As viagens pelo oceano em meados do século xvi foram fáceis por quê

As viagens pelo oceano em meados do século xvi foram fáceis por quê

CAPÍTULO I - AS NAVEGAÇÕES CHINESAS E PORTUGUESAS; A PRESENÇA PORTUGUESA EM MACAU

1. As navegações do Almirante Zheng He


As relações externas da China, nos tempos antigos, desenvolveram-se num percurso composto por quatro etapas. A primeira, ainda nos tempos anteriores à Dinastia Qin (221-206 A.C) e considerada a etapa de iniciação, foi marcada pela viagem do navegador Xu Fu1 ao Japão; a segunda, aliás a de desenvolvimento, decorrida na Dinastia Han (206 A.C -220) até aos meados da Dinastia Tang (618-907), revelou-se como a viagem peregrina da Dinastia Han (206 A.C 220), descrita na História Oficial da Dinastia Han (206 A.C .220)- Registo Geográfico, pelo contacto efectuado em 226 de Qin Lun2 com Sun Quan3, soberano do Reino Wu da China, e pela viagem marítima de regresso de Fa Xian4, em 399, de Sri Lanka a Qingdao (Província de Shandong) após a sua viagem, por via terrestre, à Índia, bem como pelas viagens marítimas até à costa do Golfo Pérsico e da Península Árabe realizadas na Dinastia Tang (618-907), que inauguraram a chamada Grande Época de Intercâmbio Sino-Árabe nos Séculos VII-XII. A terceira etapa, a de prosperidade, decorreu na primeira metade da Dinastia Ming (1368-1644), altura em que o grande navegador chinês, o Almirante Zheng He,efectuou com sucesso sete viagens, atravessando uma vasta área marítima em que ainda se desconhecia a presença europeia. Finalmente, a quarta e última etapa, designada pela decadência, iniciou-se com a conclusão das navegações do Almirante Zheng He e coincide à época antecedente à vinda dos portugueses, terminando com invasões à China pelas Potências Ocidentais durante a Guerra do Ópio, por via marítima.5
A ligação da China com o exterior, predominantemente terrestre até à Dinastia Tang (618-907), começou a ser substituída pelas navegações marítimas, a partir da Dinastia Song do Norte (960-1127), por excelência da Dinastia Song do Sul (1127-1279), e atingiu o seu momento mais alto na Dinastia Yuan (1206-1368).6 A opção pelas navegações marítimas baseava-se, principalmente, nas seguintes razões:
a) A mudança para o sul dos centros económicos, suscitada pelo crescente desenvolvimento das economias do Delta do Rio Yangts e das regiões costeiras do Sudeste da China, proporcionou condições materiais para o desenvolvimento das ligações externas;
b) Os êxitos obtidos na ciência e tecnologia, o aperfeiçoamento das técnicas da construção naval, nomeadamente a aplicação generalizada da bússola nas navegações, forneceram garantias técnicas para o desenvolvimento das ligações externas;
c) O aumento do peso das viagens marítimas em relação às terrestres promoveu o desenvolvimento do comércio externo, implicando profundas mudanças na ligação da China com o mundo exterior.7
A crise económica nos primeiros anos a seguir à fundação da Dinastia Ming (1368-1644), originada pelas guerras e distúrbios na sucessão dinástica, fez com que o Imperador-Fundador da Dinastia Ming (1368-1644), Zhu Yuanzhang8, adoptasse uma série de medidas de incentivos económicos, que conseguiram recuperar com sucesso, numperíodo de 30 anos, a economia nacional, fazendo-a atingir, já no Reinado de Yongle (1403-1424), a sua plena prosperidade. Deste desenvolvimento económico resultou, como bem indicaram muitos consagrados historiadores chineses, uma profunda alteração da política externa do Império: a política de matriz defensiva seguida pelo Imperador-Fundador no sentido de "proibir o recurso ao uso de força militar aos países ultramarinos bárbaros não ameaçadores do Império, excepto aqueles que constituam perigo para a segurança da China"9 ia sendo substituída, até ao Reinado de Yongle (1403-1424), por uma política externa de amizade e de abertura para com os reinos vizinhos, baseada no princípio de "tratamento de igualdade aos reinos-vassalos e países estrangeiros"10 e no princípio de "recompensar os tributos com valores superiores", como afirma o próprio Imperador Yongle:
"Estamos abertos para com aqueles que venham a fim de comercializar os seus produtos indígenas, perdoando-lhes certas infracções cometidas por descuido a fim de tranquilizar outras raças."11
Ainda no Reinado de Yongle (1403-1424), foi relançado o regime de administração de navios mercantis mercê da instalação de várias delegações da Inspecção do Comércio Marítimo em Fujian, Zhejiang e Guangdong com competências exclusivas para gerir o comércio externo.
Ainda na altura do Imperador Yongle, em vez da aplicação duma política de controlo-conciliação passiva no sentido de esperar os tributos voluntários estrangeiros, a Corte da Dinastia Ming (1368-1644) defendia uma política de expansão activa mandando os comissários imperiais para o ultramar a fim de fortalecer os laços existentes e aconselhar a vassalagem para com a China aos reinos contactados. As navegações do Almirante Zheng He não eram senão uma das manifestações concretas desta política. No entanto, estas viagens tinham também outros fins adicionais, ou seja, a promoção da popularidade e autoridade pessoal do Imperador Yongle, que obteve o trono através dum golpe de Estado (a chamada "Guerra de Jingnan"), e sepreocupava ainda com o reconhecimento da sua legitimidade e com o paradeiro incerto de seu irmão12, o Imperador destronado. Assim, as navegações do Almirante Zheng He assumiam uma maior importância, visto que, por um lado, podiam "manifestar a autoridade e bondade do Império" fazendo concretizar a "vassalagem dos países estrangeiros" e, por outro lado, podiam averiguar o paradeiro do Imperador destronado e aumentar a popularidade do seu sucessor naqueles países, para que, depois, tomassem medidas indispensáveis de prevenção contra as perturbações das forças apoiantes do Imperador destituído, no litoral do Sul da China.13
Somaram, no total, sete viagens aos mares situados ao oeste da China, das que a frota, sob comando de Zheng He, efectuou entre 1405 (3° ano do Reinado de Yongle [1403-1424]) e 1432 (6° ano do Reinado de Xuande [1426-1435]). Das primeiras três viagens, que só chegaram até Calecut e limitavam a sua presença aos países do Sudeste Asiático e do Sul da Ásia, temos as que pertenciam à chamada "etapa preliminar". Nas três viagens seguintes, correspondentes à segunda etapa, conseguiram atravessar o Oceano Ínndico e chegaram aos países árabes e às costas orientais do Continente Africano. A última viagem, que se realizou após uma interrupção de 6 anos, já não obteve o impacto suficiente e é vista como o final das navegações do Almirante Zheng He.
Eram viagens de carácter pacífico, pois a frota de Zheng He apenas utilizou duas vezes, aquando da realização das primeiras viagens, a força militar na abertura das rotas marítimas ou na conciliação de litígios entre terceiros países. Do ponto de vista do poder marítimo estratégico, é de salientar a instalação em Malaca, cidade-chave na ligação entre o Mar Meridional da China e o Oceano Índico, de uma feitoria imperial que servia de entreposto para as viagens. O sucesso das viagens que o Almirante Zheng He efectuou seria visível: ao cabo das primeiras três viagens, os reinos vizinhos da China aceitaram a vassalagem mandando mais missões para a China a fim de prestar tributos; as viagens seguintes, que chegaram até aos países árabes e às costas do Continente Africano, conseguiram, por sua vez, desenvolverrelações amistosas com aqueles povos. O Almirante Zheng He morreu na última viagem, longe da sua terra natal.
The Cambridge History of China -- The Ming Dynasty avalia assim as navegações de Zheng He:
"To what extent were the objectives behind these expeditions achieved? If they had sought the Chien-wen14 emperor, they were probably chasing an illusion and failed. If they were launched to extend the emperor's influence to these far-off lands, to demonstrate Chinese military power, to expand Chinese knowledge of the world, to protect the interests of the Chinese, and to bring new people into the tribute system, their objectives were certainly realised, even though the Ming state thereafter failed to follow them up and exploit them. Throughout Southeast Asia and the India Ocean they showed the flag and clearly demonstrated the Ming empire's political and military supremacy. The opportunity for lucrative trade under the tributary system drew foreign envoys bearing tribute from every quarter on an unprecedented scale."15
Tem havido muitas divergências no meio académico quanto aos objectivos das navegações de Zheng He. As viagens marítimas que este navegador chinês realizou há cerca de 600 anos atrás, na opinião de muitos consagrados historiadores, tinham fins predominantemente políticos, embora promovessem objectivamente, isso sim, o comércio externo do Estado e, até, privado. "Cheng He's exploratory voyages brought most important Southeast Asian states into the Ming political sphere. The voyages were undertaken to promote the Ming empire's influence through peaceful means, to enhance the security of its southern borders, and to monopolize the overseas trade by preventing private individuals from taking control of seafaring activities. Foreign states responded to these overtures not only because they feared military reprisals if they refused, but also because they saw great commercial benefits in relations with China"16.
Na verdade, "o Almirante Zheng He não roubou nenhum centavo aos países por onde passou, não se apoderou de nenhum palmo de terreno nem mandou manter naqueles reinos qualquer presença militar chinesa, o que constituiu umgrande contraste em comparação com o que fizeram os colonialistas ocidentais que vieram ao Oriente meio século depois das navegações do Almirante Zheng He."17
Exactamente por não serem concebidas com objectivos comerciais, às navegações de Zheng He faltava-lhes a força original do impulso económico: os produtos que o Almirante trocou com os países estrangeiros, a que as suas navegações tiveram acesso e que trouxeram para o Império, não passavam de produtos de passatempo e de diversão ao gosto da família imperial; a política de tributos que o Império seguia estava baseada no princípio de generosidade no sentido de "recompensar os tributos com valores superiores"; as despesas financeiras da Fazenda Imperial iam aumentando; a potência do Estado já mostrava sinais de decadência; a insegurança interna e externa iam-se agravando[...] Além de tudo isso, o que mais preocupava os governantes da Dinastia Ming (1368-1644) era a desintegração do regime da economia natural -- que pudesse surgir em qualquer momento -- e a consequente crise política,capaz de abalar a sua posição de domínio perante a prosperidade de uma economia de mercado resultante do desenvolvimento das actividades da navegação. Daí ser fácil compreendermos o porquê da interrupção das viagens do Almirante Zheng He, sem esquecer, ainda,as críticas já formuladas anteriormente em relação a estas façanhas18.
O início e o fim das navegações do Almirante Zheng He constituíram, respectivamente, o momento mais alto e o começo da decadência da ligação da China Imperial com o exterior, e, também, o percurso da queda do Império Ming (1638-1644), marcando o momento mais forte rumo ao seu declínio. Mas não podemos esquecer nunca que estas viagens foram efectuadas muito mais cedo do que as dos europeus,e os seus contributos para a navegação, ou seja, a abertura da rota marítima que ligava a China ao Oceano Índico, ao Golfo Pérsico, ao Mar Árabe, ao Mar Vermelho e ao Litoral Oriental da África, não esquecendo os trabalhos realizados na eliminação de obstáculos existentes na ligação marítima Ocidente-Oriente e a rede de ligação marítima internacional por elas implantadas entre os dois continentes,foram, de certo modo, o guia dos Descobrimentos. "On peut tout de mêmeimaginer un instant ce qu'eût donné une étventuelle expansion des jonques chinoises vers le cap de Bonne-EspÉrance ou nieux ce cap des Aiguilles, porte méridionale entre l'Indien et l'Atlantique."19
Infelizmente, os governantes da Dinastia Ming (1368-1644) não o fizeram nem conseguiram fazê-lo. Com a imposição do fim das navegações da China, as capacidades da defesa costeira20 da China ficaram enfraquecidas e a porta do Império Ming (1638-1644) foi encerrada ao mundo exterior, deixando o Oceano Índico e o Mar Meridional da China à mercê do controlo dos árabes e dos portugueses.

2. A Época dos Descobrimentos


Aquando as navegações do Almirante Zheng He, "os mercadores muçulmanos, árabes e indianos detinham uma vasta e complexa rede comercial no Oceano Índico, mas restringiam a sua actividade a zonas de navegação segura e de lucros garantidos".21 Com a desintegração do Império Mongol, o transporte terrestre entre os continentes da Ásia e Europa tornou-se bastante perigoso, obrigando deste modo os comerciantes árabes a optarem pelo transporte das especiarias, por via marítima, até aos portos do Mar Vermelho. Daí, e já por via terrestre, para os portos egípcios e sírios junto ao Mar Mediterrâneo para que os comerciantes de Veneza e de Génova as comprassem e distribuíssem aos consumidores europeus que ansiavam pela sua aquisição.
