Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

texto questões 03 e 04 vários acontecimentos antecederam a desagregação da união soviética e a formação da comunidade dos estados independentes (cei). sobre esse assunto, responda às questões 03 e 04. 03. a economia soviética começou a dar sinais de esgotamento a partir dos anos 1970. aponte três causas que abalaram seriamente a economia soviética nesse período 04. gorbachev assumiu o poder em meio a uma profunda crise político-econômica e, com sua equipe, anunciou planos de governo que se basearam em dois princípios. explique-os.


Respostas

A História da União Soviética de 1985 até 1991 é a história de seu desaparecimento como Estado. A dissolução da União Soviética, que a levou a quebrar-se em 15 Estados independentes, começou no início de 1985. Após décadas de desenvolvimento militar soviético conseguido à custa do desenvolvimento económico nacional, o crescimento econômico estava em um impasse. Tentativas fracassadas de reforma, uma economia estagnada e a guerra no Afeganistão levaram a um sentimento geral de descontentamento, principalmente nas repúblicas do Báltico e na Europa Oriental.

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resposta:

Algumas das Repúblicas Socialistas Soviéticas começaram a resistir ao poder central em Moscou, e aumentar a democratização que levaria ao seu enfraquecimento. O déficit comercial esvaziou progressivamente os cofres da União, conduzindo a uma eventual falência. A União Soviética entraria em colapso em 1991 com a chegada de Boris Yeltsin ao poder após um fracassado golpe que tentou derrubar Gorbachev e reiniciou o seu governo

Explicação:

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Outra pergunta sobre Geografia

POLÊMICA

Qual o significado do projeto Gorbatchev?

Ernest Mandei

Economista e professor da Universidade de Bruxelas e autor do Tratado de Economia Marxista, entre outros livros

Prevalecem hoje no Ocidente duas visões errôneas sobre a realidade soviética.

A primeira apresenta a União Soviética como uma sociedade totalitária e paralisada. O controle da burocracia sobre todas as áreas da vida social geraria uma imobilidade e uma estagnação quase totais. A burocracia teria incorporado ao sistema, vitoriosamente, o mercado negro, a corrupção, o crime, as disfunções da economia, a atração pelo modelo ocidental de consumo. Prova cabal do seu sucesso seria a despolarização da população. Desta maneira, o sistema seria capaz de se reproduzir indefinidamente. Um bom número de "dissidentes"pró Ocidente vai ainda mais longe nesta avaliação - que é compartilhada pela maioria dos "sovietólogos".

A segunda visão apresenta a sociedade soviética basicamente como estando num período de mudanças. O progresso econômico, a elevação do padrão de vida e a crescente qualificação dos trabalhadores explicariam tanto a ausência de oposição política popular como a constante pressão por reformas progressistas - que a burocracia não poderia evitar para sempre. Desde a morte de Stalin, em 1953, sucessivas ondas reformistas teriam estado na ordem do dia: estariam levando a União Soviética para um modelo de sociedade socialista cada vez mais próximo daquele previsto por Marx e Lenin. As reformas de Gorbatchev são vistas, assim, como a mais recente etapa de um processo contínuo, demonstrando uma sociedade com vitalidade e essencialmente saudável. O curso das reformas radicais e da democratização seria irreversível.

Esta segunda visão não predomina só nos Partidos Comunistas pró-soviéticos e no Partido Comunista Cubano. Está cada vez mais presente entre os eurocomunistas e numa ala crescente da social-democracia européia, particularmente no Partido Social Democrata da República Federal da Alemanha e no Partido Trabalhista britânico.1 1 Ver particularmente as observações do exilado tcheco e líder comunista Zdonek Mtynar, no jornal eurocomunista Socialismus, da Alemanha Ocidental, edição de abril de 1986. Por sua vez, Zhores Medvedev, num livro recente fez uma avaliação mais sóbria e pessimista (Gorbatchev, Basti Blackwell, Londres. 1986. Edição brasileira: Gorbatchev. José Otymplo, 1987), bem como Marie Lavigne, no Le Monde Diplomatique, edição de fevereiro de 1986.

Uma anásile objetiva da realidade socialista e de sua evolução nestes últimos trinta anos leva à conclusão de que ambas as visões estão equivocadas. Não levam em conta a natureza e o desenvolvimento contraditórios da sociedade soviética - precisamente o produto da combinação entre dinamismo e imobilismo.

A mudança é resultado do crescimento econômico e social, historicamente impressionante, mesmo que decrescendo ano a ano. Este crescimento modificou profundamente o país em relação ao que era em 1940,1950 e mesmo 1960.

A imobilidade é conseqüência do estrangulamento burocrático do Estado e da sociedade como um todo. E um obstáculo para o crescimento futuro. Priva o país, em particular as massas trabalhadoras, a juventude, a intelectualidade, as mulheres, as minorias nacionais e os "novos pobres", de uma boa parte dos frutos do crescimento anterior.

Esta é, hoje, a contradição dominante na União Soviética, que determina seu futuro imediato.2 2 Sobre os fundamentos teóricos marxistas da análise sobre a realidade soviética, ver os ensaios do autor "Bureaucratie et production marchando", na revista Quatrième Internationale, edição de maio de 1987, e The laws of motion of the Soviet economy", na revista Critique número 12 (Glasgow, 1980). E isto que explica a inquietação, a preocupação, enfim, a angústia da equipe de Gorbatchev (que após dois anos de experiência já pode ser devidamente avaliada). E que está na raiz tanto da demagogia populista a favor das "reformas radicais"como do seu fracasso em implementá-las numa escala suficiente para dar novo impulso ao crescimento econômico em direção ao socialismo.

1. A realidade contraditória da União Soviética

Uma crise real do sistema.

Desde a era Brejnev, a União Soviética tem atravessado uma crise real do regime. Os observadores mais superficiais têm se impressionado sobretudo pelo fenômeno superestrutural que reflete essa crise: as lideranças envelhecidas e imóveis em todos os níveis; imobilidade crescente quando diante de escolhas políticas; crescente rigidez e ineficiência da ideologia dominante. Os críticos mais sérios fazem a relação com a crise das estruturas sócio-econômicas que está atingindo a sociedade soviética.

A manifestação maior desta crise do regime é a desaceleração do crescimento econômico. A queda na taxa de crescimento tem sido regular de um plano qüinqüenal a outro já há vinte anos.

Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

Longe de aumentar o consumo popular, a desaceleração do crescimento econômico é acompanhada por uma diminuição ainda maior nos gastos do consumidor.

Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

A expressão mais dramática desta baixa taxa de crescimento é a quase total estagnação de produção de cereais, particularmente de ração animal, que há anos tem mantido a URSS dependente da importação massiva de produtos agrícolas de países capitalistas (Argentina, Canadá, EUA, França e Austrália).

Pela mesma razão, aumentam os efeitos da longa depressão da economia capitalista internacional sobre a economia soviética. Os produtos de exportação da URSS (essencialmente ouro e petróleo) têm sido submetidos a violentas flutuações de preço. Os recursos necessários para importação de tecnologia avançada não são automaticamente assegurados. A depressão está estimulando o rearmamento imperialista, que por sua vez aumenta a pressão sobre a utilização dos recursos econômicos disponíveis da URSS. Tanto objetivamente como subjetivamente nos defrontamos com uma crise combinada do capitalismo e do sistema burocrático de poder.

A queda da taxa do crescimento impõe um terrível problema para a burocracia: a impossibilidade de cumprir as três metas colocadas pela burocracia desde Kruschev, quais sejam: a manutenção de elevado patamar de investimentos; a melhoria constante do padrão de vida das massas - ainda que em ritmo modesto; a continuidade da corrida armamentista com o imperialismo norte-americano. Quanto maior a queda da taxa de crescimento, tanto maior o risco de uma ou mais destas metas ser sacrificada.

Tecnicamente, a queda na taxa de crescimento expressa um incremento regular na função da economia soviética equivalente ao que, na economia capitalista, chamamos de "coeficiente de capital". Cresce de um plano qüinqüenal a outro o montante de investimentos necessários para aumentar a renda nacional (produção material) em 1%. Em última análise, isto é uma conseqüência da crescente subutilização dos recursos materiais, motivada pelo mau funcionamento da economia, bem como pela baixa produtividade do trabalho humano.

O resultado deste mau funcionamento está sintetizado pela frase de Andropov, repetida por Gorbatchev: "Um. terço das horas pagas de trabalho na URSS são desperdiçadas".

Diferentemente do que é alegado pelos tecnocratas do Leste e do Oeste, isto não é fruto da "preguiça"ou da "falta de iniciativa"dos trabalhadores (Stalin classificava de forma mais crua: sabotagem), mas sim do desperdício generalizado provocado pela administração burocrática.

Caracteriza-se por um fluxo irregular de matéria-prima; pela falta de equilíbrio entre produção de um lado, e sistema de transporte e distribuição, de outro: é parcialmente uma conseqüência de décadas de investimentos insuficientes nestes dois últimos setores, da falta de peças sobressalentes e de muitos outros problemas, como a gradual sucatização do maquinário, o caos nos preços e prêmios, o desincentivo ao progresso tecnológico, etc.

Os principais problemas da economia soviética, criticados pelo próprio Gorbatchev no seu relatório ao plenário do Comitê Central em 11 de junho de 1985 são: o atraso tecnológico, a baixa qualidade de muitos produtos industriais (gerando uma "baixa competividade dos produtos soviéticos, incluindo máquinas, no mercado mundial"), o baixo retorno dos investimentos (congelados), geralmente excessivos e em grande medida inadequados, o planejamento desequilibrado, o desperdício crônico de energia e matéria-prima (vide tabela).

Um relatório feito pela Academia de Ciências Polonesa (citado pelo semanário britânico The Economist de 6 de julho de 1985) calculava o gasto médio de energia (em quilogramas de carvão) e de produtos de aço (em quilogramas de aço) para cada 1.000 dólares do PIB (a taxa de câmbio oficial) para os anos 1979-80:

Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

Gorbatchev resumiu estas críticas num violento ataque ao ministério do aço: "50 bilhões de rublos foram investidos em 15 anos. A maior parte foi alocada na criação de novas instalações de produção, ainda inacabadas, enquanto o reequipamento tecnológico das unidades foi negligenciado. Devido à política vacilante do ministério do aço e do seu ministro, o camarada Kazanets, este setor ainda não foi capaz de atingir sua meta, sequer no 10º ou 11º plano qüinqüenal. A situação resultante exige modificações radicais".

O Desafio do Computador

O atraso soviético no uso e distribuição de computadores resume, em certos aspectos, os problemas científicos, tecnológicos, econômicos, sociais e políticos que a União Soviética enfrenta.

Seria difícil falar em atraso da União Soviética em relação aos EUA, Europa ou Japão no campo da pesquisa científica pura. Os matemáticos soviéticos estão entre os melhores do mundo. Vladimir Gurevich afirmou em 20 de janeiro de 1985 na Rádio Moscou que a União Soviética estava produzindo, em Severodnestsk, os supercomputadores mais avançados do mundo. Não sabemos se isto era uma bravata, mas em si não é impossível.

Entretanto, há uma enorme lacuna entre o projeto, a construção do protótipo, os primeiros testes e a produção regular ou uso generalizado. Neste campo o atraso soviético é gritante, inegável e cheio de problemas. O único tipo de computador ao qual, na prática, as empresas, a administração, as escolas têm acesso - e mesmo assim não devemos superestimá-lo - é ao chamado computador de 3ª geração. A produção dos de 4ª geração - generalizada no Ocidente - praticamente sequer começou. Somente 32% das grandes empresas (que empregam mais de 500 pessoas) têm computador, enquanto o dado comparável dos EUA e Japão é de quase 100%. Apesar de o atual plano qüinqüenal ter previsto uma produção anual de software (programas de computador) da ordem de 2,5 a 3 bilhões de rublos, a produção real em 1983-84 atingiu menos de 1% deste número.

Em média estes computadores são usados 12 horas por dia, contra o uso previsto de 18 a 20 horas por dia.

A introdução massiva dos computadores nas escolas é uma necessidade gritante a fim de preparar a juventude soviética para o uso generalizado deste novo instrumento de trabalho e pesquisa. Dada a produção insuficiente da URSS e da limitada capacidade de exportação da RDA, República Democrática Alemã, as autoridades soviéticas têm contatado firmas britânicas e americanas com vistas à importação de PCs do tipo Apple Macintosh ou IBM PC-AT. Estima-se que a União Soviética esteja atrasada de 10 a 15 anos em relação aos EUA, e de 5 a 10 anos em relação aos britânicos e japoneses, na quantidade e na qualidade da maioria dos computadores produzidos e distribuídos.

Há um atraso ainda maior no que diz respeito ao seu uso. No início da década de 70 havia uma idéia, largamente difundida na União Soviética e na RDA, de que a economia planificada era mais adaptada que a economia capitalista ao uso dos computadores para o planejamento e gerenciamento da produção, para o investimento ou para o conjunto da vida econômica. Foram feitos projetos para um sistema de informação central e unificado sobre a totalidade da economia da União Soviética. Hoje os filósofos, gerentes econômicos e apparatchniks soviéticos devem estar muito decepcionados. O emprego generalizado e racional dos computadores na administração de empresas e da economia nacional tem enfrentado numerosas e, aparentemente, crescentes dificuldades.

