Qual a importância do darwinismo social para a prática colonial europeia no século XIX?

Qual a importância do darwinismo social para a prática colonial europeia no século XIX?

DO DARWINISMO SOCIAL AO MITO DA DEMOCRACIA RACIAL: A CIÊNCIA DO RACISMO COMO FONTE PRIMÁRIA DO RACISMO ESTRUTURANTE NO BRASIL

Ana Paula de Moraes Pissaldo21 Marcos Jesus da Silva22

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar a origem do racismo estruturante cuja gênese está no século XVII, perdurando no Brasil até hoje. Os pensamentos libertários e igualitários surgiam na Europa do século XV e XVI com a filosofia iluminista de Rousseau23, Montesquieu24 e na escola positivista de Lombroso25, influenciadores do pensamento também no Brasil do século XIX, cuja independência de Portugal havia sido proclamada em período recente, espelhando o nascimento de um projeto de sociedade brasileira que recémsurgia. Teorias desenvolvidas a partir dos pensamentos de Lombroso e seus estudos à cerca da delinquência26, são desenvolvidas também por aqui,

21 Mestre em Direito pela universidade Nove de Julho - Linha de Pesquisa Empresa, Sustentabilidade e funcionalização do Direito. (2015), sob a Orientação da Prof. Dra. Samyra Haydee Dal Farra Naspolini Sanches.Pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Nove de Julho (2013) Sob orientação do Prof. Dr. Wanderley Andrade da Costa Lima. Professora de Direito Civil, Nucleadora e professora da matéria Prática Jurídica Civil. Especialista em Compliance e anticorrupção pela LEC (legal, ethics and compliance) 2019.

22 Pós-graduando em Direito Penal e em Direitos Humanos e Filosofia na Faculdade Faveni, Gestor de Comércio Exterior pela Universidade Nove de Julho, graduando em direito pela Faculdade Monitor.

23 Jean-Jacques Rousseau – escrito nascido em Genebra e um dos principais filósofos do iluminismo.

24 Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu, escritor, político e filósofo iluminista francês.

25 Cesare Lombroso, médico, psiquiatra e antropólogo Italiano, um dos fundadores da Escola Positivista.

26 As características físicas e psicológicas comuns entre cadáveres de delinquentes e presos nas cadeias estudadas durante suas análises e pesquisas, o levaram a determinar estigmas de criminalidade, concluindo que o crime não era fenômeno outro senão biológico, tornando possível a identificação de um criminoso através de características físicas e psicológicas, antes mesmo do cometimento do crime.

encontrando na Faculdade de Medicina da Bahia um de seus principais redutos e centro de formação dos pensadores dessa corrente, vendo em Nina Rodrigues27 e sua teoria de superioridade racial branca frente aos não brancos, sobretudo os negros, como responsáveis naturais pela delinquência e descontrole social no Brasil, seu maior expoente. O conceito de raça nos é apresentado e adaptado nesse momento de formação social brasileira, em cenário de instabilidade social e políticas públicas eugenistas - o branqueamento através da importação de trabalhadores europeus, o ataque à cultura e religiosidade africanas como forma de purificação da raça no século XX. A Democracia Racial de Gilberto Freyre28 dos anos 1930 deixou consequentes resultados dessas políticas no país do século XXI: o racismo estrutural que segrega, a vulnerabilidade, a falta de oportunidade que obsta a inclusão social levando à prisão em massa e exposição a toda sorte de violências, sobretudo a física.

PALAVRAS - CHAVE Racismo; Negros; Democracia Racial, Criminalização, Raça.

1. INTRODUÇÃO Encontramos o antropocentrismo29 na transição entre Idade Média e Moderna – século XIV e XVII, contrapondo-se ao teocentrismo30 medieval - não é mais Deus, mas o homem, ser dotado de inteligência, o ponto central que vê a razão como caminho do conhecimento - o ser humano é independe de Deus, racional, crítico, produz e difunde conhecimento. Toda compreensão vem dos fatos pela ciência e experimentos racionais explicam, a partir de observação da natureza, o universo de maneira matemática e calculada, logo, é este cientificismo a ligação clarificadora dos fenômenos humanos e naturais. Será no humanismo, racionalismo, individualismo, antropocentrismo

27 Raimundo Nina Rodrigues, médico brasileiro, psiquiatra, antropólogo, eugenista e escritor, nasceu em 1862.

28 Gilberto de Mello Freyre, sociólogo, antropólogo, escritor e professor brasileiro, autor de vários ensaios sobre o período colonial no Brasil, afastando-se dos pensamentos dos intelectuais de seu tempo, contrapunha a ideia da mestiçagem como fator negativo na formação do povo brasileiro.

