conven��o. Evidentemente, na medida em que estes direitos n�o se encontram reconhecidos na legisla��o dom�stica n�o existir�o recursos internos efetivos que permitam reparar as consequ�ncias de sua viola��o. Dado que os Estados partes s�o respons�veis prim�rios da salvaguarda dos direitos humanos consagrados na Conven��o Americana, o modo no qual est�o cumprindo com esta responsabilidade formalmente adquirida requer certo grau de reflex�o.

O aperfei�oamento do sistema requer que os Estados membros adotem as medidas legislativas necess�rias para que as decis�es tomadas pela Comiss�o e a Corte contem com um mecanismo jur�dico que permita sua execu��o no �mbito interno.[15] Nos �ltimos anos, v�rios pa�ses adotaram tais medidas, mas � preciso continuar avan�ando-se nesta dire��o.[16]

Senhora Presidenta, o advento de governos eleitos democraticamente em todos os pa�ses da regi�o salvo Cuba, permitiu que numerosas constitui��es pol�ticas dos Estados da OEA tivessem acolhido normas contidas em tratados internacionais.  Algumas delas o fizeram mediante uma refer�ncia de car�ter geral a estes instrumentos, enquanto que outras criaram disposi��es espec�ficas.[17] Este � um passo essencial na dire��o correta que deve ir acompanhado de disposi��es legislativas espec�ficas para fazer efetivos os direitos garantidos, bem como uma ativa participa��o dos ju�zes para utilizar as normas internacionais de direitos humanos.[18] Uma importante contribui��o ao aperfei�oamento do sistema interamericano seria que os poderes legislativos de nossos pa�ses adotassem todas as disposi��es que sejam necess�rias para garantir os direitos reconhecidos na normativa internacional e que modificassem ou derrogassem todas aquelas disposi��es que se encontram em contraven��o aos tratados internacionais de direitos humanos. Os poderes judiciais, por sua parte, deveriam aplicar plenamente tanto as disposi��es contidas nos tratados como a jurisprud�ncia da Comiss�o e da Corte[19]. Uma das vantagens do sistema europeu � que os poderes legislativos permanentemente revisam suas leis internas para faz�-las compat�veis com as decis�es da Corte Europ�ia de Direitos Humanos e os ju�zes europeus, incluindo aqueles dos mais altos tribunais, e de maneira constante utilizam e invocam as decis�es dos �rg�os de Estrasburgo.[20]

          7.          A NECESSIDADE DE MAIORES RECURSOS FINANCEIROS

          Senhoras e senhores Representantes, devo assinalar que a Comiss�o tramita mais de 900 casos individuais; nos �ltimos quatro anos a Comiss�o efetuou entre duas e tr�s visitas in loco por ano aos Estados membros, as quais t�m um custo entre US$ 30.000 e US$ 100.000 cada uma dependendo de sua dura��o, n�mero de Membros da Comiss�o que participam, lugares que se visitam. Ademais, 23 casos contenciosos e 30 medidas provis�rias encontram-se atualmente pendentes perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os custos que gera esta atividade de prote��o aos direitos humanos, se incrementar�o com os novos regulamentos da Comiss�o e da Corte que implicar�o num aumento do n�mero de casos perante a Corte.

A triste realidade, por�m, indica que o montante total do or�amento da Comiss�o para o presente exerc�cio, representa menos de 3,4% do or�amento global da Organiza��o. Aproximadamente dos ter�os deste total est�o destinados aos sal�rios e benef�cios do pessoal da Comiss�o. O soma restante apenas cobre os custos derivados dos preparativos e a celebra��o dos per�odos ordin�rios e um per�odo extraordin�rio de sess�es, a publica��o de nosso Relat�rio Anual, contratos por resultado, fornecimentos e valores similares. Isto significa que o or�amento n�o prev� fundos suficientes para a condu��o de nenhuma visita in loco a um Estado membro ou o lit�gio de casos perante a Corte. Isto leva � Comiss�o a depender das generosas contribui��es volunt�rias de certos Estados membros e o esp�rito filantr�pico de v�rios pa�ses da Europa, para financiar o cumprimento com esta parte essencial de seu mandato, o qual deveria ser motivo de preocupa��o para os Estados membros da Organiza��o.

          Nossos Chefes de Estado encontram-se plenamente conscientes destas necessidades. Por isso, recentemente em Quebec indicaram a necessidade de efetuar um incremento substancial dos fundos alocados para manter as atividades da Comiss�o e a Corte em curso e encomendaram especialmente a XXXI Assembl�ia Geral da OEA, que ter� lugar em San Jos� da Costa Rica em junho do presente ano, que inicie a��es para a consecu��o deste fim.

