Problemas ambientais ocorridos na cidade de cubatão (sp) durante a década de 1980

Cap�tulo IV

Crise ambiental e reestrutura��o produtiva (as d�cadas de 80 e 90)

4.3 - Favelas, migra��o e mis�ria urbana
[...]

Atualmente, as favelas s�o o principal problema de Cubat�o, segundo a Prefeitura e os pr�prios moradores. Nos mangues, buscou-se cerc�-lo com arame farpado para impedir o aumento da ocupa��o ilegal. Em 2000, Cubat�o tinha 26 n�cleos considerados favelas ou �reas de risco (Brand�o, 2000:164) [63].

A��es p�blicas para atacar o problema das favelas n�o faltaram na hist�ria da cidade. Ao assumir a Prefeitura de Cubat�o, em dezembro de 1975, o prefeito nomeado Carlos Frederico Soares Campos tinha como objetivo principal acabar com as favelas. Seu plano visava o desfavelamento das popula��es localizadas na Vila Parisi, Vila S�o Jos� (Vila Soc�), Cotas (95/100/200/400/500), Lix�o, Pista Descendente da Via Anchieta, Ilha Caraguat� e S�tio Cotia-Par� (PMC, 1977).

Problemas ambientais ocorridos na cidade de cubatão (sp) durante a década de 1980

O grande inc�ndio da favela Vila Soc�, em 24/2/1984, relembrado 20 anos depois
Fotograma: TV Tribuna, Jornal da Tribuna 2� Edi��o (em 24/2/2004, �s 19h05)

N�o obteve sucesso. Em maio de 1980, a Prefeitura lan�ou o Plano de Erradica��o das Favelas, que novamente naufragou. Em janeiro de 1986, o prefeito eleito, Jos� Osvaldo Passarelli, prometeu uma fiscaliza��o rigorosa nas favelas, procurando evitar suas expans�es. Novo fracasso acontece: pelos dados do censo de 1991, registraram-se 26.856 pessoas faveladas no munic�pio (residindo em 6.453 barracos), contra 15.038 em 1980, ou seja, os favelados aumentaram 78,6% na d�cada, para um crescimento da popula��o de apenas 15,9%.

Em 1996, foi assinado, entre a Prefeitura de Cubat�o e o Governo do Estado de S�o Paulo, o chamado Pacto de Cubat�o. Tratava-se de um conv�nio que visava unir esfor�os para conter as invas�es no munic�pio. Passado pouco tempo, o Pacto caiu no esquecimento, onde nenhuma medida concreta foi tomada.

Em fevereiro de 2002, a Prefeitura de Cubat�o decidiu declarar guerra � invas�o. Contando com apoio da Policia Ambiental Florestal, da Policia Militar e do Minist�rio P�blico, a Prefeitura pretende derrubar todo barraco constru�do em �rea irregular. Denominou sua estrat�gia de invas�o zero.

Segundo estimativa da pr�pria Prefeitura, residem nas favelas de Cubat�o, atualmente, cerca de 64 mil pessoas (60% da popula��o total do munic�pio). Esse novo esfor�o de fiscaliza��o contar� com carros, barcos e helic�ptero. Al�m disso, a Prefeitura pretende construir 15 postos de vigil�ncia permanente (24 horas por dia) nas �reas com potencial de serem invadidas. Resta esperar que essa nova a��o da Prefeitura tenha realmente um efeito pr�tico, haja vista os fracassos dos governos anteriores.

No entanto, ao olhar para o passado, percebemos que a migra��o e a faveliza��o da cidade possui um elemento oculto, fonte dessa exclus�o social que se tornou Cubat�o. O elemento oculto por tr�s da faveliza��o s�o as chamadas empreiteiras. Foram essas empresas, as empreiteiras, as respons�veis pelas obras de constru��o e amplia��o das ind�strias de Cubat�o. Buscavam sua m�o-de-obra em regi�es pobres do pa�s, pagando baixos sal�rios e, ao abrig�-la em alojamentos, tinham a possibilidade de um controle maior sobre os oper�rios, pois sem suas fam�lias, esses trabalhadores se dedicavam exclusivamente ao servi�o, em busca de horas-extras para aumentar seus parcos vencimentos [64].

Lembra Gutberlet (1996:98) que as empreiteiras chegavam a buscar oper�rios a mais de 2.000 km de dist�ncia (ou seja, nos Estados nordestinos) [65]. Muitas prefeituras de regi�es pobres chegavam a pagar a passagem para que seus desocupados viessem arrumar emprego em Cubat�o. No final das obras, caso n�o encontrassem uma nova constru��o, as empreiteiras dispensavam seus trabalhadores, sem habita��o, e muitas vezes sem pagar os direitos trabalhistas da dispensa.

Eram esses despossu�dos, em sua maioria, que foram morar em regi�es marginalizadas e impr�prias (mangues e serras). N�o �, portanto, nenhum absurdo culpar as empreiteiras da constru��o civil pela vinda de grande n�mero de migrantes de regi�es pobres, descapitalizados (a ponto de n�o poderem arrumar uma moradia decente), que depois de dispensados, eram obrigados a invadir �reas e criar favelas [66].

Damiani (1984:98/121), em sua disserta��o de mestrado, constatou que a maioria dos trabalhadores das empreiteiras era de favelados. Em Vila Parisi, de 403 trabalhadores entrevistados, 68,5% eram empregados das empreiteiras da constru��o pesada. Na Cota 95, em 1982, apenas 6% dos trabalhadores eram remanescentes da constru��o da Via Anchieta, sendo de 70% os trabalhadores de empreiteiras. Sua remunera��o era baixa: os sal�rios das empreiteiras estavam na faixa de 2 a 3 sal�rios m�nimos, chegando a 4,3 sal�rios para os oficiais e 5 sal�rios para os encarregados. Para a autora, essas pessoas eram tachadas de pobres, ladr�es, trabalhadores bra�ais, meros ajudantes, fazedores de bicos, favelados, desempregados, mas nunca o que eles realmente eram: produtores do centro produtivo de Cubat�o.