Algumas destas dificuldades são de natureza técnica, mas de difícil eliminação a curto ou médio prazo: infra-estrutura insuficiente (particularmente o sistema telefônico e de telecomunicações), falta de técnicos e eletrônica e particularmente de especialistas em software, dificuldades em justificar as vantagens do emprego dos computadores em termos financeiros e de produtividade (a introdução de computadores não leva à eliminação do trabalho mecânico ou mesmo manual nos departamentos de contabilidade e de administração).

As dificuldades principais são sócio-econômicas e sócio-políticas. O uso generalizado de computadores pressupõe disseminação clara e livre da informação, o que é garantido dentro das empresas capitalistas pela propriedade privada. Sua extensão para o conjunto da economia nacional não flui automaticamente a partir do funcionamento da economia de mercado.

Dentro da economia soviética, dado os interesses materiais da burocracia em obter o máximo de recursos para um mínimo de resultados na realização do plano, não só a informação entre as empresas e instâncias superiores não está garantida como é praticamente nula. O sistema de administração burocrática funciona muito na base de informação errônea, como é reconhecido por todos os envolvidos, o que o ex-primeiro-ministro comunista da Hungria, Andras Hegedus, chamou de "irresponsabilidade generalizada". Como um sistema unificado e automatizado pode ser "racionalmente"empregado nestas condições? O sistema administrativo burocrático é em si mesmo um empecilho.

Paralelamente às dificuldades sócio-econômicas existem as dificuldades sócio-políticas. O computador pessoal normalmente tem uma impressora, isto é, uma máquina que pode funcionar como uma pequena offset ou duplicadora. Milhões de computadores pessoais nas escolas, universidades e empresas significariam muitos samizdats e muitas publicações fora do controle da censura. Que pesadelo para a KGB, que dádiva para o que as "autoridades"chamam de "agitação anti-soviética"- o exercício, perfeitamente normal e natural, do direito de os trabalhadores expressarem suas opiniões sobre a vida real num Estado operário, como Marx e Lenin esperavam e defendiam.

O desdém dos propagandistas imperialistas quanto à União Soviética - que hoje tem um quarto dos graduados em ciências e quase a metade dos engenheiros do mundo, apesar de consideravelmente atrasados-, do ponto de vista tecnológico, frente aos seus colegas dos países imperialistas -, seu prazer malicioso, seu Schadenfreudeis, é muito precipitado. A competência e cultura destes intelectuais e engenheiros, dos trabalhadores soviéticos, são coisas impressionantes. Os que não entendem isto, não entendem a realidade do mundo.

É a imobilidade e o estrangulamento da burocracia soviética que impedem que este enorme potencial seja concretizado para o bem do socialismo internacional e de toda a humanidade.3 3 O professor Harley D. Balzer analisou recentemente as causas desta contradição no periódico americano Issues in Science and Technology. Este potencial converte-se em direção burocrática e em ditadura, não num sistema de propriedade coletiva dos meios de produção ou em planejamento econômico. No Sozialismusb, há uma discussão interessante sobre as causas do atraso tecnológico soviético. Ver também o ensaio de Cari Ernst Lohman, Argument, Sonderband AS 135, Berlim, 1985. Se as massas soviéticas se livrarem desta camisa de força, o mundo mudará de forma tão rápida e dramática como nos dez dias que abalaram o mundo em outubro de 1917.

A lenta decomposição das relações sociais.

A crise do sistema é tão óbvia no campo social - o conjunto das relações que Stalin e mesmo Kruschev tentaram estabelecer foram gradualmente abrandados ou até mesmo degeneraram-se sob o efeito combinado das frustações provocadas pela falta de autodeterminação, de autogestão e de liberdade, e da tentativa de substituir a ausência de soluções coletivas por soluções individuais ou de pequenos grupos. Trinta anos de quase ininterrupta melhoria das condições de vida dos operários e dos trabalhadores das fazendas coletivas, ainda que em ritmo lento, foi acompanhada por uma escandalosa negligência na distribuição dos fundos sociais. O resultado foi o surgimento de uma ampla camada de "novos pobres"no país. Dezenas de milhares de pessoas, incluindo inválidos, incapacitados, viúvas, mães solteiras (na URSS ainda são chamadas de "esposas abandonadas"), alcoólatras, jovens marginais, estão vivendo bem abaixo do limite da pobreza; esta "marginalização"traz a corrupção, aumento significativo do alcoolismo, do crime e, numa proporção menor, do uso de drogas. Estimativas realistas avaliam este setor da sociedade em mais de 30 milhões de pessoas, incluindo as crianças, que representam 20% da população soviética. Sua renda mal alcança 50 rublos por mês, enquanto o salário do trabalhador é de 300 rublos por mês.

Alcoólatras e criminosos não surgem somente entre pobres e "marginais". São também produto de uma corrupção mais ampla entre as camadas melhor remuneradas da população, produtos do sentimento generalizado de frustração, da falta de perspectiva - que a falta geral de sinceridade, as mentiras e o cinismo que caracterizam a vida social só podem alimentar.

O aumento da taxa de criminalidade se alimenta também da corrupção praticamente sem limites que, sob Brejnev, começou a se evidenciar mesmo no topo da pirâmide burocrática.4 4 Conta-se que durante o seu famoso relatório ao XX Congresso do PCUS, Kruschev foi interrompido por uma voz que perguntou: "E onde estava você quando todos esses crimes foram cometidos?"Reagiu ameaçadoramente; "Quem perguntou?". Fez-se um silencio mortal. E ele emendou: "Agora vocês entendem porque permaneci calado". Nada parecido com isso aconteceu quando Gorbatchev denunciou as medidas da era stallnista. A atmosfera mudou. E adicionalmente estimulado pelos desequilíbrios da administração econômica burocrática, pelas "relações privilegiadas", pelas "intermediárias"(tolchak), pelo sistema de blat (protecionismo) que ocupam o vácuo deixado pelo não funcionamento do plano.

A baixa qualidade dos produtos de consumo, a morosidade do sistema oficial de distribuição e alocação, os suprimentos insuficientes são em parte corrigidos pelo mercado negro, pelo comércio semi-legal e pelo contrabando, que obviamente auxiliam o aumento da renda. A coisa toda atola num clima saturado pela procura de vantagens individuais, dinheiro, enfim, de enriquecimento individual. A ideologia oficial que fala em "interesses materiais"obviamente não é incoerente.

2. Uma sociedade que se conscientiza da crise

Paralelamente ao aprofundamento de contradições objetivas, o que em boa medida caracteriza a evolução da União Soviética nos últimos anos é o gradual reaparecimento de uma consciência da crise em diferentes esferas da sociedade. Assistimos à real formação de opinião pública neste país.

E claro que é uma opinião fragmentada no interior dos diferentes microambientes sociais. Não há visão global do mal social. Tal visão somente poderia ser política, e a sociedade soviética continua sendo marcadamente despolitizada, conseqüência de mais de 60 anos de ditadura burocrática.

Mesmo assim o ressurgimento de uma opinião pública independente da direção do Kremlin é uma mudança significativa da situação do país. E em parte produto do próprio sistema. Corresponde também a uma conseqüência de longo prazo do desaparecimento do terror, do lento abrandamento da repressão em massa, exceção feita à repressão contra a oposição política - que tem aumentado desde 1968.

Isto provocou uma certa pressão dentro das direções burocráticas, dos grupos intermediários e dos subsetores.

Esquematicamente podemos distinguir os seguintes "micro-ambientes sociais"(que têm dado uma expressão relativamente aberta ao fenômeno da inquietação e descontentamento social):

a) Os intelectuais não-conformistas

Seu número cresceu consideralvmente nas décadas de 70 e 80. O distanciamento em relação à "linha do partido"tem se manifestado entre os cientistas sociais (filósofos, sociólogos, historiadores e economistas), escritores, profissionais do cinema e teatro, pintores e escultores. Apesar da rigorosa censura, burra e ignorante, estas dissonâncias e demonstrações de não-conformismo têm aparecido de forma crescente em artigos de revistas e livros, até mesmo fora dos samidatz, e em exibições "rebeldes"da arte não-figurativa.

Temas considerados tabus têm sido cautelosamente tratados, incluindo a transição para o comunismo, a natureza da igualdade econômica, as "contradições dentro do socialismo", a existência de classes e grupos sociais com interesses diversos dentro da União Soviética, o peso destes diferentes interesses no comportamento social cotidiano e mesmo nas decisões políticas, a existência de pobreza na União Soviética, a história dos primeiros meses da República dos Sovietes, vista através dos arquivos da época, isto é, sem falsificações históricas gritantes.

Estes produtos da criatividade literária e artística e das pesquisas científicas independentes, em geral acessíveis somente a especialistas e distribuídos em pequeno número - como também é o caso das novelas e contos não-conformistas tais como os de Trikhonov -, pouco começam a mudar o clima intelectual do país. O monolitismo de Stalin estava morto muito tempo antes da sensacional "abertura"da era Gorbatchev.

A decomposição do monolitismo não significa um retorno automático à época de ouro das artes e ciências soviéticas dos anos 20. O completo descrédito do comunismo, do socialismo ou do marxismo, através da transformação deste último em doutrina de Estado (ou até em religião de Estado), saldo geral das eras de Stalin e de Brejnev, continua a ter um efeito profundo, na lacuna entre a realidade e a mentirosa ideologia oficial. Nestas condições a diversificação do pensamento alimenta tanto correntes atrasadas - místico-religiosas, eslavófilas, pan-eslavistas, chauvinistas, racistas, anti-semitas, até mesmo fascistas radicais - como também as correntes liberais, social-democratas de direita e esquerda, anarquistas ou comunistas autênticos (oposicionistas). Podemos citar entre estes o social-democrata Yuri Orlov, hoje emigrado, e os comunistas de oposição que publicaram o "Apelo aos Cidadãos Soviéticos"em 1986.

Entretanto, seria prematuro supor que, no caso de erupção das amplas massas na cena política, todas estas correntes venham compartilhar de forma mais ou menos igual o apoio dos assalariados que hoje constituem o grosso da população da União Soviética. As idéias terão de passar pelo crivo dos interessses sociais, sobretudo dos interesses materiais. Nestas condições é pouco provável que a apologia de Solzhenitsyn ao tzarismo - para ficarmos apenas num exemplo - tenha eco entre a classe trabalhadora ou entre a massa dos intelectuais.

Algumas vezes, esta concepção original infiltra-se na ideologia oficial. Sob o anódino título de "Problemas Metodológicos na Sociologia Marxista-Leninista"(Voppossi Filosoffi, 1986, no. 8), o diretor do Instituto de Sociologia da Academia Soviética de Ciências, V.N. Ivanov, enfatiza os diferentes interesses das diferentes classes e grupos sociais na União Soviética, que retêm sua especificidade - e assim sua oposição - mesmo que se aliem no geral.

O descontentamento de uma parte dos intelectuais - com suas iniciativas muitas vezes ousadas5 5 A economista Tatiana Zasiavskaia e o filósofo Boutenko foram repreendidos pela sua audácia. O escritor Yevtushenko foi censurado no Literatoomaya Gazeta pelo seu ataque à censura, baseando-se num dos mais antigos escritos de Marx. E não passaram de críticas muito brandas. - tem vindo a público desde o fim da era Brejnev, no sentido do "descongelamento"e da "liberalização"que vieram à luz com o início da era Gorbatchev.

b) Os jovens tecnocratas e suas correias de transmissão ideológica

O mau funcionamento da economia tem se tomado tão evidente que pelo menos uma parte dos jovens quadros de empresas tem deixado de evitar o pensamento crítico, introduzindo propostas de reformas. A relação plano/mercado - ou, o que dá no mesmo, a contradição fundamental da economia - tem estado presente no pensamento oficial, sem mencionar o pensamento oposicionista potencial, desde o início da era stalinista. Assistimos, vez por outra, a tentativa de expressar estas contradições. Houve um novo começo nesta discussão no início da década de 80.

O propósito desta discussão tem sido relativamente o mesmo durante um quarto de século: a necessidade de passar da industrialização extensiva (crescimento econômico) para a industrialização intensiva, dado o esgotamento das reservas existentes. De qualquer maneira, Otto Lazis não hesitou em lembrar (Kommounist no. 13, 1986, pág.32-41), que os termos desta discussão e propostas não são diferentes dos colocados por Nemchinov, Kantorovitch e Novochilov em 1964. Poderia também acrescentar as propostas de Kossiguin dez anos depois.