A Comiss�o aprecia que o fortalecimento do sistema tenha sido proclamado como o eixo da pr�xima Assembl�ia Geral a ser celebrada em San Jos� e espera que nessa oportunidade os Estados membros incrementem de forma substancial os recursos financeiros da Comiss�o e da Corte, como passo indispens�vel para atingir os objetivos planejados pelos pr�prios Estados com rela��o ao fortalecimento do sistema e em conson�ncia com o mandato recebido de nossos Presidentes e Chefes de Estado.

O aumento dos fundos deve ser destinado para o fortalecimento institucional dos �rg�os, os que devem gozar da autonomia necess�ria para decidir como utilizar estes recursos adicionais, de conformidade com suas necessidades e estrat�gias de desenvolvimento, entre as quais est�o inclu�das o avan�o a m�dio prazo em dire��o � perman�ncia da Comiss�o e da Corte.  A Comiss�o ap�ia a id�ia da perman�ncia dos �rg�os como um objetivo a alcan�ar a m�dio prazo. Por sua vez, entende que o processo gradual a fim de ter �rg�os permanentes pode apresentar diferentes op��es e modalidades que devem ser decididas pela Comiss�o e pela Corte. Tal decis�o deve ser baseada nas metodologias de trabalho e necessidades espec�ficas de cada um dos �rg�os e nas atribui��es convencionais e regulamentares de seus membros, presidentes, comiss�es diretivas e grupos de trabalho. Por exemplo, a Comiss�o, entre as op��es que est� considerando para chegar a sua perman�ncia a m�dio prazo, no caso de contar com os recursos financeiros necess�rios, est�o a contrata��o de mais advogados, a extens�o gradual da dura��o de seus per�odos ordin�rios de sess�es,[21] a celebra��o de um novo per�odo ordin�rio de sess�es ou a reuni�o mais frequente e por maior tempo do grupo de trabalho sobre admissibilidades.[22]

8.          CONCLUS�O

Senhoras e senhores representantes, o fim que todos perseguimos � a promo��o e prote��o efetiva dos direitos humanos na regi�o. O sistema e seu aperfei�oamento s�o um meio para este importante objetivo. Por isso, qualquer processo de reforma e aperfei�oamento deve avan�ar no sentido de ampliar a prote��o dos direitos.  O sistema interamericano salvou e continua salvando muitas vidas, permitiu abrir espa�os democr�ticos no passado e contribui na atualidade com a consolida��o das democracias de nossos pa�ses, combateu a impunidade e hoje ajuda a trazer justi�a e repara��es a v�timas de viola��es de direitos humanos contribuindo com isto para o Estado de Direito. Com a contribui��o de todos seguiremos nesta via de uma Am�rica unida na prote��o de valores essenciais de dignidade humana.  

Muito obrigado.

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[1] Ver a respeito, Claudio Grossman, Strengthening the Inter-American Human Rights System,: the current debate, em: American Society of International Law Proceedings (1998), p�g. 186-192.

[2]  Ver Relat�rio Anual da Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos, 1996, Relat�rios 47/96; 53/96; 54/96; 55/96 e 56/96, respectivamente.

[3]  Caso 11.212, Juan Chanay Pablo e outros (Colotenango).

[4] Aprovado no 109 per�odo ordin�rio de sess�es, dezembro 2000, ver CIDH, comunicado de imprensa 18/00 e Discurso do Decano Claudio Grossman, Presidente da Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos, na apresenta��o do Relat�rio Anual 2000 da CIDH � Comiss�o de Assuntos Jur�dicos e Pol�ticos do Conselho Permanente da OEA, Washington, D.C., 26 de abril de 2001.

[5] OEA, Relat�rio do Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Juiz Ant�nio A. Can�ado Trindade, a Comiss�o de Assuntos Jur�dicos e Pol�ticos do Conselho Permanente da Organiza��o dos Estados Americanos (9 de mar�o de 2001), OEA documento OEA/Ser.G/CP/CAJP-1770/01, de 16.03.2001, p�g. 06-08.

[6] Claudio Grossman, Disappearances in Honduras: the need for direct victim representation in human rights litigation, em: The Hastings International and Comparative Law Review Vol. 15.3, 1992, p�g. 363-389.

