Qual a influência da Teoria do Labelling Approach no pensamento jurídico brasileiro?

O abuso do cárcere é determinante para a reincidência, sendo a prisionização um dos seus efeitos mais nefastos, pois “destreina” o apenado ao convívio em liberdade, agravando sua exclusão. Utiliza-se o conceito de rotulação (Labeling Theory, de Howard Becker), para averiguar como a prisão age sobre a visão que a sociedade tem do internado e a percepção que este tem de si mesmo.

RESUMO

O presente estudo objetiva erigir, a partir de uma problematização em torno do crescimento assustador da criminalidade no Brasil, uma perspectiva à luz da teoria do labelling approach no que toca às causas desse aumento na prática de crimes, bem como revelar as dificuldades enfrentadas por aqueles que são alcançados pelo “etiquetamento”, pois, enquanto estes sofrem uma rotulação por parte do sistema e da própria sociedade, por outro lado, muitos outros cometem crimes com efeitos muito maiores, mas nada sofrem nem são atingidos por quaisquer “rótulos”. Por conseguinte, as consequências dessa “rotulação” na recuperação dos “apenados rotulados” é que, inevitavelmente, voltarão a cometer crimes, uma vez que, desde o primeiro delito praticado por eles, o rótulo de criminoso já fora associado a cada um deles. É nesse passo que o presente trabalho caminha, vale dizer, na busca da realidade sobre o sistema punitivo brasileiro; se de fato existe, ou não, um sistema repressor que, ao mesmo tempo em que pune aqueles que cometeram delitos, também os rotula, ao passo que nada faz em relação a outros que, muitas vezes, cometem crimes muito mais graves; ou se as próprias normas incriminadoras já nascem eivadas da discriminação gerada pela rotulação. Assim, o presente artigo usa do método revisão bibliográfica integrativa, para trazer à baila as reflexões e conclusões já disponíveis no acervo científico nacional acerca do presente tema, com vistas a fornecer material de qualidade, imparcial e fundamentado no tocante à rotulação supostamente existente na criação das normas penais brasileiras, bem como na aplicação destas pelos agentes públicos de controle e na reação da sociedade em relação ao delinquente. Destarte, a relevância do tema em questão é imensurável, porquanto busca saber o porquê de alguns delinquentes serem rotulados como criminosos e outros, não, gerando um direito penal seletivo e discriminador. Por fim, mas não menos importante, a ausência do Estado na ressocialização do apenado, à luz da teoria do labelling approach, também é causa tanto do aumento da criminalidade como da reincidência na prática de crimes e, deste modo, o Estado estaria criando as leis para ele mesmo não cumpri-las.

Palavras-chaves: Teoria da Rotulação. Ressocialização do apenado. Labelling Approach.

ABSTRACT

The present study aims to raise, from a problematization around the frightening growth of criminality in Brazil, a perspective in the light of the theory of the "labeling approach" in the causes of this increase in the practice of crimes, as well as to reveal the difficulties faced by those who are reached by "labeling", since while they suffer from labeling by the system and society itself, on the other hand, many  others commit crimes with much higher effects, but suffer no consequences and are not affected by any "labels". Consequently, the consequences of this "labeling" on the recovery of the "labeled offenders" are that, inevitably, they will start committing crimes again since, since their first offense, the criminal label has already been associated with each of them. It is in this step that the present work goes, that is, the pursuit of reality about Brazilian punitive system; whether there is, or not, a repressive system that, while punishing those who have committed crimes, also labels them, whereas it does nothing against others who often commit much more serious crimes; or whether the incriminating norms themselves are already born tainted out of the discrimination created by the labeling. Thus, the present article uses the method of integrative bibliographic review to bring to light the reflections and conclusions already available in the national scientific collection on the present theme, in order to provide quality, impartial and reasoned material regarding the supposedly existent labeling in the creation of Brazilian criminal norms, as well as in their application by public control agents and in society's reaction to the offender. Thus, the relevance of the subject in question is immeasurable, because it seeks to know why some offenders are labeled as criminals and others, not generating a selective and discriminatory criminal law. Last but not least, the absence of the State in the resocialization of the distressed, in the light of the theory of the labeling approach, is also a cause of both increased crime and recidivism in criminality, and thus the State would be creating the laws to itself not to fulfill them.

Keywords: Theory of Labeling. resocialization of the distressed. Labeling Approach.

INTRODUÇÃO

A teoria do Labelling Approach, também chamada de “teoria da rotulação”, está intimamente ligada ao direito penal, uma vez que, com o crescimento exponencial da criminalidade, surge a necessidade de se repensar sobre os meios adotados quando da elaboração das leis penais, quer dizer, no momento em que são eleitas certas condutas como sendo contrárias à paz social. Nesse sentido, não obstante a lei penal seja dirigida a todos aqueles que se desviam da conduta social exigida, fato é que somente alguns são alcançados pela lei repressora, o que configura, para a teoria em estudo, uma rotulação em face de alguns indivíduos.

Nessa linha de raciocínio, faz-se indispensável uma maior atenção do Poder Público, da comunidade jurídica e da sociedade como um todo, seja em relação à identificação de meios eficazes no combate ao crime, seja no desenvolvimento de ideias que possam nortear políticas públicas direcionadas à ressocialização dos apenados e à aplicabilidade dos requisitos impostos pela lei aos sistemas prisionais, para que haja o devido suprimento das necessidades diárias dos agentes de segurança e dos próprios condenados, bem assim repelir qualquer tipo de rotulagem, tanto no momento da elaboração dos tipos penais como na execução da pena, assim como no retorno do apenado ao convívio social.

