1.INTRODUÇÃO. A BOA-FÉ OBJETIVA E O NOVO CÓDIGO CIVIL Show Como o Direito Civil deve buscar a justiça social, a boa-fé também há de exercer esse papel nos casos que envolvem os institutos do Direito de Família. É justamente essa aplicação que pretendemos demonstrar neste trabalho. Abordaremos a relação da boa-fé objetiva com institutos de Direito de Família. Falaremos da sua aplicação ao casamento, à união estável, aos alimentos e ao reconhecimento de filhos. Por último, demonstraremos as nossas considerações finais. Partimos, então, para tal desafio.
2.A BOA-FÉ OBJETIVA E O CASAMENTO O casamento pode ser conceituado como sendo a união de pessoas de sexos distintos reconhecida pelo Estado e regulamentada pela lei. O casamento é reconhecido como entidade familiar, conforme art. 226, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988, e é tratado ainda pelo novo Código Civil, a partir
do seu art. 1.511.
Superado esse ponto, recordamos que, quanto ao casamento, a boa-fé está tratada especificamente no art. 1.561 do novo Código Civil, cuja redação destacada nos interessa para aprofundamentos necessários: Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
Imaginemos uma outra situação: em uma pacata cidade do interior de Minas Gerais, Tício namora Madalena há cerca de dez anos, típico namoro longo de uma cidade do interior. Depois de muito tempo, Tício resolve fazer a promessa de casamento. As famílias fazem uma grande festa de noivado, em que Tício pede oficialmente a mão da namorada e marca o casamento para um ano depois. Todos os preparativos são feitos: o pai da noiva paga todas as despesas da festa e
da celebração do casamento, os convites são distribuídos para todos os amigos das famílias, os padrinhos são convocados, os presentes são entregues. No dia e no local marcado para a celebração das núpcias, toda a comunidade local comparece: autoridades, familiares, padrinhos, imprensa, colunistas sociais. A igreja matriz da cidade está toda decorada. Na iminência do casamento, no mesmo dia, o noivo manda um mensageiro com um bilhete assinado dizendo que não irá mais casar, pois não ama a noiva,
mas uma outra mulher. Nessa situação, não haveria o noivo não terá dever de indenizar? Não estará caracterizado o dano moral à noiva, além dos danos materiais suportados por seu pai? Acreditamos que sim.
3.A BOA-FÉ OBJETIVA E A UNIÃO ESTÁVEL PLÚRIMA OU MÚLTIPLA A união estável é reconhecida como entidade familiar no art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988. Tal instituto jurídico é tratado também pelo novo Código Civil, que consolida a matéria (arts. 1.723 a 1.727). De acordo com o art. 1.723 da atual codificação, é "reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O comando legal em questão apresenta os
requisitos para a caracterização da união estável.
De qualquer forma, essa parece ser a posição mais justa dentro dos limites do princípio da socialidade, com vistas a proteger aquele que, dotado
de boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união. Assim sendo, merecerá aplicação analógica o dispositivo que trata do casamento putativo também para a união estável putativa. No caso descrito, como todas as Marias ignoravam a situação, poderão pleitear a aplicação das regras decorrentes da união estável, como o pagamento de alimentos no caso de dissolução. Sem prejuízo disso, por ter o convivente agido com má-fé, as Marias poderão ainda pleitear dele indenização por danos morais, se os
mesmos estiverem configurados, diante do desrespeito à boa-fé objetiva. A responsabilidade objetiva de Tício tem fundamento o abuso de direito cometido, previsto no mesmo art. 187 do novo Código Civil, bem como a quebra dos deveres anexos decorrentes da boa-fé.
4.A BOA-FÉ OBJETIVA E OS ALIMENTOS Os alimentos podem ser conceituados como sendo as prestações devidas a quem não pode provê-las com o seu trabalho próprio. [36] A obrigação de pagá-los decorre de um
vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável e está fundamentada no dever de solidariedade que deve imperar nas relações familiares.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor. [37]
O procedimento desrespeitoso se revela em várias matizes, ou se desdobra através de atos
de cunho moral e pessoal negativo à pessoa do ex-cônjuge. Assim, os costumes desregrados; o indisfarçado e aberto relacionamento sexual com várias pessoas; a difamação da pessoa do ex-cônjuge ou de parentes próximos ao mesmo; a prostituição; o enveredar para a criminalidade; a dilapidação do patrimônio granjeado mais pela profissão e qualidades do ex-cônjuge; a agressão física ou moral e outros atos atentatórios à pessoas daquele que foi seu cônjuge arrolam-se como exemplos de situação aptas a
desencadear a cessação dos alimentos. [44] Para a caracterização desse procedimento desrespeitoso, entrará em cena a tese dos deveres anexos, a qual se relaciona com a boa-fé objetiva, particularmente quanto ao dever de respeito, que também deve estar presente após a dissolução da sociedade conjugal ou mesmo do casamento.