Em 1453, Constantinopla, o último vestígio do Império Bizantino, outrora poderoso, caiu nas mãos dos turcos. Ficaram assim cortadas as rotas terrestres das especiarias, que ligavam os dois continentes, obrigando os europeus a procurar novas rotas de ligação ao Atlântico. Por outro lado, como consequência do desenvolvimento acelerado das economias europeias resultava uma grande procura de ouro, que, para além de ser empregue na decoração de igrejas e palácios, podia utilizar-se também na cunhagem de moedas com o fim de estimular a economia interna e pagar o comércio com o Oriente, o que era um poderosoincentivo para as viagens marítimas a África a fim de encontrar mais ouro.22
Porém, "em 1400, os Europeus ainda tinham, como se pode ver pelos seus mapas, uma ideia vaga e muitas vezes completamente errada daquilo que ficava para além das suas próprias fronteiras."23 Só no ano de 1406, portanto um ano depois da primeira viagem de Zheng He, é que a Europa, na altura do Renascimento, conseguiu traduzir para o latim a Geografia, escrita em versão grega por Ptolomeu no séc. II, enquanto o Livro de Marco Polo, para muitos europeus, não passava de um mito de boas feições. De certo modo, podemos dizer que as navegações de longa distância no Atlântico não eram apenas um acto inédito, mas também aventuras de última opção.
Portugal, um reino do Sudoeste da Europa banhado pelo Oceano Atlântico, foi uma das nações europeias que cedo conseguiu definir as suas fronteiras políticas. Em 1143, Dom Afonso Henriques, já no trono de Portugal, começou a conquista das terras do Sul ocupadas pelos mouros, com a ajuda dos Cruzados, conquista esta que terminou em 1250 com a ocupação portuguesa da região do Algarve, altura em que se fixou a fronteira permanente do Reino. Depois de alguns séculos de vida política independente, a independência já tinha amassado uma comunidade nacional homogénea, mas dividida por fortes tensões sociais e economicamente deficitária. A expansão marítima aliada à procura de novos recursos naturais e a estabilização da situação social tornaram-se assim prioridades obrigatórias para o desenvolvimento do país. Como refere o historiador José Hermano Saraiva, o movimento expansivo "era um movimento de emigração provocado por falta de oportunidades de trabalho compensador dentro do país"24, pois ele constituía por um lado uma oportunidade excelente para a resolução dos problemas do país e, por outro lado, correspondia aos interesses de todas as classes sociais:
"Para o povo, a expansão foi sobretudo uma forma de emigração e representava o que para ele a emigração sempre representou: a possibilidade de uma vida melhor e a libertação de um sistema de opressões e libertações que, em relação aos <<pequenos>>, foi sempre pesado e do qual eles também sempre se procuraram libertarbuscando novas terras (a emigração para o Sul, no século XII, é a primeira expansão nacional do fenómeno). Para clérigos e nobres, cristianização e conquista eram formas de servir Deus e servir o rei e de merecer por isso as recompensas concomitantes: comendas, tenças, capitanias, ofícios, tudo oportunidades que no estreito quadro da metrópole se tornava cada vez mais raro conseguir. Para os mercadores era a perspectiva do bom negócio, das matérias-primas colhidas na origem e revendidas com bom lucro. Para o rei era um motivo de prestígio, uma boa forma de ocupar os nobres e sobretudo a criação de novas fontes de receita, numa época em que os rendimentos da coroa tinham descido muito. "25
Dadas as dificuldades, senão impossibilidades, de se expandir pela Europa dentro, Portugal, desde muito cedo, manifestou a sua tendência de expandir o seu comércio para o ultramar, aproveitando as suas vantagens geográficas e naturais. De facto, registou-se, ainda por volta de 1336, uma tentativa de expansão portuguesa às Canárias. Contudo, a conquista em 1415 de Ceuta, cidade estrategicamente importante do Norte da África, é que tem sido considerada como o início formal da Expansão Portuguesa, o que, em termos cronológicos, coincidia com as navegações do Almirante Zheng He (1405-1432), podendo até mesmo afirmar-se que ambas estavam "na mesma linha de partida". Os Descobrimentos Portugueses, sob a coordenação e orientação directa do Infante D. Henrique e munidos com conhecimentos e técnicas de navegação e construção naval da Europa, por excelência da Itália, dirigiram-se, primeiro, aos arquipélagos da Madeira e dos Açores para fins de colonização e, depois, para a Costa Ocidental Africana, abrindo desta maneira, num espaço de 80 anos de constantes esforços e sacrifícios, a rota marítima do Atlântico que ligava Marrocos ao Cabo da Boa Esperança. A passagem em 1497 pelo Cabo das Tormentas e a chegada, já por rotas marítimas abertas por asiáticos, a Calecut na Índia, em 1502, da frota de Vasco da Gama viabilizou a vinda bem sucedida dos portugueses à China em 1513. Paralelamente aos Descobrimentos Portugueses, Colombo, ao serviço da Corte espanhola, descobria em 1492, o Novo Mundo.
Se bem que os portugueses, no litoral ocidental africano, não passassem de simples aventureiros, comerciantes associados aos chefesindígenas locais para o comércio de ouro, marfim e pimenta, e missionários da Fé e da civilização, tornaram-se já conquistadores após a sua chegada ao Oceano Índico. O que os portugueses aí encontraram foram muçulmanos dotados de uma rede comercial bem organizada e de uma civilização altamente desenvolvida, totalmente diferente dos indígenas da África Ocidental, o que determinava que só pelo recurso à força é que se podia entrar no mundo dominado pelos emires. "Antes de chegarem ao Oceano Índico, os combates navais eram raros e o comércio desenvolvia-se pacificamente, duma forma geral, entre as diversas comunidades raciais e religiosas". "Os conflitos no mar mostraram que os Asiáticos não aceitaram brandamente o domínio português, mas que lutaram para se lhe opor. A princípio, em desafio aberto. Mais tarde, quando se tornou evidente a superioridade dos Portugueses, procurando sobretudo fugir ao seu controlo. A superioridade marítima portuguesa tornava-se possível devido à falta de interesse dos maiores estados asiáticos pelo poderio naval e pelo comércio marítimo."26
Mas este poderio naval interessava a Portugal. Embora com enorme entusiasmo expansionista, Portugal, país na altura com menos de um milhão de habitantes e escassos recursos naturais, em parte nenhuma do mundo foi capaz, nem lhe interessou, estabelecer um império terrestre semelhante ao dos espanhóis nas Américas. O que Portugal fez foi a ocupação de Goa, na Índia, em 1510, e de Malaca, em 1511, para continuar a controlar a rota marítima comercial que ligava ao Oriente. "Estavam basicamente interessados em criar e manter um império marítimo lucrativo. Faltavam-lhes os recursos em homens e armas, assim como motivos para tentar conquistar e manter vastos territórios. Em vez disso, os Portugueses alcançavam os seus objectivos comerciais aproveitando-se das rivalidades entre os poderes locais para formar alianças com príncipes que estavam dispostos a comerciar com eles ou a lutar ao seu lado."27
O expansionismo dos europeus, para além da sua vertente comercial, compreendia também outra vertente, a religiosa: conquistar os infiéis, converter os pagãos e divulgar a Fé Cristã. Tanto o anseio pelo ouro e o entusiasmo religioso, como a procura de aventuras e da satisfação de curiosidades, eram elementos ausentes nas navegações do Almirante Zheng He, o que determinou o desencontro de chineses e portugueses no Oceano Índico. Se bem que as navegações de longadistância da China e da Europa estivessem no séc. XV "namesma linha de partida", os seus objectivos eram totalmente diferentes, pois "enquanto as navegações do Almirante Zheng He fortaleceram o poder imperial unificado e salvaguardaram o tradicional regime económico predominantemente agrícola e não comercial, as navegações de Colombo e de Vasco da Gama debilitaram o domínio feudal dos nobres e motivaram o desenvolvimento do capitalismo comercial."28 O resultado, como bem nos elucida a História, foi, com a chegada por nova rota dos portugueses à China e a sua fixação em Macau, o início do domínio dos mares por parte dos europeus e do predomínio do Ocidente sobre o Oriente.

3. Os primeiros contactos entre Portugueses e Chineses29


Ainda antes da instalação dos portugueses em Goa, já o Rei D. Manuel tinha mandado instruir Diogo Lopes de Sequeira, comandante da armada, no sentido de recolher informações sobre os chineses e a China:
"Perguntareis pelos chineses, e de que parte vêm, e de quão longe, e de quando vêm a Malaca ou aos lugares em que tratam, e as mercadorias que trazem, e quantas naus deles vêm cada ano, e pelas feições das suas naus, e se tornam no ano em que vêm, e se têm feitores ou casas em Malaca ou em alguma outra terra, e se são mercadores ricos, e se são homens fracos ou guerreiros, e se têm armas ou artilharia, e que vestidos trazem, e se são grandes homens de corpo, e toda a outra informação deles, e se são cristãos se gentios ou se é grande terra a sua, e se têm mais de um Rei entre eles, e se vivem entre eles Mouros ou outra alguma gente que não viva na sua lei ou crença, e, se não são cristãos, em que crêem ou a quem adoram, e quecostumes guardam e para que parte se estende a sua terra, e com quem confina. "30
Daqui se vê que os portugueses tinham na altura apenas uma ideia muito vaga sobre a China31 e nem sequer se consegue encontrar nos arquivos sinais indicativos de que as suas viagens ao Oriente, na altura, tinham pretensões claras de entrar na China; na verdade, era o Sudeste Asiático o principal mercado fornecedor das especiarias de elevados lucros e não a China, país que na época em causa ainda importava as ditas especiarias. Mas a riqueza de que dispunha a China de Marco Polo e as peças de porcelana chinesa que Vasco da Gama levou da Índia para o Rei, bem ao seu gosto, suscitaram grande interesse da Coroa Portuguesa em relação àquele país oriental. Porém, a nau de Diogo Lopes de Sequeira, com uma estadia curta em Malaca, não consegue, dos poucos contactos havidos com os mercadores chineses ali encontrados, recolher informações suficientes para responder às perguntas feitas pelo Rei. Esta situação só foi alterada qualitativamente com a conquista de Malaca, em 1511, por Afonso de Albuquerque, altura a partir da qual foi possível o acesso directo às informações referentes à China. Assim, em 1513, Jorge Álvares, conseguiu ir até Tamão, situada na foz do Rio das Pérolas, onde ergueu um padrão de pedra com as quinas32, prática tradicional na conquista do Atlântico e Índico, para deste modo afirmar que aquela região caía na jurisdição do Rei de Portugal. Levou também dali, para além de informações de primeira mão sobre o Império do Meio,mercadorias chinesas de todas as espécies.
O sucesso da viagem de Jorge Álvares estimulou os portugueses e uma das expressões justificativas deste estímulo foi a viagem de Rafael Perestrello à China. Voltou a Malaca, juntamente com a sua nau bem carregada de mercadorias lucrativas, entre os meses de Agosto e Setembro de 1516, levando aos portugueses uma boa notícia -- que oschineses, sendo uma raça pacífica, desejariam a paz e amizade com os portugueses33. Quase ao mesmo tempo da chegada de Rafael Perestrello a Malaca, outra nau portuguesa, esta sob o comando de Fernão Peres de Andrade, levantou âncora rumo a Cantão. A bordo estava um boticário português, Tomé Pires, que tinha sido designado embaixador pelo Governador da Índia. Acabava de concluir a sua obra Suma Oriental, que era a primeira obra de estudos geográficos globais da Ásia elaborada por um português com base nas informações por ele recolhidas na Índia e Malaca, onde se abordava a geografia, história, economia, comércio e costumes da vasta região entre o Mar Vermelho e o Japão. As abordagens na Suma Oriental relativas à China, país que Tomé Pires veio a conhecer mais tarde, eram apenas informações indirectas, mas Tom Pires, embora não deixasse de esconder a sua admiração por certos fenómenos, dedicou um parágrafo a falar da eventual conquista da China. Na sua óptica, o controlo das costas chinesas era uma coisa relativamente fácil -- com dez naus subjugaria o Vice-Rei da Índia, que tomou Malaca, toda a China nas beiras do mar.34
Nos sécs. XV e XVI, ainda distante da época da industrialização europeia e da manufacturação em série de produtos acabados para os exportar para a Ásia, "a causa económica do expansionismo europeu não era portanto a busca de mercados para os seus produtos. Em África e na Ásia, nos sécs. XV e XVI, os europeus tinham grande dificuldade em vender os tecidos e outros produtos do seu fabrico. A Europa procurava no além-mar recursos e trocas comerciais que pudessem integrar no seu sistema mercantil."35 Zhang Weihua,uma das autoridades nos estudos das relações sino-estrangeiras, afirma também que:
"dado o agravamento das incursões de piratas japoneses nas costas chinesas, as medidas proibitivas impostas pela Dinastia Ming (1368-1644) eram as mais rigorosas, sendo de extremo desagrado a vinda dos mercadores estrangeiros. Os portugueses, que vieram à China para fins comerciais, não tinham a ambição, pelo menos na altura, de invadir a China e nem tinham capacidades para tal feitura. Mas devido às incompatibilidades com a política então vigente naChina, a vinda dos portugueses já tinha sido fadada com conflitos entre os dois países antes da sua concretização."36
Se bem que haja divergências quanto à ambição dos portugueses, é opinião comum que eles não possuíam na altura forças suficientes para conquistar a China. De facto, os portugueses no séc. XVI ainda tinham ideias vagas sobre a China e mostravam-se incertos acerca da necessidade de transformar o papel de conquistador que tinham desempenhado no Índico. O Império da China que os portugueses contactaram, em vez de ser um país débil de forças desintegradas como a maioria dos países do Sul da Ásia, onde os portugueses podiam jogar com as forças locais das diferentes regiões apoiando-se numas contra outras, era um colosso politicamente homogéneo, assaz centralizado e um império, embora a caminho da decadência, muito mais poderoso em comparação com muitos países europeus. O copiar de modelos de aliança ou de conquista determinou necessariamente conflitos violentos, como se veio a verificar com o fracasso das primeiras tentativas dos portugueses.
