Os coherdeiros são considerados condôminos até a partilha

Não é comum para o brasileiro fazer testamento para organização da partilha de bens fazendo, então, com que a maioria das heranças se resolva nos termos da sucessão legal. Sendo essa a realidade, o que vemos diariamente é a formação de condomínios entre os herdeiros para o mesmo bem ou bens herdados.

Nos termos do Código Civil a herança é deferida aos herdeiros logo após o falecimento, formando-se um condomínio entre os herdeiros, conforme se infere da redação dos artigos 1.784 e 1.791:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

Obviamente que a propriedade em si não se transmite logo após o falecimento, pois é necessário passar por todo o processo de inventário (judicial ou extrajudicial) para enfim proceder com o registro do formal de partilha ou escritura pública de inventário para transferência da propriedade do falecido para os herdeiros (artigo 1.245, CC) .

Com a formação do condomínio, surgem sempre as divergências com relação à utilização do bem de forma exclusiva e a possibilidade/necessidade de venda, situações que invariavelmente levam os herdeiros a um litígio judicial para extinção do condomínio.

Aí é que entra a grande questão: se o bem não é de propriedade dos herdeiros em razão do não registro do formal de partilha ou da escritura pública de inventário, como e quando proceder com a extinção do condomínio? Em que pese o entendimento de alguns tribunais de que o registro do formal ou da escritura é exigência legal para se poder extinguir o condomínio entre os herdeiros, recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça diz que não.

No julgamento do Recurso Especial 1.813.862-SP, a ministra Nancy Andrighi destaca que “há a transferência de propriedade imediata do todo intitulado herança aos herdeiros em virtude do princípio da saisine e, após a partilha, estabelece-se desde logo a copropriedade dos herdeiros sobre as frações ideais daqueles bens insuscetíveis de imediata divisão por ocasião da partilha.”

Após, conclui que o registro do formal ou da escritura não é condição essencial para o ajuizamento da ação de extinção de condomínio:

Nessa hipótese, o prévio registro do título translativo no Registro de Imóveis, anotando-se a situação de copropriedade sobre frações ideais entre os herdeiros e não mais a copropriedade sobre o todo indivisível chamado herança, não é condição sine qua non para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer deles, especialmente porque a finalidade do referido registro é a produção de efeitos em relação a terceiros e a viabilização dos atos de disposição pelos herdeiros, mas não é indispensável para a comprovação da propriedade que, como se viu, foi transferida aos herdeiros em razão da saisine.

A consequência de uma ação de extinção de condomínio é a venda do imóvel como um todo a uma terceira pessoa, caso nenhum dos coproprietários tenha interesse em exercer o direito de preferência na aquisição do bem. Extingue-se a propriedade e cada herdeiro levanta o valor que lhe cabe com base na fração ideal que possui do imóvel.

Esta situação de extinção de condomínio não se aplica à possibilidade de venda de bens durante o curso do inventário que precede de concordância de todos os herdeiros e autorização judicial, contudo ela serve para auxiliar na resolução de problemas ligados à impossibilidade de registro do título translativo por falta de recursos ou de documentos e também nas hipóteses em que o ocupante (coproprietário) se recusa a pagar aluguel aos demais pelo uso exclusivo do bem.

Os coherdeiros são considerados condôminos até a partilha

Nélio Silveira Dias Júnior

Com a abertura da sucessão, que ocorre no dia da morte do dono da herança, o acervo hereditário transmite-se, de imediato, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784).

É o que a doutrina especializada denomina de saisine.

Esse princípio consiste no reconhecimento, ainda que por ficção jurídica, de transmissão imediata e automática  do domínio e posse de herança aos herdeiros legítimos e testamentários, no instante da abertura da sucessão.[1]

A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros (CC, art. 1.791).

Isso quer dizer que, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio (CC, art. 1.791, parágrafo único).

Por isso, não dá ao sucessor direito imediato a bem exclusivo da herança.

Assim, para que se possa determinar o destino do patrimônio da pessoa falecida, é preciso do procedimento de inventário, judicial ou extrajudicial. Sem ele, pondera LUIZ GUILHERME MARINONI, embora seja certa a sucessão aos herdeiros, não se sabe a quem tocará bem ou direito do de cujus.[2]

O inventário judicial deverá ser aberto por seus legitimados (cônjuge, herdeiro, cessionário) dentro de 2 meses a contar da abertura da sucessão (CPC, arts. 611, 615 e 616). Isso acontecendo, o juiz nomeará  o inventariante. A ele cabe representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele (CPC, arts. 617/618).

Na função de gestor do espólio, o inventariante deverá cuidar dos bens com toda a diligência como se seus fossem. Porém, malgrado esse dever, ele não tem poder de disposição (vender) sobre o patrimônio.

Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade (CC, 1.793, § 3º).

Todavia, se o patrimônio inventariado for composto de imóveis, por exemplo, podem esses bens ser locados pelo inventariante, sem necessidade de alvará judicial, pois essa exigência é só para venda de bens.

Para locação do imóvel inventariado, também não precisa de autorização dos herdeiros, cabendo ao inventariante fazê-lo,  porque esse ato está dentro das suas atribuições de gestão.

Ainda que o fruto de um imóvel estivesse sendo destinado ao filho do dono da herança, por ele determinado quando vivo, depois da sua morte pertence ao espólio.

Ninguém pode se sentir dono do  bem que faz parte do inventário antes de seu fim.

Lembra PABLO STOLZE que sentido nenhum há na conduta de determinados sucessores que, antes mesmo de se findar a partilha, já se sentem “donos” de determinados bens, integrantes  do monte mor (partível), agredindo, em muitos casos, iguais direitos dos outros coerdeiros. [3]

Portanto, se um herdeiro percebeu frutos do acervo patrimonial mais do que o outro, mesmo que de boa-fé, deve devolver, de modo que cada um receba o valor de forma igualitária.

Por sinal, aquele herdeiro que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. Nessa hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros[4].

O Código Civil, nesse aspecto, é incontroverso: cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou (art. 1.319).

De mais a mais, o inventariante é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu.

Embora o inventariante tenha autonomia ao administrar o espólio, está condicionado, entretanto, a prestação de contas da gestão, assim como está obrigado a exibir, a qualquer tempo, para exame das partes, os documentos relativos ao espólio (CPC, 618, IV e VII).

Por fim, tem-se a partilha dos bens, a última fase do inventário.

No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível (CC, Art. 2.017).

Não sendo amigável a partilha, em que cabe ao juiz apenas homologá-la, é facultado às partes formularem o pedido de quinhão, proferindo o juiz, ao final, decisão de deliberação  da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro (CPC, art. 647).

Nesse momento, levar-se-á sempre em conta as três regras que orientam a partilha: igualdade, comodidade e prevenção de litígios (CPC, art. 648).

A decisão de deliberação da partilha é interlocutória. Dela – para os inconformados – cabe o recurso de agravo de instrumento (CPC, art. 1.015, II, c/c parágrafo único).

Pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha (CPC, art. 654).

Transitada em julgado a sentença, receberá o herdeiro os bens que lhe tocarem e um formal de partilha (CPC, art. 655) e o inventário estará concluído. A partir daí cada herdeiro irá tomar conta do quinhão que lhe coube.

[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito das Sucessões –  Novo Curso de Direito Civil – Vol. 7 – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 56.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – Vol. 3, 3. ed. São Paulo: RT, 2017, págs. 203/204.

[3] Pablo Stolze Gagliano, op. cit. pág. 56.

[4] STJ, REsp 570.723/RJ, Relatora  Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 2.08.2007, p. 268.

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