Isso porque a teoria do labelling approach busca explicar certos fatores inerentes à seleção das condutas consideradas típicas e, principalmente, o porquê de alguns delinquentes serem rotulados como criminosos e outros, não, dando azo a um direito penal seletivo e discriminador.

Não menos importante, torna-se forçoso instituir políticas de enfrentamento às condutas de rotulação, pois se o Estado tem o Poder-Dever de punir, que o faça bem feito, porquanto não se pode conceber um sistema repressor de apenas alguns criminosos em detrimento de outros. Ora, se não há equidade no tratamento dos indivíduos em geral, tampouco haverá em relação aos apenados, o que, para além de outras consequências, influirá diretamente na vida profissional dos advogados criminalistas, dificultando o exercício de uma profissão essencial ao perfeito funcionamento da justiça.

Assim, restam algumas dúvidas no que tange à eficácia do sistema penal brasileiro: o Direito Penal pune a todos que cometem crimes? As condutas tidas como desviantes também alcançam os mais favorecidos economicamente? A sociedade contribui para a ressocialização daqueles que já cumpriram suas penas? – são perguntas indispensáveis à identificação da (in)eficácia na aplicabilidade leis penais.

Portanto, necessário tecermos algumas considerações acerca das condutas consideradas desviantes, notadamente no que se refere ao alcance das normas penais quando de sua aplicação e a influência da sociedade e do Estado na formação e continuidade do instinto criminoso no indivíduo, sempre à luz da teoria do labelling approach. Segundo a teoria em comento, muitas são as dificuldades enfrentadas por aqueles que são alcançados pelo etiquetamento, já que, enquanto que estes sofrem uma rotulação por parte do sistema e da própria sociedade, outros cometem crimes com efeitos muito maiores, mas não sofrem as consequências legais dos seus atos, tampouco são atingidos por algum rótulo.

Avançando, as consequências dessa rotulação na recuperação dos apenados rotulados é que, inevitavelmente, voltarão a cometer novos crimes, uma vez que, desde o primeiro delito praticado por eles, o rótulo de criminoso já fora associado a cada um deles (estigmatização). Nesse sentido, indispensável buscar-se a realidade sobre o sistema punitivo brasileiro: se de fato existe, ou não, um sistema repressor que, ao mesmo tempo em que pune um indivíduo que cometeu algum delito, também o rotula, ao passo que nada faz em relação a outros que cometem crimes muito mais graves. Nessa perspectiva, observa-se que as próprias normas incriminadoras já nascem eivadas da discriminação suscitada pela rotulação.

Não menos importante, a ausência do Estado na ressocialização do apenado, à luz da teoria do labelling approach, também é causa tanto do aumento da criminalidade como da reincidência na prática de crimes e, deste modo, o Estado estaria criando as leis para ele mesmo descumpri-las.

2. SURGIMENTO DA TEORIA DO LABELLING APPROACH

Também chamada de teoria da rotulação, teoria do etiquetamento ou teoria da reação social, a teoria do Labelling Approach nasceu na década de sessenta, nos Estados Unidos, tendo como principais expoentes Howard Becker e Erving Goffman, idealizada pelos integrantes da Nova Escola de Chicago.

Consoante as lições de SHECAIRA (2004, p. 371-374), “A Teoria do Labelling Approach surge após a 2.ª Guerra Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na reivindicação pelos direitos civis”.

Desse modo, após o seu nascimento na criminologia, a teoria da rotulação passou por estágios que trouxeram uma nova forma de se estudar as causas da criminalidade.

2.1.Desenvolvimento de uma nova visão criminológica

Destarte, a criminologia iniciou uma nova abordagem, rompendo com o antigo paradigma etiológico, que analisava o criminoso segundo suas características individuais, anatômicas, a exemplo das teses sustentadas por Lombroso, que, após examinar o crânio de um suposto delinquente conhecido, em sua obra “O homem delinquente”, traçou a fisionomia daqueles que para ele possuíam as características físicas de um delinquente: “A fisionomia dos famosos delinquentes reproduziria quase todos os caracteres do homem criminoso: mandíbulas volumosas, assimetria facial, orelhas desiguais, falta de barba nos homens, fisionomia viril nas mulheres, ângulo facial baixo. Em nossas tabelas fotolitográficas do álbum germânico observa-se-á que 4 entre 6 dos dementes morais tem verdadeiro tipo criminal. Menores são talvez as anomalias no crânio e na fisionomia dos idiotas, em confronto com os criminosos, o que se explicaria pelo maior número de dementes morais, ao menos no manicômio, surgido na idade tardia, motivada por tifo, etc. para estes, a fisionomia não teve tempo para tomar feição sinistramente, como nos réus natos. Eles frequentemente acompanham essas deformidades que são próprias nas paradas de desenvolvimento, ou da degeneração”.2

Para Lombroso, outro traço que serve para identificar facilmente um delinquente é a presença de tatuagens no corpo, pois após realizar comparações de certos tipos de criminosos com os desenhos contidos no seu corpo, aduz que “o estudo minucioso dos vários desenhos adotados pelos delinquentes demonstra como algumas vezes assumem não só especial frequência, mas um cunho todo particular, criminal” (2010, p. 33).

