Me responde google os marinheiros portugueses riem por quê

Depois de Miami, criador do Mercado da Ribeira vai levar Time Out a outras sete cidades. Sonho do Porto continua adiado.

Cinco anos depois de abrir o mercado na Ribeira, João Cepeda acaba de inaugurar o Time Out em South Beach, Miami, e ainda que sejam poucos dias para fazer contas está a correr melhor do que a encomenda. A internacionalização que lidera, a convite da casa-mãe da Time Out, passa ainda por três cidades americanas e uma no Canadá neste ano; segue-se Dubai (2020), Praga (2021) e Londres (2022). Todas com a marca do Portugal, que quer levar mais longe - “é uma responsabilidade aproveitar o momento”, diz. Quanto ao projeto para o Porto, continua atado pela UNESCO.

Cinco anos depois da Ribeira, acaba de abrir o mercado Time Out em South Beach, Miami, e vêm aí outros três nos EUA, um no Canadá – e mais tarde Dubai (2020), Praga (2021) e Londres (2022). Como está a correr?

Miami está a funcionar espetacularmente. É na zona mais movimentada – procuramos sempre espaços assim. Ainda são os primeiros dias, seria irresponsável tirar daqui grandes conclusões, mas quase duplicámos os resultados que esperávamos. E temos tido os maiores elogios, a afluência certa... para a estreia fora de Portugal é um bom exemplo. Agora temos Nova Iorque a abrir dia 21, Boston está praticamente pronto, Chicago em setembro e Montreal em outubro. Os cinco mercados iniciais são o projeto mais ambicioso que está a ser feito neste setor nos últimos anos. Em quatro destas cidades somos o maior projeto do ano em restauração da cidade – e em Nova Iorque disputamos esse título com projetos de Ferrán Adriá e Jean-Georges Vongerichten...

Essa dimensão não assusta?

São os marinheiros quem mais medo tem do mar... Claro que é uma responsabilidade grande e estou sempre em ansiedade, mas tenho a mesma confiança que tinha quando abri o Time Out em Lisboa – e nessa altura já me diziam que era muito grande, até amigos tinham medo que tivéssemos algum desastre; mas tenho muita confiança no projeto porque acho que é o conceito certo, no momento certo e do tamanho certo.

O investimento é considerável...

Sim, são investimentos grandes – comparando com este mercado dos food halls estamos entre os maiores. Não posso dar com precisão números de investimento médio porque somos uma empresa listada e a verdade é que até fecharmos o projeto não sabemos bem... Só apurámos os 7 milhões que investimos em Lisboa ao fim de um ano, com as contas todas feitas. Aqui, diria que rondará os 12 a 15 milhões de dólares por mercado. Mas são realidades muito diferentes.

E públicos diferentes também?

Também, mas o nosso objetivo é parecido com o que conseguimos em Lisboa: captar o público local, porque isso é que arrasta os turistas – quando nos viramos para fora, perde-se a graça. E isso acaba por fazer com que o consumidor não seja tão diferente assim. É quem vive em grandes cidades, está habituado a oferta de grande qualidade, é exigente. Nós queremos estar à altura dessas expectativas.

A gastronomia é adaptada ao local.

Totalmente, não levamos nenhum conceito gastronómico e se o fizermos – como eu gostaria que acontecesse – será, por graça, uma coisa ou outra portuguesa.

Como os vinhos?

E comida. Mas a prioridade, o conceito é ter o melhor que a cidade oferece debaixo de um mesmo teto. Uma das grandes qualidades deste projeto é precisamente conseguir camuflar-se na cidade: a comida é local, o design incorpora o que a cidade respira. Isso vê-se, sente-se e come-se. As pessoas entendem que não somos uma cadeia ou um franchising.

Mesmo os momentos culturais é o João que os planeia?