A primeira visita de Fernão Peres de Andrade à China foi basicamente bem sucedida, embora com alguns incidentes originados por "desconhecimentos protocolares"37, tais como "disparos de canhões"38 na foz do Rio das Pérolas. Pisou terra da Cidade de Cantão em Setembro de 1517, onde foi autorizado a desembarcar apenas para fins comerciais. Das fontes históricas chinesas temos a seguinte descrição:
"No 12° ano (1517) do Reinado de Zhengde (1506-1521),alguns estrangeiros de Folangji entraram sem aviso no Distrito de Dongguan. Wu Tingju, o Buzhengshi (Comissário da AdministraçãoCivil Provincial) de então, decretou a autorização da recepção de tributos e viabilizou a comunicação à Corte, o que constituiu uma culpa por não ter consultado as leis vigentes."39
Os mandarins da Dinastia Ming (1368-1644) desconheciam na altura a existência de Portugal (Folangji) nem conseguiam localizá-lo em arquivos anteriores:
"Folangji, um dos reinos vizinhos de Malaca, anexou este último no Reinado de Zhengde (1506-1521) e expulsou o seu Rei. O Império só conheceu o nome deste país no 13 °ano (1518), altura em que mandou vir o capitão-mor, representante em missão, para apresentar os tributos e solicitar a outorga de título por este Império. O Imperador decretou pagar os seus tributos trazidos e o respectivo repatriamento. "40
Fernão Peres de Andrade voltou a Malaca de mãos cheias e a sua argúcia diplomática granjeou-lhe uma boa impressão junto dos chineses, pois dizia em todas as partes que, se alguém fosse prejudicado pelos portugueses ou tivesse crédito por liquidar pelos portugueses, podia vir falar com ele e seria cabalmente satisfeito41. Tomé Pires, porém, deteve-se em Cantão a fim de aguardar a audiência do Imperador para cumprir a sua missão. Embora "não deixasse de fazer a amizade com os grandes mandarins"42 e subornar cortesãos poderosos, só recebeu a resposta positiva da coroa da Dinastia Ming (1368-1644) em Janeiro de 1520, após uma espera que durou mais de dois anos. Chegou em Maio do mesmo ano a Nanquim onde foi autorizado a continuar a sua viagem até à cidade de Pequim. Em Fevereiro do ano seguinte, quando o Imperador Zhengde (1506-1521) regressou de Nanquim a Pequim, Tomé Pires fez-lhe entregar três cartas, das quais uma era do Governador de Guangdong, outra de Fernão Peres de Andrade e a última, que só poderia ser aberta e lida pessoalmente pelo Imperador, era do Rei de Portugal. Infelizmente, quando o Imperador abriu a carta régia e mandou traduzi-la, verificou que as expressões e o próprio conteúdo da carta eram muito diferentes dos da versão chinesa da carta de Fernão Peres de Andrade, nomeadamente no que se referia àvassalagem de Portugal à China, que nesta última se afirmava. Apesar de tudo isso ter sido atribuído ao tradutor da carta, não se censurando excessivamente os elementos da embaixada de Tomé Pires, o Imperador jamais quis encontrar-se com a missão portuguesa, à qual impôs ordens de vigilância. Como uma desgraça nunca vem só, chegaram também à Corte Imperial notícias relativas aos portugueses, tais como a tomada de Malaca e as consequentes violências cometidas, entrada sem autorização prévia em Cantão, bombardeamento à porta da cidade, instalação de uma fortaleza em Tamão e recusa de pagamento de direitos por Simão de Andrade.43 Surgiram então severas críticas por parte da Corte Imperial em relação ao pedido português de "apresentação de tributos":
"No 15° ano (1520), Qiu Daolong44 diz ao Imperador:‘Não podemos aceitar de maneira nenhuma o pedido tributário de Folangji e a concessão de títulos a seu favor, visto que se trata de um pedido baseado em lucros comerciais e formulado por um país que invadiu Malaca, nosso reino vassalo sob protecção imperial. Daí convir expulsar os seus mensageiros, enunciar-lhes claramente as consequências de obediência e de desobediência, mandá-los retirar-se de Malaca sob pena de arquivar o seu pedido de tributos e comunicar, por parte deste Império, a todos os reinos vassalos no sentido de denunciar os crimes por eles cometidos e fazer justiça.'
O conselheiro imperial, He Ao45, diz:‘O Folangji, para além de ser muito astucioso e feroz, é também o melhor equipado, em termos militares, dos países estrangeiros. Mandou, há dois anos, alguns navios de grande dimensão e entraram em Cantão sem prévia autorização, atirando disparos que faziam tremer a terra. Enquanto os que ficaram na pousada movimentavam-se contra as regras de permanênica, os que foram autorizados a entrar na cidade faziam perturbações. Se se lhes autorizar a liberdade de comércio, serão inevitáveis os conflitos e lutas armadas e incontroláveis as catástrofes no Sul. Os nossos antepassados determinaram prazos fixos para aapresentação de tributos e regras permanentes para a defesa, como se justificou o número escasso de estrangeiros vindos ao nosso Império. No entanto, Wu Tingju, Comissário da Administração Civil Provincial, a pretexto da falta de tributos a pagar ao Imperador, tolerava a vinda (dos navios estrangeiros) fora dos prazos fixados disponibilizando a recepção a todo o momento das respectivas mercadorias, o que faz os navios estrangeiros encherem o porto de Cantão e a capital da Província cheia de gentes bárbaras. A entrada bruta e inesperada dos navios de Folangji devia-se, portanto, à nossa negligência da defesa e ao conhecimento das rotas navais chinesas por parte dos estrangeiros. Tomo a liberdade de solicitar que se digne mandar expulsar os navios estrangeiros no porto e os estrangeiros de permanência ilegal na Cidade, decretar a proibição do comércio privado (com os estrangeiros) e reforçar a defesa a fim de proporcionar paz e segurança àquela cidade.'
O Imperador despachou estes requerimentos para o Ministério dos Ritos para consideração, onde foi discutido e emitido o seguinte despacho: ‘Qiu Daolong foi Prefeito de Shunde (Guangdong) de que He Ao também é natural, razão pela qual ambos conheciam muito bem as vantagens e desvantagens em causa. Convém aguardar a chegada dos mensageiros de Malaca, a fim de condenar os crimes de invasão daquele reino pelo Folangji e de perturbação na China, para efeitos de decisão condenatória. Concordamos com as outras propostas remetidas para consideração.' O despacho remeteu-se ao Imperador, que decretou a sua execução. "46
Chegados os mensageiros de Malaca à China, "dizião os melajos que o embaixador dél-rey de Portugal que estava na terra da China que não vinha de verdade, que falsamente era vindo a terra da China pera enganar, e que andavamos a ver as terras e que logo vinhamos sobre ellas, e como na terra punhamos huma pedra e tinhamos casa logo aviamos a terra por nossa, que assi fizeramos em Malaca e em outras partes, que eramos ladrões." O Imperador Zhengde (1506-1521), gravemente doente, faleceu pouco depois. "Do dia seguinte, (disseram) que nos viessemos a Cantão com ho presente, que viria o rey novo, que erão por elle a outra cidade, que nos mandaria o despacho a Cantão." Os elementos da embaixada de Tomé Pires foram imediatamente presoslogo chegados a Cantão e, ao mesmo tempo, "mandou logo o rey a Cantão que hà fortaleza que os portugueses tinhão feita que lha derribassem, e assi toda a povoação, que não queria nenhuma mercadoria com nenhuma nação, que se alguém viesse que se mandaria tomar."47
O fracasso da missão de Tomé Pires deveu-se, por um lado, à inflexibilidade do número de reinos com qualidade tributária determinado nas Sagras Instruções do Imperador-Fundador e nas Instituições da Dinastia Ming (1368-1644) e, por outro lado, à ocupação de Malaca pelos portugueses, "país vassalo da China", pois a protecção dos reinos vassalos ou tributários era da tradição da China Imperial. Mas a razão mais directa consistia na má conduta de Simão de Andrade, irmão de Fernão Peres de Andrade, em Tamão, visto que ele não só "construiu casas destinadas a uma residência permanente"48, como também mandou executar um marinheiro conforme os costumes portugueses, o que fez os mandarins de Cantão sentirem um desafio às suas autoridades e, daí, deixarem de apoiar a vinda comercial dos portugueses, fazendo uma inversão de sentido nas relações sino-portuguesas. Se bem que os enganos tais como os bombardeamentos da primeira visita portuguesa a Cantão e os erros de tradução da embaixada de Tomé Pires, coisas originadas pelas diferenças culturais, pudessem ainda ser recuperados, a violação das leis vigentes na China e a ofensa à soberania chinesa seriam erros imperdoáveis, "que se tomou a causa principal de todas as desgraças que os portugueses sofreram na China durante cerca dos trinta anos seguintes."49
Logo a seguir ao fracasso da embaixada de Tomé Pires, outra frota portuguesa, desta vez sob o comando de Martim Affonso de Mello Coutinho50, foi enviada pelo Rei de Portugal à China pretendendo estabelecer relações comerciais. A frota chegou em 1522 às costas de Guangdong, já sujeitas às medidas proibitivas de comércio externo mais rigorosas, onde foi, em Agosto do mesmo ano, atacada e derrotada na Baía de Xicao51 pelas forças armadas chinesas que tinham acabado de expulsar todos os portugueses em Tamão. Depois desta batalha naval,"o governo português não só abandonou o projecto de construir uma fortaleza na China como também tratou os interesses prospectivos naquele império com uma indiferença total", pois, "enquanto, de Ormuz a Malaca, as armas portuguesas ganhavam muitas batalhas, a honra e a dignidade de Portugal eram repetidamente ultrajadas, com perfeita impunidade, pelos menos poderosos chineses -- porque as forças navais e militares necessárias para manter o prestígio da nação na China não podiam ser destacadas, sem sérias consequências, de um domínio permanentemente ameaçado"52
No entanto, os fabulosos lucros que pudessem resultar do comércio com a China faziam muitos comerciantes portugueses mudarem-se para as costas de Fujian e Zhejiang para aí efectuarem comércios clandestinos com particulares chineses, ou até, associarem-se aos piratas chineses e japoneses para efeitos de contrabando e assaltos, práticas correntes entre os comerciantes da época na costa chinesa. Só retornaram à Foz do Rio das Pérolas, nos meados do séc. XVI, para procurar novas oportunidades de comércio e entrepostos viáveis para uma fixação permanente depois de os seus entrepostos localizados em Wuyu e Yuegang, da Província Fujian, e Shuangyu, perto de Ningbo (Liampó53), terem sido destruídos por Zhu Wan, Comandante com Jurisdição Militar sobre os Litorais de Zhejiang e Fujian.54

4. A fixação dos portugueses em Macau


Embora expulsos de Tamão e derrotados na Baía de Xicao -- o que causou a suspensão por parte de Portugal das suas missões oficiaispara a tentativa do estabelecimento de relações comerciais com a China -- os portugueses nunca desistiram da procura de oportunidades para obtenção de lucros e continuavam a exercer as suas actividades, tal como os comerciantes japoneses55, na qualidade ora de comerciantes ora de piratas (assim considerados na época) nas costas do sudeste da China. A destruição de todos os entrepostos portugueses em Zhejiang e Fujian por Zhu Wan "tomou-se conhecida por toda a gente e conseguiu-se reordenar a defesa marítima", tendo os estrangeiros expulsos "escapado para longe"56 e voltado às Ilhas de Shangchuan (Sanchoão) e Langbai'ao (Lampacau).
Na verdade, a experiência comercial durante cerca de 30 anos na China alterou totalmente a visão anterior dos portugueses em relação àquele Império -- enquanto Tomé Pires afirmava, antes da sua missão à China, que "com dez naus subjugaria o Governador das Índias, que tomou Malaca, toda a China nas beiras do mar"57, e Cristóvão Vieira, membro da embaixada de Tomé Pires, e Vasco Calvo, comerciante português, ambos presos em Cantão, discutiam nas suas cartas planos de conquista da China achando que esta, embora rica em recursos naturais, precisava de desenvolver o comércio com os portugueses e que o povo chinês, sofrendo graves opressões, desejava a revolta e a vinda dos portugueses e estes tomariam facilmente Cantão caso atacassem a China58
No livro Algumas Cousas Sabidas da China de Galiote Pereira, comerciante português sobrevivente de Fujian, e no Tractado das Cousas da China e Ormuz de Gaspar da Cruz, por sua vez, já não se via tal ambição senão um conhecimento mais completo e correcto sobre a realidade chinesa, bem como uma atitude dualista dos mandarins locais em relação à política proibitiva de comércio marítimo do governo central e à sua aplicação em situações concretas, para além de um reconhecimento tácito dos funcionários chineses que tinham sido corruptos para fechar os olhos ao comércio marítimo ilegal59. Esta mudança de visão, resultante do aprofundamento e aperfeiçoamento dos seus conhecimentos pelas próprias experiências vividas no Império do Meio, reflecte-se, sem dúvida, na definição posterior da estratégiacomercial dos portugueses em relação à China e na transformação consciente do seu desempenho do papel de conquistador no Índico para o de comerciante no Mar Meridional da China.