A dificuldade não está na falta de diagnósticos, mas sim em dar soluções ao sistema econômico, de forma ampla e sistemática, sem muitas incoerências e contradições. Reformas parciais não são suficientes. É o conjunto do "mecanismo econômico"que precisa ser subvertido. Esta sacudida geral é impossível sem que haja uma mudança paralela no sistema político.6 6 Isso foi particularmente expresso pela revista EKO, publicada em Novosibirsk. Sobre o famoso "Relatório Novosibirsk", ver, o artigo de Marina Bak na International Viewpoint número 73,1985. A economista Tatiana Zaslavskaia, com seu "Relatório Novosibirsk"- sob a proteção do acadêmico Aganbegian - tem desempenhado papel central entre os ideólogos da nova geração de tecnocratas defensores de reformas radicais na economia soviética. Entretanto, o fracasso das reformas de Liberman nos anos 60 e as de Kossiguin nos anos 70 motivou-os a serem muito prudentes - e muito vagos - com relação às propostas práticas, o que contrasta com a clareza nos diagnósticos.

c) As nacionalidades não-russas

Como conseqüência das diferentes dinâmicas demográficas, a União Soviética está se transformando num Estado federativo onde a população russa será apenas uma parcela minoritária dos cidadãos.7 7 Sobre a evolução demográfica da União Soviética e suas conseqüências sobre a relação entre as nacionalidades, ver L 'Empire Edatée, de Hélene Carrere d'Encausses, Paris, Flammarton, 1978. A direção burocrática, sob Brejnev, reagiu sob duas formas: por um lado, desenvolvendo a colonização interna, o que amplia a opressão nacional, e por outro desenvolvendo o aparato burocrático em cada um dos territórios habitados pelas nacionalidades não-russas, a fim de integrá-las à defesa do status quo.

Que na União Soviética existam - e estejam se ampliando - a discriminação e opressão nacionalistas, não pode haver dúvida: de acordo com as estatísticas oficiais, a imprensa na língua russa é 3,5 vezes maior do que nas outras línguas faladas na União Soviética, que perfazem 50% da população. Dos livros publicados na União Soviética apenas 18% são em outra língua que não a russa, novamente para 50% da população. Na República Socialista Soviética da Ucrânia, 70% dos livros e panfletos publicados são em russo enquanto esta é a lingua-mãe de apenas 20% da população.

Tem havido muitas reações a estas manifestações de opressão nacional. Em particular, houve, durante a última revisão constitucional, uma tentativa de suprimir o princípio de unicidade linguística na administração das Repúblicas Socialistas Soviéticas, exceção feita à República da Rússia. Estas reações partem principalmente de intelectuais e estudantes originários das repúblicas bálticas, da Ucrânia, das repúblicas caucasianas e de certas repúblicas da Ásia Central (onde assistimos também ao renascimento do fundamentalismo islâmico). A reação mais violenta ocorreu por meio de demonstração de massa, na Geórgia, na época da última revisão constitucional.

d) A juventude rebelde

Ainda que defasadas frente à Europa Ocidental, aos EUA e à China, começaram a haver na União Soviética, a partir do final da década de 70, expressões de rebelião cultural dos jovens, na música popular, no jazz e nas canções populares. Algumas destas demonstrações tiveram (e ainda têm) um caráter semipolítico, uma vez que implicam um confronto com a censura.

A tecnologia contemporânea desempenha papel importante nesta rebeldia - particularmente o hábito de fazer fitas cassetes com o auxílio de gravadores, muitas vezes importados. Na República Socialista Soviética da Estônia, a reprodução de programas finlandeses de rádio e televisão tem adquirido um caráter de "indústria doméstica".

O caso mais típico desta rebeldia cultural da juventude foi o poeta-cantor Vladmir Vysotsky, que morreu em 1980 com 42 anos. Havia se tornado o ídolo da juventude russa. Suas canções desempenharam o mesmo papel que as canções de protesto de Joan Baez e Bob Dylan nos EUA dos anos 60. Foram crescentemente reprimidas e proibidas pelas autoridades - e ilegalmente reproduzidas pelos jovens. No dia do seu funeral, 15.000 pessoas se reuniram à beira do seu túmulo apesar das tentativas da KGB de esconder sua localização e das proibições de comparecimento ao local.

Ao lado desses rebeldes "libertários", há também jovens rufiões conservadores, similares aos skinheads britânicos, como os Lyobersistas de Moscou. Aparentemente são manipulados pelos grupos conservadores da KGB. Opõem-se a outras quadrilhas juvenis, inclusive com confronto físico, a tal ponto que, em 22 de fevereiro de 1987, as autoridades escolares apelaram aos pais moscovitas a não permitirem que seus filhos saíssem às ruas durante os finais de semana, para evitar que se metessem em brigas.

e) Ativistas ecológicos

Uma visão ecológica tem paulatinamente se espalhado entre certas camadas intelectuais, timidamente apoiada por um pequeno número de quadros locais do governo e do partido, e por alguns grupos de cidadãos. O escritor Zalyguin é o representante de maior destaque. Ele já tinha se feito notar pela sua campanha contra a poluição industrial química do lago Baikal (o maior reservatório de água potável na Euro-Ásia). Tomou novamente a liderança contra o projeto de desviar os rios Ob e Irtych em direção à Ásia. O objetivo do projeto era aumentar a produção de cereais e ração animal no Cazaquistão e no Uzbequistão em pelo menos 35 milhões de toneladas/ano. Até o 27º Congresso do PCUS, este projeto foi mantido - apesar dos ecologistas. No final do Congresso, foi misteriosamente abandonado, sem que fosse o voto colocado em discussão.

Zalyguin retomou esta questão durante o 6º Congresso dos Escritores da RSSF da Rússia. Seu discurso foi reproduzido na Literatournaya Gazeta de 18 de dezembro de 1985. Ganhou um apoio significativo, efoi reforçado pela equipe de Gorbatchev - que promoveu um duro ataque ao ministro autor do projeto.8 8 O discurso de Zalyngin foi reproduzido na Rouge de 17 de fevereiro de 1986. Outro ativista ecológico soviético. Komariv, foi debatido em L´ Altemative número 25, de janeiro-fevereiro de 1984.

Mas foram, obviamente, a catástrofe de Chernobyl esuas implicações regionais - isto é, nacional-ucraniana - as que mais contribuíram para provocar uma oposição pública generalizada no terreno ecológico. Naquela época, a imprensa ucraniana mencionou o fato de que havia a intenção de se apressar a abertura de Chernobyl, a despeito dos problemas de segurança. É significativo que as críticas e denúncias tenham sido publicadas antes do desastre, sem que, como resultado, medidas apropriadas fossem tomadas.9 9 Ver, na Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, números 4-5, abril/maio de 1986), a reprodução de um artigo do número 13, de 27 de março de 1986, da Literaturta Ukraina (Klev), escrito um mês antes do acidente.

f) Atividade feminista

A difícil situação da maioria das mulheres na sociedade soviética advém principalmente das dificuldades na compra de alimentos e da carência de cuidados para crianças. Mas também é reflexo da óbvia discriminação sexual. Por exemplo, apesar de 27% dos delegados ao 27º Congresso do PCUS serem mulheres, apenas oito puderam falar - isto é 8% da lista total de oradores. Quinze mulheres foram eleitas para um Comité Central composto de 307 membros - isto é, menos de 5%. Nenhuma mulher foi eleita para o Burô Político de 12 membros efetivos e 7 suplentes. Uma mulher foi eleita para o secretariado sem ser membro do Burô Político. Somando tudo, há uma mulher (menos de 4%) entre 26 pessoas no topo da pirâmide burocrática.

Uma sensibilidade feminista gradualmente se faz sentir na União Soviética. Sua primeira manifestação deu-se num samizdat produzido por mulheres de Leningrado - intitulado Mulheres na Rússia - no final de 1979.10 10 Reproduzido em 1980 pelas Editions des Femmes, número 22. Ver o artigo de Jaqueline Heine intitulado "Work like a man and also like a woman", na revista International Viewpoint número 115, de 9 de março de 1987. Esta publicação obteve um sucesso popular mais amplo do que o previsto, e em todo caso, maior do que outros samizdat e que outras publicações. A coleção continha informações significativas sobre as condições de trabalho, salário e vida (incluindo nas prisões) das mulheres, e poesia. Entre os autores estavam socialistas como Tatiana Mamonova, que sem se considerar leninista não rejeita a tradição leninista, e mulheres profundamente religiosas e antimarxistas.

As revelações de Mulheres na Rússia foram sensacionais. Foram fornecidas informações precisas sobre a "jornada dupla de trabalho (doméstico)"para mulheres - o trabalho doméstico foi estimado em 4-5 horas diárias, além das 8 horas normais de trabalho; sobre o fato de que há apenas 1,5 milhão de vagas nas creches, para uma população de 270 milhões; sobre a discriminação trabalhista na indústria de bens de produção (70% das mulheres deste setor são não-especializadas e somente 1,3% das mulheres empregadas têm cargo de certa responsabilidade); sobre as terríveis condições de aborto de um hospital em Archangel, etc.

Houve uma notável elevação de consciência - e da sua manifestação - no Congresso da União das Mulheres Soviéticas de 30 de janeiro de 1987, particularmente revelada no discurso de Valentina Tereshkova, resumido pelo diário francês Liberation (a 3 de fevereiro de 1987). De acordo com este relatório, a maioria das mulheres soviéticas ainda faz trabalhos manuais não qualificados e entediantes. Gasta várias horas todos os dias nas filas, para adquirir produtos de baixa qualidade, e realizando tarefas domésticas - numa verdadeira jornada extra de trabalho. O relatório critica a falta de vagas nas creches e nos berçários, a falta de saúde preventiva (responsável pelo aumento de doenças contagiosas entre as crianças e pelo aumento da mortalidade infantil - cuja taxa é hoje o dobro daquela dos países de capitalismo avançado).

g) Resistência dos trabalhadores

Não houve nenhuma onda de greves e demonstrações operárias comparável às atividades de insubordinação dos meios sociais acima descritos. Mas seria errado concluir que a classe trabalhadora estivesse satisfeita com o regime de Brejnev ou que se furtou a reagir diante de problemas acumulados, resultantes da crescente crise do sistema. A realidade é mais complexa.

O comportamento da classe trabalhadora foi, sobretudo, resultado do deslocamento da relação de forças nos locais de trabalho a favor do trabalhadores, conseqüência de um longo período de pleno emprego 11 11 Duas significativas expressões de V.T. Kzyma, o chefe do Departamento de Construções em Chernobyt: "É muito difícil, e algumas vezes simplesmente impossível, demitir um trabalhador, mesmo quando ele é preguiçoso... Atualmente, é difícil forçar os trabalhadores a fazer mesmo uma única hora a mais, para não falar em turno extra". Vitchyzna número 3,1986, revista ucraniana registrada na Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, número 4-5. abril/maio 1986). combinado com uma lenta mas constante melhora nas condições de vida. O resultado foi uma pressão crescente contra o aumento de produtividadde, hora-extra (particularmente hora-extra mal remunerada), falta de segurança e higiene, elevado número de acidentes do trabalho, manipulação de prêmios, etc. Quanto a esses temas, podemos falar de larga resistência dos trabalhadores, muitas vezes acompanhada de vitória.

A elevação do padrão de vida desacelerou consideravelmente após 1975, e estagnou quanto à qualidade da alimentação (alimentos constituem cerca de 2/3 do gasto de consumo dos trabalhadores soviéticos). Isto fica evidente através dos dados abaixo, extraídos das estatísticas oficiais da União Soviética.

Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

Estes dados revelam seu significado quando se sabe que os pensadores soviéticos consideram que as necessidades da população, e seu poder de compra, são de 75 Kg/pessoa de carne ao ano (V. Tichonov em Voprossi Ekonomiki, nº 7,1982).

De fato, com um consumo de 3.400 calorias/dia/pessoa, a União Soviética alcançou o patamar de consumo dos países imperialistas (esta "média"evidentemente cobre grandes desigualdades entre os grupos sociais e níveis de renda). Mas a alimentação soviética é ainda predominantemente de carboidratos (pão, batata) e com pouco leite, carne, frutas é vegetais frescos. Produtos animais contribuem apenas com um quarto da ingestão protéica diária, comparado com 1/3 na Europa Ocidental e na maioria das "democracias populares"industrializadas.

É verdade que a era Brejnev foi marcada por um progresso mais consistente no que diz respeito à produção de eletrodomésticos.

Quais foram as causas que abalaram seriamente a economia soviética?

Mas, neste campo, a baixa qualidade e a dificuldade de se conseguirem consertos com rapidez desempenham um papel análogo ao da carência de suprimentos de alimentos de boa qualidade. Em ambos os casos a reação dos trabalhadores foi um apelo maior ao "faça você mesmo", ao contrabando e ao mercado-negro. As fontes soviéticas estimam que de 17 a 20 milhões de pessoas fornecem serviços como atividade auxiliar, normalmente fora do horário de trabalho. O Izvestia (19/8/85) calcula o "valor destes serviços em 5-6 bilhões de rublos por ano, enquanto o movimento das empresas estatais em 1984 foi de 9,8 bilhões de rublos. De acordo com a revista EKO (nº 5, 1985), 60% dos gastos com manutenção ou consertos de carros é via mercado-negro.