Sim, faço a ponte entre as equipas editoriais e a nova estrutura que foi criada para estes mercados. Isso é fundamental porque é o coração do conceito. Os mercados têm três marcas que os identificam – e é daí que vem também o seu sucesso. Primeiro, a qualidade da comida, a escolha, que tem que ver com a curadoria que é feita com as equipas editoriais, porque o espaço pode ser muito giro, mas ninguém volta se a comida não for boa. O facto de termos essa curadoria nas escolhas editoriais é uma força que nos coloca num patamar diferente e o que faço é essa ponte, tendo o background de 20 anos da parte editorial que me ensinaram a gerir também os jornalistas. Em segundo lugar, há a questão da cultura, que é importantíssima – a maioria dos projetos nesta área não inclui esse âmbito. Em Miami, por exemplo, incluímos um ecrã gigante que é a janela para a cultura e que funciona através de ilustrações animadas. E temos lá o João Fazenda, o Bernardo Carvalho, o Ricardo Cabral, alguns dos melhores ilustradores portugueses. A terceira marca identitária é a ligação aos media, através das escolhas, da cultura e da promoção, claro.

E a equipa com a qual trabalha é quase toda portuguesa?

A parte criativa é toda – arquitetos, designers, conceção gráfica, curadoria, está tudo aqui baseado em Lisboa, apesar de passarmos grande parte do tempo no avião. E depois temos os móveis portugueses, os exteriores, detalhes em azulejo... Isto se calhar é só carolice, mas quando se trabalha com equipas criativas, motivar as pessoas não é óbvio, é preciso fazê-las agarrar-se a algo mais do que material, até maior do que o sucesso da empresa. E nós vestimos bem e gostamos do made in Portugal, temos muito prazer nisso. E lá fora já se riem, porque sabem que vai sempre aparecer uma marca ou um fornecedor português que é melhor do que os que estão em cima da mesa... porque sim.

Mas é uma missão que assume, a de levar Portugal mais longe?

Conheci nestes anos muitos empresários milionários que veem nisto uma pieguice ou provincianismo, um exercício desnecessário porque não vai ao encontro do crescimento que as empresas querem. Eu não concordo: se queremos empresas com sentido, precisamos de uma narrativa que puxe a criatividade e mantenha incentivadas as pessoas que importam no projeto, por isso precisamos desse tipo de missão. É uma escolha pragmática para todos corrermos atrás de uma missão – e incluo-me nisso. Por outro lado, estamos de facto a atravessar um momento-chave, uma oportunidade que temos de agarrar. Temos de aproveitar este clima favorável e espetar uma lança lá fora a dizer que o made in Portugal é bom, é interessante e vale a pena explorar, porque pode não se repetir a oportunidade. É quase uma responsabilidade para nós que andamos lá fora levar ao máximo o que é bom do português. E temos muitas coisas de qualidade! Em terceiro lugar, é um prazer pessoal ver portugueses a ir ao mercado em Miami e ver que a mesa é portuguesa e ter orgulho nisso. Passámos muitos anos a achar-nos pequeninos e isto é bom, orgulha-nos e devemos fazê-lo.

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Os americanos estão a descobrir Portugal. Tem sentido esse reflexo por lá?

Totalmente. Nós começámos isto há quatro anos e já se via, mas muito de vez em quando. Agora atingiu níveis impressionantes. Por exemplo: uma rapariga em Miami estava a servir-nos e vi que tinha uma tatuagem enorme no braço a dizer saudade. E quando lhe perguntei, disse-me que não tinha nenhuma ligação a Portugal, simplesmente tinha cá estado de férias, ficou apaixonada, achou bonita a história da palavra e tatuou-a. Isto era impensável há uma década. Hoje estamos no grupo de sítios atrativos e interessantes, que as pessoas querem conhecer melhor. Quase todas as pessoas que conheço que já aqui vieram repetiram o destino ou querem voltar.

"Eventos como a Web Summit são fundamentais para Portugal"

O turismo está a fazer-nos bem? Ou já temos turistas a mais, como defendem alguns?

Estamos longe do que acontece em cidades como Barcelona ou Veneza. Nós não podemos iludir-nos: o turismo tirou-nos da crise! E é um motor de crescimento. Temos imensos sinais financeiros disso – e nem lidamos bem com estes números porque não estamos habituados. É até irresponsável querer travar esse movimento. E depois há imenso investimento em Portugal à margem disto – o Claude Berda, que vai comprar a Comporta com o grupo Amorim, conta que chegou aqui em turismo porque o filho veio e gostou muito, trouxe-o, ele trouxe a mulher, tiraram uma selfie na Graça e atrás aparecia uma placa a anunciar que estava à venda uma casa ali. Foi o primeiro bem que compraram e desde então foram mais de mil milhões investidos – que não estão contemplados nos números do turismo. Eu próprio já recebi muitíssimos investidores interessados em entrar, conhecer regiões, convidar-nos a ir para outras geografias, vêm de visita e rapidamente começam a perguntar como podem investir aqui, se conheço alguém… E há ainda o lado reputacional: durante décadas fomos pequeninos e agora uma miúda que não nos conhece tatua saudade. Isto é paixão e criticar este movimento é uma irresponsabilidade.