[7] Os Estados em que somente se aplica a Declara��o s�o Antigua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canad�, Cuba, Estados Unidos, Guiana, Santa Lucia, Saint Kitts and Nevis, Saint Vicent e Grenada, e Trinidad e Tobago.  A Comiss�o tem faculdades sobre estes Estados, em virtude de ser um �rg�o principal da OEA e pelas atribui��es que lhe s�o outorgadas pelo artigo 20 de seu Estatuto. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opini�o Consultiva OC-10/89, Interpreta��o da Declara��o Americana dos Direitos e Deveres do Homem dentro do marco do artigo 64 da Conven��o Americana sobre Direitos Humanos, 14 de julho de 1989, Ser. A. No. 10 (1989), pars. 35-45; CIDH, James Terry Roach e Jay Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87, 22 de setembro de 1987, Relat�rio Anual 1986-1987, pars. 46-49, Rafael Ferrer-Mazorra e Outros c Estados Unidos De Am�rica, Relat�rio N� 51/01, caso 9903, 4 de abril de 2001.

[8] Dominica, Granada e Jamaica.

[9] Argentina, Barbados, Bol�via, Brasil, Col�mbia, Costa Rica, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, M�xico, Nicar�gua, Panam�, Paraguai, Peru, Rep�blica Dominicana, Suriname, Uruguai e Venezuela. Pode-se adicionar a lista de outros instrumentos que tampouco foram ratificados universalmente. Os habitantes de v�rios pa�ses do hemisf�rio podem recorrer a Comiss�o e a Corte eventualmente para solicitar prote��o a alguns de seus direitos econ�micos, sociais e culturais desde a entrada em vig�ncia do Protocolo de San Salvador, ou para alegar fatos de viol�ncia ou discrimina��o contra a mulher, atrav�s da Conven��o de Bel�m do Par�.

[10] David Harris, Regional Protection of Human Rights: The Inter-American Achievement em The Inter-American System of Human Rights, David J. Harris and Stephen Livingstone (ed.) (1998) p�g. 4.

[11]  Constitui��o da Organiza��o Internacional do Trabalho, artigos 19 e concordantes. Ver. V. Leary, International Labor Conventions and National Law (1982).

[12] David Weissbrodt and Maria Luisa Bartolomei, The Effectiveness of International Human Rights Pressures: The case of Argentina, 1976-1983, 75 minnesota l.rev.1009 (1991).

[13] Juan Bautista Alberdi, Bases e pontos de partida para a organiza��o pol�tica da Rep�blica Argentina, Bs.As., Plus Ultra, 1991, p�g. 255.

[14] Estatuto do Conselho da Europa, artigos 3, 8 e 9, European Treaties Series 1. D.J. HARRIS, M. O'BOYLE & C. WARBRICK, Law of the European Convention on Human Rights , Butterworths, 1995, p.700 e C. F. AMERASINGHE, Principles of the institutional law of international organizations, Cambridge University Press, 1996, p�g. 115.

[15] V�ctor Rodr�guez Rescia, A Execu��o de Senten�as da Corte, em M�ndez e Cox (ed.) O Futuro do Sistema Interamericano de Prote��o dos direitos humanos, IIDH, San Jos� (1998), p�g. 479.

[16] Podem-se mencionar, entre outros: Col�mbia: Lei 288 de 1996, pela qual se estabelecem mecanismos espec�ficos para a indeniza��o de preju�zos �s v�timas de viola��es de Direitos Humanos em virtude do disposto por determinados �rg�os internacionais de Direitos Humanos, entre eles a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos; Costa Rica: O artigo 27 do acordo entre o Governo da Costa Rica e a Corte Interamericana disp�e que as resolu��es de tal �rg�o ou de seu Presidente teram o mesmo efeito que aquelas ditadas pelo poder judicial costarricense uma vez que as mesmas tenham sido comunicadas �s autoridades administrativas e judiciais da Costa Rica; Honduras: A Constitui��o estabelece em seu artigo 15 que "Honduras tem seus princ�pios e pr�ticas do direito internacional que propendem � solidariedade humana, ao respeito da autodetermina��o dos povos, a n�o interven��o e ao afian�amento da paz e da democracia universais.  Honduras proclama como inelud�vel a validez e obrigat�ria a ejecu��o das senten�as arbitrais e judiciais de car�cter internacional"; M�xico: A Lei sobre a Celebra��o de Tratados estipula em seu artigo 11 que "As senten�as, laudos arbitrais e demais resolu��es jurisdicionais derivados da aplica��o dos mecanismos internacionais para a resolu��o de controv�rsias legais a que se refere o artigo 8o., ter�o efic�cia e ser�o reconhecidos na Rep�blica, e poder�o ser utilizadas como prova nos casos de nacionais que se encontrem na mesma situa��o jur�dica, de conformidade com o C�digo Federal de Procedimentos Civis e os tratados aplic�veis�; Peru: Lei 23506, artigo 40: "A resolu��o do organismo internacional cuja a jurisdi��o obrigat�ria se ache submetido o Estado Peruano, n�o requere para sua validez e efic�cia do reconhecimento, revis�o nem exame pr�vio algum. A Corte Suprema de Justi�a da Rep�blica recepcionar� as resolu��es emitidas pelo organismo internacional, e dispor� sua ejecu��o e cumprimento de conformidade com as normas e procedimentos internos e vigentes sobre ejecu��o de senten�as�.  Venezuela: a Constitui��o de 1999 disp�e em seu artigo 31 que o Estado adotar�, conforme os procedimentos estabelecidos na Constitui��o e a lei, as medidas que sejam necess�rias para dar cumprimento as decis�es emanadas dos �rg�os internacionais de direitos humanos.