Ainda em meados dos anos 90, as empreiteiras situadas em Cubat�o continuavam contratando trabalhadores do Nordeste, principalmente de Pernambuco, para trabalhar na �rea da Cosipa. Seu n�mero, inclusive, era superior aos trabalhadores paulistas.

Examinando a situa��o de Cubat�o, em perspectiva hist�rica, averig�amos que a falta de planejamento urbano foi o que levou o munic�pio ao caos. Caos ambiental e caos social. As invas�es foram a regra. Desordem � a palavra para descrever o desenvolvimento urbano de Cubat�o. Embora tenha faltado um pulso forte da administra��o municipal contra as invas�es, entende-se que este problema � igual ao de outras cidades industriais, cuja solu��o depende n�o s� dos munic�pios, mas tamb�m dos Estados e da Uni�o.

A declara��o do atual prefeito de Cubat�o, Clermont Castor, � perfeita para entender todo o passado ca�tico de urbaniza��o do munic�pio, caracterizando os trabalhadores das empreiteiras como os respons�veis pelas invas�es e o alto desemprego: "Eles aumentam as favelas em Cubat�o, trazem mais desemprego e a necessidade de mais vagas nas escolas, mais leitos hospitalares e mais atendimento nos postos de sa�de" (Castor citado por A Tribuna, 24/02/2001:B2) [67].

Os altos pre�os dos terrenos, ap�s a chegada das grandes ind�strias, causaram uma segrega��o da popula��o de Cubat�o: as fam�lias de melhor renda moram em lotes regulares, enquanto as fam�lias de renda baixa moram nos mangues e encostas da Serra, em lotes irregulares [68].

A mis�ria reinante no munic�pio sempre foi um ponto incompreens�vel para os v�rios estudiosos que se debru�aram sobre os problemas de Cubat�o. Com base no censo de 1980, Cubat�o era o primeiro munic�pio do pa�s em arrecada��o municipal per capita, com Cr$ 23.336,80; o sexto em arrecada��o federal per capita, Cr$ 79.532,00, e o primeiro em valor adicionado do ICM per capita, Cr$ 1.253.587,40 (Serra, 1985:42).

Apesar desses n�meros fabulosos, quatro indicadores de infra-estrutura revelavam que a popula��o n�o participava desse progresso econ�mico. Nesses indicadores, Cubat�o estava entre as piores cidades do Brasil: ficou em 702� lugar em n�mero de liga��es de �gua, em 628� lugar em n�mero de liga��es el�tricas e n�o possu�a liga��es de esgotos, em 1985 (Ibid., p.43) [69]. Segundo alguns autores, a pobreza e a polui��o ambiental em Cubat�o s�o frutos do pr�prio modelo de desenvolvimento seguido pelo Brasil [70].

Entre outubro de 2001 e mar�o de 2002, a Prefeitura de Cubat�o realizou o Censo do Trabalhador, visando conhecer melhor as caracter�sticas dos oper�rios cubatenses. O censo revelou uma cidade cruel: 13.423 desempregados (12,42% da popula��o economicamente ativa), 7.739 analfabetos, 6 mil pessoas vivendo de caridade e cerca de 64 mil morando em favelas ou �reas impr�prias (serras, mangues e morros). Apesar desses n�meros, o censo n�o conseguiu entrevistar todas as habita��es da cidade: foram ouvidas 86.270 pessoas (em 26.474 resid�ncias) de uma popula��o total estimada pelo IBGE de cerca de 108 mil [71].

Surge, ent�o, a pergunta: como Cubat�o, detentora de um dos maiores p�los industriais do Brasil, com alta arrecada��o tribut�ria, n�o consegue diminuir a mis�ria de sua popula��o [72]? Para responder essa pergunta, precisamos, antes de tudo, examinar a hist�ria tribut�ria do munic�pio.

Um dos motivos que levaram � luta pela emancipa��o pol�tica de Cubat�o foi a quase certeza de que os valores em tributos gerados pelo Distrito, pertencente a Santos, eram bem maiores que os investimentos realizados pelo munic�pio de Santos em Cubat�o. A cidade, antes da emancipa��o, j� possu�a, desde o in�cio do s�culo XX, tr�s grandes ind�strias e um dos maiores bananais do Estado, voltado quase que exclusivamente � exporta��o [73].

Em compensa��o, as melhorias feitas no Distrito naquelas �ltimas d�cadas eram m�nimas. Acreditava-se que parte das melhorias realizadas pela Prefeitura de Santos, na Ilha de S�o Vicente, eram feitas com recursos provenientes de Cubat�o. Os moradores tinham a plena convic��o de que, com a emancipa��o pol�tica, a cidade poderia ter mais recursos para investir na melhoria de sua qualidade de vida.

Essa esperan�a se mostrou verdadeira j� na primeira administra��o (1949-1953), ap�s a emancipa��o. Mesmo n�o contando ainda com os tributos que a grande refinaria da Petrobras iria proporcionar, ao passar a administrar os seus pr�prios impostos, Cubat�o deu in�cio a uma cont�nua melhoria na sua infra-estrutura urbana. Na primeira administra��o, abriram-se novas ruas, cal�aram-se outras, constru�ram-se pontes (onde s� existia um trapiche), melhoraram os servi�os de sa�de e educa��o, entre outros.

Nesses quatro primeiros anos, embora os gastos tenham sido consider�veis, a despesa ficou sempre abaixo da receita. O primeiro prefeito entregou o cargo para o seu sucessor, em 1953, com dinheiro em caixa e com apenas seis funcion�rios. Facilitaram as coisas, o fato de Cubat�o n�o ter despesas com funcion�rios aposentados, j� que era um munic�pio rec�m emancipado de Santos.

Provou-se, ao final dessa primeira administra��o, o quanto Cubat�o perdeu ao ser Distrito de Santos, desde quando foi incorporada �quela cidade em 1841. Em apenas quatro anos realizaram-se mais melhorias do que nos outros �ltimos 50 anos. � consenso entre os velhos moradores que se a emancipa��o fosse realizada dez, vinte ou trinta anos atr�s, Cubat�o seria uma cidade muito melhor para se viver: "Santos sugou o que p�de de Cubat�o", dizem muitos.