Tais pensamentos, no meado do século XX, sofreram uma série de críticas, sendo apresentados diversos pontos onde as suas teses não se encontravam, ficando, em verdade, nítida a sua proteção às classes dominantes, já que estas dificilmente tinham seus representantes encaixados no perfil de criminoso ou eram incursos em tipos penais (PEREIRA, 2018).

Desse modo, na metade do século XX surgem novos paradigmas de estudo decorrentes das mudanças sociocriminais sofridas pelo Direito Penal, tendo como objeto de estudo o próprio sistema penal e o fenômeno de controle.

Por conseguinte, em meados da década de 50 do século passado, nos Estados Unidos e na Europa, nasce a teoria do conflito, em posição antagônica às teorias anteriores.

3. A AUSÊNCIA DO ESTADO: A CRIAÇÃO DO DELINQUENTE

É nesse tempo que surge a teoria do Labelling Approach, que, entre outras coisas, atribui à intervenção do aparelho estatal repressivo o desenvolvimento do instinto criminoso no indivíduo, o qual, após sofrer a estigmatização por parte da repressão institucionalizada, inicia uma carreira criminosa.

Sendo assim, para a teoria em estudo, a interferência do Estado é apta a intensificar a criminalidade, e não a contê-la, uma vez que estigmatiza o indivíduo.

Ademais, não se deve olvidar da influência de determinadas classes dominantes na escolha das condutas consideradas desviantes, bem como na elaboração das leis penais e na sua aplicação.

     Para Molina e Gomes (2002, p. 575), em relação ao novo paradigma da reação social em detrimento do outro parâmetro até então estudado na história criminológica: “As teorias do etiquetamento ou reação social (labeling approuch) tem refutado, antes de tudo, a vigência do princípio da “igualdade”, ao pôr de manifesto que a desviação e a criminalidade não são entidades antológicas pré-constituídas – qualidades negativas da ação criminal em si, inerentes à mesma ,senão etiquetas que determinados processos de definição e seleção, altamente discriminatório, por certo, colocam em certos sujeitos, de forma muito desigual e por meio de complexos mecanismos de interação, que seguem os mesmos critérios de distribuição dos restantes bens sociais positivos: o “papel”, o “status”; e sem que o concreto comportamento do estigmatizado explique o desencadeamento daqueles processos, nem mereça a etiqueta recebida”.

Nessa linha, podemos concluir que o indivíduo é considerado criminoso não pelo ato que cometeu, mas, isto sim, pela intolerância do grupo no qual está inserido, isto é, pelo “rótulo”, “etiqueta” ou “estigma”, podendo inclusive ser excluído da sociedade onde vive, e, além disso, após ser rotulado a ressocialização de tal indivíduo será quase impossível.

Desta feita, há uma espécie de identificação deste sujeito naquele meio em que se encontra inserido, mas que de alguma forma chama atenção por um suposto comportamento que aquele grupo social já taxou como desviante. Assim, o direito penal, em verdade, estaria preparado para operar em direção a estas pessoas, atribuindo-lhes “rótulos” eivados de estigmatização já solidificada na sociedade (PEREIRA, 2018).

Conforme já dito anteriormente, à luz da teoria do labeling approach o crime é definido não pela conduta do agente, mas sim pelo que as instâncias de controle consideram como tal.

Ou seja, não é a negatividade da conduta do agente que o classifica como criminoso, mas sim determinados procedimentos e mecanismos sociais de definição e seleção, visto que para a sociedade delinquente é aquele preenche certos requisitos preelaborados, e não aquele que tão somente infringe a lei. Os efeitos dessa estigmatização são constantes no sistema penal do Brasil, uma vez que nos presídios brasileiros a maioria da população carcerária é composta de pobres, negros, semi-anafalbetos ou completamente analfabetos.

Assim, o criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que recebe. Por isso, o tema central desse enfoque é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de criminoso. A sociedade define o que entende por “conduta desviante”, isto é, todo comportamento considerado perigoso, constrangedor, impondo sanções àqueles que se comportarem dessa forma. Destarte, condutas desviantes são aquelas que as pessoas de uma sociedade rotulam às outras que as praticam (SAMPAIO, 2012, p. 93).

Nessa linha de raciocínio, para a teoria em estudo a materialização do rótulo dá-se por meio dos antecedentes criminais, folha corrida criminal, jornais sensacionalistas etc., o que vem a causar uma expectativa na sociedade de que a conduta antissocial será praticada pelo sujeito etiquetado, fato que eternizará o comportamento delinquente e aproximará os indivíduos rotulados uns dos outros. Destarte, a seletividade do Direito Penal seria inquestionável, ou seja, as instâncias de controle determinam quem e o que será, ou não, penalizado – favorecendo apenas uma parcela da sociedade.

Nessa dinâmica, a prática de um ato ilegal não é o bastante para que haja o processo de criminalização. Torna-se necessária uma reação social. Burlar as leis, por si só, não redunda na rotulação de uma pessoa como criminoso, sendo necessário que o agente desviante sofra atuação das instâncias oficiais e que seja selecionado a incorporar o grupo dos sujeitos tidos como criminosos dentro da sociedade (SILVA, K. Y. V., 2018).