A resistência e o descontentamento dos trabalhadores se dá também na qualidade dos consumidores, pois ambicionam um padrão de vida comparável ao do proletariado dos países imperialistas, do qual ainda estão distantes.12 12 É difícil comparar o padrão de vida de um trabalhador soviético com o de um trabalhador da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos , dada a grande diferença na estrutura de preços e de poder aquisitivo. Para pagar a mesma cesta semanal de bens básicos, mais um quarto do aluguel mensal de 1/250 do custo de uma televisão (valor venal de cinco anos atrás), é necessário o equivalente a 41 horas de trabalho em Moscou, 28 em Washington, 27 em Paris e 24 em Londres, de acordo com os dados de 1979, fornecidos por Keith Bush na obra The Soviet Worker, de Leonard Shapiro e Joseph Gordon, London MacMillan, 1981. É óbvia a vagueza dessa comparação.

O fato deste descontentamento ainda não ter adquirido formas coletivas não significa sua inexistência. O rápido incremento no número de cartas críticas enviadas aos jornais diários é indicação disto. O número destas cartas oficialmente admido pelos três diários - Pravda, Izvestia e Troud - subiu de 300.000 em 1955 para 720.000 em 1960, 1,14 milhão em 1965, 1,26 milhão em 1970, 1,47 milhão em 1975 e mais de 1,5 milhão no início da década de 80.13 13 Ver o livro Whistleblowing in the Soviet Union, MacMillan. Londres. 1985.

Estas cartas às vezes contêm críticas políticas e institucionais. Zhores Medvedev menciona que o Politburo, o Comitê Central e outros órgãos foram inundados por milhares de cartas denunciando casos de corrupção, logo após a primeira insinuação sobre este tema, feita por Andropov. Da mesma maneira, "o Politburo começou a receber milhões de protestos à respeito das intervenções ilegais da polícia, e como o Politburo comprometeu-se em dezembro (1982), a responder as cartas dos trabalhadores, foi forçado a reconsiderar sua própria tática".14 14 Zhores Medvedev, op. cit., páginas 11.184.

3. O alcance e os limites das primeiras reformas de Gorbatchev

"As coisas têm que mudar."Todos aqueles com opinião própria são unânimes. E há muitos mais destes que os Alexanders Zinovievs poderiam supor, com o seu mítico e conformista "homo sovietius". No momento não há perspectivas de mudanças de baixo para cima. Assim, são as mudanças de cima para baixo que polarizam as esperanças dos intelectuais e tecnocratas nestas condições.

A expectativa de grandes mudanças não foi rapidamente desapontada. Em 17 de maio de 1985, depois de duas sessões do Comitê Central do PCUS inteiramente devotadas ao problema, foram promulgadas "medidas contra o alcoolismo e bebedeira", entrando em vigor a partir de la de junho. O alcoolismo é um grande flagelo na União Soviética e atinge, de acordo com a Academia de Ciências, 40 milhões de pessoas. Seus efeitos na economia (abstencionismo) e na saúde pública são desastrosos. Indubitavelmente é a causa primária na queda da expectativa de vida - tendência que, nos últimos anos, só surgiu, entre todos os países industrializados, na União Soviética (as outras causas são a má comida, atraso no emprego de remédios modernos, e o óbvio declínio na qualidade dos serviços de saúde).15 15 O diretor-geral do Ministério da Saúde da Hungria, dr. Imre Ocry, reconhece que esse país tem a mais baixa expectativa de vida masculina em toda a Europa. 65,5 anos. Na Polónia, caiu de 67,3 anos em 1973 para 66,8 anos em 1984; na Romênia, de 67,4 anos para 66,9 anos em 1984, sempre de acordo com fontes oficiais ( Financial Times, 17 de outubro de 1986). É natural o interesse da burocracia em tentar agir. A grande renda que o Estado recebe da venda de álcool certamente não compensa as perdas causadas pela praga do alcoolismo.

As medidas adotadas são de natureza administrativa e repressiva: a proibição de servir álcool nos bares, cantinas e restaurantes antes das 14:00 e após às 20:00 horas; elevação dos preços; aumento da produção de água mineral e de sucos de frutas; redução massiva na produção futura de vodca; liquidação das destilarias caseiras; penas mais pesadas por dirigir bêbado e por abstencionismo devido à bebedeira, etc.

Mas, por enquanto, os esforços ainda são modestos. A população, em geral, partilha do ceticismo do correspondente do Le Monde em Moscou, que a 7 de junho de 1985 escreveu: "Apesar da campanha intensa, a vida cotidiana do soviético não mudou. As conquistas talvez sejam graduais. Após as medidas repressivas virão os efeitos sintomáticos da anunciada redução da produção de álcool. Por enquanto, os hábitos estão arraigados, como demonstrou a revista Ogoniok. Um dos seus jornalistas teve uma experiência num restaurante. Ele pediu chá. O garçom sorriu, apreciando a piada: "Numa garrafa ou num carafe?"ele perguntou.

Ao mesmo tempo, desde sua chegada ao poder, Gorbatchev reeditou a violenta campanha de repressão contra a corrupção e os "crimes econômicos"- iniciada por Andropov e que Chernenko havia deixado declinar. Caracteriza-se por drásticos cortes nos ministérios da União e das repúblicas, entre os quadros das empresas comerciais em particular, pelo combate aos intermediários e empreendedores do mercado paralelo (mercado negro e "cinza").

Entretanto, o perfil destas reformas é o de uma luta contra o "excesso burocrático"através de medidas tipicamente burocráticas: decretos, medidas administrativas, repressão, punição. O Estado age impiedosamente, seus órgãos agem impiedosamente, a polícia age impiedosamente, tudo para fortalecer a disciplina; é assim que podemos avaliar a filosofia política e social de Mikhail Gorbatchev até o presente. É uma filosofia puramente burocrática.

Revela-se a sua incapacidade de compreender a natureza social dos males que estas reformas supostamente devem combater. A origem do alcoolismo em massa é a corrupção e a ausência de perspectivas políticas e sociais; a falta de relações sociais nas quais a personalidade pode expressar-se; a tentativa de afogar a discussão na vodca. O tédio e a mesmice da vida cotidiana. Esta é uma regra elementar do marxismo: 40 milhões de bêbados não são simplesmente 40 milhões de "casos psicológicos". São 40 milhões de provas de que há problemas sociais. Não há por que perguntar a Gorbatchev, seus assistentes ou ideólogos, quais são as causas e a natureza deste problema social.

A corrupção ilimitada que existe na União Soviética (para não se falar na Europa Oriental e a República Popular da China, onde também parece estar se alastrando), obviamente remete à sobrevivência, consolidação e extensão da produção de mercado e ao poder do dinheiro dentro da sociedade. Isto é, mais uma vez, o ABC do marxismo. Mesmo uma produção de mercado apenas parcial, como a que existe na União Soviética, revela a natureza parcialmente privada do trabalho, indicando a sobrevivência de interesses privados e a busca sistemática por vantagens individuais.

É evidente que não se exige que isto seja abolido da noite para o dia. Poderia até revelar-se indispensável para estender temporariamente a esfera de influência da economia comercial e financeira. Mas nenhum marxista digno do nome pode fechar os olhos para os efeitos danosos, desorganizativos e corruptores do poder do dinheiro - com a ampliação da desigualdade social e do individualismo - no processo de construção do socialismo. Como Lenin escreveu em 1918: "A influência corruptora de altos salários sobre as autoridades soviéticas... e sobre as massas trabalhadoras é inegável"(As Tarefas Imediatas do Governo Soviético). E ainda com maior clareza: "Esconder da população o fato de que o recrutamento de especialistas burgueses (e isto se aplica ainda mais aos chamados especialistas comunistas) é retrocesso dos princípios da Comuna de Paris, seria descer ao nível dos políticos burgueses e enganar o povo". A burocracia tem cuidadosamente escondido isto das massas há mais de 55 anos, desde que Stalin descobriu que o igualitarismo não era princípio do comunismo mas sim um "desvio burguês". A burocracia tem que esconder isto das massas não por ignorância ou estupidez, mas por causa de seus interesses sociais. E uma questão de justificar os enormes privilégios sociais dos quais desfruta. É por isto que não pode revelar as fontes de corrupção e os crimes econômicos.

Assim, só pode recorrer à sua arma secular. Mas, agindo desta forma apenas confirma a natureza social e não individual do mal que supostamente combate.

Com muita clareza Marx expressou-se sobre o assunto: "Punição é apenas um meio de defender a. sociedade contra qualquer violação das condições de sua existência, independente do seu conteúdo. Mas que tipo de sociedade é, se não tem meios melhores que um juiz penal?... Então, se os crimes são em grande número e surgem com tanta frequência e regularidade que aparentam ser fenômeno natural...não é necessário, em vez de aclamar juizes que removem parte dos criminosos apenas para criar lugar para novos, pensar seriamente na alteração do sistema que produz tais crimes?"(artigo no New York Daily Tribune 18 de fevereiro de 1853). Cada uma destas palavras continua válida hoje. E cada uma destas palavras se aplica à realidade social da União Soviética, que tem uma população carcerária de vários milhões, da mesma maneira que os países capitalistas.

A imprensa polonesa recentemente informou que o promotor de um julgamento de dois jovens acusados de roubar dois lençóis de um albergue da juventude, pediu que lhes fosse aplicada uma sentença de dez anos de prisão. Parece que é impossível comprar lençóis nas lojas, e que as "pessoas decentes"estão particularmente aborrecidas com tais crimes. Isto diz mais sobre a realidade social na União Soviética e Europa Oriental do que uma centena de livros sobre "marxismo-leninismo", tornados incompreensíveis através das adaptações às necessidades e interesses da burocracia. Mesmo que Mikhail Gorbatchev, a quem obviamente não falta nem inteligência nem conhecimento, compreenda metade desta realidade, tem de calar-se. Não pelas "razões de Estado", mas pelos interesses da burocracia.

A 11 de junho de 1985, perante a sessão plenária do Comitê Central que reunia todos os altos dignatários soviéticos, exceto seu principal rival, Romanov, Gorbatchev fez uma séria denúncia do estado da economia soviética. Seus ouvintes foram convocados a compreender a situação e a realizar "mudanças radicais". A reforma deve ser efetuada com urgência, porque "não temos mais tempo"- assim expressou-se Gorbatchev.

A existência de motivos reais para preocupações é particularmente evidenciada pelo fato de que, após breve reviravolta sob o efeito das medidas disciplinares de Andropov, a taxa de crescimento da produção industrial caiu novamente em 1984. De acordo com fontes oficiais, a produção industrial cresceu apenas 3,1% no período janeiro-junho 1985, comparado a 4,5% durante o período janero-junho de 1984 e 4,1%. no período janeiro-junho 1983. Para o período janeiro-abril, a diferença foi ainda maior: 2,7% contra 4,9% e 4,4% nos dois anos precedentes.

As críticas são significativas porém rotineiras, exceto para o sentimento de urgência. Referem-se a condições que há muito tempo temos apontado como sendo de caráter estrutural.

A conclusão é clara: o crescimento deve recomeçar com investimento menor. Os invenstimentos devem ser "racionalizados".

A ênfase é colocada sobre dois fatores: modernização e disciplina. Gorbatchev é o mensageiro da "revolução tecnocientífica", a terceira revolução tecnológica na linguagem da nomenclatura. Automatizar: computadorizar; robotizar; estes são os temas centrais repetidos em coro pelo aparato ideológico oficial.

"Disciplina"significa maior economia no uso de energia e matéria-prima, uso mais racional de equipamento e da capacidade de trabalho, uma redução na demanda de investimento suplementar para alcançar as metas do plano. Tudo isto é tradicional, abstraio e não realista, dados os interesses naturais da burocracia que, mais do que nunca, comanda a economia.

A única proposta concreta é uma redução substancial na construção de novas fábricas em favor da modernização das fábricas e equipamentos existentes. "Reconstrução"que, de hoje em diante, deve absorver mais de 50% dos gastos em investimentos, enquanto atualmente corresponde a 30%.

Agricultura e serviços: experiência na ampliação do mercado

Como este plano, bem como os objetivos do relatório Gorbatchev, podem ser realizados? Há obviamente as referências tradicionais e rotineiras aos "incentivos materiais"e à "mobilização dos trabalhadores". Mas todos sabem que é apenas retórica vazia, particularmente se levarmos em consideração o irrisório resultado alcançado por formulações similares durante as reformas de Liberman/Kossiguin, na metade da década de 60. O único recurso possível, portanto, são as reformas administrativas, isto é, o reajustamento da economia. De fato, é tão somente a isto que as reformas de Gorbatchev podem levar.

Ele propõe fortalecer tanto o poder das equipes centrais de planejamento como os poderes dos gerentes de fábrica e grupos de empresas. Assim, pretende-se reduzir em número, autoridade e importância as funções dirigentes intermediárias: ministros (particularmente das repúblicas), organizações locais e regionais, agentes de inspeção estão na mira da reforma planejada. Uma simplificação dos índices do plano acompanharia esta racionalização burocrática.

Tudo isto não é nem muito radical nem muito convincente. Lembra o velho ditado do poeta latino Horácio sobre a montanha que gerou um ridículo e pequeno camundongo.