Apesar da emissão contínua de ordens proibitivas ao comércio externo, era muito difícil a sua plena concretização, pois estavam em jogo os interesses das próprias autoridades administrativas e militares locais. Mais ainda: "a morte de Zhu Wan relaxou a proibição ao comércio externo e fez desaparecer preocupações dos franges (Folangji), que começaram a efectuar à vontade viagens marítimas na costa chinesa".60 O que não nos surpreende de modo nenhum é que os portugueses, na altura já conhecedores profundos da realidade chinesa, tentassem de todas as maneiras possíveis contactar com as autoridades chinesas em busca de avanços significativos para conseguirem comerciar no Celeste Império. Leonel de Sousa61 afirmava, numa carta62 dirigida ao Infante D. Luís, datada de 15 de Janeiro de 1556, que tinha conseguido estabelecer contactos com as autoridades chinesas, após três anos de constantes trabalhos e suborno, e chegado a um acordo de paz com o Haidao63 (Superintendente do Circuito da Defesa Marítima) de Cantão, no qual se previa autorização para o comércio livre dos portugueses, que na altura "eram homens de corações sujos [...] e os tinham por ladrões e alevantados que andavam fora da obediência de seu Rei", concedendo-lhes ao mesmo tempo um privilégio que se baseava no pagamento de direitos apenas de 20 por cento de metade das fazendas trazidas. "Desta maneira fiz paz; e os negócios na China com que todos fizeram suas fazendas e proveitos seguramente foram muitos portugueses à cidade de Cantão, e outros lugares por onde andaram folgando alguns dias, e negociando suas fazendas à sua vontade, sem receberem agram nem pagarem mais direitos [...]" "Ao tempo da minha partida, me mandou dizer o aitau (Haidao) que, se queríamos navegar na China, que fosse embaixador de Sua Alteza para el-Rei se informar por ele de nós e que gente éramos, e a paz ficaria fixa, porque os que navegam na China, navegam com a licença de el-Rei e têm portos limitados aonde hão-de ir."64
O capítulo XXIII do Tractado das Cousas da China mencionou também o acordo de paz de Leonel de Sousa, faltando, contudo,referências idênticas em outras fontes históricas, designadamente em fontes chinesas. Da carta de Leonel de Sousa, pode-se depreender que os portugueses já haviam conseguido obter a reconciliação com as autoridades chinesas podendo mesmo fazer pública e livremente trocas comerciais nas ilhas de Shangchuan (Sanchoão) e Langbai'ao (Lampacau), localizadas nas águas externas de Cantão, ou até, dentro da Cidade de Cantão. De acordo com fontes chinesas, os portugueses já faziam negócios em colaboração com os japoneses:
"No 33° ano (1554) de Reinado de Jiajing (1522-1566),navios bárbaros de Folangji ancoravam nos mares de Guangdong.Um comerciante chamado Zhou Luan, dirigiu-se, junto com os bárbaros e em nome de outro país, ao Haidao para pagar impostos de acordo com a legislação vigente, pelo que foram autorizados pelo Haidao Wang Bai a comerciarem. Os navios bárbaros, muitas vezes,eram guiados por juncos chineses para ir trocar suas mercadorias àporta da Cidade de Guangdong, até dentro da cidade [...] No ano seguinte, os bárbaros de Folangji aliciaram os japoneses para comerciarem em conjunto nos mares de Guangdong. Os japoneses, que foram vestidos à Folangji por ideia de Zhou Luan, chegaram até a Rua Maima (de Cantão) para troca de suas fazendas durante muito tempo, o que foi o início da vinda comercial a Cantão dos japoneses,aliciados pelos bárbaros de Folangji."65
Numa carta dirigida ao reitor da Companhia de Jesus em Goa,datada de 20 de Novembro de 1555, Fernão Mendes Pinto dizia: "hoje cheguei de Lampacau, que é o porto onde estamos, e este Macau, que é outras seis léguas mais avante, onde achei o padre mestre Belchior, que de Cantão aqui veio ter."66 Por outras palavras, os portugueses já haviam chegado na altura,em situações idênticas, a Macau. O próprio Fernão Mendes Pinto escrevia ainda no Cap. 221 da Peregrinação, editada em 1614:
"Ao outro dia pela manhã nos partimos desta ilha de Sanchão,e ao sol-posto chegámos a outra ilha que está mais adiante seis léguas para o norte, chamada Lampacau, onde naquele tempo os portugueses faziam sua veniaga com os chins, e aí se fez sempre até ao ano de1557, que os mandarins de Cantão, a requerimento dos mercadores da terra, nos deram este porto de Macau, onde agora se faz, no qual,sendo antes ilha deserta, fizeram os nossos uma nobre povoação de casas de três, quatro mil cruzados, e com igreja matriz em que há vigário e beneficiados, e tem capitão e ouvidor e oficiais de justiça, e tão confiados e seguros estão nela, com cuidarem que é nossa, como se ela estivera situada na mais segura parte de Portugal. Mas quererá Nosso Senhor, pela sua infinita bondade e misericórdia, que esta sua segurança seja mais certa e de mais dura do que foi a de Liampó, que foi outra povoação de portugueses, de que atrás fiz larga menção,avante desta duzentas léguas para o norte, a qual pelo desmancho de um português, em muito breve espaço de tempo foi de todo destruída e posta por terra, [...]"67
Quanto às razões de mudança dos portugueses de Lampacau para Macau, explicou-nos assim o Censor Pang Shangpeng68 na sua Descrição Sucinta da Segurança Marítima de Macau, datada do 43° ano (1564)do Reinado de Jiajing (1522-1566):
"Nos anos anteriores, os barcos ancoravam na Ilha de Langbai'ao (Lampacau), separada por uma grande distância de águas, em condições que muito dificultavam a permanência dos mercadores, razão pela qual o mandarim encarregado da defesa de Macau autorizou a construção de barracas provisórias, que eram desmontadas quando os barcos voltavam a fazer-se ao mar. Só nos últimos anos, começaram a entrar na baía de Macau para ali construir casas, tendo erguido centenas de casas em apenas pouco mais de um ano, e hoje o número de casas construídas já ultrapassou mil. Todos os dias estão em contacto com os chineses, obtendo bons lucros, de modo que pessoas vindas de todos os lados daquele país acorrem a Macau, mesmo velhos e crianças. Hoje o número dos estrangeiros já ultrapassou dez mil [...]"69
O Vol. 69 da Crónica Geral de Guangdong, da autoria de Guo Fei e datada do 30° ano (1602) do Reinado de Wanli (1573-1620), especificoumais ainda, no seu capítulo sobre Macau, a data e os motivos da fixação em Macau dos portugueses:
"No 32°ano (1553) do Reinado de Jiajing (1522-1566), os estrangeiros que ancoraram os seus navios em Macau pediram terras emprestadas a pretexto de ter os seus navios danificados pela tempestade e mercadorias molhadas. Subomado, o Haidao, Wang Bai, acabou por autorizar. De início, fizeram apenas umas dezenas de cabanas de palha, mas passados alguns tempos, construíram casas de madeira e de pedra à medida que os comerciantes que procuravam lucros fáceis transportavam para lá tijolos e outros materiais de construção, tomando forma duma povoação, que atraiu muitos navios estrangeiros para aí ancorarem à custa de outros portos, que caíram em desuso."70
Esta versão é seguida pelos autores da Monografia de Macau, Ying Guangren e Zhang Rulin, que foram os primeiros magistrados da Casa Branca:
"No 32° ano (1553) do Reinado de Jiajing (1522-1566), barcos bárbaros que aportaram a Macau pediram alguma terra emprestada a pretexto de terem os seus navios danificados pela tempestade, para secar mercadorias tributárias molhadas, o que foi autorizado pelo Haidao, Wang Bai. De início, fizeram apenas umas cabanas de palha, mas passados alguns tempos, construíram casas à medida que os comerciantes que procuravam lucros fáceis transportavam para lá tijolos, telhas vidradas, vigas, ripas e outros materiais de construção, de modo que os folangji conseguiram, dum modo fraudulento, fixar-se em Macau. Com as casas altas que se apinham umas atrás das outras, esta terra, com o correr do tempo, acabou por ficar ocupada por eles. A presença bárbara (dos Portugueses) data do tempo de Wang Bai. "71
Sempre alvo da atenção dos historiadores, "a data exacta da primeira estadia dos portugueses em Macau, sem contar o tempo em que temporariamente esta localidade foi utilizada como centro de comércio, o que durou algumas semanas ou meses, é ainda assunto de grande discussão. A versão mais aceite é que os portugueses foram autorizados a estabelecer uma feitoria naPenínsula em 1557 [...]"72 Dai Yixuan, consagrado historiador chinês e especialista na História de Macau, após uma pesquisa pormenorizada às fontes chinesas e ocidentais, achava que as afirmações referentes a 1553 e 1557 eram, ambas, correctas, pois "enquanto a data referenciada pelos registos regionais e funcionários locais, ou seja o 32°ano (1553), do Reinado de Jiajing (1522-1566), referia-se ao ano em que entraram os portugueses em Macau, a data de 1557 afirmada pelas fontes portuguesas indicava o ano em que os portugueses edificaram as suas casas de madeira e de pedra em Macau. Ambas as versões, embora com uma diferença de quatro anos, coincidiam na medida em que a primeira implicava o início da feitura e a segunda, o fim do acto, justificando assim um processo que durou quatro anos. Portanto aceitam-se ambas as versões."73
As linhas gerais da fixação em Macau dos portugueses são claras: inicialmente faziam comércio em Macau, tal como nas ilhas de Shangchuan (Sanchoão) e Langbai'ao (Lampacau), construindo apenas casas temporárias de palha para a troca de mercadorias e mantendo ao mesmo tempo os vários locais de comércio em outras ilhas74, isto devia-se essencialmente ao reconhecimento tácito e à tolerância e interesses económicos e pessoais75 dos mandarins locais, tanto distritais como provinciais. As óptimas condições geográficas de Macau e a sua posição como um porto aberto oficialmente para o comércio atraíam aí cada vez mais comerciantes estrangeiros.76
Gregório González, padre secular espanhol, considerado por alguns historiadores como um dos fundadores de Macau, escreveu por volta de 1570 uma carta a D. Juan de Borja, então embaixador espanhol em Lisboa, em que contava, detalhadamente, os primeiros tempos da chamada fundação de Macau:
"[...]. Eu há vinte anos que estou na Índia de Portugal, e tantos há que fui enviado ao reino da China, pelas muitas guerrasque há muitos anos que em tal reino há com os portugueses, apesar das quais sempre fizeram seus negócios, até ao ano de cinquenta e três. E neste tempo vieram notícias à Índia que queriam os chineses fazer pazes com os portugueses, como de facto se fizeram.
E com esta notícia fui para lá enviado, e permaneci na terra no primeiro ano com sete cristãos, onde me cativaram a mim e aos demais até à vinda dos navios no ano seguinte. E no segundo ano me começou Nosso Senhor a alumiar, com o que converti alguns chineses à fé de Jesus Cristo, e permaneci na terra, onde tinha edificado uma igreja de palha. E logo que se vieram os navios para a Índia e para outros reinos, me tomei a deixar ficar na terra com 75 cristãos, onde todos fomos outra vez cativos, sendo derramados por diversas partes, sem saber uns dos outros, gritando os chins comigo, porque me deixava ficar na terra, que seria alguma traição. E detiveram-nos até ao ano seguinte, [...] (altura em) que chegaram os navios e fomos todos soltos e juntos, e tornei a fazer (uma) igreja, e os portugueses casas donde fiquei conhecido deles (chineses) daí em diante pacificamente.