Ademais, “pesquisas empíricas têm colocado em relevo as diferenças de atitude emotiva e valorativa dos juízes, em face de indivíduos pertencentes a diversas classes sociais. Isto leva os juízes, inconscientemente, a tendências de juízos diversificados conforme a posição social dos acusados, e relacionados tanto à apreciação do elemento subjetivo do delito (dolo, culpa) quanto ao caráter sintomático do delito em face da personalidade (prognose sobre a conduta futura do acusado) e, pois, à individualização da pena destes pontos de vista. A distribuição das definições criminais se ressente, por isso, de modo particular, da diferenciação social. Em geral, pode-se afirmar que existe uma tendência por parte dos juízes de esperar um comportamento conforme a lei dos indivíduos pertencentes aos estratos médios e superiores; o inverso ocorre com os indivíduos provenientes dos estratos inferiores” (BARATTA, 2002, p. 177).

Por outro lado, não se deve fechar os olhos para o fato de que às organizações criminosas, por exemplo, não se pode usar como motivo determinante de seu surgimento a teoria do labelling approach. Ora, como atribuir à teoria da rotulação o nascimento de uma grande organização criminosa que mais se parece com uma empresa multinacional? Poder-se-ia dizer que tal organização criminosa seria fruto de uma rotulação? Estamos com Nestor Sampaio (2010, p. 94), quando diz: “Existe uma tendência garantista, de não prisionização, de progressão dos regimes de pena, de abolitio criminis etc. O problema criminal brasileiro ultrapassa a ridícula dicotomia de esquerda ou direita na política penal. É uma falácia pensar na criminalidade atual como subproduto de uma rotulação policial ou judicial”.

Na visão do renomado autor, não há falar em rotulação policial ou judicial como o fator preponderante do aumento da criminalidade atual, ou seja, nem a própria teoria em estudo escapa às exceções.

3.1.O Estado como corresponsável pela formação do instinto criminoso

O Estado, por meio de sua função legislativa, cria tipos penais incriminadores, ou seja, seleciona determinadas condutas tidas como desviantes (em detrimento de outras), para depois criar e introduzir as novas normas penais no ordenamento jurídico (criminalização primária). Outrossim, o mesmo Estado que cria as normas penais também detém o poder de punir o autor do comportamento desviante, fazendo-o por meio dos seus agentes públicos de controle, a saber, a polícia, o Ministério Público, os juízes etc. (criminalização secundária).

Conforme ensina Alessando Baratta (2002), “Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não pode compreender a criminologia se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinquência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como ‘delinquente’”.

Se propondo a estudar o comportamento dito “desviante”, a teoria do labelling approach, assevera que o direito penal e a definição de criminoso e criminalidade é um “jogo” de cartas marcadas, voltado para determinados indivíduos que são “carimbados”, em que, pelo seu comportamento que vem a figurar como um desvio àquela estrutura social culmina em uma reação, de modo que tal atitude representaria uma oposição ao que se espera do comportamento “normal” daquele grupo, predeterminado por suas próprias estruturas e guiado por suas próprias convicções (PEREIRA, 2018).

Com efeito, a prisão daqueles que gozam de certo “status social de destaque”, torna-se algo quase impossível, uma vez que, geralmente, o que se vê é um verdadeiro “filme hollywoodiano”.

Exemplificando, cita-se o caso envovendo a prisão do ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva, visto que, caso não fosse um ex-presidente que estivesse escondido na sede de um Sindicato para não ser preso, sem dúvida alguma, a polícia teria invadido o lugar em muito pouco tempo, já que não seria alguém com condição privilegiada na sociedade.3

Nesse sentido, consoante o labelling approach as pessoas menos favorecidas estariam mais vulneráveis a suportar um etiquetamento por parte das instâncias de controle e da sociedade, bem como a sofrer os rigores do sistema penal e prisional brasileiro. Por conseguinte, o rótulo de criminoso já teria sido empregado.

Para o Estado é bem mais fácil criar meios de punição do que formas de ressocialização do apenado ou até mesmo de prevenção de crimes. Nesse passo, percebe-se que os presídios brasileiros estão abarrotados de presos (na maioria, de pobres, pretos etc.) e o governo muitas vezes procura jogar a poeira para debaixo do tapete, tentando justificar o aumento da criminalidade pela ausência de novos presídios. O desvio primário é consequência de uma série de fatores sócioeconômico culturais e psicológicos, enquanto que os desvios subsequentes são resultados de um etiquetamento que é atribuído ao indivíduo pela sociedade e tem como finalidade a estigmatização, pois trata-se de um sistema desigual de atribuições de estereótipos.

Isso ocorre porque a intervenção do sistema penal, nas penas detentivas, ao invés de reeducar para o convívio na sociedade acaba por consolidar uma identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira carreira criminal (NOBREGA, 2009).

Não se pode olvidar que o encarceramento não serve só para punir os que praticam determinadas condutas, mas também, e, principalmente, para a ressocialização daqueles que desejam mudar de vida, afinal de contas, a pena tem a função de reprimir e prevenir a prática de crimes, o que não se atinge sem a ressocialização do apenado, tampouco com a rotulação em detrimento de alguns indivíduos escolhidos por um sistema penal seletivo e o preconceito em face do egresso.

Não se trata de construir novos estabelecimentos prisionais, porquanto o problema do aumento da criminalidade não repousa nisso, mas sim na ausência de um Estado que cumpra de forma efetiva com as garandias fundamentais inerentes a todos. É que, atualmente, o Poder estatal mostra-se paradoxalmente punitivista (para a maioria das pessoas) e garantista (em favor da elite), isto é, cria e insere no ordenamento jurídico leis penais rigorosas, mas que são, sem dúvida, seletivas quando da sua aplicação.