[17]  Veja entre outros Ariel Dulitzky, �Os Tratados de Direitos Humanos no Constitucionalismo Iberoamericano�, Estudos Profundizados de Direitos Humanos, IIDH, 1996.

[18] Pode-se ver, Mart�n Abreg� e Christian Courtis (comps.), A aplica��o dos tratados sobre direitos humanos pelos tribunais locais, CELS � Editores del Puerto, Buenos Aires, 1997. Rodolfo E. Piza Escalante, O valor do direito e a jurisprud�ncia internacionais de direitos humanos no direito e a justi�a internos: o exemplo de Costa Rica, em: Corte Interamericana de Direitos humanos, Liber Amicorum H�ctor Fix-Zamudio (1998), p�g.169-191 Max Alejandro Flores Rodr�guez, Aplica��o dos tratados internacionais de direitos humanos pela Corte Constitucional e os ju�zes, em Espa�os internacionais para a justi�a colombiana, vol. III, Comiss�o Andina de Juristas, Se��o Colombiana, 1993.

[19] Lillich, Richard The Role of Domestic Courts in Enforcing International Human Rights Law, en Guide to Internationational Human Rights Practice, editado por Hurst Hannum, University of Pennsylvania Press, p�g. 228. Mohammed Bedjaoui, The Reception by National Courts of Decisions of International Tribunals, en International Law Decisions in National Court, Edited by Thomas M. Frank & Gregory H. Fox, Transnational Publishers, Inc. New York, 1996, p�g. 22.

[20] Andrew Moravcsik, Explaining International Human Rights Regimes: Liberal Theory and Western Europe, 1:2 European J. Int'l Relations 157, 178 (1995), Carlos Fern�ndez de Casadevante, A aplica��o do conv�nio Europeu de Direitos Humanos em Espanha, Tecnos, Madrid, 1988.

[21] Atualmente a Comiss�o se re�ne em dois per�odos ordin�rios de sess�es de tr�s semanas de dura��o cada um. Seria poss�vel estender estes per�odos para quatro ou mais semanas cada um.

[22] De conformidade com o artigo 36 de seu novo Regulamento, haver� um Grupo de trabalho sobre admissibilidade que se reunir� antes de cada per�odo ordin�rio de sess�es. O artigo 30 e concordantes do Regulamento estabelecem que a Comiss�o deve adotar, em princ�pio, decis�es de admissibilidade em cada uma das peti��es que tramita.  De conformidade com um estudo realizado pela Secretaria da Comiss�o para o 110� per�odo ordin�rio de sess�es, celebrado em fevereiro deste ano, na atualidade h� mais de 650 peti��es que n�o tem ainda decis�es de admissibilidade.

Como surgiu o Sistema Interamericano de Direitos Humanos?

Como surgiu o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos? O SIDH iniciou sua história em abril de 1948, com a aprovação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, em Bogotá, na Colômbia, firmando o primeiro compromisso internacional de direitos humanos de caráter geral.

Quando foi criado o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos?

Breve história do Sistema Interamericano de Direitos Humanos A CIDH foi criada em 1959, reunindo-se pela primeira vez em 1960. Já em 1961 a CIDH começou a realizar visitas in loco para observar a situação geral dos direitos humanos em um país, ou para investigar uma situação particular.

Qual foi o primeiro sistema de Direitos Humanos regional criado?

A Convenção EDH é um documento de assinatura obrigatória para a entrada no Conselho da Europa e foi o primeiro documento vinculante em matéria de Direitos Humanos na Europa.

Como funciona o Sistema Interamericano de Direitos Humanos?

O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos é o sistema regional aplicável ao Estado brasileiro e é composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos de monitoramento da Organização dos Estados Americanos (OEA).