A gravidade da doença e a seriedade da denúncia são desproporcionais ao caráter vago e limitado das reformas propostas. Recorda o "Relatório Novosibirk", de 1983, no qual Tatiana Zaslavskaia formulou uma análise critica das deficiências estruturais da economia soviética, somente para chegar a propostas reformistas muito vagas e limitadas.

Isto não é mudança de ponto de referência. Apesar da censura pública a Zaslavskaia, ela não foi demitida do seu posto. Suas idéias não caíram em descrédito. Foram reapresentadas numa entrevista que foi publicada a 1º de junho de 1985, no Izvestia. E parecem ter inspirado, pelo menos em parte, as reformas econômicas de Gorbatchev, assim como a "reforma experimental"de Andropov.16 16 Diz respeito a um número limitado de ramos e empresas, onde os gerentes têm amplos poderes para decidir sobre preços e sobre produção. Os maus resultados dessa reforma foram apontados por Aganbegian na revista EKO número 6, 1986. Em todo caso, pode ser encontrado no "Relatório Novosibirski"a mesma idéia: fortalecer paralelamente os poderes da equipe central de planejamento e dos gerentes de fábrica, com a redução do poder e da importância das autoridades burocráticas intermediárias -um tema que domina a política de Gorbatchev.

Há também uma outra proposta de reforma, que ainda não foi assumida oficialmente por Gorbatchev, mas que foi apresentada ao Congresso do PCUS em fevereiro de 1986: a ampliação da esfera privada de mercado na agricultura e nos serviços. A entrevista com Zaslavskaia no Izvestia menciona explicitamente a possibilidade de isto ocorrer na agricultura, "desde, que se permaneça nos limites da lei".

Devemos lembrar que, por sete anos, Gorbatchev foi o responsável pelo setor agrário no secretariado do CC do PCUS. O mínimo que se pode dizer é que o balanço da sua administração não é brilhante. A agricultura soviética está em permanente estagnação. O déficit de cereais para ração animal conduziu à estagnação da produção de carne em 60 Kg per capita, contra mais de 100 Kg na França e 92 Kg na RDA -um país cada vez mais citado como exemplo pelos líderes soviéticos (incluindo Gorbatchev) no que tange ao planejamento e à gerência da economia.

Em 1985, a produção de cereais estava em ligeiro crescimento. Atingiria sem dúvida 190-195 milhões de toneladas. Mas isto ainda estaria longe da meta de 240-245 milhões de toneladas que o plano qüinqüenal de 1981-1985 havia projetado atingir.

Há muitas indicações de que Gorbatchev pretenda estimular a produção nos lotes particulares dos membros dos colcoses (fazendas coletivas) e dos sovcozes (fazendas estatais), paralisada sob Brejnev. Estes representam cerca de 25% da produção agrícola total, especialmente na criação de animais e na produção de frutas e hortaliças. Estimular a produção privada, mantendo-a sob controle estatal e canalizando a distribuição pela rede estatal e cooperativa, é uma das saídas propostas pelos reformistas. Esta receita é muito próxima do modelo da Alemanha Oriental, no meio do caminho entre a atual estrutura soviética (herdada das eras Kruschev e Brejnev) e a estrutura húngara, para não mencionar os modelos polonês e iugoslavo.

O aspecto mais audacioso desta reforma está no setor dos serviços. Tem sido aplicado experimentalmente na República Socialista Soviética da Estônia. De acordo com um artigo do Izvestia, de 19 de agosto de 1985, o setor de serviços de conserto na URSS é um dos menos satisfatórios. Necessidades de conserto não atendidas são avaliadas entre 5,5 a 6 milhões de rublos ao ano, cerca de 1/3 do total. Entre 17 e 20 milhões de trabalhadores fazem consertos clandestinos, fora do horário dos seus "empregos oficiais"- que, obviamente, acabam sendo prejudicados, ocorrendo até mesmo furto de peças.

Na RSS da Estônia, a firma Elektron, de consertos de rádio e televisão da cidade de Tallin, alugou uma de suas lojas para um grupo de técnicos, por 650 rublos ao mês por trabalhador. Os técnicos também pagavam pelo uso dos materiais, eletricidade, calefação, etc. Em troca, podiam cobrar o que quisessem pelos serviços prestados. Os preços, desta maneira, acabaram fixados pela lei da oferta e da procura. Os trabalhadores podiam ficar com 70% do faturamento. Entregavam 30% à empresa estatal a título de imposto sobre o lucro.

Os resultados parecem ter sido impressionantes. A fila de espera por consertos, que era de duas semanas - Tallin seria um lugar privilegiado se comparado com Moscou ou Leningrado, onde a espera é ainda maior -, foi reduzida para um ou dois dias. Um aparelho de rádio ou televisão muitas vezes era devolvido no final da tarde. A qualidade do serviço melhorou muito. Os subornos foram suprimidos e os preços logo se estabilizaram. De fato, a oferta e a procura logo entraram em equilíbrio e a equipe agora procura por novos clientes, uma vez que o mercado de Tallin se saturou rapidamente. Tendo em vista que artigos sobre tais casos podem ser publicados na imprensa soviética, parece nítido que Gorbatchev e sua equipe pretendem expandir esse tipo de experiência. O exemplo do setor de serviços está mais próximo do modelo húngaro. Mas como o próprio caso da Hungria indica, certeza de sucesso, seja social seja econômico.

4. As implicações sociais das reformas econômicas

O dilema de Gorbatchev é essencialmente social.17 17 No seu interessante trabalho Travail et TravaiHeurs en URSS, Editlons La Decouverte, Paris, 1984, Jacques Sapir mostra que, sob Andropov, houve uma tentativa de restringir o abstencionismo - que é parcialmente causado pelo banditismo e ampliado pelo alcoolismo, cujas proporções são cada vez maiores -, "mandando a milícia, no começo de 1983, vigiar o povo nos cafés, cinemas, teatros, para ver se lá havia trabalhadores faltosos. Mas a maneira pela qual a campanha foi desenvolvida também mostra os limites do seu alcance. Não se pode colocar um policial atrás de cada um dos 128 milhões de trabalhadores". É uma escolha entre interesses contraditórios que colidem entre si desde o início e que entrariam em aberto confronto se certos progressos fossem efetuados.18 18 O "Relatório Novosibirsk"mencionou explicitamente os interesses contraditórios de diferentes camadas sociais como uma das causas da demora na implementação de uma reforma radical na União Soviética. O próprio Gorbatchev fez alusão ao mesmo fenômeno, ainda que em termos mais brandos. Sobre o debate na União Soviética sobre a existência de tais contradições, ver o artigo já citado de Marina Bek na revista International Viewpoint número 73.

A "racionalização burocrática da administração burocrática"implica numa óbvia ampliação dos direitos dos administradores, o que entraria em contradição com o pleno emprego, o principal ganho dos trabalhadores ainda remanescente da Revolução de Outubro. Todas as tentativas de contornar esta dificuldade, principalmente através da autodisciplina e da autodemissão dos coletivos de trabalhadores, com o auxílio do sistema de turnos e através de promessas de aumento substancial dos prêmios (para uma minoria), têm esbarrado até agora com a solidariedade de classe e o igualitarismo instintivo dos trabalhadores. É pouco provável que a simples pressão política possa quebrar esta barreira. Seria necessário uma grande pressão econômica - ou seja, a introdução do desemprego em massa.19 19 Sobre o risco do ressurgimento do desemprego na União Soviética, ver Der Spiegel, edição de 3 de fevereiro de 1986, que fornece particularmente os cálculos do professor V. Kostokov, especialista da Gosplan que estima perdas de emprego na ordem de 13-19 milhões. A imprensa soviética apresentou recentemente o dado de que há 100.000 desempregados na URSS do Azerbaijão. A 26 de março de 1987, a Tass informou a primeira falência de uma empresa soviética, uma firma de construção sediada em Leningrado e que empregava 2.000 pessoas. Entretanto, o desemprego em massa não pode ser introduzido, na atual correlação de forças, sem provocar uma enorme e explosiva resistência por parte dos trabalhadores. Mas se esta barreira da resistência dos trabalhadores não for superada, o aumento do poder dos administradores permanecerá restrito, não passará de uma pequena redistribuição das esferas de autoridade no interior da própria burocracia.

Resultados positivos referentes ao crescimento econômico e ao aumento no ritmo da inovação tecnológica20 20 Gorbatchev prometeu elevar os salários dos engenheiros e técnicos, bem como aumentar as bonificações. subsistirão por um período limitado, ainda que sejam reais (assim como ocorreu nos primeiros momentos das reformas Malenkov/Kruschev e, depois, nas de Liberman/Kossiguin). Após alguns anos, as mesmas causas produzirão os mesmos resultados. O mal é estrutural e não conjuntural.

Desde 1º de janeiro de 1987, os efeitos sociais da reforma econômica entraram numa segunda fase. O "controle de qualidade"pelo Estado atingiu 1500 instituições fabris e trustes, incluindo as maiores e mais importantes, que respondem por metade da produção industrial nacional. De acordo com um artigo de começo de março, publicado no Pravda, a produção abaixo dos padrões de qualidade será reduzida em 75%.

A eliminação de produtos malfeitos tem levado à paralisações temporárias da produção, acompanhadas por reduções dos salários e principalmente dos prêmios. Conseqüentemente, tem havido oposição por parte dos trabalhadores. No pleno do CC de janeiro de 1987, Gorbatchev falou de forma subliminar - onde está a glasnost? -sobre a possibilidade de conflitos. Um comunicado da Tass afirmou que não estavam ocorrendo nem greves nem conflitos abertos. Isto não está de acordo com os fatos.

Em dezembro de 1986, houve um protesto massivo dos trabalhadores contra a redução de salários na fábrica de caminhões Kamaz, em Brejnev, na República Autônoma Tártara. Foi noticiado pelo Izvestia. Durante sua visita a RSS da Estônia, Gorbatchev mencionou a "reação inicial"do corpo de funcionários de uma fábrica de produtos eletrônicos, contra os efeitos do "controle de qualidade".21 21 Essa informação é de um artigo publicado no Neve Zurcher Zeitung, de 6 de abril de 1987. De acordo com um artigo do Sovietskaya Rossia, de janeiro de 1987, "muitos trabalhadores"perderam até 50 rublos do salário daquele mês, ou 1/4 do salário médio. No dia 4 de março de 1987, a Tass informou que numa fábrica de máquinas agrícolas em Tjumen, na Sibéria, os salários haviam caído em 30%. Nó dia seguinte, a mesma agência noticiosa indicou que 60% das empresas submetidas ao "controle de qualidade"não haviam atingido suas metas de produção para janeiro. Numa fábrica de máquinas pesadas, em Alma Ata, a perda salarial atingiu 60 ou 70 rublos, quase 1/3 do salário mensal (notícia da imprensa soviética, publicada no semanário alemão Die Zeit, a 10 de abril de 1987).

A indignação dos trabalhadores não é provocada pela "cumplicidade"com administradores incompetentes ou pelo conservadorismo dos "preguiçosos", como proclamam os bajuladores ocidentais de Gorbatchev e murmuram discretamente seus seguidores na URSS e na Europa Oriental. Explica-se, isto sim, pelo sentimento de terem sido injustamente tratados. Os trabalhadores são punidos, os salários reduzidos por uma administração ineficaz, pela qual os trabalhadores não são responsáveis.22 22 Ver os depoimentos dos trabalhadores de Kamaz, relatados numa entrevista do dissidente "oficial"Roy Medvedev na revista Business Week{2 de fevereiro de 1987). Esta administração ineficaz revela-se nas relações entre as fábricas - suprimento irregular e atrasado da matéria prima e de peças sobressalentes, suprimento inadequado de materiais e equipamentos - bem como, senão mais, em relação à organização da produção dentro da própria empresa: é a razão do resgate, pelos trabalhadores, do velho slogan de Lenin sobre o controle operário da produção.

Ameaçada de perder o direito ao pleno emprego, a classe operária também vê ameaçado seu padrão de vida. Durante 1986, e ainda mais nos primeiros meses de 1987, a propaganda oficial gradualmente deslocou o objetivo primário das reformas, de uma melhoria de status para todos (a famosa promessa de habitações confortáveis para todos até o ano 2000), para uma reivindicação especificamente direcionada ao aumento da produção: aumentar a produtividade, vinculando os salários à produtividade. Os trabalhadores não podem deixar de interpretar estes incessantes apelos como uma pressão para aumentar a carga de trabalho, a fim de elevar, às suas custas, o excedente social.

Isto é mais fortemente sentido na medida em que os suprimentos de melhor qualidade nas lojas cooperativas e restaurantes particulares permanecem distantes do poder aquisitivo do trabalhador comum. Aumenta, assim, a sensação de que os burocratas continuam a gozar de privilégios substanciais, mesmo que haja crescentes críticas na imprensa contra as lojas especiais, os quartos especiais nos hospitais, as escolas para os superdotados (na verdade, para os filhos dos dignatários), as casas especiais de veraneio, etc. Para o cidadão comum, nada mudou no dia-a-dia: este é o sentimento que prevalece na classe operária. É o que fundamentalmente explica a desconfiança com relação a Gorbatchev.