Com isso, tem-se um indivíduo que não é punido por suas ações, mas sim pelo que ele é taxado socialmente, ou melhor, com base em preconceitos existentes na sociedade em que está inserido. Isto ocorre principalmente porque o sistema penal e o arcabouço normativo é definido pela parcela da população que detém o poder e em prol dos interesses desse grupo (SANTOS et al).

Como já dito aqui, a pena possui duas funções precípuas, a saber, prevenir e retribuir o injusto praticado pelo delinquente, ou seja, busca-se com a sua imposição evitar que aquele que já praticou algum crime volte a delinquir, uma vez que, em tese, ele já estaria ressocializado, isto é, apto a retornar ao convívio social.

Nessa linha de raciocínio, tal ressocialização seria uma consequência natural do caráter retributivo da pena , o que, por conseguinte, redundaria no atingimento do outro objetivo da sanção criminal, vale dizer, a prevenção.

Nas palavras de Juarez Cirino dos Santos, “O discurso da prevenção especial como correção do criminoso pressupõe a capacidade da psicologia, da sociologia, da assistência social etc., de transformar a personalidade do preso mediante trabalhos técnico corretivos realizados no interior da prisão, segundo previsão legal: a pena deve ser aplicada conforme necessário e suficiente para prevenir o crime (CP, art.59) e deve ser executada para permitir harmônica integração social do condenado (LEP, art. 1º).

Destarte, o sistema penal não estaria capacitado a preventivamente corrigir o criminoso, uma vez que não há o cumprimento do estabelecido na própria Lei de Execuções Penais, a saber, que a pena seja aplicada com o acompanhamento de profissionais de outras áreas do saber, quais sejam, da psicologia, da sociologia, da assistência social etc.

4. O DIREITO PENAL BRASILEIRO PUNE A TODOS QUE COMETEM INFRAÇÕES OU SOMENTE ALGUNS INDIVÍDUOS MENOS FAVORECIDOS E JÁ ROTULADOS?

A legislação pátria, por sua vez, mesmo que passando despercebido traz a influência da rotulação em alguns dispositivos penais, como, por exemplo, o art. 176 do Código Penal, que diz: “Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa”.

Ressalte-se que, a despeito da intenção de enganar do agente, caso este efetue o pagamento das despesas o crime não restará configurado. Assim, o artigo em comento favorece apenas àqueles que dispõem de recursos para custear suas despesas, mesmo que, incialmente, o agente tenha simulado não ter como arcar com o pagamento, com a nítida intenção de ludibriar.

Já o art. 16 do Código Penal, por sua vez, não é tão flexível, uma vez que, conquanto o bem seja de pequeno valor, e, além disso, o agente se arrependa e devolva o objeto, considerar-se-á tão somente como arrependimento posterior, o que redundará apenas em redução de 1/3 a 2/3 da pena, senão vejamos: “Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

Ou seja, conforme as balizadas vozes defensoras da teoria da rotulação, não há dúvidas de que os rigores da lei penal são direcionados àqueles que não dispõem de recursos financeiros, ao passo que aos afortunados haverá sempre uma oportunidade de se eximir pelos atos criminosos por eles praticados, já que, no mínimo, a possibilidade de se fazer o ressarcimento está garantido.

A título de exemplo, imaginemos a situação de uma mulher que entra em uma loja de perfumes franceses e, após um vacilo de uma das vendedoras, subtrai para si um perfume, cometendo o crime de furto (CP, art. 155).

Analisemos duas hipóteses:

Primeira hipótese: suponhamos que a mulher é muito rica, a qual poderá argumentar que: i) está emocionalmente abalada e que por isso pegou o perfume (não tenho dúvidas de que o dono da loja acreditaria...); ii) esqueceu de pagar, mas tem dinheiro para comprar a loja inteirinha (afinal de contas, se ela é rica não precisa roubar).

Segunda hipótese: a mulher do caso narrado é muito pobre, mas, mesmo assim, decide usar os mesmos argumentos da mulher rica. Estes seriam críveis? Alguém acreditaria nela caso tentasse se justificar, dizendo que se esqueceu de pagar, por exemplo?

Do exemplo supramencionado infere-se que uma mesma conduta, conquanto abarcada pelo mesmo tipo penal, tem dois efeitos distintos, vale dizer, o rótulo de “criminosa” só alcançou uma das envolvidas na hipótese, ou seja, o efeito da norma penal dependerá do agente a ser por ela alcançado, ferindo de morte o princípio da igualdade.

Frise-se que o mesmo sistema que pune o traficante negro, pobre, morador de periferia, ou seja, que a estes rotula como criminosos, é também o que considera os traficantes de classe média e alta como sendo “vítimas das más influências”, e que, por isso mesmo, necessitam de todas as políticas necessárias à sua recuperação.

Não raras vezes a mídia contribui para a proliferação do “etiquetamento” de certos indivíduos, como, por exemplo, quando pessoas de diferentes classes sociais são presas praticando o mesmo delito. Explico: Um homem pobre é preso transportando dez quilos de maconha, fato que ao ser noticiado no jornal, provavelmente sairá da seguinte forma: “Traficante é preso transportando dez quilos de maconha”. De outro giro, se alguns rapazes de classe média alta forem flagrados com trezentos quilos da mesma droga, a notícia provavelmente será: “Jovens estudantes de classe média alta são flagrados com trezentos quilos de maconha”.

Quem sofreu o rótulo de “traficante”? Por acaso a lei prevê que somente será considerado traficante se o agente for pobre? – Claro que não!