A segunda administra��o (1953-1957), por sua vez, tinha motivos de sobra para pensar em realiza��es muito maiores que a administra��o anterior. O motivo era um s�: a entrada em opera��o da grande refinaria, que iria aumentar significativamente a arrecada��o tribut�ria do munic�pio. Entrando em opera��o experimental em dezembro de 1954, foi durante o ano de 1955 que se p�de verificar o quanto � Refinaria iria trazer em impostos para a cidade.

Conforme a Tabela 35, entre 1954 e 1955, a arrecada��o tribut�ria nominal cresceu 235%, lembrando que a Refinaria ainda estava num per�odo de testes. Essa avalanche de novos recursos permitiu investimentos sociais bem superiores aos da primeira administra��o: constru�ram-se prontos-socorros, escolas, um novo cemit�rio e contrataram-se profissionais qualificados para servir melhor � popula��o (como m�dicos, enfermeiros, engenheiros e professores) [74].

Mas a euforia durou apenas tr�s anos. Surpreendendo a todos, a Petrobras decidiu n�o mais pagar impostos ao munic�pio em 1958. Esse fato caiu como uma bomba na cidade. A arrecada��o diminuiu em quase 50%. Projetos p�blicos tiveram que ser cancelados, sal�rios foram atrasados e fornecedores ficaram sem receber.

O carinho e o entusiasmo com o futuro que a Refinaria despertou na popula��o, durante sua constru��o e primeiros anos de funcionamento, transformou-se em revolta e m�goa. Passeatas foram feitas para protestar contra a decis�o arbitr�ria da Petrobras. O ent�o prefeito colocou faixas pela cidade pedindo a retomada dos pagamentos. A Refinaria, por sua vez, dizia que s� iria contribuir com a Prefeitura atrav�s da presta��o de alguns servi�os, como o asfaltamento de ruas. Essa situa��o durou entre 1958 e 1961.

TABELA 35

Arrecada��o geral do munic�pio de Cubat�o (1949-1978)

Ano

Arrecada��o

Nominal

Corrigida

1949

    386.750,00

    655.508,00

1950

  2.860.870,00

  4.334.651,00

1951

  1.560.180,00

  2.040.758,00

1952

  2.460.470,00

  2.877.740,00

1953

  4.358.190,00

  4.438.070,00

1954

  6.947.040,00

  5.571.000,00

1955

23.251.670,00

16.035.634,00

1956

25.442.700,00

14.622.220,00

1957

31.561.940,00

15.876.220,00

1958

18.621.000,00

  8.287.049,00

1959

23.611.980,00

  7.626.608,00

1960

48.578.220,00

12.144.555,00

1961

149.425.300,00 

27.267.391,00

1962

283.046.390,00 

34.060.937,00

1963

375.399.170,00 

25.751.075,00

1964

669.607.410,00 

24.112.618,00

1965

2.189.630.480,00 

50.273.923,00

1966

3.993.273.980,00 

66.421.723,00

1967

8.643.650.220,00 

112.097.970,00 

1968

15.835.415,33

165.331.123,00 

1969

17.182.761,19

148.562.692,00 

1970

22.535.331,82

162.651.252,00 

1971

24.717.867,30

148.138.028,00 

1972

42.808.286,56

219.327.215,00 

1973

63.555.196,09

282.847.181,00 

1974

97.105.078,39

335.829.424,00 

1975

127.044.274,43 

344.035.166,00 

1976

187.833.478,46 

360.050.831,00 

1977

338.608.494,23 

454.765.644,00 

1978

529.194,473,31 

529.194.473,00 

Fonte: Peralta (1979:194)

Obs.: �ndice Geral de pre�os, 1978=100 (IGP/FGV).

Mesmo com a entrada em opera��o de quatro grandes complexos ind�strias, entre 1957 e 1958 (as petroqu�micas Union Carbide, Estireno, Copebr�s e Alba), o aumento da arrecada��o de impostos n�o foi suficiente para compensar a perda de arrecada��o da Refinaria. Em termos reais, a arrecada��o municipal de 1960 foi inferior ao do ano de 1958.

Somente em 1961, com uma atitude mais extremada, inusitada e de for�a, Cubat�o voltou a receber os impostos da Petrobras, inclusive os atrasados [75]. O aumento de arrecada��o, entre 1960 e 1962 (o primeiro ano completo de pagamento de impostos pela Petrobras), foi de 180% em termos reais.

As conseq��ncias da volta dos recursos foram imediatas: dobraram-se os sal�rios dos servidores, duplicou-se a avenida principal (indenizando-se os propriet�rios de todas as casas e terrenos para a abertura dessa segunda pista), aumento do n�mero de m�dicos, novas ruas do munic�pio foram cal�adas e expans�o do sistema de ensino. Cubat�o voltava a ter dias pr�speros em rela��o aos servi�os prestados pela Prefeitura.

O in�cio do funcionamento da Cosipa, como sider�rgica integrada, em 1965, representou um novo salto na arrecada��o municipal. Praticamente dobrou-se a arrecada��o da cidade. Nos anos seguintes, com a inaugura��o de novas ind�strias e a expans�o das j� existentes, Cubat�o aumentou sua receita, em termos reais, ano ap�s ano.

Mas o destino teimava em ir contra os interesses da cidade. Vinte anos ap�s sua emancipa��o, Cubat�o foi declarada �rea de Seguran�a Nacional, em 1969, passando seu prefeito a ser nomeado pelo presidente da Rep�blica. O futuro, novamente, estava comprometido.

Os novos prefeitos, nomeados durante a d�cada de 70, eram oriundos de outras cidades e Estados brasileiros, sem compromisso efetivo com o progresso da cidade, apenas cumprindo um cargo oficial, com data certa para voltar para sua regi�o. Foi um tempo em que as reivindica��es dos moradores n�o tiveram eco na administra��o municipal.

O que se viu nesses anos foi a constru��o de obras fara�nicas para o humilde munic�pio de Cubat�o, em detrimento de necessidades mais urgentes para a cidade e sua popula��o. Entre as obras fara�nicas destacam-se os novos edif�cios da Prefeitura e da C�mara Municipal, al�m do Centro Esportivo Humberto de Alencar Castelo Branco. Ainda hoje, a nova Prefeitura e a C�mara Municipal possuem salas pouco ocupadas, sem falar do seu grande e luxuoso sal�o de entrada [76].