A crescente atenção dos ideólogos de Gorbatchev às diferenças e conflitos sociais também tomou um rumo desfavorável para a classe trabalhadora. Enfatizam cada vez mais as condições setoriais, corporativas ou regionais, ou até mesmo as atitudes e interesses individuais dentro de certas fábricas, raciocinando assim para atomizar e esconder as diferenças fundamentais entre os interesses dos trabalhadores e os da burocracia.

5. As reformas políticas

A única saída para Gorbatchev é oferecer para os trabalhadores alguma compensação a nível institucional. Mas a forma e o conteúdo da promessa são por demais vagas para superar o ceticismo.

As reformas políticas prometidas foram apresentadas no pleno do CC de 27 e 28 de janeiro de 1987 e versam sobre:

a) A seleção de vários candidatos para cada função eletiva nos sovietes locais e regionais (não se sabe se esta reforma será aplicada também na escolha dos candidatos ao Soviete Supremo).

b) Votação secreta para eleger os dirigentes do partido (igualmente não se sabe se será introduzida também nas eleições dos delegados aos congressos do PCUS e dos membros do CC).

c) Seleção de candidatos dentro dos locais de trabalho, para a eleição dos representantes sindicais.

d) Estabelecimento de novos mecanismos de participação operária na administração das fábricas. Estes mecanismos permitirão a eleição dos administradores pelos trabalhadores (em todos os casos? em alguns casos?)... a cada cinco anos, com o que se corre o risco de se legitimarem ainda mais o poderes destes administradores, em vez de aumentar o peso real dos trabalhadores na administração diária das empresas.

Com o anúncio destas reformas políticas, ficou mais nítida a oposição de boa parte do aparato, dos funcionários da GOSPLAN, dos ministros "econômicos", da maior parte do aparelho estatal, de funcionários locais e regionais do partido, de um bom número de quadros conservadores e de administradores comuns de fábrica, de uma fração conservadora (minoritária) da intelligentsia (geralmente os mais medíocres, do ponto de vista da criatividade).23 23 Uma análise bastante convincente dessa resistência pode ser lida no Die ZeH de 10 de abril de 1987. Ver também The Economist 4-II de abril de 1987. Essa mesma revista informou, depois que vinte das intervenções no plano do Comité Central de janeiro de 1987 foram abertamente críticas à glasnost, acusando-a de minar as bases da autoridade do partido.

Para se ter uma idéia clara do objetivo desta oposição - ou melhor, da força da inércia e da capacidade de obstrução do aparelho -, deve-se observar que o número de ministérios da União e das repúblicas aumentou de 18 em 1936 para 40 em 1946 e para 80 em 1986. A administração do Estado inclui, no total, 18 milhões de funcionários.24 24 V. Koudryavtsev e J. Luchakova: "As tarefas das ciências depois do XXVII Congresso do PCUS", na Kommunist número 9, 1986. Os aparelhos do partido, dos sindicatos e de outras organizações de massa também devem ser considerados. Ao todo, são aproximadamente 25 a 30 milhões de pessoas.

Ao mesmo tempo, vemos mais claramente quais os setores em que Gorbatchev confia (aos quais fez um apelo quase aberto no seu relatório ao CC em janeiro de 1987): a intelectualidade liberal, que na sua maioria lhe empresta entusiástico apoio; tecnocratas jovens e mais modernos, particularmente os do nível de empresas e da administração econômica central (onde, porém, parecem ser minoria); os mais prudentes e lúcidos setores "modernistas"do partido; o aparato militar e policial.25 25 De acordo com o artigo de Maria Huber Chrietian Schmidt Hauer, publicado no Die Zeit de 10 de abril de 1987, os generais Lyutchev e Lisitchev estão entre os mais importantes seguidores de Gorbatchev.

Quando Gorbatchev descreve em termos dramáticos a crise do sistema, como no seu relatório ao CC, quando fala mais e mais de "verdadeira e necessária revolução", é apenas para salvar o regime burocrático e não para derrubá-lo. A diferença entre ele e a chamada "fração conservadora"é que esta subestima criminosamente a crise. Os brejnevistas, diante da gravidade da situação, rejeitam as medidas cirúrgicas propostas por Gorbatchev, e receitam apenas aspirina.

Poderíamos dar muitas provas do objetivo de Gorbatchev, de defesa da burocracia, apresentadas nos seus próprios relatórios. O princípio do partido único é fortemente defendido, pois é o dogma do papel necessariamente predominante do partido na dominação política. Gorbatchev elogia a KGB como instituição. O "princípio"do centralismo democrático - tal como existe desde a vitória da fração stalinista, na realidade centralismo burocrático - é considerado a pedra de toque do sistema político como um todo. Sua extensão do partido para as organizações de massa e às estruturas estatais é celebrada como o ponto mais alto do marxismo-leninismo - com o qual não tem nada a ver, obviamente.

Uma indicação do desejo de Gorbatchev de defender a ditadura é sua atitude perante a questão nacional na União Soviética. Em seu relatório ao CC, enfatizou o combate ao "nacionalismo burguês"das nacionalidades não-russas da URSS e não a luta contra o nacionalismo grão-russo. Esta ênfase toma contornos mais claros e negativos à luz do expurgo do 1º secretário do partido no Kazaquistão, Demoukhamed Kunaev, que provocou manifestações em Alma Ata em dezembro de 1986. Com base nas informações de que dispomos, é difícil saber se foi uma verdadeira reação popular, ou um conflito inter-burocrático que resultou na manipulação de certos setores da massa por parte da burocracia local - de qualquer modo, tremendamente corrupta. Mas o fato de Gorbatchev, originário da Grande Rússia, concentrar seu fogo contra o nacionalismo das etnias minoritárias e oprimidas - e apoiar a nomeação de líderes russos nas repúblicas federativas - é, em todo caso, profundamente reacionário.

Comparando seu objetivo com os meios propostos para atingi-lo é que o dilema de Gorbatchev aparece mais claramente. Há praticamente sessenta anos quase tudo tem funcionado na URSS na base de comandos verticais, de cima para baixo, sem iniciativa ou autonomia das massas. Por trás da ditadura burocrática está o princípio de que o "interesse material"da burocracia é a força propulsora do funcionamento da máquina econômica e do cumprimento do plano. O monopólio do poder e os privilégios materiais passam de geração a geração. E foi assim que Gorbatchev começou a aplicar suas reformas, de cima para baixo.

Mas a burocracia resiste. É de uma lentidão insuspeita até para os críticos mais severos. Ela sabota e sistematicamente obstrui qualquer reforma. Tem, assim, que ser sacudida. Começa-se por sacudir administrativamente os administradores. E, então, ocorrem novas obstruções, novas manifestações gritantes de inércia, novas falhas parciais, novos atrasos e precipitações.

Mas a bomba de tempo da crise do sistema anda em contagem regressiva. Todo tempo que passa é perdido. Tem que se agir em outras esferas sociais. Além da burocracia, somente as massas podem ser protagonistas da "verdadeira revolução"que Gorbatchev afirma ser necessária à União Soviética. Os tecnocratas e intelectuais culturais, que o apóiam cada vez mais entusiasticamente, não têm peso para contrabalançar os milhões de funcionários e inspetores que defendem os velhos costumes e seus privilégios.

Mas como podem alguns burocratas mobilizar as massas contra outros e ainda canalizar esta mobilização? O risco de tal aventura é confirmado pelos exemplos da Hungria, da Tchecoslováquia, da China e - talvez o mais terrificante deles - da Polônia do Solidariedade. Tal como o "império liberal"de Napoleão III e dos últimos czares, a "ditadura liberal"de Gorbatchev está literalmente entre dois fogos. A divisão dentro da burocracia aumenta o espaço pela qual uma ação autônoma pode irromper.

Quanto à natureza ousada das iniciativas diplomáticas de Gorbatchev - particularmente na questão do desarmamento - há um flagrante contraste com suas hesitações a nível da política doméstica. Não somente porque há consenso maior no Kremlin em torno da questão da política externa do que em torno das medidas internas da ditadura burocrática: também porque a burocracia realmente necessita pôr um ponto final na corrida armamentista a fim de diminuir o volume de recursos soviéticos destinados a objetivos não-produtivos.

Da mesma maneira que a revolução mundial, a eliminação internacional do capitalismo também desapareceu formalmente das suas intenções - sequer foi mencionada no novo programa que o PCUS adotou no 27º Congresso, marco do relançamento de uma política de abertura (baseado numa idéia de coexistência pacífica mais sincera do que no período Kruschev) e que obteve grande eco no meio imperialista (ver comentários surpreendentes da imprensa britânica sobre a visita de Margaret Thatcher a Moscou).26 26 Ver, por exemplo, The Economist 18 de abril de 1987.

Os economistas que apóiam Gorbatchev salientam isto com seu habitual cinismo: "Os tempos mudaram desde que Kruschev iniciou um programa similar de reformas na União Soviética. Diferentemente de Kruschev, o Sr. Gorbatchev não está sendo militarmente provocador ou agressivamente anticapitalista na sua propaganda ideológica. Isto lhe permite uma verdadeira oportunidade de distanciar a opinião pública ocidental - e particularmente os formadores de opinião - do discurso anti-soviético, ou pelo menos para fazê-lo parecer um discurso vazio e irrelevante "(Marxism Today, maio de 1987).

Os porta-vozes lúcidos da burguesia internacional expressam com clareza ainda maior o dilema fundamental das reformas de Gorbatchev para a burocracia e para o capitalismo internacional. De Samuel Pisar, numa entrevista ao Le Monde (30 abril de 1987):

"A Rússia sempre oscilou entre a tirania e o caos. Se as rédeas forem soltas há o risco de acidente. Gorbatchev está consciente disto, está correndo grandes riscos. Há até o risco (!) de ele sofrer acidente político ou físico".

O caos, para a burguesia internacional, é obviamente a mobilização massiva das massas soviéticas, as mais numerosas do mundo, um gigante adormecido cujo ressurgimento na cena política - como o do proletariado dos EUA - mudaria a situação mundial em uma só tacada. Esta é a explicação fundamental da atitude favorável a Gorbatchev por parte da burguesia liberal internacional:27 27 Ver também, no mesmo veículo, a biografia de Mikhail Gorbatchev, de autoria de Huber Schmidt Hauer, Piper Veriag, Munique, 1987. medo de uma verdadeira revolução política, de uma real mobilização revolucionária das massas soviéticas.

Isto não significa dizer que o proletariado internacional, os marxistas revolucionários, permanecem neutros ou insensíveis diante das iniciativas de desarmamento de Gorbatchev ou que estejam satisfeitos em meter-se como observadores. Estas iniciativas encorajam objetivamente um novo estágio no movimento antiguerra, um novo round na luta dos movimentos de massas contra a corrida armamentista, particularmente contra as armas nucleares. Neste sentido, merecem apoio - desde que seja um apoio independente e crítico, que estimule a verdadeira mobilização de massas e que não desvie o movimento antiguerra para o canal da negociação diplomática.

Ao mesmo tempo, deve-se estar consciente de que as iniciativas desarmamentistas de Gorbatchev são apenas um aspecto da política externa da burocracia soviética e ocorrem no interior de um quadro mais amplo, onde seu caráter conciliador, contra-revolucionário, é inegável.

Testes importantes

A crítica e a discussão políticas, a elevação da consciência das mais amplas massas somente podem originar-se de uma prática política espontânea e de um aprendizado nesta base. Marx ridicularizou os que, com uma presunção prussiana, pensaram poder ensinar as pessoas a nadar sem entrar na água. Ridicularizou os "alpinistas"que tentavam preparar a escalada de um precipício com o auxílio de uma trena.

O paternalismo esclarecido de Gorbatchev enfrenta obstáculo semelhante. Da mesma forma que a ciência não pode deslanchar sem uma livre discussão, o aprendizado político das massas, para florecer, necessita de liberdade de ação. As reformas de Gorbatchev não levam em consideração estas liberdades políticas. isto significa dizer que as massas - particularmente os trabalhadores e a juventude - estão esperando uma série de provas a fim de julgar a real extensão destas reformas. Podem ser resumidas nos seguintes pontos (poder-se-ia facilmente acrescentar outros):

— Eliminação da censura. Direito de publicação de livros, panfletos, periódicos, folhetos, etc, por qualquer grupo específico de cidadãos.28 28 A questão é mais aluai que nunca. No Congresso dos jornalistas, marcado por muitos acidentes, essa questão não foi levantada. Como antes, o monopólio da doutrina oficial foi preservado.

— Revogação dos artigos do código penal que restringem a liberdade de expressão, em particular os que proibem "agitação anti-soviética"e "calúnia contra o poder soviético", dos artigos que não se referem a atividades de espionagem ou crime (terrorismo, etc), mas que institucionalizam os crimes de opinião e impedem ou obstruem o exercício de direitos democráticos pelas massas.29 29 Buriatsky, comentador político da revista Literatoumaya Gazeta e outro dos gorbatchevistas, usa a fórmula: liberdade de discussão mas não liberdade para as idéias anti-socialistas. Mas como pode ser explicado que os escritos de muitos chauvinistas grão-russos ou anti-semitas são tolerados, como os de Tseran Solodor, enquanto os artigos fortemente anticapttalistas de socialistas, comunistas e anarquistas são banidos?