Desta feita, há uma espécie de identificação deste sujeito naquele meio em que se encontra inserido, mas que de alguma forma chama atenção por um suposto comportamento que aquele grupo social já taxou como desviante.

Com efeito, para a teoria do labelling approach, essa construção de estereótipos consiste na rotulação que deve ser evitada, uma vez que determinados indivíduos (outsiders) são por ela predestinados a sofrer sanções, embora outros que pratiquem as mesmas condutas desviantes, não serão alcançados pelo jus puniendi do estado, o que conduzirá a um sistema penal falho, seletivo e excludente.

5. OS CRIMES DE COLARINHO BRANCO E A SELETIVIDADE DO DIREITO PENAL

Embora os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa já sejam alvos do Direito Penal ao longo de toda a história, os crimes praticados por pessoas de alto status social, vale dizer, os “crimes de colarinho branco”, só encontraram tipificação no Brasil no decorrer do século XX.  A denominação “criminalidade do colarinho branco” surgiu quando, em 1939, Edwin H. Sutherland publicou o artigo denominado “White-Collar Criminality” na American Sociological Review. A expressão “colarinho branco” refere-se à cor das camisas utilizadas por pessoas de alto status socioeconômico, cujo grupo social o sociólogo estadunidense vai se debruçar para estudar o fenômeno criminal.

Nas palavras do renomado sociólogo, ao ser citado por Israel Bresola Júnior (2018), “um crime cometido por uma pessoa de respeito e status social elevado no exercício de sua ocupação” (SUTHERLAND, 1983, p. 07). Por sua vez, para Ryanna Veras (2011, p. 42), “é a primeira teoria que, adotando uma perspectiva microssociológica, apresenta uma hipótese de explicação para o crime em sua totalidade, do ponto de vista da aprendizagem.”.

Sendo assim, para a autora a mencionada teoria inovou ao não se limitar em explicar a criminalidade das classes inferiores, mas também dos estratos mais ricos da sociedade, vale dizer, os crimes de “colarinho branco”.

Destarte, a teoria de Sutherland permite concluir que, embora o sistema punitivo de fato seja seletivo, punindo, em regra, as classes sociais inferiores, o delito não se limita a estas classes. A parcela favorecida da população comete crimes também em larga escala, por meio de um processo de aprendizado do crime semelhante ao da outra parte da sociedade, com a diferença de que a persecução penal não recai sobre a primeira, mas sim sobre a última (BRESOLA JÚNIOR, 2018).

Outrossim, a criminologia denuncia a seletividade do sistema punitivo no que concerne aos crimes de colarinho branco, tendo em vista sua morosidade em tipificar tais delitos praticados por aqueles que possuem status social privilegiado no âmbito de suas profissões.

A despeito disso, não é novidade para quem já estudou Criminologia, nos dias de hoje, que o sistema de justiça criminal é seletivo, isto é, a criminalização de condutas realizada pelo Poder Legislativo e a repressão às mesmas, feitas pelos órgãos com tal atribuição, como as Polícias, o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Administração Prisional, distribuem-se de maneira desigual pelos diversos estratos sociais (BRESOLA JÚNIOR, 2018).

De acordo com as lições de Zaffaroni e Batista (2011, p. 44), a seletividade se consolida efetivamente com a segunda etapa da criminalização (criminalização secundária), já que “a muito limitada capacidade operativa das agências de criminalização secundária não tem outro recurso senão proceder sempre de modo seletivo, de modo que estão incumbidas de decidir quem são as pessoas criminalizadas”.

Assim, no momento em que ocorre a segunda etapa da criminalização é que a seletividade do sistema penal exsurge, dando azo à rotulação de alguns condenados.

5.1.Cultura consumerista influenciando a prática de delitos

Nessa linha, a prática delitiva seria uma decorrência natural da cultura consumista presente na sociedade em que vivemos atualmente, onde o acúmulo de bens é o alvo mais perseguido entre as pessoas. Sendo assim, somente alguns conseguiriam alcançar tais objetivos, uma vez que a sociedade é incapaz de produzir meios equânimes para que todos os indivíduos alcancem o tão desejado sucesso material.

Nas lições de Juarez Cirino dos Santos (2008, p. 12): “Nas sociedades capitalistas, a indicação das estatísticas é no sentido de que a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos materiais e o próprio crime patrimonial constitui tentativa normal e consciente dos deserdados sociais para suprir carências econômicas”.

Foi exatamente o que explicou Merton, em artigo denominado Social Structure and Anomie, publicado em 1938, que de maneira sucinta informa que “o crime é consequência de uma desproporção entre metas culturais e meios institucionais para atingir estas metas”. (VERAS, 2010, p. 52-53)

Corroborando o exposto acima, Zaffaroni e Batista, quando aduz que “o estereótipo acaba sendo o principal critério seletivo da criminalização secundária; daí a existência de certas uniformidades da população penitenciária.” (2011, p. 46)

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a população carcerária é formada por grupos que possuem determinados estereótipos estabelecidos na criminalização secundária. Assim, a maior parte dos apenados no Brasil pertence às classes menos favorecidas, ou seja, são aqueles que cometeram delitos de fácil detecção e geralmente com o emprego de violência ou grave ameaça, notadamente os delitos contra o patrimônio ou relacionado às drogas.