Essas duas grandes obras, que sugaram parte consider�vel dos recursos para investimentos da Prefeitura nestes anos 70, foram realizadas enquanto a cidade n�o possu�a nenhuma rede de esgotos, as favelas aumentavam e crian�as morriam de doen�as banais. A mis�ria na cidade aumentava na mesma propor��o do requinte dos pr�dios p�blicos. Os prefeitos nomeados constru�ram pal�cios luxuosos para trabalharem, enquanto a popula��o era infectada por coliformes fecais em valas e c�rregos contaminados pelos esgotos.

O auge do gasto p�blico foi coroado com o esc�ndalo que ficou conhecido como mar de lama, onde v�rias autoridades do munic�pio, inclusive o prefeito, foram acusados de desviar dinheiro p�blico. O prefeito nomeado foi exonerado pelo presidente da Rep�blica, em 1982.

A partir dessa data, os novos prefeitos nomeados passaram a ser moradores da regi�o, o que poderia representar dias melhores. No entanto, a crise econ�mica e a problem�tica ambiental que explodiram no in�cio da d�cada 80, minou a arrecada��o tribut�ria e aumentou a necessidade com gastos sociais, dado ao elevado desemprego que a cidade passou a amargar: somente a Cosipa demitiu 16 mil oper�rios.

Problemas ambientais ocorridos na cidade de cubatão (sp) durante a década de 1980

Primeiras casas entregues no Conjunto Habitacional Nova Rep�blica, em 20/12/1985
Foto: relat�rio de gest�o "10 meses que valem por 4 anos", Cubat�o, 12/1985

Em 1986, com a volta da autonomia pol�tica, os novos prefeitos eleitos procuraram investir nas obras realmente necess�rias: Cubat�o foi dotada de rede de esgotos e de um hospital municipal [77]. No entanto, obras fara�nicas continuaram a ser executadas, com destaque para o Teatro Municipal, cuja constru��o foi interrompida pr�ximo de sua inaugura��o, pela mudan�a de prefeito. Hoje suas estruturas s�o deterioradas pelo tempo.

Mas o ponto principal das despesas p�blicas, que iria engessar as finan�as da cidade na d�cada de 90, seriam as desapropria��es realizadas ao longo dos anos 80. A principal delas foi � desapropria��o precipitada de Vila Parisi, decretada em 1985, em fun��o da polui��o ambiental daquela �rea. Num momento em que Cubat�o era not�cia em todo mundo, conhecida como Vale da Morte, a Prefeitura assumiu sozinha a desapropria��o e mudan�a de todo um bairro, com mais de 20 mil moradores. Foi um gesto impensado. O problema e sua solu��o deveriam ter sido deixados para o Governo Estadual ou Federal, j� que existia at� uma Comiss�o Ministerial, formada a pedido do presidente da Rep�blica.

Essa decis�o da administra��o municipal, aliada a outras desapropria��es (como os terrenos para construir a escola do Senai e o aterro sanit�rio), tornaram-se precat�rios judiciais durante a d�cada de 90, inibindo qualquer grande investimento por parte da Prefeitura, e comprometendo os servi�os prestados � popula��o (principalmente em rela��o � sa�de) [78].

Antes mesmo da Lei de Responsabilidade Fiscal, Cubat�o j� vinha patinando para equilibrar suas receitas e despesas. Percebe-se pela Tabela 36 que somente nos �ltimos tr�s anos (1999, 2000 e 2001) a Prefeitura de Cubat�o conseguiu esse objetivo. Durante todo o restante da d�cada de 90, as despesas do munic�pio foram maiores que as receitas arrecadadas, aumentando o grau de endividamento da cidade [79].

O resultado mais vis�vel dessa crise financeira dos anos 90 foi o sucateamento dos pr�dios p�blicos (sem manuten��o peri�dica), repletos de rachaduras e goteiras. Nos hospitais e prontos-socorros faltam m�dicos, enfermeiros e material. Noutros setores, funcion�rios se aposentaram sem serem repostos, sobrecarregando os ativos e dificultando o atendimento da popula��o. Falta material b�sico de escrit�rio para execu��o dos servi�os administrativos. Na Biblioteca Municipal, o �nico computador instalado pertence a um funcion�rio, sendo usado apenas pelos servidores, ou seja, o usu�rio da principal biblioteca da cidade n�o tem acesso a Internet.

A crise financeira da Prefeitura rebateu, principalmente, nos sal�rios de seus servidores. Durante os anos 70 e 80, o funcionalismo p�blico cubatense era o mais bem pago da Baixada Santista e do Estado de S�o Paulo. No in�cio dos anos 90, um concurso para lixeiro da Prefeitura, devido ao seu bom sal�rio, tinha como candidatos pessoas com n�vel superior em engenharia, direito, letras, administra��o, etc. Atualmente os sal�rios dos servidores cubatenses n�o s�o mais os melhores da Baixada, fato que se reflete na perda de m�o-de-obra especializada, principalmente de m�dicos.

TABELA 36

Receita e despesa empenhada do munic�pio de Cubat�o (1990-2001) 
(Valores a pre�os correntes na moeda da �poca - Mil)

Ano

Receita

Despesa

1990

6.812.581 

  10.662.017 

1991

40.017.395 

37.853.682 

1992

302.490.284 

320.765.338 

1993

6.445.876 

6.522.487 

1994

  86.646

  97.493

1995

161.383

188.199

1996

168.162

220.224

1997

164.851

169.039

1998

157.602

163.628

1999

163.303

160.272

2000

177.839

150.806

2001

218.078

210.486

Fonte: Secretaria de Finan�as de Cubat�o

Obs.: 1990-1992: Cr$; 1993: CR$; 1994-2001: R$.

A Tabela 37 demonstra como o investimento p�blico vem decaindo desde o in�cio dos anos 90: era de 51,6% da receita, em 1990, passando para apenas 17,5%, em 2001. J� as despesas com pessoal aumentam de 27,1% da depesa total do munic�pio, em 1990, para 48,9%, em 1993. No entanto, nos anos seguintes, esta despesa vem decrescendo em raz�o da diminui��o dos funcion�rios (via aposentadorias) e sal�rios sem corre��o.