Mas há um lado negativo.

Todos os livros têm uma página negra... claro que tem de se responder a algumas preocupações. A habitação é uma questão de risco, a limpeza, o ruído, os transportes… Conhecermos exemplos de cidades que correram mal só nos aumenta a responsabilidade de não cairmos nos mesmos erros. Portanto, deve haver enquadramento da parte pública, que tem de nos dar balizas para o que se pode fazer, mas também tem de criar as condições, o oxigénio necessário para o negócio prosperar e continuar a ter ritmo – que eu acredito que vai manter-se, apesar de muitos dizerem que estamos no pico do turismo. Só com o novo aeroporto vamos criar um fluxo tremendo. Essa cautela dos responsáveis políticos é uma coisa cultural, mas vamos continuar a crescer, isso é obvio para os agentes económicos: o turismo vai duplicar nos próximos anos e há todas as condições para isso. Assim haja condições para os receber…

Temos de criar mais oferta turística?

Criar condições. A parte pública pode intervir nos problemas de recrutamento, de contratos de trabalho, deve apoiar nessa parte, mas depois há questões na oferta de equipamentos: teremos atrações suficientes para as pessoas que aí vêm? Chame-se como se chamar, o tal Museu das Descobertas faz falta, precisamos de concorrência, a cidade precisa de criar mais equipamentos de cultura e entretenimento que respondam a isso. Dito isto, a parte privada nunca é falada: discute-se se o governo está a fazer bem, se as condições estão desbloqueadas, mas a parte privada pode explorar mais as condições todas que o turismo garante e vemos pouco disso. Continuamos a ter simplesmente o setor tradicional, virado para o hotel, o restaurante e ponto. Os grandes grupos de hoje são os mesmos de há décadas e não sei se algum cresceu acima da média do setor, o que quer dizer qualquer coisa...

Há falta de inovação, de imaginação?

Sim, há muita. Mas começo a ver sinais, sobretudo junto de pequenos grupos, de quem quer fazer diferente. Nós também viemos de um grupo mínimo e conseguimos ter um espaço que é o mais visitado do país, recebe 4 milhões de pessoas por ano -- o que qualquer desses grupos diria ser impossível.

E o mercado no Porto, que está a ser falado há anos, poderá reforçar. Já há data prevista para abrir?

O mercado do Porto está para aprovação na UNESCO (porque o projeto se situa na zona da Estação de S. Bento) há mais de um ano. É triste, claro, mas estas coisas levam tempo e nós somos pacientes. Este mercado beneficiará de toda a experiência que ganhámos. O espaço é lindo, foi desenhado pelo arquiteto Souto Moura e elogiado publicamente pelo presidente da Câmara. E os restaurantes, como não podia deixar de ser — o Porto já é uma capital culinária mundial, tem imenso talento a mostrar —, vão fazer do mercado um ponto inevitável para locais e turistas. Eu nasci no Porto, tenho um amor especial por esta cidade, por isso continuo a sonhar apesar de todos os percalços...

A Europa é muito fechada nestas coisas... Tivemos problemas em Londres, em Berlim, no Porto... Não é fácil, sobretudo por comparação com os EUA, que são um país previsível, em que não há nada nebuloso, que é muito aberto ao investimento e ao turismo de qualidade. Lá, quando veem uma coisa boa achegar, preparam-se para a receber...

Devíamos fazer mais vezes por cá o que fizemos com a Web Summit, por exemplo?

Sim, eventos como a Web Summit são fundamentais. Ninguém espera que se feche ali negócios de milhões, mas cria-se buzz; toda a gente que está em Lisboa e tem negócios recebe, nesses dias, a visita de pessoas que fazem a diferença no futuro, que nos mostram outras oportunidades. Ter essas multidões a viver aqui a nossa oferta não tem preço, é mesmo extraordinário. Percebo vontade de agarrar esta oportunidade, porque o valor disto é inestimável.