E comecei a entender a terra e a fazer cristandade, trabalhando sempre (para) que os da terra fossem favorecidos, sabendo perdoar-lhes as suas faltas, tratando com eles e fazendo-os tratar (com) muita verdade, donde vim a fazer, no decurso do tempo, que foram doze anos, uma powação muito grande na ponta da terra firme que se chama Macau, com três igrejas e um hospital de pobres e casa da Misericórdia, que agora é uma povoação que passa de cinco mil almas cristãs. Da qual povoação e trato vem agora à Índia o principal sustento do seu Estado, pelas muitas riquezas que de tal reino a ela e a suas alfândegas vêm, [...]"77
Wang Linheng, comissário imperial que esteve em Cantão por volta de 1601 para dar visto aos processos judiciais, afirmava também que:
"Os portugueses que vieram à China costumavam ficar em Xiangshan'ao (Macau) para comércio, partiam depois de terem feito o negócio. Com o passar do tempo, as leis tornaram-se menos rigorosas e os portugueses começaram a residir em Macau. Osresponsáveis (chineses) facilitavam o seu comércio sem cumprir com rigor as leis, deixavam-nos fazer o que entendessem. Certamente, se se emitisse uma ordem para não exportar para lá cereais e alimentos, os portugueses, cercados, não poderiam permanecer muito tempo em Macau. No entanto, os seus negócios são extremamente lucrativos, pelo que se torna difícil de os proibir apesar da severidade das leis. Agora, consta que existe já em Macau uma dezena de milhares de famílias, com centena de milhares residentes. Isto constitui uma chaga no Sul da China, sem saber quais serão suas consequências quando rebentar".78
Se bem que a construção de casas permanentes dos portugueses e o rápido desenvolvimento das feiras em Macau acabaram por chamar a atenção das autoridades, a má conduta e as infracções cometidas pelos portugueses no passado recente79, e os seus "inconformismos" em relação ao incumprimento da promessa de isenção de direitos pelas autoridades chinesas, depois de os portugueses terem ajudado na vitória sobre os rebeldes de Zhelin, tornaram-se em preocupações ainda mais sérias para as autoridades da Dinastia Ming (1368-1644). Ye Quan, um letrado chinês que esteve em Macau em 1565, apenas um ano decorrido após o acontecimento, escreveu assim nas suas Crónicas de Viagem de Lingnan:
"Tendo em consideração que o orçamento militar de Guangdong depende dos (direitos pagos pelos) navios bárbaros, não sevê qualquer inconveniência se os bárbaros, sem outras ambições, apenas pretendessem fazer rentabilizar seus produtos com a abertura da feira marítima e através do comércio entre chineses e eles. No entanto, o que se verifica hoje em Macau é a reunião de milhares de bárbaros, que fazem os chineses tornarem-se em criados e que casam com mulheres chinesas tomando-as e os seus filhos como escravos. Os oficiais militares imperiais acreditados em Macau e os funcionários alfandegários chineses não tinham capacidade suficiente para os controlar senão tentar apenas tranquilizar, com promessas vagas, o ânimo dos bárbaros para não se revoltarem. Os bárbaros quefrequentavam as feiras marítimas, anteriormente realizadas a bordo dos navios, findas as transacções, iam-se embora e se tomavam no ano seguinte. Mas agora, em vez de se irem embora ao terminar as feiras, deixam os seus navios e instalam-se em terra em casas construídas. Os bárbaros que são, por temperamento, astutos, com a orientação de rebeldes ou fugitivos aqui refugiados, adquirem profundos conhecimentos sobre as vantagens e desvantagens da China bem como as facilidades de navegação até à Cidade de Cantão pela via fluvial. Esta situação como é que poderia continuar a existir! As autoridades não deveriam procurar alguma solução para esta situação?
No motim do distrito de Dongguan, na última Primavera, os rebeldes conseguiram chegar, a bordo de lorchas e ao som dos tambores, à capital da Província, obrigando ao encerramento das portas da cidade em pleno dia. Os rebeldes ousaram fazer festas no Templo da Concubina Celestial. O comandante Tang Kekuan80 teve vários combates com eles, mas todos foram sucessivamente mal sucedidos. Mandou então um mensageiro aos bárbaros de Haojingao (Macau) aliciando os bárbaros de Macau a dar o seu apoio para derrotar os rebeldes com a promessa de isenção da medição no caso de vitória, o que não era nenhuma ideia do Governador Provincial. Ao obter a vitória sobre os rebeldes, o comandante Tang considerou-a como uma vitória de seu próprio mérito e o Haidao, desconhecendo também o conteúdo do prometido, não os isentou do pagamento da medição. Os bárbaros, inconformados com a situação, recusavam-se a pagar os direitos das suas mercadorias, o que fez com que as autoridades provinciais procurassem meios para colocá-los em apuros. Foi decretada a proibição de exportação de viveres para Macau. Esfomeados, os bárbaros acabaram por pagar os direitos em causa, mas lamentavam a falta de dignidade e de palavra por parte dos chineses, desconhecendo que tudo tivesse sido obra do comandante Tang. As autoridades de instância superior, por sua vez, achavam que os bárbaros eram muito difíceis de controlar, também por ignorar a promessa feita pelo comandante Tang no sentido de isentar os bárbaros da medição se viessem a conquistar a vitória sobre osrebeldes. Ora, os conflitos nascem sempre assim, ou seja, pela falta de comunicação entre as partes."81
O principal estratega da operação opressiva à revolta de Zhelin, Yu Dayou82, dizia assim quanto ao assunto em causa: "mandei contactar os meus velhos conhecidos de Xiangshan'ao (Macau), a solicitar o apoio de vários barcos. Foi-lhes já notificado anteriormente que não seria aceite de maneira nenhuma o pedido da concessão de título tributário mas que seriam fortemente recompensados no caso de vitória"83. Nestas palavras, podemos reparar que os portugueses, na altura, ainda não deixavam de fazer tentativas para conseguir o estatuto tributário do Império Chinês. Mas o interessante consiste no seguinte: porque é que as autoridades de Guangdong continuavam a tolerar a presença portuguesa em Macau perante o inconformismo dos portugueses?
O segredo talvez deva ser descodificado através da verificação das dificuldades financeiras locais. Na verdade, Yu Dayou fez a seguinte proposta ao Vice-Rei de Guangdong e Guangxi após a vitória sobre os rebeldes de Zhelin:
"O processo de enviar as forças militares do Império para controlarem os comerciantes estrangeiros, utilizando-os para atacarem os revoltosos, depende do mérito e habilidade dos comandantes do Império. Já não era novidade nenhuma a construção de residências ilegais pelos comerciantes estrangeiros e a tolerância dos mandarins de Macau em relação a estes últimos. Os estrangeiros tiveram oportunidade de conhecer os nossos méritos estratégicos e a nossa força de dissuasão na batalha de Sanmen, méritos estes que também podem servir como bons métodos no controlo de estrangeiros. Se atacarmos (os estrangeiros em Macau) com uns milhares de militares navais partindo do mar e, ao mesmo tempo, com outros milhares de soldados partindo de terra, como é que eles conseguem resistir? As armas utilizadas pelos estrangeiros não passam de espadas brandas, que de maneira nenhuma conseguem resistir às nossas lanças e facas nos combates navais e terrestres. As armas mais poderosas que eles possuem são as espingardas e canhões, os quais, no entanto, têmpouca utilidade perante os ataques corajosos dos nossos soldados sob comandos duros. Tive a oportunidade de presenciar os combates que foram efectuados nos anos anteriores em Zhaoan84 e Zoumaxi, em que vários barcos estrangeiros foram aniquilados todos num só dia. Se bem que os estrangeiros fossem difíceis de controlar, como dizia muita gente, a Província de Guangdong estaria, já desde os tempos antigos, numa desordem total e incontrolável e os habitantes da Cidade de Cantão cedo fugiriam para fora. Convém preparar já um combate final contra os estrangeiros a fim de criar uma estabilidade duradoura para os cantonenses. Penso que só V.Ex.a terá a competência de organizar e comandar a operação em causa, à qual estou disposto a prestar as minhas modestas ajudas. Nunca poderemos ter outra oportunidade como a de hoje caso a deixemos escapar. A única desvantagem consistirá talvez nos custos e na perda de direitos a cobrar durante os anos a seguir. Espero que V. Ex.a tenha isso também em consideração. "85
Embora deixando de afirmar que a fixação em Macau fosse prémio de alguma batalha, alguns historiadores contemporâneos portugueses, insistem ainda que o apoio português em 1564 contra os rebeldes e piratas confirmou a posse de Macau pelos portugueses86. Na verdade, as coisas aconteceram bem ao contrário, pois o que queria Yu Dayou era "preparar já um combate final contra os estrangeiros a fim de criar uma estabilidade duradoura para os cantonenses", e que "nunca poderemos ter outra oportunidade como a de hoje caso a deixemos escapar", e o Vice-Rei de Guangdong e Guangxi, Wu Guifang,87 não aceitou a proposta de Yu Dayou só por motivos financeiros e de direitos comerciais. Mas, sendo assim, como é que se pode explicar a construção reforçada, por ordem deste governante, da muralha externa da Cidade de Cantão, orçamentada em setenta mil taéis de prata, a título de "defender-se da ambição e intrigas de estrangeiros (portugueses)"88?
Wu Guifang, com sérias dúvidas suscitadas pela "contradição entre os nomes apresentados" e numa tentativa de apurar por todos os meios a verdadeira identidade dos portugueses, chegou a presumir que eles eramnaturais de "Pu-Li-Du-Jia" (Portugal)89 e que o objectivo deles era conseguir um estatuto tributário e, posteriormente, a isenção de impostos. Desta forma, numa informação90 sobre a ocupação de Macau pelos portugueses, dirigida à Corte em 1565, Wu Guifang assim expressou, duma forma bastante completa, a sua opinião e atitude em relação aos portugueses:
"Tal como muitos outros funcionários, estou também convicto de que (a contradição entre nomes apresentados) resulta ou de más línguas dos marginais, ou do receio dos bárbaros no sentido de poderem perder as oportunidades de negócio caso confessem a sua verdadeira identidade. A longa distância entre os países e a existência de informações contraditórias dificultaram o apuramento da verdade. O facto de que, mesmo entre os bárbaros, a comunicação é feita através de tradução, agravou também a nossa investigação. Pu-Li-Du-Jia, como nome de um país, não se encontra em nenhuma fonte histórica, sendo certo que se trata de um país que nunca possuiu o estatuto tributário desta Dinastia. Duvido que os que desta vez vieram pedir o estatuto tributário sejam os bárbaros do reino Folangji, tal como aqueles que, nos anos anteriores, disfarçados em gentes de Malaca, cá vieram para materializar o comércio clandestino. A intenção deles não é outra senão pretender a isenção de impostos. Tendo em atenção as dúvidas suscitadas, é-nos difícil fazer uma política adequada, pelo que solicitamos um despacho de S. Majestade."91
Em seguida, Wu Guifang fez um relatório sobre as principais actividades dos portugueses em Guangdong nos últimos anos, afirmando que a ocupação de Macau pelos portugueses "remonta de longo tempo" e que eles "não cumpriam com rigor a lei chinesa", "constituindo um perigo imediato e latente para a cidade de Cantão", mas não especificou quais as razões pelas quais os bárbaros se revoltaram contra o pagamento de impostos depois de terem visto a não concretização da promessa deisenção de impostos, ou seja, a concretização da recompensa à ajuda prestada na repressão dos rebeldes. No entanto, o texto seguinte pode confirmar aquilo que a Crónica de Folangji da História Oficial dos Ming afirmava, ou seja, os primeiros homens que faziam negócio em Haojingao não eram apenas portugueses, mas também "bárbaros de todos os países", tendo a China "obtido grandes lucros" desse negócio. Afirma também que Macau vinha a ser ocupado exclusivamente pelos portugueses, desde "há mais de vinte anos", portanto oito anos mais cedo em relação ao ano de fixação portuguesa em Macau (1553) conforme consta na maior parte das fontes históricas chinesas:
"Sendo uma situação excepcional a vinda dos bárbaros para solicitar a apresentação de tributos, e se da parte dos bárbaros se vê uma verdadeira vontade de vassalagem e da nossa parte não se vêem perigos latentes, é de todo possível acolher calorosamente a sua gente e aceitar os seus produtos oferecidos. No entanto, a partir do levantamento da proibição da vinda das embarcações estrangeiras, autorizado em 1529 pelo Grande Coordenador92 e Comandante das Forças Armadas de Guangdong, Lin Fu93, e do estabelecimento do sistema fiscal, os países estrangeiros constantes das 'Sagras Instruções do Imperador-Fundador' e das ‘Instituições', ou seja, os antigos reinos vassalos mandaram numerosas embarcações cujas velas se vêem em todos os lados do porto de Cantão. Entre as embarcações chegadas misturavam-se, às escondidas, barcos de alguns países proibidos de fazer negócio com o nosso Império, como o reino de Folangji. Nos últimos anos, pessoas estrangeiras de muitos países apoderaram-se de Haojingao, construindo ilegalmente casas de palha, quartéis e templos estrangeiros, vindo e partindo com grande liberdade, até tendo filhos e netos. Recordamos que, no início da abertura do comércio, era muito pouco o número de embarcações estrangeiras, e os bárbaros não se atreviam senão a seguir as legislações - novas legislações na altura - impostas, pelo que trouxeram grandes lucros para a China. À medida que o tempo passava e que se habituavam com o ambiente,começaram a contestar os impostos e a situação começou a deteriorar-se, com lucros cada vez mais escassos para o nosso Império. Estesbárbaros estranhos à nossa etnia, cujo número ultrapassa os dez mil, já ocupam Macau há mais de 20 anos. Os mais conscientes preocupam-se com esta situação opinando que estes bárbaros, embora vinculados actualmente pelas relações comerciais, serão um perigo imediato e latente para a cidade de Cantão."94
Por último, Wu Guifang manifestou a sua atitude em relação à apresentação de tributos dos portugueses, analisando vantagens e desvantagens da eventual autorização, e dada a importância do assunto, pediu à Corte para deliberar:
"Esta solicitação resulta do facto de que, nos últimos anos, as forças dos bárbaros tornaram-se mais ameaçadoras. Conforme a notificação apresentada por eles, eram enviados de Malaca, que é um reino nosso vassalo. Mas depois de serem submetidos a interrogatório pelos serviços competentes, com o apoio do intérprete, vieram a confessar que eram naturais do reino Pu-Li-Du-Jia, nome que se distancia em grande escala de Malaca. Diziam ainda que o reino de Malaca já tinha sido ocupado por eles, o que de certa maneira reflectia as suas forças nos oceanos ocidentais. Examinando a carta tipo credencial deles, verificámos ainda que se tratava de uma carta com dimensão de 2,5 cun, diferente dos formulários oficiais, e com um carimbo à semelhança dos carimbos de pintura chinesa na parte superior da carta, o que nos levou a suspeitar da sua credibilidade e adequação protocolar. Convocada a reunião dos serviços competentes, foi opinião unânime de que se tratava porventura de uma mentira de bárbaros por nós desconhecidos, que visavam a fuga de impostos com a desculpa de apresentação de tributos. Conseguimos ainda saber que, nos finais do Reinado Zhengde (1506-1521), os bárbaros de Folangji tinham chegado a Guangdong sob o pretexto de virem para apresentar tributos. No entanto, trouxeram embarcações de grande dimensão para fazer negócio. Eram bárbaros que se revelavam como seres humanos quando contentes e animais ferozes quando zangados. As nossas forças armadas não conseguiam, na altura, fazer o controlo e as regiões costeiras foram invadidas. Só até os primeiros anos do Reinado Jiajing (1522-1566) é que se conseguiu neutralizar o perigo que aqueles bárbaros tinham trazido, graças à inteligência e repressão de Wang Hong, vice-comandante da defesa marítima.Suspeitamos de que o verdadeiro nome de Pu-Li-Du-Jia, que hoje nos apresentaram, seja o Folangji, o qual já tínhamos conhecido anteriormente, e o seu pedido de apresentação de tributos não passa de intrigas por eles utilizadas em anos anteriores. Se recusarmos o seu pedido, provavelmente enfrentaremos os distúrbios imediatos por eles provocados; mas se deferirmos os referidos pedidos, então temos de enfrentar a vinda de um número cada vez maior de amigos deles, e violações constantes às legislações fiscais, consubstanciadas também com ameaças e perigos incontroláveis nas regiões costeiras, o que constitui a longo prazo uma tragédia muito maior em relação à primeira situação. Tendo em consideração que eles vieram em nome de apresentação de tributos, não nos é possível indeferir imediatamente o pedido deles, sob pena de cometermos abuso de poder. No entanto, dada a importância relevante do assunto, também não nos cabe manter o silêncio, sob pena de podermos introduzir perigos para as outras regiões. Assim, rogamos a S. Majestade se digne mandar os serviços competentes para a discussão e apreciação, a fim de pôr em prática as respectivas políticas."95
Pelo exposto, podemos concluir que Wu Guifang já sabia, na altura, que os estrangeiros, disfarçados em gentes de Malaca, eram naturais de Portugal, e que tinham vindo para obter o estatuto tributário. Não queria por um lado deferir o pedido de apresentação de tributos a fim de evitar consequências negativas no futuro, e por outro lado, receava que o indeferimento do pedido pudesse originar a insatisfação dos requerentes e o consequente distúrbio incontrolável na província de Guangdong. Daí, não se atreveu a tomar, ele próprio, uma decisão e limitou-se a informar a Corte sobre o assunto. Não obstante e na verdade, Wu Guifang tinha optado por uma política "a meias" ainda antes da chegada das instruções imperiais, autorizando, implicitamente, o comércio dos portugueses em Macau.