Em 1997, duas decis�es contradit�rias da administra��o municipal chamaram a aten��o de todos na cidade: enquanto a Prefeitura voltava a cobrar o IPTU para as resid�ncias, as ind�strias do P�lo tiveram seu IPTU reduzido. Segundo as empresas, estas estavam pagando valores acima da m�dia nacional. O caso foi parar no Minist�rio P�blico, pois acredita-se que os valores cobrados pela Prefeitura de Cubat�o est�o abaixo dos cobrados por outras prefeituras de cidades industriais, como S�o Bernardo do Campo e Santo Andr�. Esta redu��o resultou numa perda de arrecada��o de cerca de R$ 10 milh�es ao ano, ou um ter�o do total do IPTU arrecadado na �poca [80].

TABELA 37

Investimentos e despesas com pessoal em 
propor��o � receita e despesa total (1990-2001)

Ano

Investimentos

Despesas com pessoal

Receita (%)

Despesa (%)

Receita (%)

Despesa (%)

1990

80,63

51,57

42,43

27,13

1991

35,47

37,50

31,02

32,81

1992

27,16

25,61

44,08

41,57

1993

11,65

11,52

49,51

48,93

1994

22,75

20,22

39,99

35,54

1995

24,36

20,89

39,62

33,98

1996

23,22

17,71

41,30

31,53

1997

22,51

21,94

43,81

42,71

1998

20,30

19,55

44,53

42,86

1999

18,41

18,73

42,31

43,07

2000

15,34

18,04

40,92

47,52

2001

17,50

18,13

38,51

39,88

Fonte: Secretaria de Finan�as de Cubat�o

O resultado dessa m� gest�o de recursos p�blicos, ao longo dos tempos, tornou a receita estimada para o ano de 2002, de aproximadamente R$ 250 milh�es, insuficiente para atender parte das necessidades b�sicas da cidade, em raz�o do alto grau de endividamento do munic�pio [81].

A Prefeitura deve atualmente R$ 390 milh�es, dos quais R$ 260 milh�es em precat�rios, em sua maioria oriundos de desapropria��es [82]. As outras d�vidas referem-se, principalmente, ao pagamento de d�bitos atrasados com fornecedores e a Caixa de Previd�ncia dos Servidores da Prefeitura.

J� o or�amento da Prefeitura para 2003 est� estimado em R$ 281.423.155,00. O aumento de mais de R$ 30 milh�es em rela��o ao ano anterior tem como motivo a eleva��o da al�quota do munic�pio na reparti��o do ICMS. A principal fonte de receita continua sendo o ICMS (57%), seguido do IPTU (8%), ISS (7%) e receitas diversas (20%). Mesmo assim, o atual prefeito de Cubat�o, Clermont Castor, afirmou que a receita tribut�ria � insuficiente para resolver os principais problemas de uma cidade com 60% da popula��o morando em favelas (A Tribuna, 28/09/2002).

Somente com o pagamento de sal�rios, a Prefeitura gastar� 39% da receita estimada. Com precat�rios ser�o 6,4% e juros de d�vidas passadas, outros 11,8%. Para o Fundef (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental), o munic�pio ir� destinar 9,4% de sua arrecada��o. Segundo a Secret�ria de Planejamento da Prefeitura, s� restam, na pr�tica, R$ 48 milh�es para administrar a cidade, insuficientes para investimentos de grandes propor��es [83].

Embora ainda esteja entre as dez maiores cidades em arrecada��o de ICMS do Estado de S�o Paulo, a Prefeitura de Cubat�o est� quase falida, sem recursos para tocar a administra��o das necessidades existentes e, muito menos, comprometer o or�amento com novas e grandes exig�ncias. Tristes dias vive a rica Prefeitura de Cubat�o.

Desse modo, o P�lo Industrial de Cubat�o, embora tenha trazido um alto custo social e ambiental para a cidade, propiciou, em contrapartida, uma das maiores arrecada��es tribut�rias do pa�s ao munic�pio de Cubat�o. Volta, ent�o, a pergunta: onde foi investida a grande soma de recursos arrecadados pela Prefeitura de Cubat�o, durante os �ltimos 50 anos, que n�o melhoraram as p�ssimas condi��es de vida de metade de sua popula��o?

De acordo com o exposto nas p�ginas anteriores, os recursos da Prefeitura de Cubat�o tomaram os seguintes destinos impr�prios: 1 - gastos em obras fara�nicas (dada a pequena dimens�o da cidade); 2 - corrup��o (vide o famoso mar de lama); 3 - alto custo de v�rias desapropria��es. De modo geral, a alta arrecada��o tribut�ria de Cubat�o � hoje insuficiente para arcar com os problemas decorrentes da industrializa��o, dada a d�vida existente, e principalmente os gastos gerados pela grande migra��o ocorrida entre 1950 e 1980.

Numa an�lise mais atenta sobre os benef�cios e preju�zos advindos com a industrializa��o, constatamos que milhares de pessoas conseguiram melhorar seu n�vel de vida com o crescimento econ�mico de Cubat�o, principalmente, os antigos moradores da cidade, anteriores ao surto industrial. Mas os benef�cios n�o foram para todos. Percebemos que a cidade foi v�tima de uma mis�ria transportada de outras regi�es. Miser�veis de outros estados do pa�s, tornam-se miser�veis em Cubat�o, onde as perspectivas de melhoria do bem-estar n�o se confirmaram plenamente [84].

Em 1979, Peralta (1979:259) encerrava sua tese de doutoramento, perguntando: conseguir� o munic�pio de Cubat�o encontrar a solu��o dos v�rios efeitos negativos criados pelo parque industrial, principalmente a polui��o e a mis�ria de sua popula��o? Passados 23 anos desse questionamento, podemos responder que parte dos problemas ambientais foram resolvidos, mas, entretanto, a mis�ria continua a avan�ar nas terras do munic�pio.

Pesquisa da Funda��o Seade, intitulada �ndice Paulista de Responsabilidade Social, conclu�da em 2001, examinou os dados de 645 munic�pios paulistas, de 1992 a 1997, e enquadrou Cubat�o no grupo dos munic�pios economicamente din�micos, mas de baixo desenvolvimento social [85].