— Libertação de todos os prisioneiros políticos; de todos os que estão em prisões ou campos de trabalho foiçado por crimes de opinião.

— Estabelecimento do habeas corpus. Qualquer pessoa que for presa deverá receber, em 24 horas, uma acusação formal acerca do delito que é suspeita de ter praticado, bem como terá direito a um advogado da sua escolha para defendê-la. O advogado deverá ter o direito de verificar as provas sobre as quais a acusação se baseia.

— Como proteção contra a arbitrariedade policial, qualquer preso deverá ter o direito de apelar aos sovietes locais. Os sovietes locais devem ter o direito de interrogar a pessoa presa, sem a presença da polícia. Os sovietes devem ter o direito de investigar as operações da polícia.

— A garantia do direito de qualquer grupo de cidadãos, acima de um número mínimo, não só de apresentar, às assembléias eleitorais, candidatos para as eleições dos sovietes (incluindo o Soviete Supremo) como também de disputar as eleições com candidatos que tenham obtido um mínimo de votos nestas assembléias.

— A garantia do direito destes candidatos, sem qualquer restrição política, de publicar e de defender suas plataformas, mesmo que sejam diferentes da do PCUS.

— Eleições livres para delegados sindicais e para membros dos "Conselhos dos Trabalhadores"e dos "Conselhos de Mulheres"nas empresas, com o direito de se apresentarem diversos candidatos, sem qualquer restrição. Por um período de transição, pelas razões apresentadas pelo próprio Gorbatchev, a democracia destas eleições teria de ser assegurada pelo voto secreto.

— A garantia do direito dos delegados sindicais e dos membros dos "Conselhos de Trabalhadores"eleitos de estabelecerem contato entre si, de se consultarem e de se organizarem verticalmente dentro de uma indústria, e sobretudo horizontalmente, nas localidades dos grandes centros urbanos, nas cidades, nos distritos, regiões e repúblicas. Eliminação do princípio de "centralismo democrático"dentro dos sindicatos, grupos de empresas, "Conselhos de Trabalhadores"e todas as organizações de massa.

Este princípio, mesmo na sua forma original leninista (genuinamente democrática) tem sentido apenas quando aplicado a pessoas livremente associadas na base de convicções compartilhadas e não a corporações estatais ou classistas. Neste nível, para assegurar que as massas exercerão verdadeiramente o poder, o princípio norteador deve ser o da autoridade delegada, com base num mandato que pode ser revogado pelos eleitores.

— Restabelecimento da garantia do direito de greve ou de qualquer outra forma de ação na luta pelas reivindicações dos trabalhadores.

— Controle geral dos trabalhadores sobre o conjunto das atividades econômicas, em todos os níveis de plano e sem tutela, assim como sobre os estoques e movimento (entrada e saída, transporte) de matérias-primas, uso e demanda de equipamento; sobre o cálculo dos custos atualizados da produção; sobre o estabelecimento das normas de produção e salariais; sobre as metas do programa dentro da própria empresa e das outras empresas; sobre as prioridades gerais dos planos de emprego, com direito de veto sobre dispensas e outras formas de redução de emprego, etc.

Esta é uma medida chave para aumentar a participação real dos trabalhadores na administração, e não uma mera e formal "relação pública". É um passo decisivo em direção à democracia econômica, da qual os gorbatchevistas tanto falam, e que penso ser a versão moderna da "democracia dos produtores", discutida na véspera da Revolução de Outubro.

— Eliminação das lojas especiais e dos setores reservados em hospitais, nas casas de veraneio, nos restaurantes especiais, nos estabelecimentos educacionais, etc. Controle dos trabalhadores e das associações de cidadãos para assegurar que estas medidas sejam aplicadas.

— Introdução do princípio de que nenhum funcionário público, incluindo os de alto escalão, pode receber remuneração maior (incluindo benefícios não-monetários) do que um trabalhador especializado.

Dada a íntima interligação entre o Estado e o Partido na União Soviética, a extensão de uma série de medidas da glasnost às estruturas do PCUS não reflete ilusões a respeito da natureza deste partido, mas sim uma exigência democrática elementar. Atualmente, como as únicas discussões políticas reais ocorrem no Comitê Central do PCUS, é lógico que os cidadãos críticos exijam que estes debates sejam públicos. Como Gorbatchev propõe que os membros dos comitês do partido sejam eleitos por voto secreto, é óbvio que os cidadãos queiram que essa eleições não sejam uma mera farsa mas que haja diferentes candidatos com diferentes plataformas.

Obviamente isto não diminui a importância da necessidade de um sistema pluripartidário, do direito dos camponeses e operários soviéticos de formarem livremente os partidos políticos de sua escolha.

Defender estas exigências é pedir "demais, cedo demais"? Fortalece a posição dos conservadores contra Gorbatchev? Esta é uma discussão superada. Já nas vésperas das eleições de 1848, os liberais acusavam os comunistas daqueles tempos de "entrar no jogo dos reacionários"ao colocarem suas exigências "excessivas". O verdadeiro problema é outro. Reside na natureza classista da atividade política, nos diferentes interesses sociais que devem ser expressos e interligados.

Não há democracia socialista sem mobilização de massa, sem revolução política.

Pensar que é possível realizar mudanças verdadeiramente revolucionárias na URSS de hoje, sem movimento da classe operária, é pura ilusão. Pensar que se pode mobilizar a classe operária sem apelar para seus interesses é cair no tipo mais estéril da utopia idealista e voluntarista. O principal estímulo em termos morais e materiais para os trabalhadores das sociedades pós-capitalistas consiste - conforme se aprendeu nos últimos trinta anos - em solidariedade, justiça, igualdade, poder real de decisão.

Numa palestra para um grupo de escritores a 19 de junho de 1986, Gorbatchev afirmou: "O inimigo (teria sido melhor dizer a burguesia internacional) não tem medo dos mísseis nucleares soviéticos, mas teme a ampliação da democracia na URSS". Uma URSS na qual prevalecesse uma verdadeira democracia socialista teria um poder de atração para às massas do mundo inteiro, Uma democracia que desse aos trabalhadores não só mais direitos econômicos e mais poder político, mas mais direitos e poderes do que os que possuem os trabalhadores dos países capitalistas avançados. Num só golpe, mudaria toda a situação internacional. As iniciativas de Gorbatchev, porém, não produzirão tal democracia. Esta virá da ação das massas. Mas as reformas de Gorbatchev abrem uma brecha pela qual esta ação pode passar, quando as esperanças por ele suscitadas forem frustradas.

Notas:

Tradução Breno Altman e Diana Cohen texto original: "What is the significance of Gorbatchev?"

  • 1

    Ver particularmente as observações do exilado tcheco e líder comunista Zdonek Mtynar, no jornal eurocomunista

    Socialismus, da Alemanha Ocidental, edição de abril de 1986. Por sua vez, Zhores Medvedev, num livro recente fez uma avaliação mais sóbria e pessimista

    (Gorbatchev, Basti Blackwell, Londres. 1986. Edição brasileira:

    Gorbatchev. José Otymplo, 1987), bem como Marie Lavigne, no

    Le Monde Diplomatique, edição de fevereiro de 1986.

  • 2

    Sobre os fundamentos teóricos marxistas da análise sobre a realidade soviética, ver os ensaios do autor "Bureaucratie et production marchando", na revista

    Quatrième Internationale, edição de maio de 1987, e The laws of motion of the Soviet economy", na revista

    Critique número 12 (Glasgow, 1980).

  • 3

    O professor Harley D. Balzer analisou recentemente as causas desta contradição no periódico americano

    Issues in Science and Technology. Este potencial converte-se em direção burocrática e em ditadura, não num sistema de propriedade coletiva dos meios de produção ou em planejamento econômico. No

    Sozialismusb, há uma discussão interessante sobre as causas do atraso tecnológico soviético. Ver também o ensaio de Cari Ernst Lohman,

    Argument, Sonderband AS 135, Berlim, 1985.

  • 4

    Conta-se que durante o seu famoso relatório ao XX Congresso do PCUS, Kruschev foi interrompido por uma voz que perguntou: "E onde estava você quando todos esses crimes foram cometidos?"Reagiu ameaçadoramente; "Quem perguntou?". Fez-se um silencio mortal. E ele emendou: "Agora vocês entendem porque permaneci calado". Nada parecido com isso aconteceu quando Gorbatchev denunciou as medidas da era stallnista. A atmosfera mudou.

  • 5

    A economista Tatiana Zasiavskaia e o filósofo Boutenko foram repreendidos pela sua audácia. O escritor Yevtushenko foi censurado no

    Literatoomaya Gazeta pelo seu ataque à censura, baseando-se num dos mais antigos escritos de Marx. E não passaram de críticas muito brandas.

  • 6

    Isso foi particularmente expresso pela revista

    EKO, publicada em Novosibirsk. Sobre o famoso "Relatório Novosibirsk", ver, o artigo de Marina Bak na

    International Viewpoint número 73,1985.

  • 7

    Sobre a evolução demográfica da União Soviética e suas conseqüências sobre a relação entre as nacionalidades, ver

    L 'Empire Edatée, de Hélene Carrere d'Encausses, Paris, Flammarton, 1978.

  • 8

    O discurso de Zalyngin foi reproduzido na

    Rouge de 17 de fevereiro de 1986. Outro ativista ecológico soviético. Komariv, foi debatido em L´

    Altemative número 25, de janeiro-fevereiro de 1984.

  • 9

    Ver, na

    Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, números 4-5, abril/maio de 1986), a reprodução de um artigo do número 13, de 27 de março de 1986, da

    Literaturta Ukraina (Klev), escrito um mês antes do acidente.

  • 10

    Reproduzido em 1980 pelas

    Editions des Femmes, número 22. Ver o artigo de Jaqueline Heine intitulado "Work like a man and also like a woman", na revista

    International Viewpoint número 115, de 9 de março de 1987.

  • 11

    Duas significativas expressões de V.T. Kzyma, o chefe do Departamento de Construções em Chernobyt: "É muito difícil, e algumas vezes simplesmente impossível, demitir um trabalhador, mesmo quando ele é preguiçoso... Atualmente, é difícil forçar os trabalhadores a fazer mesmo uma única hora a mais, para não falar em turno extra".

    Vitchyzna número 3,1986, revista ucraniana registrada na

    Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, número 4-5. abril/maio 1986).

  • 12

    É difícil comparar o padrão de vida de um trabalhador soviético com o de um trabalhador da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos , dada a grande diferença na estrutura de preços e de poder aquisitivo. Para pagar a mesma cesta semanal de bens básicos, mais um quarto do aluguel mensal de 1/250 do custo de uma televisão (valor venal de cinco anos atrás), é necessário o equivalente a 41 horas de trabalho em Moscou, 28 em Washington, 27 em Paris e 24 em Londres, de acordo com os dados de 1979, fornecidos por Keith Bush na obra

    The Soviet Worker, de Leonard Shapiro e Joseph Gordon, London MacMillan, 1981. É óbvia a vagueza dessa comparação.

  • 13

    Ver o livro

    Whistleblowing in the Soviet Union, MacMillan. Londres. 1985.

  • 14

    Zhores Medvedev, op. cit., páginas 11.184.

  • 15

    O diretor-geral do Ministério da Saúde da Hungria, dr. Imre Ocry, reconhece que esse país tem a mais baixa expectativa de vida masculina em toda a Europa. 65,5 anos. Na Polónia, caiu de 67,3 anos em 1973 para 66,8 anos em 1984; na Romênia, de 67,4 anos para 66,9 anos em 1984, sempre de acordo com fontes oficiais (

    Financial Times, 17 de outubro de 1986).

  • 16

    Diz respeito a um número limitado de ramos e empresas, onde os gerentes têm amplos poderes para decidir sobre preços e sobre produção.

    Os maus resultados dessa reforma foram apontados por Aganbegian na revista

    EKO número 6, 1986.

  • 17

    No seu interessante trabalho

    Travail et TravaiHeurs en URSS, Editlons La Decouverte, Paris, 1984, Jacques Sapir mostra que, sob Andropov, houve uma tentativa de restringir o abstencionismo - que é parcialmente causado pelo banditismo e ampliado pelo alcoolismo, cujas proporções são cada vez maiores -, "mandando a milícia, no começo de 1983, vigiar o povo nos cafés, cinemas, teatros, para ver se lá havia trabalhadores faltosos. Mas a maneira pela qual a campanha foi desenvolvida também mostra os limites do seu alcance. Não se pode colocar um policial atrás de cada um dos 128 milhões de trabalhadores".