É de salientar aqui que na altura ainda estava vigente a política proibitiva do comércio marítimo com o exterior, seguida pelas autoridades imperiais, e que as actividades comerciais em Cantão eram muito activas, pois "Cantão, para além de ser a capital da Província e metrópole de umas dezenas de distritos, era também a cidade mais rica da Província e fonte de receitas da região de Guangdong e Guangxi, convertendo azona a sul daquela cidade numa mina de ouro onde acorriam comerciantes de todos os cantos e onde se reunia toda a espécie de mercadorias"96
Assim, as medidas tomadas por Wu Guifang no sentido de reforçar a defesa da Cidade de Cantão eram compreensíveis, na medida em que acabou por acalmar a revolta de Zhelin e os estrangeiros ainda estavam inconformados pelo incumprimento da promessa feita pelas autoridades chinesas. A deslocação das actividades do comércio externo para fora da Cidade de Cantão podia, por um lado manter a troca comercial entre comerciantes locais e estrangeiros e, por outro lado, podia impedir o pedido da concessão de título tributário por estrangeiros ou descobrir com antecedência as suas eventuais manobras de intriga. Por esta razão, a afirmação de Fernão Mendes Pinto de que "os mandarins, a pedido dos comerciantes locais, concederam-nos o porto de Macau para aí efectuarmos o comércio", também tinha a sua razão, e nestas circunstâncias, Macau tornou-se rapidamente o porto exterior de Cantão e o local de comércio com estrangeiros.
Tien-Tsêê Chang afirmou também, quando fez comentários à mudança da Inspecção do Comércio Marítimo para Macau no 14° ano (1535) do Reinado de Jiajing (1522-1566) que:
"O esforço dos chineses no sentido de encontrar um novo local para comerciar com o estrangeiro é digno de nota. É indicador de um cuidado crescente, da parte dos chineses, no que respeita aos estrangeiros. Percebiam agora que era aconselhável manter os comerciantes estrangeiros a uma distância segura, em vez de os autorizar a frequentar o porto de Cantão, que, para além de muito populoso, ficava situado no coração de uma grande província. A darem-se distúrbios em Cantão, estes afectariam directamente muita gente e teriam repercussões numa zona bastante vasta do sul da China."97
Para as autoridades de Guangdong, o desenvolvimento do comércio externo e o melhoramento da situação financeira eram a prioridade das prioridades. "Na opinião comum dos historiadores, o fim da Dinastia Ming (1368-1644) deveu-se essencialmente à sua falência financeira", pois com a revisão do regime fiscal, "quase todo o orçamento militar era sustentado, sem excepção, pela prata paga pelas Províncias localizadas a sul do RioYangtsé [...]", "até aos fins do séc.. XVI, as Províncias do Sul pagavam anualmente das suas receitas a Pequim e zonas fronteiriças do Norte qualquer coisa como cinco milhões de taéis de prata"98 Daí, não é difícil avaliar o peso da carga financeira dos governos locais do Sul da China. Destas Províncias, Guangdong era uma das que via a situação financeira mais pesada, pois além disso, "as remunerações mensais dos funcionários civis e militares eram normalmente pagas em mercadorias estrangeiras"99 Ainda no 8° ano (1529), do Reinado de Jiajing (1522-1566), Lin Fu, o Grande Coordenador de Guangdong, tinha solicitado à Corte da Dinastia Ming (1368-1644) a reabertura do comércio tributário:
"Com a reabertura do comércio com estrangeiros, a primeira grande vantagem consiste em que a Fazenda Imperial poderá receber a sua proporção, consagrada pelas regras antigas fixas, dos direitos pagos pelos navios estrangeiros em relação às suas mercadorias que não sejam tributos; a segunda grande vantagem é que, descontada a proporção paga, a soma residual dos direitos cobrados pelas autoridades poderão sustentar o orçamento militar, pois com as contínuas operações militares de anos a fio nas Províncias de Guangdong e Guangxi, a reserva financeira está já à beira de ser esgotada e as receitas dos direitos poderão fazer recuperar a reserva; a terceira consiste na rentabilização da armazenagem das mercadorias estrangeiras, pois a Província de Guangxi, com total dependência da Província de Guangdong, não consegue reunir fundos, mesmo para as mais pequenas reconquistas, o que, no caso das operações militares, perturbará certamente a vida do povo mesmo que os funcionários sacrifiquem as suas remunerações. Mas na altura em que os navios estrangeiros podiam cá vir para fazer comércio, a armazenagem das mercadorias estrangeiras podia render, em cada duas semanas, dezenas de milhares de taéis de prata; a quarta consiste na concessão de oportunidades de comércio ao povo em geral, pois segundo as regras comerciais antigamente vigentes, as autoridades competentes escolhiam as melhores mercadorias pagando os respectivos valores, porquanto as mercadorias de menor qualidade eram entregues ao povo pobre para que as vendessem, conseguindo desta maneira sustentar-se. Exactamente por causa disso, Guangdong era considerada umaProvíncia rica. Se bem que o comércio com estrangeiros pudesse não só ajudar o Estado e as forças armadas, como também trazer benefícios para o govemo local e o povo, os lucros provenientes do comércio com estrangeiros são lucros em benefício do povo e não à custa do povo. "100
Embora propusesse a reabertura de comércio com estrangeiros, Lin Fu insistia que "os países não constantes das ‘Sagras Instruções do Imperador-Fundador' e das ‘Instituições', tais como o Folangji, devem ser expulsos"101 Durante os trinta anos a seguir à proposta de Lin Fu, a situação financeira de Guangdong nunca teve sinais de melhoria, mesmo depois do levantamento das ordens de proibição do comércio marítimo, o comércio externo não conseguiu sair da estagnação. Perante esta situação, os funcionários locais achavam que a conversão de Macau num local de comércio externo poderia, por um lado, resolver problemas urgentes de carácter financeiro e, por outro lado, permitiria controlar eficazmente os estrangeiros, na sua maioria portugueses, ou até defender-se de invasões de piratas com o auxílio das forças portuguesas.
"A té aos finais do séc. XVI, os mandarins de Cantão tinham já definido pouco a pouco, uma estratégia adaptada a duas situações concretas na política diplomática chinesa: por um lado, as necessidades do comércio marítimo lucrativo controlado e, por outro lado, as necessidades de uma defesa costeira eficaz"102 A recusa de Wu Guifang à proposta de Yu Dayou e a ordem de construção das muralhas externas de Cantão reflectiram, em certa medida, a política acima referida. A opinião de um intelectual chinês daquele tempo, Huo Yuxia, que foi finalmente aceite pelas autoridades, elucida bem o pensamento e a política dos mandarins locais em relação a Macau:
"A presença estrangeira em Macau, para a nossa Província de Guangdong, é de facto como ter bandidos residindo à porta. Se bem que os incompetentes procurem ainda a paz com o fogo posto nas lenhas armazenadas e ignorem as perturbações dos pássaros que estão voando na sala das suas casas, ou seja, procurem os ganhos comerciais passageiros e desconheçam a importância da segurança nacional, as pessoas de perspicácia já têm sérias preocupações quantoa esta situação. Mas, os estrangeiros que exercem o comércio nas ilhas não deveriam ser comparados com os malfeitores e com os rebeldes. Um soberano benevolente não se pode abster de apaziguar todos os seus vassalos, venham eles donde vierem. Ter-lhes cobrado (aos estrangeiros) as taxas alfandegárias e depois -- especulando gratuitamente acerca das suas intenções diabólicas -- ter originado discussões propositadas com vista a encontrar medidas preventivas contra eles, não me parece que seja uma atitude de gente justa. Antes de os classificar a todos como ladrões e bandidos, o que levaria à divisão indiscriminada dos bons e dos maus, seria aconselhável uma inspecção atenta para podermos realmente ver a natureza do seu carácter, bom ou mau, submisso ou rebelde. Um homem sensato deverá ter em conta aquilo que vos estou a propor.
É normal que vocês perguntem: É então (que é que devemos fazer)?' Penso que o melhor plano de acção é o de constituir formalmente uma instância governamental local capaz de, com a ajuda do respectivo aparelho burocrático, administrar a população estrangeira no território. Expulsar essa gente e proibi-la de voltar de novo seria uma atitude primária e medíocre. Uma linha de conduta ainda mais inconsciente e que os levaria muito provavelmente à revolta, seria a de impedir-lhes o acesso às provisões e, dessa forma, tentar exterminá-los. A aplicação da primeira política (a de constituição de um governo local em Macau) implicará, antes de mais, a notificação de dissuasão da segunda política (a de evacuação de estrangeiros de Macau). Para o efeito, convém avisar claramente que, dado que vocês, estrangeiros, se envolveram em comprar cavalos, agregar bandidos e manufacturar armas de fogo, aumentaram o risco e a possibilidade de ambiciosos locais incitarem a população a uma revolta subversiva, e que, por essa razão, as autoridades imperiais deram ordens aos oficiais e tropas locais para que demolissem as vossas casas e vos enviassem embora de modo a evitar desastres pessoais de ambos os lados. Será também conveniente notificar a decisão acima referida por três vezes, mandando ao mesmo tempo um alerta às forças militares. Caso os estrangeiros em Macau obedeçam à ordem e se retirem para outras terras, conseguiremos a concretização da segunda política, impondo desta maneira uma distância com os países estrangeiros.
Caso os estrangeiros rogassem a continuação da permanência em Macau querendo registar-se como membros da comunidade local,então seria o momento ideal para informar o governo central e pedir-lhe que instalasse um governo local e respectivo aparelho burocrático, capazes de regulamentar os estrangeiros de acordo com as leis chinesas vigentes. Deste modo, induzindo-os a seguirem a maneira de Xia103 e administrando-os com o princípio da humildade e da submissão, haverá aceitação da paz sem protestos nem revoltas. É por isso mesmo que esta é a melhor das políticas.