Estes munic�pios foram considerados din�micos, principalmente, devido a sua pujan�a econ�mica e ritmo de crescimento demogr�fico, embora apresentem prec�rios indicadores sociais. S�o munic�pios industriais cuja riqueza municipal pode ser considerada elevada devido � presen�a de ind�strias de grande porte. Para o Seade, os munic�pios pertencentes a este grupo s�o cidades injustas.

O fundamental, que devemos insistir, � que o processo de substitui��o de importa��es no Brasil conseguiu, de fato, industrializar o pa�s, mas deixou um rastro de mis�ria e degrada��o ambiental nas cidades onde foram implantadas as grandes ind�strias substitutivas [86].

Cubat�o aparece no centro dessa quest�o: � o exemplo claro e perfeito de mis�ria, exclus�o social e polui��o ambiental [87]. Cardoso de Mello n�o se surpreende com esse fracasso do capitalismo industrial no Brasil:

"O desemprego estrutural, a precariza��o do trabalho, a intensifica��o das disparidades dos rendimentos, a heterogeneidade do mercado do trabalho e o agravamento da pobreza est�o a� para quem quiser ver, e reconhecer enfim no capitalismo o que ele sempre foi, uma gigantesca m�quina de produzir desigualdades" (Mello, 1997:24) [88].

Todos os erros e acertos da pol�tica desenvolvimentista brasileira dos anos 50 em diante foram assumidos por Cubat�o. A cidade � hoje fruto leg�timo dessa pol�tica [89].

Problemas ambientais ocorridos na cidade de cubatão (sp) durante a década de 1980

Centro de Cubat�o, em 1960
Foto cedida a Novo Mil�nio por Arlindo Ferreira


NOTAS:

[63] Em agosto de 2001, a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de Cubat�o tinha uma equipe de apenas cinco funcion�rios para tentar coibir as invas�es de �reas impr�prias (mangues, morros e serras). Esses funcion�rios, conforme reportagem de A Tribuna (16/08/2001) diziam-se amea�ados pelos invasores, pois tratavam-se de quadrilhas especializadas em construir casebres para venda posterior.

[64] "Consideram [as empreiteiras] que, trazendo pessoas de fora, garantem um servi�o mais satisfat�rio, na medida em que desvinculado de relacionamentos pessoais" (Goldenstein, 1972:261). Enquanto nas ind�strias, com m�todos e t�cnicas modernas de produ��o, temos a explora��o da mais valia relativa, dentro de um novo padr�o de acumula��o de capital, nas empresas de constru��o civil e de montagem industrial (conhecida como ind�stria da constru��o), o que prevalece � a extra��o da mais valia absoluta (Damiani, 1984:22/23).

[65] "Finalmente, sua implanta��o [Light] naquele local atraiu a forma��o de um grande parque industrial produzindo migra��es em massa de m�o-de-obra para constru��o, procedentes de todos os recantos do pa�s, principalmente das regi�es mais atrasadas para um munic�pio pobre de recursos e de infra-estrutura, situado em um imenso p�ntano salino, de caracter�sticas totalmente impr�prias - pelo solo e pelas condi��es clim�ticas que possui - � fixa��o de um contingente humano de grandes propor��es" (Branco, 1984:52).

[66] "Para al�m dessa caracteriza��o, foi poss�vel definir o movimento da popula��o deslocada para Cubat�o como um movimento cuja dire��o, de certa forma e em certa medida, sofre a determina��o da ind�stria da constru��o, impl�cita ou explicitamente. Portanto, os destinos de Cubat�o enquanto lugar de concentra��o de popula��o, em especial suas favelas, est� atrelada, tamb�m, a essa determina��o, que seria subestimada caso n�o se destaque a constru��o" (Damiani, 1984:97).

Ainda para a autora, as vilas oper�rias e as favelas marcam momentos diferentes do capitalismo no Brasil. Nas primeiras, existia a preocupa��o da empresa em manter seus oper�rios pr�ximos ao centro produtivo, enquanto na segunda, o que interessa � o trabalhador chegar na hora do trabalho, independente onde more. Isso resultou numa precariza��o do trabalho (Ibid., p.21).

[67] "Mas, sobretudo, � necess�rio pensar-se nas comunidades que para ali foram arrastadas pela ilus�o de que o desenvolvimento industrial constituiria um benef�cio tamb�m para elas e que hoje come�am a interpretar o termo �desenvolvimento� como sin�nimo de desgra�a e mis�ria" (Branco, 1984:103).

[68] "Cubat�o � um munic�pio de desconcertantes paradoxos. Al� tudo assume grandes propor��es: a riqueza do munic�pio e a pobreza de sua popula��o, a alta taxa de concentra��o urbana e a reduzida incorpora��o populacional no processo de urbaniza��o; o grande n�mero de ind�strias e a insufici�ncia de oferta de empregos; a grandeza das �reas pertencentes � ind�strias e a escassez de terrenos para moradias; grandiosas constru��es p�blicas e privadas e a prolifera��o de favelas e sub-moradias; uma natureza exuberante que ofereceu ao habitante local, at� um passado recente, ar puro e alimenta��o e a destrui��o desse lugar privilegiado pela devasta��o da flora, fauna, polui��o do ar, dos rios" (Peralta, 1979:142).

Branco (1984:95) bate no mesmo ponto: "Ali�s Cubat�o �, sabidamente, caracterizada por grandes contrastes, que parecem acompanhar a sua pr�pria geomorfologia, de altas e imponentes montanhas confrontando-se com a imensa plan�cie; grandes riquezas ao lado da mais aflitiva mis�ria; um poderoso complexo industrial, com baixa oferta de empregos; extensas �reas industriais e poucas �reas para moradia".

Brand�o (2000:23), em sua tese de doutoramento, repete a mesma coisa: "A organiza��o do espa�o urbano, em Cubat�o, merece destaque no marco da hist�ria do processo da industrializa��o do Brasil, por conter evidentes contradi��es: a produ��o de riqueza e a desumanidade - desenvolvimento econ�mico e exclus�o dos benef�cios provenientes destes para seus cidad�os".