Chama a atenção o fato de que, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, atualizado em junho de 2016, (SANTOS, 2017) o Brasil detém uma população prisional de 726.712 (setecentos e vinte e seis mil, setecentas e doze) pessoas, com uma taxa de aprisionamento de 157% (cento e cinquenta e sete por cento), entre o ano 2000 a 2016. Assim, em junho do ano de 2016, segundo o dado, eram 352,6 (trezentas e cinquenta e duas) pessoas presas para cada 100 (cem) habitantes (pág. 12). Desses dados estatísticos, 64% (sessenta e quatro por cento) dessas pessoas são negras, 4% (quatro por cento) são analfabetas e 57% (cinquenta e sete por cento) das pessoas são alfabetizadas, mas não tem curso regular de ensino (PEREIRA, 2018).

Para ilustrar, vejamos o gráfico4 a seguir, correspondente à raça, cor e etnia da população em geral em comparação com as pessoas pivadas de liberdade:

De mais a mais, a seletividade do Direito Criminal só foi denunciada em meados do século XIX, uma vez que, como é cediço, antes disso a criminologia buscava as causas da criminalidade no indivíduo, e não na sociedade. Alessandro Baratta (2011, p. 90), dissertando sobre o tema, aduz que “a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa”.

Ou seja, para o renomado autor a intervenção estatal por meio do sistema penal, mesmo que teoricamente tenha caráter reeducativo e ressocializador, na maioria das vezes fortalece a identidade delinquente do condenado além de instigá- lo a enveredar pelo caminho do crime.

5.2. As cifras negra e dourada

A cifra negra abarca os delitos não identificados pelo sistema penal, os não denunciados e os não investigados, seja por pressão que os órgãos policiais sofrem dos poderosos, desinteresse ou falta de recursos necessários a uma investigação eficaz. Pode-se dizer, também, que é o conjunto de crimes que não chegam ao conhecimento do Estado devido ao silêncio da vítima que, por vergonha, por medo de represália ou descrédito, deixa de proceder ao registro do fato. É o conflito entre a criminalidade real (todos os crimes que realmente aconteceram, registrados ou não) e a criminalidade aparente (não são computados os crimes que não foram registrados).

Qual a influência da Teoria do Labelling Approach no pensamento jurídico brasileiro?

Por sua vez, cifra dourada refere-se especificamente aos crimes de colarinho branco estudado no tópico 4.1., os quais crescem exponencialmente, em razão do elevado poder socioeconômico dos agentes envolvidos nesses delitos e do tipo de atividade por eles desenvolvida no meio social, bem como da complexidade que permeia tais infrações, a complacência das instâncias oficiais de controle e o tratamento diferenciado.Dissertando sobre o tema, Zaffaroni e Batista (2011, p. 4344) ensinam que “a criminalização primária é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país se pretendeu levá-lo a cabo em toda sua extensão, nem sequer em parcela considerável, porque é inimaginável. A disparidade entre a quantidade de conflitos criminalizados que realmente acontecem numa sociedade e a aquela parcela que chega ao conhecimento das agências do sistema é tão grande e inevitável que seu escândalo não logra ocultar-se na referência tecnicista a uma cifra oculta”.

  É dizer que, se, em decorrência da criminalização secundária, o indivíduo é acometi-do por grande revolta depois de ter recebido o rótulo de criminoso, fato que dificultará sobremaneira sua ressocialização fato que dificultará sobremaneira sua ressocialização, nos crimes de colarinho branco, por sua vez, não há falar em estigma imposto pelas instâncias de controle, já que as pessoas que cometem tais delitos ocupam espaços privilegiados na sociedade.

Insta trazer à colação as lições de SUTHERLAND, citado por Israel Bresola Júnior (2018) em seu Trabalho de Conclusão de Curso, “os crimes praticados pelas classes altas e baixas se diferenciam em grande medida pela forma com que as leis são executadas em relação a eles. Os crimes dos menos privilegiados são lidados pela polícia, promotoria, Poder Judiciário, com a aplicação de multas, prisão, dentre outras penas, ao passo que os crimes das elites muitas vezes ou não são sancionados oficialmente ou acarretam sanções civis, sendo lidados por inspetores e órgãos administrativos. E, quando punidos penalmente, as sanções aplicadas geralmente se limitam a advertências, mandados judiciais, perda de licença e somente em casos extremos gerando pena de prisão”. (SUTHERLAND, 1940, p. 07- 08)

5.3. Outras cifras da criminalidade

Denomina-se cifra cinza os crimes que chegam ao conhecimento da autoridade competente, entretanto, são solucionados na esfera policial, aguardando a representação ou se dá através da composição entre as partes envolvidas (ex. Denúncia não é levada adiante porque fica aguardando a representação da vítima).

De seu turno, a cifra amarela corresponde aos crimes praticados com violência policial e abuso de poder, os quais não chegam ao conhecimento dos órgãos fiscalizadores, como é o caso das ouvidorias e corregedorias.

Ressalte-se, ainda, a cifra verde, que se refere aos crimes ambientais, cujos responsáveis não são identificados, tendo por prejudicada a devida responsabilização.

Temos, portanto, o processo de atrição (é o antônimo da atração), que consiste no distanciamento progressivo entre as cifras da criminalidade, é dizer, entre a criminalidade aparente e a real.

CONCLUSÃO

O tema em questão requer, sem dúvida alguma, a atenção especial não só dos juristas brasileiros, mas também do Poder Público e da sociedade como um todo. Não é uma tarefa tão difícil explicar certos fatores determinantes na seleção das condutas consideradas desviantes no momento da elaboração das leis penais e, principalmente, o porquê de alguns indivíduos receberem o rótulo de “criminosos” e outros, não.