"Vou sempre querer fazer outras coisas, não necessariamente acima, pode ser ao lado, mas ter outros interesses"

Luís Delgado, com quem fundou a Time Out portuguesa e deu vida ao mercado, ainda se mantém ligado ao grupo?

É chairman da empresa que detém o mercado, mas é um cargo simbólico, já não está ligado...

Quando a casa-mãe da Time Out falou consigo para levar o conceito dos mercados lá para fora, como reagiu?

Nós somos todos muito otimistas e acho que desenvolvemos essa cultura em conjunto na empresa que fez a Time Out aqui, há 12 anos. Mas não estava nada à espera de exportar o conceito, muito menos nesta medida: são oito mercados confirmados, cinco estão em obras e o sexto está a entrar agora. É uma escala enorme e tem sido muito recompensador. Foi complicado encontrar o modelo perfeito para trabalhar. Por razões familiares, eu não estava muito disponível para sair de Lisboa – até porque percebi que a ideia não era ir abrir mercados em Londres mas pelo mundo… Foi complicado convencer um grupo internacional a manter um departamento criativo ali na torre do Mercado da Ribeira, onde estamos. Mas trabalho com pessoas de imenso talento -- a nível mundial, mesmo, sei-o agora que já os vi debater no design, na arquitetura, até conceptualmente com os maiores do mundo e estarem ombro a ombro, quando não acima deles, em qualidade. Isso é um enorme orgulho. E foi com essas pequenas batalhas que nos impusemos e mantivemos a estrutura aqui em Lisboa, que para mim é fundamental.

Foi jornalista grande parte da vida. Tem saudades desses tempos?

Acho que é mais saudade do jornalismo… Eu não sou muito nostálgico, gosto de fazer coisas diferentes. Aos oito anos, queria ser jornalista político e ao fim de oito dias a fazer isso achei que não chegava. Acho que vou sempre querer fazer outras coisas, não necessariamente acima, pode ser ao lado, mas ter outros interesses. Continuo a chamar-me jornalista, por default, quando preencho um papel ou assim, e reconheço que não me vejo no que sou, que é gestor ou empresário.

Não acredito em jornalismo patrocinado por mecenatos ou público. Acho que o caminho, que é difícil, passará pelo jornalismo pago pelo consumidor e provavelmente só acontecerá quando estivermos tão intoxicados pelas fake news que entendamos a relevância dele. Se primeiro terá de haver consequências na democracia… veremos, porque o que está a acontecer deve-se ao esquecimento. Até lá, preferia que os media seguissem o caminho de tentar arranjar meios para continuar a ser independentes -- nós, por exemplo, sempre pagámos todas as faturas, nunca aceitámos ofertas para manter a independência dos jornalistas. Como dizia o dono da Globo, credibilidade é rentabilidade. Os nomes das empresas de media têm imenso valor, e em 98% dos casos não é explorado. Tem de haver maneiras criativas de pegar nas empresas de media e financiá-las.

Diz que tem sempre vontade de fazer coisas novas. Qual é o desafio que se segue?

Não tenho ideia, nunca fiz essas contas. Procuro estar onde possa fazer diferença. Gosto de ter vitórias, de concretizar, sou algo viciado em entregar algo que faz a diferença. Isso motiva-me mais do que um salário, cumprir um objetivo e superar-me dá-me imensa adrenalina e quem trabalha comigo também é assim. O que é curioso é que os gestores são hoje convidados para fazer coisas muito diferentes. Um dos grandes segredos do Mercado da Ribeira foi mesmo não estarmos nesse negócio: foi considerada nossa maior fragilidade, era um risco não termos nenhuma experiência na área da restauração. Mas foi mesmo por virmos de cabeça fresca e estarmos treinados a ver as coisas do ponto de vista do consumidor que o mercado foi tão bem sucedido. A pessoa entra e vê que aquilo foi feito por alguém igual a ela.

Agora, Lisboa nunca esteve tão atrativa, nunca houve tantas coisas boas para fazer aqui… isso frustra-me um pouco, estar fora nesse momento. Nunca vivemos um momento tão bom. E eu estou neste dilema – e não estou sozinho, há outros portugueses a ter esta vontade de vir e fazer coisas aqui. Porque há muitas coisas que podem ser feitas, coisas novas ao lado dos grandes grupos. O país mudou muito para melhor. E hoje já ninguém espera que o próximo grande negócio venha de um sítio óbvio.