[69] "At� hoje (1988), do ponto de vista da provis�o de infra-estrutura urbana, Cubat�o � considerada uma cidade desestruturada e ca�tica devido � falta de planejamento da ocupa��o do solo, principalmente nos bairros perif�ricos. A procura de habita��es pr�ximas ao local de trabalho e a falta de recursos para a aquisi��o de moradias pela popula��o mais pobre leva � ocupa��o das terras inaptas para constru��o ou pr�ximo �s �reas industriais. A ocupa��o ilegal ocorre principalmente em terrenos poucos valorizados ou p�blicos, �s margens de rodovias ou ferrovias, nas escarpas ou em regi�es de manguezais. At� o momento, as exig�ncias habitacionais da popula��o oper�ria recebem pouca aten��o dos �rg�os p�blicos de planejamento e ainda enfrentam os interesses de expans�o das instala��es industriais vizinhas" (Gutberlet, 1996:71).

Para o m�dico Rezende (1992:241), "embora Cubat�o apresente uma arrecada��o consider�vel, n�o existe preocupa��o pol�tica com a adequa��o dos investimentos na �rea de sa�de".

[70] "Pobreza e mis�ria associados aos riscos para a sa�de e a degrada��o ambiental s�o conseq��ncias diretas do desenvolvimento insustent�vel, orientado primeiramente pelos interesses econ�micos e pol�ticos a curto prazo. A polui��o atmosf�rica e h�drica, a contamina��o do solo e a destina��o inadequada dos res�duos s�o as outras faces do desenvolvimento� industrial" (Gutberlet, 1996:195).

Para Tavares & Belluzzo (1998:144), "(...) resolver o problema do atraso industrial num capitalismo tardio n�o equivale a solucionar os problemas do subdesenvolvimento e pobreza". Nas palavras de Mello (1997:181), "(...) a periferia subdesenvolvida se apresenta como uma sociedade marcada pela heterogeneidade. Uma pequena parcela desfruta de padr�es de vida pr�prio do centro, enquanto a imensa maioria se acha exclu�da". J� para Gutberlet (1996:195), Cubat�o � um "caso exemplar em que as dr�sticas conseq��ncias sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento em vigor ficam vis�veis".

[71] O censo revelou que apenas 32,3% da popula��o nasceu em Cubat�o. O restante veio de Pernambuco (11,6%), Bahia (6,2%), Minas Gerais (4,9%), Sergipe (3,3%), Alagoas (3,3%). J� 16,3% vieram de outras cidades da Baixada Santista, 3,3% de outras regi�es do Estado de S�o Paulo, e 17% de outros estados brasileiros.

[72] Peralta (1979:219), escrevendo no final dos anos 70, n�o compreendia esse dilema: "Com uma receita t�o grande, compar�vel apenas � de poucos munic�pios paulistas, n�o se justifica a exist�ncia, em Cubat�o, de car�ncias em todos os n�veis, principalmente em termos de participa��es nos bens essenciais � sobreviv�ncia do indiv�duo no mundo urbano". Branco (1984:97), escrevendo cinco anos ap�s Peralta, tamb�m n�o entendia esse paradoxo: "N�o � poss�vel que o alto valor da receita auferida por esse gigantesco p�lo produtor e exportador n�o possa contribuir para a atenua��o dos problemas gerados pelo pr�prio processo de industrializa��o".

[73] Em 1947, a renda gerada no Distrito de Cubat�o foi de Cr$ 169.604,00, superior ao m�nimo necess�rio de Cr$ 100.000,00 para que o Distrito pleiteasse sua emancipa��o pol�tica (Peralta, 1979:191).

[74] Estes profissionais foram contratados, em sua maioria, nas cidades vizinhas a Cubat�o, principalmente em Santos, devido � falta de pessoas qualificadas na cidade: "Como cada cidade precisa de um n�mero m�nimo de trabalhadores qualificados, em propor��o ao n�mero de ocupa��es especializadas que utiliza para reproduzir-se, na pr�tica, para que uma cidade se torne mais eficiente que outras no uso de recursos, tem que contar com mecanismos sociais de prepara��o, geral e espec�fica, das pessoas para trabalhar, ou atrair pessoas j� formadas, de outros centros" (Pedr�o, 2002:33).

[75] O novo prefeito de Cubat�o, Abel Ten�rio, sobrinho do deputado fluminense Ten�rio Cavalcanti (conhecido como o homem da capa preta), foi decidido para a sede da Petrobras no Rio de Janeiro, na inten��o de for�ar a volta do pagamento dos impostos. Ao chegar na sala da secret�ria da presid�ncia da Petrobras, Abel deu um murro no vidro da mesa, quebrando-o em v�rios peda�os, dizendo em seguida: "Diga ao presidente que Abel Ten�rio, prefeito de Cubat�o e sobrinho de Ten�rio Cavalcanti, est� aqui para conversar com ele". Rapidamente recebido pelo General Idalio Sardenberg, Abel saiu com a promessa de que no dia seguinte os recursos voltariam a ser depositados na conta banc�ria da Prefeitura. E assim foi feito.

[76] Visitantes parlamentares de outras cidades surpreendem-se com a riqueza das constru��es p�blicas de Cubat�o, que tem metade de sua popula��o vivendo em favelas. Cidades maiores n�o possuem, at� hoje, uma Prefeitura e uma C�mara Municipal do porte e do luxo de Cubat�o. Entre 1975 e 1976, os gastos com a constru��o da nova Prefeitura e C�mara Municipal representaram mais de 12% da receita total do munic�pio (PMC, 1976:33).

[77] Em 1987, devido a sua grande arrecada��o de ICMS, a Prefeitura concedeu isen��o total sobre propriedade predial urbana (IPTU) �s edifica��es destinadas ao uso residencial. Essa lei foi revogada em 1997.

[78] Em setembro de 2002, uma decis�o judicial, ainda em fase de execu��o, seq�estrou os recursos da Prefeitura para pagamento de um precat�rio de R$ 18 milh�es, referente a um terreno desapropriado em �rea de mangue. Esse seq�estro deixou a Prefeitura sem recursos para pagar fornecedores e funcion�rios. Imediatamente foi formada uma comiss�o popular, batizada de Movimento contra os precat�rios milion�rios - que seja aberta a caixa preta, para cobrar explica��es do prefeito municipal.