Algumas pessoas argumentarão: se somos tão infelizes ao ponto de termos de evacuar os estrangeiros, para que a paz se mantenha imperturbável dentro das nossas fronteiras, então que bênção ainda mais generosa nos vai conceder o Céu Todo Poderoso? E porque é que consideramos esta política medíocre? Eu respondia a esta pergunta da seguinte maneira: é da responsabilidade do Filho Celeste proteger-nos contra os Estados estrangeiros existentes em todos os quadrantes da terra, mas um grande Rei não pode deixar de pensar no benefício do seu povo. É obrigação de uma hegemonia imperial obter benefícios do inimigo de forma a pacificar as suas fronteiras. Nos últimos cem anos os gastos militares das Províncias de Guangdong e Guangxi foram pagos pelas receitas provenientes do comércio. Esta fonte de rendimento é semelhante à de um grande distrito. Uma vez abandonado o comércio, como é que vamos ser capazes de cobrir as despesas militares? Esta é a primeira desvantagem. Macau protege os mares em redor do Distrito de Xiangshan de tal maneira que, ferozes piratas como Laowan104, Zeng Yiben105 e He Yaba106, não ousam mais aparecer por estas redondezas. Como resultado disso toda a região está pacificada. Se expulsássemos os estrangeiros de Macau, Xiangshan teria de se defender por si própria. Esta é a segunda desvantagem. Daí que aconstituição de um regime municipal em Macau e a respectiva nomeação de funcionários acreditados naquele território será certamente uma das melhores opções para a aplicação de uma política moderada."107
Pang Shangpeng registou também que "os que se debruçaram sobre este tema pretendiam construir, para efeitos de vigilância e controlo, uma fortaleza na montanha situada ao norte de Haojingao (Macau) e ao sul da aldeia Yongmo, nomeando para o efeito um adjunto do magistrado do distrito para aí se instalar e com ampla jurisdição no sentido de que, sem autorização, os chineses serão interditos de se deslocar a Macau e os estrangeiros interditos de passar para além daquela fortaleza". No 2° ano (1574) do Reinado de Wanli (1573-1620), "foi construída no Istmo de Lótus uma barreira com guardas imperiais"108, gravando-se, posteriormente, na porta quatro caracteres chineses que significavam "respeito pelas autoridades e agradecimento à benevolência imperial". Foi assim formado o modelo administrativo da Dinastia Ming (1368-1644) em relação a Macau que se baseava na ideia de que a "constituição de um regime municipal em Macau e a respectiva nomeação de funcionários acreditados naquele território serão certamente uma das melhores opções para a aplicação duma política moderada."109
Da aplicação deste modelo tiraram muitos benefícios quer a China quer Portugal: para os portugueses, conseguiram a permanência duradoura neste importante entreposto comercial que era Macau, alcançando um objectivo que já vinha de longe; para os chineses, conseguiram, com mérito e eficácia, o controlo de um inimigo latente, a defesa das invasões de piratas com o escudo português e também os lucros obtidos do comércio. Em 1579, os portugueses residentes em Macau foram mesmo autorizados a deslocar-se a Cantão para fazer compras. Quanto aos acontecimentos deste período histórico, The Cambridge History of China -- The Ming Dynasty explica assim:
"The shift of trading from Macao upriver to Canton seemed to have begun in 1758. In that year the Macao Portuguese were permited to travel to Canton, the capital of Kwangtung province, to purchase Chinese goods. Canton had been closed and opened forforeign trade intermittently throughout the sixteenth century, the major consideration that determined its status being law and order. Provincial offcials in Kwangtung had worked out a detailed set of procedures to regulate the foreign trade under their jurisdiction. Foreigners had to reside in designated areas. They were ‘secured' by wealthy Chinese merchants who were designated by a circuit intendent. The trading period was limited to one session (and later two) a year. The Chinese had also developed a technique for coercion. They withheld services and suplies from foreigners who would not adhere to these procedures."110
Os portugueses aceitaram estas regras impostas e ampliaram o comércio luso-japonês, aproveitando as hostilidades entre chineses e japoneses, que estavam em guerra, e beneficiando da política imposta pelas autoridades chinesas no sentido de proibir o comércio directo entre a China e o Japão. Segundo dados estatísticos, a prata que os portugueses transportaram de Nagasaki, no Japão, para Macau, no período de 1580-1599, rondou entre 400 mil e 800 mil taéis, número que aumentou para 58 milhões de taéis no período de 1599-1637. "Estas pratas que os portugueses transportaram do Japão para Macau foram, na sua maior parte, introduzidas na China para comprar seda e outros produtos que o mercado japonês procurava. Segundo o cálculo de alguns peritos, o valor gasto pelos portugueses nas compras de Cantão era um milhão ou mais de um milhão de taéis. Por outro lado, dado que a maior parte dos produtos de primeira necessidade que os portugueses de Macau consumiam provinha da China, os chineses, naturalmente, tinham muitas oportunidades de ganhar mais prata."111
Contudo, embora a autorização de permanência dos portugueses em Macau esteja directamente ligada aos motivos de "sustentar com o comércio as despesas militares" e de servir Macau como "uma barreira natural para a defesa dos mares", a razão essencial112 foi a indisponibilidade dasautoridades imperiais centrais da Dinastia Ming (1368-1644) no tratamento dos assuntos comerciais das costas do sudeste da China, pois a grave crise social verificada nos finais desta Dinastia e as guerras nas fronteiras do Império - a Revolta de Lótus Branco113 em Shandong, a invasão dos mongóis no noroeste da China, a Guerra entre a China e Birmânia, os conflitos entre a China e Espanha nas Filipinas, e a Guerra entre a China e o Japão na Coreia -- já abalavam toda a sociedade chinesa, tal como se afirma em The Cambridge History of China -- The Ming Dynasty:
"The major concem of the Ming empire was not to allow costal trade to disturb the social life of its agrarian society. The Portugueses were permitted to continue residing in Macao; the legal status of the colony was never brougth up, for no dispute had arisen over the issue. In practice the Portuguese paid the magistrate of Hsiang-shan country a nominal rent, and a Chinese customs house at Macao collected import and export duty and tonnage fees, with preferential rates for the Portuguese. In 1574 a barrier wall was erected to seal off the colony and to keep the foreigners inside. Within the colony, however, the Portugueses enjoyed self-govenment."114

1 Cf. Cihai (Grande Dicionário da China), Editora dos Dicionários de Shanghai, 1979, p.802.
2 Comerciante romano, de acordo com fontes antigas chinesas, cujo nome original se desconhece.
3 Cf. Cihai, p. 1121.
4 Cf. Cihai, p. 906 e cf. Du Yu e Zhu Lingling, ob.cit. pp. 263-264.
5 Pan Qun, A Cultura Chinesa e o Transporte Marítimo, Nanquim, Editora de Arquivos Históricos de Jiangsu, 1994, p. 348; As Navegações do Almirante Zheng He, co-editado pela Comissão Comemorativa do 580° Aniversário das Navegações do Almirante Zheng He e Associação de Estudos da História da Navegação da China, Beijing, Editora Popular de Transporte, 1985, pp. 2-8.
6 Os mongóis estabeleceram a sua dinastia em 1206 mas apenas em 1279 conseguiram derrubar a Dinastia Song.
7 Pan Qun, ob.cit., pp. 229-235.
8 Cf. Mingshi, pp. 1-57.
9 Crónica Verídica do Imperador Hongwu, Vol. 68.
10 Crónica Verídica do Imperador Yongle (1403-1424), Vol. 127.
11 Idem. Vol. 12, primeira parte.
12 Cf. Mingshi, pp. 59-67.
13 Zhang Weihua, História das Relações da China com o Estrangeiro na Antiguidade, pp. 281-282.
14 Cf. Minshi, pp. 59-67.
15 Frederick W. Mote and Denis Twitchett (Editors), The Cambridge History of China, Vol. 7, The Ming Dynasty, Cambridge, Cambridge University Press, 1988, Part I, pp. 194-195.
16 Idem. p. 236.
17 Zhang Weihua (1993), ob.cit., p. 294.
18 O Ministro Liu Daxia disse uma vez ao Imperador Xianzong que, "se bem que as navegações do Almirante Zheng He, que foram realizadas à custa de centenas de milhares de moedas de ouro e da vida de dezenas de milhares de soldados e cidadãos, consigam trazer coisas preciosas, quais serão as vantagens para o Estado?" (Yan Congjian, Informações Completas sobre os Paísses Estrangeiros, Beijing,Edição do Palácio Imperial, 1930, Vol. 8, p. 86).
19 Fernand Braudel, Civilization matérielle, économie et capitalisme, XVe-XIIIe siècle, Tome I, Les Structures du Quotidien: Le Possible et l'impossible, Paris, Librairie Armand Colin, 1972, p. 357.
20 Cf. Ng Chin-keong, Maritime Frontiers, Territorial Expansion and Hai-fang during the late Ming and High Ch'inh, in Sabine Dabringhaus and Roderich Ptak, China and her Neighbours' Borders, Vision of the Other, Foreign Policy 10th to 19th Century, Viesbaden, Harrassowitz Verlag, 1997, pp. 211-257.
21 David Arnold, A Época dos Descobrimentos, Lisboa, Gradiva, sem data, p. 17.
22 Idem. pp. 21-28.
23 Idemp. 11.
24 José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Lisboa, Publicação Europa-América, 10a edição, 1986, p. 135.
25 Idem. p. 136.
26 David Arnold, ob.cit., p. 56.
27 Idem, pp. 54-55.
28 Luo Rongqu, As Grandes Navegações do Séc. XV e as Diferentes Opções do Desenvolvimento da China e Europa Ocidental, p. 30, in Estudos Comparativos das Modernizações de Todos os Países, de Luo Rongqu (Direcção), Editora do Povo de Shanxi, 1993, pp. 3-31, em que o autor faz um excelente e completo estudo sobre o assunto.
29 Para os leitores interessados, pode-se consultar Rui Manuel Loureiro, A China na Cultura Portuguesa do Século XVI - Notícias, Imagens e Vivências, 2 Vols., Lisboa, Faculdade de Letras de Lisboa, 1995 (dissertação de doutoramento inédita).
30 Texto modernizado transcrito de Carlos Pinto Santo e Orlando Neves, De Longe à China, ICM, 1988, Vol. I, p. 7.
31 Cf. Wu Zhiliang, O Encontro Luso-chinês em Macau, pp. 149-170.
32 "No início do Reinado de Zhengde (1506-1521), apareceram uns bárbaros bravos, de nome Folangji, que não constam da lista dos tributários cá e vivem misturados com outros bárbaros astutos nas baías tais como Tunmen, Kuiyong, etc [...]. Ambicionam, como tigres, lugares do nosso litoral com a intenção de ocupá-los, onde levantaram pedra com motivos (padrão), com que tentavam governar outros bárbaros." Crónica do Distrito de Xin'an, de autoria de Jin Wenmo, edição xilografada de 1688, Vol. 12, p. 32.
33 Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, Coimbra, 1924-33, Vol. IV, Cap. IV, p. 6.
34 Cf. Armando Cortesão, A Sumna Oriental de Tomé Pires e o Livro de Francisco Rodrigues, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1978, p. 364.
35 David Arnold, ob. cit., p. 27.
36 Zhang Weihua, A Commentary on the Four Chapters on Folangji, Spain, Holland and Italy in the History of the Ming Dynasty, Editora Clássica de Shanghai, 1982, p. 55.
37 Cf. Compêndio Ilustrado da Defesa Marítima, de Hu Zongxian, Vol. 13, p. 32, Edição xilografada de 1624, em que diz que "Folangji, em vez de ser a designação do canhão, é o nome dum reino. No 12° ano do Reinado de Zhengde (1506-1521) e, altura em que assumia o cargo de Jian Shi (Comissário-Adjunto) de Guangdong, com responsabilidade pelos assuntos marítimos, chegaram, sem aviso prévio, dois navios de grande dimensão à Pousada de Huai Yuan da cidade de Cantão informando-nos que eram do Reino Folangji, que queriam apresentar tributos e que o dono dos navios se chamava Capitão-Mor.Eram homens de nariz erguido e olhos curvados, com cabeça embrulhada de tecidos brancos como os muçulmanos se vestiam. Informei imediatamente ao então governador, Sr. Chen Xixuan, que os mandou fazer exercícios protocolares durante três dias no Templo de Guangxiao para a posterior audiência."
38 Zhang Xie, Estudos sobre os Mares do Leste e do Oeste, Vol. 5, p. 5, Edição xilografada de 1845, em que se diz que: "Folangji, que não tinha tido contactos nenhuns com a China, mandou navios de grande dimensão à foz de Cantão no 12° ano do Reinado de Zhengde (1506-1521) solicitando a apresentação de tributos. Os disparos dos seus canhões eram espantosos como os trovões".
39 Gu Yanwu, Estudos sobre as Vantagens e Desvantagens de Todos os Países do Mundo,Vol. 120, p. 14, Edição Fuwenke, da Dinastia Qing.
40 Crónicas de Folangji da História Oficial dos Ming.
41 João de Barros, Décadas III, Liv.II, Cap.VIII, p. 222.
42 Crónicas de Folangji da História Oficial dos Ming.
43 Cf. Rui Manuel Loureiro (Introdução, organização e notas), Cartas dos Cativos de Cantão: Cristóvão Vieira e Vasco Calvo, ICM, 1992, pp. 28-29.
44 Zang Lihe, Grande Dicionário Biográfico da China, Shanghai, Edição fac-similada da edição de 1921, Livraria Shanghai e Editora Comercial, 1980, p. 165.