É notório que o sistema punitivo do nosso País é discriminador e seletivo, mormente em detrimento das classes mais pobres da sociedade, ao passo que direta ou indiretamente acaba por beneficiar àqueles que detêm uma condição econômica privilegiada, o que dá azo ao crescimento da criminalidade no Brasil, porquanto os indivíduos que sofreram algum rótulo passam a desacreditar no sistema de justiça e, por conseguinte, voltam a cometer crimes, sendo estes últimos, muitas vezes, bem mais graves que o primeiro.

Assim, é fundamental reconhecermos que existe de fato um sistema criador de preconceitos e estigmas sociais, desenvolvido ao longo da história, sobretudo no Brasil, onde as classes dominantes são veladamente beneficiadas pela desigualdade existente no momento da aplicação das leis e que, além disso, muitos deles participam efetivamente da eleição das condutas tidas como desviantes e da criação das leis incriminadoras.

Por fim, tem-se que a criminologia moderna estuda os fatores concernentes ao crime, ao criminoso e à sociedade, ou seja, abordando não só o indivíduo, mas também o meio social onde o delinquente está inserido.

Ademais, refutando teses do passado que analisavam o delinquente anatomicamente, a teoria do labelling approach atribui ao controle estatal a formação da desigualdade entre os indivíduos, haja vista que o Estado cria as leis penais para ele mesmo utilizá-las por meio do seu poder de punir. Além disso, considerando que a atuação estatal dá-se de maneira discriminatória e seletiva, a igualdade seria mera falácia, letra morta da lei.  

Dito isto, o que fazer para que as leis penais alcancem todos àqueles que cometem crimes, independentemente de sua condição socioeconômica? Sem dúvida, a reflexão é relevante.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Revan - Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

BRESOLA JÚNIOR, Israel. Crimes do colarinho branco: a relação entre o expansionismo da punitividade arbitrária e a restrição da ampla defesa. UFRGS LUME Repositório Digital, Porto Alegre/RS, 27 de Outubro de 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/184148. Acesso em: 08/03/2019.Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, 2018. Disponível em: < > Acesso em: 01/03/2019.

Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, junho de 2016, Secretaria de Segurança Pública. 2016. Disponível em: < http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de- informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf.> Acesso em: 17/03/2019.

NOBREGA, Izanete de Mello. Labeling Approch - A Teoria do Etiquetamento Social. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 29 Abr.2009. Disponível em: . Acesso em: 01/03/2019.

PEREIRA, Ricardo Santos. Prova testemunhal e falsas memórias no Processo Penal: , acesso em 31/08/2018.

SANTOS, Josiéli Denise Brum dos; FARIAS, Athena de Albuquerque; MARINHO, Gisanne de Oliveira; RODRIGUES, Larice de Sousa. Breves apontamentos acerca da Criminologia Crítica e o Sistema Penal Seletivo Vigente. Id on Line Rev.Mult. Psic., 2018, vol.12, n.40, p.283-291. ISSN: 1981- 1179.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Política Criminal: Realidades e Ilusões do Discurso Penal. Instituto de Criminologia e Política Criminal, 2013. Disponível em: <http://icpc.org.br/wpcontent/uploads/2013/01/realidades_ilusoes_discurso_penal.pdf>.Acesso em: 02/09/2018.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, p. 371-374, 2002.

SILVA, Kaick Yuri Vieira da. Crimes do colarinho branco e a seletividade do sistema penal. 2018. 19 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Humanidades) - Instituto de Humanidades e Letras, Universidade da Integração

VERAS, Ryanna Pala. Nova Criminologia e os Crimes do Colarinho Branco. Editora Wmf Martins Fontes, 2010.

ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. El discurso feminista y el poder punitivo. IN: BIRGIN, Haydée (coord.). Las trampas del poder punitivo: el género del derecho penal.Buenos Aires: Biblios, 2000.

Notas

2             LOMBROSO, 2010, p. 197

3          Fonte: http://bit.ly/2qhgTcy

4    Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016; PNAD, 2015.

Qual a influência da Teoria do Labelling Approach no pensamento jurídico brasileiro como o mesmo pode ser observado?

A teoria do labelling contribuiu de modo a demonstrar como a reação social, o interacionismo, os símbolos, a percepção de cada grupo sobre determinado ato e a luta por poder e controle da realidade têm ligação direta com a construção do fenômeno crime.

O que a Teoria do Labelling Approach defende?

A teoria do Labelling Approach defende que o sistema prisional funciona como escola para o crime e aponta como solução evitar prisões para casos menos complexos, o que inspirou a criação do Acordo de Não Persecução Penal.

Quais os efeitos do etiquetamento social para o direito penal conforme a criminologia dialética?

3 A IDENTIDADE DETERIORADA E O DIREITO PENAL Os efeitos do etiquetamento podem levar a um segundo desvio no comportamento reproduzindo a imagem que lhe é aplicada, surgindo assim a formação de grupos de pessoas igualmente estigmatizadas (subcultura criminal) e o seu isolamento.

Como surgiu a Teoria Labelling Approach?

A Teoria do Labelling Approach surge como um novo paradigma criminológico, resultado de mudanças sociocriminais que sofreu o direito penal. Ele foi chamado de paradigma da reação social, pois critica o antigo paradigma etiológico, que analisava o criminoso segundo suas características individuais.