[79] Mesmo assim, em 1995, Cubat�o possu�a a oitava receita or�ament�ria dos munic�pios brasileiros (R$ 161,4 milh�es). Os outros sete munic�pios eram S�o Bernardo do Campo (R$ 486,2 milh�es), Campinas (R$ 418,5 milh�es), Guarulhos (R$ 355,9 milh�es), Santos (R$ 263,6 milh�es), S�o Jos� dos Campos (R$ 247,4 milh�es), Santo Andr� (R$ 229,8 milh�es) e Osasco (R$ 209,5 milh�es) (Brasil, 1997).

[80] A Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Cubat�o espera arrecadar R$ 22,5 milh�es com o IPTU no exerc�cio de 2003.

[81] Estudo da Funda��o Get�lio Vargas, realizado em 2002, concluiu que a Prefeitura de Cubat�o possui problemas de informatiza��o e necessita, urgentemente, de programas de computa��o adequados ao servi�o p�blico. Este procedimento melhoraria a efici�ncia dos servi�os prestados e a pr�pria arrecada��o municipal.

[82] Somente cinco desses precat�rios, somados, totalizam a quantia de cerca de R$ 140 milh�es.

[83] S�o os gastos com manuten��o de escolas, hospital, postos de sa�de, cestas b�sicas, merenda escolar, recolhimento de lixo e obras recomendadas pelo Conselho do Or�amento Participativo (A Tribuna, 28/09/2002). Entre as obras, est�o a constru��o de 812 habita��es populares, quatro escolas de Ensino Fundamental, tr�s unidades b�sicas de sa�de, troca da ilumina��o p�blica, pavimenta��o de ruas e reurbaniza��o da avenida principal da cidade. Entretanto, poucas dessas obras ser�o conclu�das e pagas, em 2003.

[84] Para Peralta (1979:259), a industrializa��o de Cubat�o teve efeitos positivos e negativos: "O passado agr�cola e comercial de Cubat�o provoca saudades em muitos de seus moradores. Contudo, o presente tem suas vantagens".

Mesmo cr�ticos n�o t�o otimistas das conquistas da industrializa��o no Brasil, como o professor Jo�o Manuel Cardoso de Mello, n�o deixam de considerar como exitoso o processo de industrializa��o brasileira: "A industrializa��o r�pida criou milhares de oportunidades de investimento e alterou dramaticamente a estrutura do emprego. A concorr�ncia entre os indiv�duos selecionou os mais aptos  para os melhores postos de trabalho ou para pequenos e m�dios empres�rios (...) Mas mesmo os pobres e miser�veis tinham a esperan�a de um futuro melhor, se n�o para eles, certamente para seus filhos e netos" (Mello, 1992:63).

[85] Este grupo de munic�pios (Cubat�o, Mau�, Diadema, Guarulhos, entre outros) � caracterizado pela relativa riqueza municipal e as prec�rias condi��es de longevidade e escolaridade.

[86] Segundo a historiadora Pandolfi (2001:58), nas d�cadas do regime militar dos anos 60/70, "o Brasil foi modernizado mas excluiu a grande maioria do povo dos frutos desse desenvolvimento. Nos anos 80, no final do regime militar, as desigualdades sociais eram imensas".

[87] "Pobreza e mis�ria associados aos riscos para a sa�de e a degrada��o ambiental s�o conseq��ncias diretas do desenvolvimento insustent�vel, orientado primeiramente pelos interesses econ�micos e pol�ticos a curto prazo. A polui��o atmosf�rica e h�drica, a contamina��o do solo e a destina��o inadequada dos res�duos s�o as outras faces do �desenvolvimento� industrial" (Gutberlet, 1996:195).

Na verdade, como afirma Mello (1997:20), "o capitalismo perif�rico provou ser incapaz de suprir as necessidades b�sicas do conjunto da popula��o". Para Tavares (1992:53), "a outra observa��o que vale para todos os pa�ses latino-americanos reside no fato de que o processo de urbaniza��o acelerada n�o foi acompanhado por uma organiza��o social e educacional compat�vel com os novos requisitos em capacita��o t�cnica, profissional e intelectual".

[88] "Dada a orienta��o tecnol�gica que necessariamente assume a industrializa��o substitutiva, mant�m-se el�stica a oferta de m�o-de-obra. Certo: sendo os sal�rios mais altos no setor industrial do que no conjunto da economia - o que se deve a uma maior produtividade e tamb�m � prote��o tarif�ria de que beneficiam as ind�strias -, a taxa m�dia de sal�rio ter� que elevar-se na medida em que cres�a relativamente o emprego industrial (...) Da� que a industrializa��o nas condi��es de subdesenvolvimento, mesmo ali onde ela permitiu um forte e prolongado aumento de produtividade, nada ou quase nada haja contribu�do para reduzir a heterogeneidade social" (Furtado, 1992:10).

[89] "Essa � a id�ia: a sociedade � principalmente a cidade. � na cidade que se expressam, criam, desenvolvem, declinam, florescem, explodem ou fenecem atividades e cria��es. � na cidade que nascem muitas id�ias e religi�es, doutrinas e teorias, partidos pol�ticos e sindicatos, governo e desgoverno, tirania e democracia; como fluoresc�ncia de civiliza��es (...)

"Mais uma vez, a cidade � a s�ntese de todo o pa�s, de toda a sociedade. � na cidade que se manifesta, sintetiza, multiplica e explode tudo o que s�o as cria��es, frustra��es e tens�es da sociedade. Ela � um laborat�rio excepcional, no qual se expressam, desenvolvem, resolvem ou explodem os problemas sociais, econ�micos, ecol�gicos, culturais, �tnicos, de g�nero, sexuais, religiosos, ling��sticos. Toda cidade � uma r�plica de Babel, n�o s� pela multiplicidade das l�nguas e linguagens, mas tamb�m porque s�o muitos os que lutam desesperados ou sonham encantados, buscando alcan�ar o c�u ou realizar a emancipa��o" (Ianni, 2001:19).

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