5.A BOA-FÉ OBJETIVA E O RECONHECIMENTO DE FILHOS Tema explosivo do atual Direito de Família que gera várias repercussões práticas é reconhecimento de filhos. A matéria está tratada pelo Código Civil de 2002 (arts. 1.596 a 1.617), pela Lei n. 8.560/1992, pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e também pela Constituição Federal de 1988, que igualou em direitos todos os filhos, havidos ou não durante o casamento, em direitos patrimoniais e extrapatrimoniais (art. 227, § 6º).
Já defendemos, outrora, que a tu quoque está também amparada na vedação de que a pessoa não faça contra o outro o que não faria contra si mesmo, citando as palavras de Cláudio Bueno de Godoy. [49] Em decorrência da boa-fé, a violação desse dever gera o abuso de direto, nos moldes do art. 187 do novo Código Civil. Para concluir, no caso descrito poderá Tício pleitear indenização por danos morais de Maria Augusta. Em outra situação, se Maria passar a pressionar Tício ou mesmo lhe fazer ameaças, dizendo que o filho é seu, poderá o mesmo ingressar com ação específica com vistas afastar a existência do vínculo de
paternidade, conforme vem reconhecendo a jurisprudência. [50] Aliás, a mesma jurisprudência já reconheceu a possibilidade de um marido enganado pleitear danos morais da esposa, segundo nosso entendimento, por flagrante desrespeito à boa-fé objetiva. O mesmo julgado reconhece serem irrepetíveis os alimentos no caso em questão. [51]
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do que foi exposto, podemos chegar às seguintes conclusões: a)os princípios do novo Código Civil são a socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tais regramentos merecem aplicação direta em todos os ramos do Direito Privado, o que inclui o Direito de Família;
d)como exemplo de aplicação da boa-fé objetiva no casamento, podemos citar a responsabilidade civil decorrente da quebra de promessa de casamento futuro, seja no noivado, seja no namoro. Há, no caso em questão, uma responsabilidade civil pré-negocial casamentária ou pré-contratual decorrente do casamento, o que engloba inclusive danos morais. O fundamento jurídico para o dever de indenizar em casos tais é o art. 187 do novo Código Civil;
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Notas Vale conferir para consulta: Miguel Reale. O projeto do novo código civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 7-12 "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Flávio Tartuce é membro da diretoria do IBDFAM/SP , advogado , mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, professor do Curso FMB, coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (SP) O que significa princípio da boaA boa-fé objetiva é um princípio basilar do direito do consumidor, segundo o qual as partes possuem o dever de agir com base em valores éticos e morais da sociedade. Desse comportamento, decorrem outros deveres anexos, como lealdade, transparência e colaboração, a serem observados em todas as fases do contrato.
Onde está o princípio da boaO princípio da boa-fé objetiva aparece também no Código Civil como cláusula geral no artigo 422, exigindo dos contratantes que obser- vem, seja na fase pré-contratual, seja durante sua execução, o dever de probidade e de lealdade.
Quais são as funções do princípio da boaA boa-fé objetiva é uma regra de comportamento ético-jurídica e incide nas relações contratuais. Ela tem, basicamente, três funções: 1) função integrativa do negócio jurídico (art. 422 do CC); 2) função de controle dos limites do exercício do direito (art. 187 do CC); e 3) função interpretativa (art.
O que são os princípios da boaA boa-fé objetiva, por seu turno, vem impor aos contratantes o dever de agir com ética, correção e dignidade, sempre conforme os bons costumes, a honestidade e a lealdade. E o princípio da função social preceitua que os contratos realizam fins sociais, não se restringindo apenas aos contratantes.
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