29 do grego anthropos, humano e kentron, centro

30 do grego Theo, Deus e kentron, centro

e o cientificismo empírico, bases do Renascentismo, que vamos encontrar ainda, as estruturas que fundam de forma específica um sentido e uma ideia de raça. O contexto histórico e cultural em análise, vai proporcionar o cenário da reflexão sobre a existência humana, seja em sua unidade, seja na multiplicidade.

[…] o contexto da expansão comercial burguesa e da cultura renascentista abriu as portas para a construção do moderno ideário filosófico que mais tarde transformaria o europeu no homem universal (atentar ao gênero aqui é importante) e todos os povos e culturas condizentes com os sistemas culturais europeus em variações menos evoluídas. (ALMEIDA, 2021. p. 25)

A elaboração histórica da compreensão do homem, é resultado de construção filosófica eurocentrista, que vê nas teorias iluministas de transformação e construção de conhecimento, o próprio homem e suas diferenças como objeto central de observação, de aprendizado, sujeito e objeto do conhecimento econômico, biológico, psicológico e linguístico, sobre o que corrobora ALMEIDA, ao afirmar: “do ponto de vista intelectual, o iluminismo constituiu as ferramentas que tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes grupos humanos com base nas características físicas e culturais”. (2021. p. 26) As transformações da Europa do século XV e XVI, abalizaram as definições de primitivo e civilizado, distinguindo filosófica e antropologicamente, o que era civilizado e o que era selvagem. Desaparecem as sociedades feudais dando lugar às capitalistas nessa nova ordem mundial de razão, vitória da civilização, direitos universais e dos ideais iluministas: igualdade, liberdade e fraternidade. Esta nova civilização é a credencial para o imperialismo e deveria ser levada a outros “povos primitivos”, ainda não conhecedores das benesses do conhecimento civilizatório e destes ideais31, portanto, pouco ou nada “civilizados”. Destruição e morte foi o que se viu neste processo, denominado colonialismo32: não proporcionava igualdade aos homens ou liberdade, tão pouco trazia reconhecimento à maioria como seres humanos. Do projeto de levar civilização aos povos incivilizados, opera-se uma estratégia facilitadora, possibilitando às oposições entre a razão, a escravidão, a destruição e morte

31 Os iluministas defendiam um movimento intelectual cuja razão era o centro das ideias sobressaindo-se à fé. Pregavam a separação dos poderes, governo justo e igualitário em contraponto ao absolutismo e a independência do Estado em relação à igreja. Seus valores fundamentais eram liberdade, igualdade e fraternidade

32 Prática de domínio de um território sobre outro povo, seja político, religioso ou cultural, exercendo controle de forma a explorar, expandir ou mesmo manter seu território. Via de regra, o domínio é exercido por um país mais forte comercial e militarmente, sobre outro mais fraco.

no sistema colonialista, conviverem simultaneamente como valores fundamentais da sociedade. Surge, a serviço da submissão, o conceito central de raça como classificador sob a forma de pirâmide social dos seres humanos, que prestar-se-ia à destruição de populações nos diversos continentes, como o ocorrido no Congo, colônia belga entre o final dos 1800.

No século XIX, o estudo filosófico mostra-se insuficiente para explicar as diferenças humanas introduzindo outros instrumentos transformadores deste homem em objeto científico na busca de respostas para a diversidade nos seres humanos. Outras ciências e saberes são utilizados, como é o caso da biologia, na geografia e ainda, a geografia através do uso de condições climáticas e ambientais na busca de modelos explicativos responsáveis por tornar as raças diferentes, levando em conta as diversidades morais, intelectuais e psicológicas, como reforça ALMEIDA sobre tal pensamento ao observar: “a pele não branca e o clima tropical favoreciam o surgimento de comportamentos imorais, lascivos e violentos, além de indicarem pouca inteligência” (2021, p. 29). As observações e estudos à cerca destes pensamentos, clarifica o racismo como ciência amplamente repercutida nos meios acadêmicos, suscitando estudos de Arthur de Gobineau33 considerado um dos mais importantes teóricos da raça como classificação social e defensor da não mistura de raças - o mestiço tenderia a ser ainda mais degenerado e Cesare Lombroso, por exemplo, cujas ideias chegam ao Brasil influenciando diretamente as obras de Raimundo Nina Rodrigues. Estes pensamentos, teorias e pesquisas perduraram até o século XX, de sorte a buscar possível comprovação da hierarquia social através de características culturais, biológicas e físicas, denominando raças superiores e instrumentalizando estratégias com vistas a subjugar, explorar e tornar hierarquicamente inferior, moral, política e religiosamente outros povos. Vale comentar não haver na ciência atual, argumentos a justificar diferenças que evidenciem ser possível tratamento de forma não igualitária e discriminatória entre os seres humanos, entretanto, as ideias nascidas lá no século XVI, aprofundadas no XVII, reforçadas no XVIII e difundidas no XIX e parte do XX, resultam em noção politicamente utilizadas como fonte de legitimação de genocídio, segregação e manutenção de desigualdade de grupos socialmente minoritários. É desta fonte que em pleno século XXI, vai saciar-se o racismo no Brasil, agindo de forma estruturante, contaminando