45 Cf. Mingshi, pp. 2287, 3464, 3465, 3466, 5068, 5969, 5197, 5339, 5541, 5544 e 8430 e Ruan Yuan, ob.cit., pp. 1161, 1240 e 3984.
46 Crónicas de Folangji da História Oficial dos Ming.
47 Cartas dos Cativos de Cantão, ob.cit. pp. 27, 29-30. Sendo o autor membro da embaixada de Tomé Pires, a sua afirmação possui uma maior credibilidade.
48 Crónicas de Folangji da História Oficial dos Ming.
49 Armando Cortesão, Primeira Embaixada Europeia à China, ICM, 1990, p. 62.
50 Cf. R. Bishop Smith, Martim Afonso de Mello Capitan-Major of the portuguese fleet which sailed to China in 1522, Maryland, Decatur Press Inc., 1972, pp. 9-12.
51 Por identificar definitivamente, embora haja algumas sugestões de identificação na moderna historiografia de Macau, sobretudo de historiadores chineses.
52 Montalto de Jesus, Macau Histórico, Macau, Livros do Oriente, 1990, p. 29.
53 Sobre a localização exacta de Liampó e a famosa destruição de Liampó, cf. Jin Guo Ping e Zhang Zhengchun, Liampó Reexaminado à luz de Fontes Chinesas, in Estudos do Relacionamento Luso-Chinês Séculos XVI-XIX, coordenação de António Vasconcelos de Saldanha e Jorge Manuel dos Santos Alves, IPOR, 1996, pp. 85-135.
54 Existe um grande número de fontes históricas chinesas e portuguesas quanto a isso. Das fontes chinesas podem-se consultar: Zhu Wan, O Sexto Relatório sobre a Vitória no Mar de Fujian do Vol. 4 de Miscelânea Pi Yu; Toyohachi Fujida, Estudos sobre a Ocupação Portuguesa de Macau, in Estudos sobre as comunicações no Mar Meridional da China dos Tempos Antigos, da Editora Comercial de 1936; e Zhang Weihua, A Commnentary. Das fontes portuguesas, podem consultar-se duas obras concluídas no Séc. XVI: o Tractado das Cousas da China e Ormuz de Gaspar Cruz e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, tendo a primeira, que foi escrita na base de citações de Algumas Cousas Sabidas da China de Galiote Pereira, comerciante português preso por Zhu Wan, maior credibilidade do que a segunda, cujo autor foi designado com a alcunha de "mentiroso". Isto aliás é a opinião de muitos historiadores portugueses. O Sino-Portuguese Trade from 1514-1644 de Tien-Tsê Chang, por sua vez, é considerado como uma obra baseada em fontes chinesas e portuguesas.
55 The Cambridge History of China, Vol. 7, The Ming Dynasty, 1368-1644, Part 1, pp. 490-491.
56 Zhu Wan, Miscelânea Pi Yu, Vol. 4, O Sexto Relatório sobre a Vitória no Mar de Fujian.
57 Cf. Armando Cortesão, A Suma Oriental de Tomé Pires, p. 364.
58 Cf. Cartas dos Cativos de Cantão, ob.cit. pp. 49-52.
59 Gaspar da Cruz, Tractado das Cousas da China e Ormuz, Barcelos, Portucalense Editora, 1937, Cap. 23-27.
60 Crónicas de Folangji da História Oficial dos Ming.
61 Para os pormenores do "Assento" de Leonel de Sousa e as suas relações com Wang Bai, cf. Jin Guo Ping, Leonel de Sousa e Wang Bai, in Boletim de Estudos de Macau, Fundação Macau, 1998, n° 7, pp.122-143.
62 Carta original na Torre do Tombo, transcrita em De Longe à China, Vol. I, pp. 47-55.
63 Cf. Charles O. Hucker, A Dictionary of Offícial Titles in Imperial China, Taipei, SMC Publishing Inc., 1995, p. 255 e Wu Tingxie, Cronologia dos Vice-Reis e Governadores da Dinastia Ming, Beijing, Livraria China, 1982, Vol. II, p. 647.
64 De Longe à China, ob.cit. Vol.I, pp. 48, 49 e 50.
65 Zheng Shungong, Um Espelho do Japão, re-edição de 1939, Livraria Weijing, Vol. 6,Comércio Marítimo.
66 De Longe à China, Vol. I, p. 23.
67 Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, Lisboa, Publicações Europa-América, 1988, Vol. II, pp. 342-343.
68 Cf. Mingshi, pp. 1885, 1944, 1947, 1969, 5414, 5433, 5545, 5643, 5658, 5661, 5820, maxime, 5951 e 7375.
69 Yin Guangren e Zhang Rulin, Monografia de Macau (Ou Mun Kei Leok), Editora do Ensino Superior de Guangdong, 1988, pp. 20-21.
70 Guo Fei, Crónica Geral de Guangdong, in Raras Crónicas Regionais da China, Beijing, Livraria China, Re-edição de 1992, Vol. 43, p. 730.
71 Monografia de Macau, p. 20.
72 C. R. Boxer, Seventeenth Century Macau, Hong Kong, Heinemann, 1984, p. 4.
73 Dai Yixuan, Anotações Correctivas da Crónica de Folangji da História Oficial dos Ming, Beijing, Editora de Ciências Sociais da China, 1984, p. 69.
74 O que pode ser confirmado pelas correspondências dos missionários activos na época entre Goa e o Japão. Cf. Jordão de Freitas, Macau-Matérias para a Sua História no Séc. XVI, ICM, 1988, pp.15-18.
75 Cf. Jin Guo Ping, Combates a Piratas e a Fixação Portuguesa em Macau, in Revista Militar, Lisboa, 1999, n° 2364, pp. 199-228.
76 "No 14° ano (1535) do Reinado de Jiajing (1522-1566), o comandante Huang Qing, subomado,pediu às autoridades superiores o despacho de mudança (do porto) para Macau, mediante o pagamento de renda no valor de 20 mil taéis de ouro, os folangjis entraram na península [...].com o passar do tempo,chegaram cada vez mais folangjis, o que fez retirar-se dali os comerciantes das outras nações, pelo que ficaram a ocupar só a penínula." (Crónicas de Folangi da História Oficial dos Ming).
77 Rui Manuel Loureiro, Em Busca das Origens de Macau, Macau, Museu Marítimo de Macau, 1997, pp. 194-195.
78 Wang Linheng, Espadas de Guangdong, Reedição da edição xilografada do Reino de Wanli (1573-1620), 1947, Vol. 3, p. 20.
79 Cf. o memorial ao trono de Pang Shangpeng transcrita na p. 21 da Monografia de Macau, em que dizia que "a aceitação da cobrança de direitos sobre mercadorias estrangeiras, embora com benefícios à vista, corre o perigo de distúrbios no interior do continente, uma vez que serão difíceis, com a vinda de cada vez mais estrangeiros, os trabalhos de repatriamento."
80 Cf. Mingshi, pp. 5342, 5397, 5407, 5418, 5603, 5606, maxime 5609-5610, 5616 e 5874
81 Ye Quan, Colecção de Xian Bo, Beijing, Livraria da China, 1987, p. 44.
82 Mingshi, (largamente referenciada nesta obra), maxime p. 5601, Ruan Yuan, ob.cit.,pp. 705, 706, 709, 3444, 3445 e 4423 e Carrington Goodrich e Chao-ying Fang, Dictionary of Ming Biography, 1368-1644, New York & London, Columbia University, 1976, Vol. II,pp. 1616-1618.
83 Yu Dayou, Colecção de Zhengqitang, Vol. 15, p. 24.
84 É o Chabaqueo das fontes portuguesas.
85 Yu Dayou, Colecção de Zhengqitang, Vol. 15, p. 24.
86 Cf. Manuel Teixeira, Primórdios de Macau, ICM, 1990, p. 11.
87 Cf. Mingshi, pp. 1885, 2048-2049, 2051, 2054, 2093, 2120, 5607, 5610, 5786, 5813, 5859, 5870-5871, maxime 5873-5875 e 8203 e Ruan Yuan, ob.cit., pp. 437, 3444 e 4240.
88 Huo Yuxia, Colecção de Hou Yuxia, Vol. 22.
89 O próprio Leonel de Sousa afirma que "por não poderam alcançar até ali os que lá iam, e ter el-rei assentado de os primeiros portugueses os não consentir na China, e assim para fazerem esta paz nos mudaram os nomes de Franges, que dantes chamavam aos portugueses de Portugal e Malaca, que não éramos da geração dos primeiros [...]" (Cf. De Longe à China, ob.cit. p. 48).
90 Wu Guifang, Informação sobre a Não-Aceitação da Prestação de Tributo pelos Portugueses em Macau, in Colecção de Clássicos de Administração Pública na Dinastia Ming, Re-edição fac-similada, Taipei, 1964, Vol. 21, pp. 378-384.
91 Idem, ibidem.
92 Charles O. Hucker, ob.cit., p. 255.
93 Wu Tingxie, Cronologia dos Vice-Reis e Governadores da Dinastia Ming, Vol. II, p.656, Mingshi, pp. 1885, 1996, 5167, 5168, 7365, 8242, 8251, 8252, 8265 e 8432 e Ruan Yuan, ob.cit. pp.345, 356, 576 e 4236.
94 Wu Guifang, ob.cit.
95 Idem, ibidem.
96 Idem, ibidem.
97 Tien-Tsê Chang, ob. cit. pp. 116-117.
98 Huang Renyu (Ray Huang), Macro-História da China, Taipei, 1995, pp. 254-255.
99 Crónicas dos Folangji da História Oficial dos Ming.
100 Huang Zuo, Carta de Requerimento do Comércio Escrita em Nome do Delegado do Imperador, in Colecção de Huang Zuo, Re-edição Xilografada de 1680, p. 3.
101 Idem. Ibidem.
102 Fok K.C., Hong Kong e a China Moderna, Hong Kong, Editora Comercial, 1992, pp. 20-21.
103 Nome variante da China.
104 Quer dizer o Velho Wan. Também é conhecido como Laorenwan. Na Monografia de Macau temos uma sucinta referência sobre esta figura, cf. a p. 14: "Mais tarde, um indivíduo de apelido Wan ficou como o cacique local, daí o seu nome passou para a designação da ilha". Em português chama-se ilha dos Ladrões a esta localidade, pelo facto de que era uma terra ocupada por ladrões.
105 É o famosíssimo Tchang-Si-Lao das fontes ocidentais. Sobre a sua identificação, podem os leitores consultar Jin Guo Ping, Contributos para uma Identificação Documentada de Tchang-Si-Lao em Torno da Génese das Versões de Combate a Piratas, in Boletim de Estudos de Macau, Fundação Macau, n° 9, 1998, pp. 70-109.
106 Cf. Zhou Shuoxun, A Crónica da Prefeitura de Chaozhou, edição de 1761, Casa de Livros Zhulan, Vol. 38, Conquistas e Apaziguamentos, pp. 20-20b.
107 Lu Kun, Capítulo de Pontos Estratégicos do Panorama da Defesa Marítima de Guangdong, citado na História Contemporânea da China, da autoria de Guo Tingyi, Taipei, Livraria Comercial, 1966, pp. 127-128.
108 Monografia de Macau, pp. 20-21.
109 Lu Kun, ob.cit., p. 128.
110 The Cambridge History of China, Vol. 7, The Ming Dynasty, 1368-1644, Part 1, pp. 559-560.
111 Quan Hansheng, O Comércio Ultramarino de Macau após a Segunda Metade da Dinastia Ming, p.161, transcrito na obra A História de Macau à Luz de Estudos dos Académicos Chineses e Estrangeiros, Fundação Macau, 1995, pp. 148-174.
112 Além dos factores da necessidade de combate a piratas e da receita fiscal para a administração local, sobretudo para o orçamento militar provincial, haveria outros motivos que contribuíram para a fixação da presença portuguesa em Macau, dos quais destacamos a procura e aquisição do âmbar cinzento. A obtenção deste produto teria sido um dos factores mais decisivos para o estabelecimento português em Macau, por mais incrível que isso possa parecer.Que saibamos, foi Liang Jiabing quem se debruçou pela primeira vez em 1934 sobre esta questão no seu artigo intitulado Adendas à Crónica de Folangji do Esboço da História Oficial dosMing, in Boletim Mensal do Instituto da Literatura e História da Universidade Nacional de Sun Yat-sen, Vol. II, N° 3-4, pp. 43-142, que veio a ser reeditado in Wang Xichang e outros, Relações Externas da Dinastia Ming, Taipei, Livraria Estudantil, 1968, pp. 7-60. E a maioria dos historiadores modernos chineses da história de Macau (K.C. Fok, Huang Qicheng, Camões Tam e Fei Chengkang, entre outros), não deixa de citar este factor, mas não o considera como o principal e o mais decisivo que teria contribuído para a fixação dos portugueses em Macau.
Jin Guo Ping e o autor deste trabalho estamos empenhados numa investigação mais ampla sobre este tema.
113 Cf. Chan Hok-lam The White Lótus-Maitreya doctrine and popular uprsings in Ming and Ch'ing China, in Sinologica, 10 n°.4 (1969), pp. 211-233.
114 The Cambridge History of China, Vol. 7, The Ming Dynasty, 1368-1644, Part 1, p. 559.