  • 18

    O "Relatório Novosibirsk"mencionou explicitamente os interesses contraditórios de diferentes camadas sociais como uma das causas da demora na implementação de uma reforma radical na União Soviética. O próprio Gorbatchev fez alusão ao mesmo fenômeno, ainda que em termos mais brandos. Sobre o debate na União Soviética sobre a existência de tais contradições, ver o artigo já citado de Marina Bek na revista

    International Viewpoint número 73.

  • 19

    Sobre o risco do ressurgimento do desemprego na União Soviética, ver

    Der Spiegel, edição de 3 de fevereiro de 1986, que fornece particularmente os cálculos do professor V. Kostokov, especialista da Gosplan que estima perdas de emprego na ordem de 13-19 milhões. A imprensa soviética apresentou recentemente o dado de que há 100.000 desempregados na URSS do Azerbaijão. A 26 de março de 1987, a Tass informou a primeira falência de uma empresa soviética, uma firma de construção sediada em Leningrado e que empregava 2.000 pessoas.

  • 20

    Gorbatchev prometeu elevar os salários dos engenheiros e técnicos, bem como aumentar as bonificações.

  • 21

    Essa informação é de um artigo publicado no

    Neve Zurcher Zeitung, de 6 de abril de 1987.

  • 22

    Ver os depoimentos dos trabalhadores de Kamaz, relatados numa entrevista do dissidente "oficial"Roy Medvedev na revista

    Business Week{2 de fevereiro de 1987).

  • 23

    Uma análise bastante convincente dessa resistência pode ser lida no

    Die ZeH de 10 de abril de 1987. Ver também

    The Economist 4-II de abril de 1987. Essa mesma revista informou, depois que vinte das intervenções no plano do Comité Central de janeiro de 1987 foram abertamente críticas à glasnost, acusando-a de minar as bases da autoridade do partido.

  • 24

    V. Koudryavtsev e J. Luchakova: "As tarefas das ciências depois do XXVII Congresso do PCUS", na

    Kommunist número 9, 1986.

  • 25

    De acordo com o artigo de Maria Huber Chrietian Schmidt Hauer, publicado no

    Die Zeit de 10 de abril de 1987, os generais Lyutchev e Lisitchev estão entre os mais importantes seguidores de Gorbatchev.

  • 26

    Ver, por exemplo,

    The Economist 18 de abril de 1987.

  • 27

    Ver também, no mesmo veículo, a biografia de Mikhail Gorbatchev, de autoria de Huber Schmidt Hauer, Piper Veriag, Munique, 1987.

  • 28

    A questão é mais aluai que nunca. No Congresso dos jornalistas, marcado por muitos acidentes, essa questão não foi levantada. Como antes, o monopólio da doutrina oficial foi preservado.

  • 29

    Buriatsky, comentador político da revista

    Literatoumaya Gazeta e outro dos gorbatchevistas, usa a fórmula: liberdade de discussão mas não liberdade para

    as idéias anti-socialistas. Mas como pode ser explicado que os escritos de muitos chauvinistas grão-russos ou anti-semitas são tolerados, como os de Tseran Solodor, enquanto os artigos fortemente anticapttalistas de socialistas, comunistas e anarquistas são banidos?

  • 1 Ver particularmente as observações do exilado tcheco e líder comunista Zdonek Mtynar, no jornal eurocomunista Socialismus, da Alemanha Ocidental, edição de abril de 1986. Por sua vez, Zhores Medvedev, num livro recente fez uma avaliação mais sóbria e pessimista (Gorbatchev, Basti Blackwell, Londres. 1986. Edição brasileira: Gorbatchev. José Otymplo, 1987), bem como Marie Lavigne, no Le Monde Diplomatique, edição de fevereiro de 1986. 2 Sobre os fundamentos teóricos marxistas da análise sobre a realidade soviética, ver os ensaios do autor "Bureaucratie et production marchando", na revista Quatrième Internationale, edição de maio de 1987, e The laws of motion of the Soviet economy", na revista Critique número 12 (Glasgow, 1980). 3 O professor Harley D. Balzer analisou recentemente as causas desta contradição no periódico americano Issues in Science and Technology. Este potencial converte-se em direção burocrática e em ditadura, não num sistema de propriedade coletiva dos meios de produção ou em planejamento econômico. No Sozialismusb, há uma discussão interessante sobre as causas do atraso tecnológico soviético. Ver também o ensaio de Cari Ernst Lohman, Argument, Sonderband AS 135, Berlim, 1985. 4 Conta-se que durante o seu famoso relatório ao XX Congresso do PCUS, Kruschev foi interrompido por uma voz que perguntou: "E onde estava você quando todos esses crimes foram cometidos?"Reagiu ameaçadoramente; "Quem perguntou?". Fez-se um silencio mortal. E ele emendou: "Agora vocês entendem porque permaneci calado". Nada parecido com isso aconteceu quando Gorbatchev denunciou as medidas da era stallnista. A atmosfera mudou. 5 A economista Tatiana Zasiavskaia e o filósofo Boutenko foram repreendidos pela sua audácia. O escritor Yevtushenko foi censurado no Literatoomaya Gazeta pelo seu ataque à censura, baseando-se num dos mais antigos escritos de Marx. E não passaram de críticas muito brandas. 6 Isso foi particularmente expresso pela revista EKO, publicada em Novosibirsk. Sobre o famoso "Relatório Novosibirsk", ver, o artigo de Marina Bak na International Viewpoint número 73,1985. 7 Sobre a evolução demográfica da União Soviética e suas conseqüências sobre a relação entre as nacionalidades, ver L 'Empire Edatée, de Hélene Carrere d'Encausses, Paris, Flammarton, 1978. 8 O discurso de Zalyngin foi reproduzido na Rouge de 17 de fevereiro de 1986. Outro ativista ecológico soviético. Komariv, foi debatido em L´ Altemative número 25, de janeiro-fevereiro de 1984. 9 Ver, na Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, números 4-5, abril/maio de 1986), a reprodução de um artigo do número 13, de 27 de março de 1986, da Literaturta Ukraina (Klev), escrito um mês antes do acidente. 10 Reproduzido em 1980 pelas Editions des Femmes, número 22. Ver o artigo de Jaqueline Heine intitulado "Work like a man and also like a woman", na revista International Viewpoint número 115, de 9 de março de 1987. 11 Duas significativas expressões de V.T. Kzyma, o chefe do Departamento de Construções em Chernobyt: "É muito difícil, e algumas vezes simplesmente impossível, demitir um trabalhador, mesmo quando ele é preguiçoso... Atualmente, é difícil forçar os trabalhadores a fazer mesmo uma única hora a mais, para não falar em turno extra". Vitchyzna número 3,1986, revista ucraniana registrada na Revista das Nacionalidades Soviéticas (volume III, número 4-5. abril/maio 1986). 12 É difícil comparar o padrão de vida de um trabalhador soviético com o de um trabalhador da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos , dada a grande diferença na estrutura de preços e de poder aquisitivo. Para pagar a mesma cesta semanal de bens básicos, mais um quarto do aluguel mensal de 1/250 do custo de uma televisão (valor venal de cinco anos atrás), é necessário o equivalente a 41 horas de trabalho em Moscou, 28 em Washington, 27 em Paris e 24 em Londres, de acordo com os dados de 1979, fornecidos por Keith Bush na obra The Soviet Worker, de Leonard Shapiro e Joseph Gordon, London MacMillan, 1981. É óbvia a vagueza dessa comparação. 13 Ver o livro Whistleblowing in the Soviet Union, MacMillan. Londres. 1985. 14 Zhores Medvedev, op. cit., páginas 11.184. 15 O diretor-geral do Ministério da Saúde da Hungria, dr. Imre Ocry, reconhece que esse país tem a mais baixa expectativa de vida masculina em toda a Europa. 65,5 anos. Na Polónia, caiu de 67,3 anos em 1973 para 66,8 anos em 1984; na Romênia, de 67,4 anos para 66,9 anos em 1984, sempre de acordo com fontes oficiais ( Financial Times, 17 de outubro de 1986). 16 Diz respeito a um número limitado de ramos e empresas, onde os gerentes têm amplos poderes para decidir sobre preços e sobre produção. Os maus resultados dessa reforma foram apontados por Aganbegian na revista EKO número 6, 1986. 17 No seu interessante trabalho Travail et TravaiHeurs en URSS, Editlons La Decouverte, Paris, 1984, Jacques Sapir mostra que, sob Andropov, houve uma tentativa de restringir o abstencionismo - que é parcialmente causado pelo banditismo e ampliado pelo alcoolismo, cujas proporções são cada vez maiores -, "mandando a milícia, no começo de 1983, vigiar o povo nos cafés, cinemas, teatros, para ver se lá havia trabalhadores faltosos. Mas a maneira pela qual a campanha foi desenvolvida também mostra os limites do seu alcance. Não se pode colocar um policial atrás de cada um dos 128 milhões de trabalhadores". 18 O "Relatório Novosibirsk"mencionou explicitamente os interesses contraditórios de diferentes camadas sociais como uma das causas da demora na implementação de uma reforma radical na União Soviética. O próprio Gorbatchev fez alusão ao mesmo fenômeno, ainda que em termos mais brandos. Sobre o debate na União Soviética sobre a existência de tais contradições, ver o artigo já citado de Marina Bek na revista International Viewpoint número 73. 19 Sobre o risco do ressurgimento do desemprego na União Soviética, ver Der Spiegel, edição de 3 de fevereiro de 1986, que fornece particularmente os cálculos do professor V. Kostokov, especialista da Gosplan que estima perdas de emprego na ordem de 13-19 milhões. A imprensa soviética apresentou recentemente o dado de que há 100.000 desempregados na URSS do Azerbaijão. A 26 de março de 1987, a Tass informou a primeira falência de uma empresa soviética, uma firma de construção sediada em Leningrado e que empregava 2.000 pessoas. 20 Gorbatchev prometeu elevar os salários dos engenheiros e técnicos, bem como aumentar as bonificações. 21 Essa informação é de um artigo publicado no Neve Zurcher Zeitung, de 6 de abril de 1987. 22 Ver os depoimentos dos trabalhadores de Kamaz, relatados numa entrevista do dissidente "oficial"Roy Medvedev na revista Business Week{2 de fevereiro de 1987). 23 Uma análise bastante convincente dessa resistência pode ser lida no Die ZeH de 10 de abril de 1987. Ver também The Economist 4-II de abril de 1987. Essa mesma revista informou, depois que vinte das intervenções no plano do Comité Central de janeiro de 1987 foram abertamente críticas à glasnost, acusando-a de minar as bases da autoridade do partido. 24 V. Koudryavtsev e J. Luchakova: "As tarefas das ciências depois do XXVII Congresso do PCUS", na Kommunist número 9, 1986. 25 De acordo com o artigo de Maria Huber Chrietian Schmidt Hauer, publicado no Die Zeit de 10 de abril de 1987, os generais Lyutchev e Lisitchev estão entre os mais importantes seguidores de Gorbatchev. 26 Ver, por exemplo, The Economist 18 de abril de 1987. 27 Ver também, no mesmo veículo, a biografia de Mikhail Gorbatchev, de autoria de Huber Schmidt Hauer, Piper Veriag, Munique, 1987. 28 A questão é mais aluai que nunca. No Congresso dos jornalistas, marcado por muitos acidentes, essa questão não foi levantada. Como antes, o monopólio da doutrina oficial foi preservado. 29 Buriatsky, comentador político da revista Literatoumaya Gazeta e outro dos gorbatchevistas, usa a fórmula: liberdade de discussão mas não liberdade para as idéias anti-socialistas. Mas como pode ser explicado que os escritos de muitos chauvinistas grão-russos ou anti-semitas são tolerados, como os de Tseran Solodor, enquanto os artigos fortemente anticapttalistas de socialistas, comunistas e anarquistas são banidos?

    Que fatores abalaram seriamente a economia soviética?

    Houve aumento de preços, racionamento, filas intermináveis para obter produtos. Tudo isso gerou frustração cada vez maior com a administração de Gorbachev. O líder também enfrentou enorme oposição das alas mais conservadoras do Partido Comunista, que em 1991 articularam um golpe para tentar derrubá-lo.

    Quais foram as principais causas da crise da União Soviética?

    O fim da União Soviética foi resultado da má administração do país por seus governos autoritários e corruptos. Ao final da década de 1970, a crise econômica que se instalou nela levou o país à crise política até a sua dissolução, com a renúncia de Gorbachev, em dezembro de 1991.

    Quais foram os sinais de esgotamento da economia soviética a partir de 1970?

    A década de 1970 demonstrou ao mundo que a União Soviética já não era mais a grande rival dos Estados Unidos, sua capacidade já havia sido reduzida consideravelmente. Os sinais de esgotamento econômico começaram a aparecer e isso se tornou evidente com a divulgação de problemas graves, como a falta de alimentos.

    Como a crise se relacionou com a União Soviética?

    Na política mundial, a URSS mostrava seu poderio militar e a capacidade de influência ideológica, opondo-se aos EUA onde quer que a Guerra Fria assim demandasse. Dessa forma, assiste-se à Guerra da Coréia, à Crise dos Mísseis em Cuba, à construção do muro de Berlim e ao recrudescimento do conflito do Vietnã.