33 Joseph Arthur de Gobineau foi um diplomata, escritor e filósofo francês, nascido em 1816 e um dos mais importantes teóricos sobre o racismo no século XIX.

sistematicamente as relações sociais entre o Estado, a economia e a população preta do país.

2. A CIÊNCIA DO RACISMO - DARWINISMO SOCIAL É na teoria evolutiva do século XIX formulada por Charles Darwin34 (1809 -1882) explicando a existência diversa de espécies dos seres vivos, a origem de correntes sociais de pensamentos e estudos científicos, em sua grande maioria empíricos, que tomam por base a sobrevivência dos mais adaptados – os mais fortes sobrevivem e apenas o mais forte merece sobreviver. Os Darwinistas Sociais acreditavam em sociedades superiores às outras, dividindo a humanidade em pirâmides sociais com raças superiores – homens brancos e europeus - e inferiores, negros e mestiços. No conflito social e racial estava o meio para o progresso - os que sobressaem intelectual e fisicamente, devem dominar e governar aos demais. Já as raças menos aptas, incapazes de acompanhar a evolução social, acabariam por deixar de existir, extinguindo-se como rege o princípio da seleção natural de Darwin. E deste argumento vem a

34 Charles Robert Darwin, naturalista, geólogo e biólogo britânico, nascido em 1809, desenvolveu a teoria da evolução, baseada na seleção natural, ou seja, o meio ambiente selecionaria os mais aptos a nele sobreviver e, portanto, estes, transmitiriam aos seus descendentes tais características de sorte a manter as mais vantajosas à espécie. justificativa que reforça a dominação pelo imperialismo: a crença de serem os europeus, dotados de superioridade racial, logo, tão bons dominadores e por conta da seleção natural, os países mais fracos e menos capazes, deveriam ser os explorados, a fonte de mão de obra e recursos a manter os mais fortes.

O Darwinismo social usava de estigmas em suas argumentações - a loucura, por exemplo, como base na justificativa de uma pretensa superioridade racial sobre outra, observando ainda, alguns teóricos ao final do século XIX e início do XX, que a mestiçagem levava à degeneração da raça, ou seja, quanto mais “pura”, mais forte a raça e superior a outras mais impuras, mostrando-se opositoras tais teorias, ao liberalismo que propunha igualdade geral para todos. Em 1855, o filósofo francês Arthur de Gobineau, lança o livro considerado uma das obras mais importantes e pioneira no tratado da eugenia e racismo: “Ensaios Sobre a Desigualdade das Raças Humanas”. Gobineau, cujas teorias quanto a superioridade racial no século XIX foram consideradas entre as mais importantes, tratava neste estudo além de eugenia e racismo, da miscigenação, processo responsável pela degradação cada vez maior, tanto física quanto intelectual, dos seres humanos.

Mas é partindo da obra de um dos principais fundadores da Escola

Positivista35 e autor símbolo da fase antropológica desta corrente, o médico italiano Cesare Lombroso, que vemos nascer a Antropologia Criminal36 como ciência, através de suas pesquisas sobre criminosos e a pena. Em seus estudos, Lombroso busca identificar, segundo suas ideias e teorias, o delinquente nato, aquela pessoa cujas características físicas, mentais e fisiológicas demonstrariam ser o indivíduo predisposto ou não ao crime, ou seja, pretendia “identificar” um criminoso antes mesmo de seu cometimento, através de características anatômicas de seu corpo, segundo ele, suficientes para o diagnóstico: “Os homicidas, os arrombadores, tem cabelos crespos, são deformados no crânio, tem potentes maxilares, zigomas enormes e frequentes tatuagens; são cobertos de cicatrizes na cabeça e no tronco” (2001, p 248) Para formular sua teoria, utiliza resultados de estudo criterioso dos 25000 mil presos em estabelecimentos penais europeus, pelo menos outras seis mil análises de pessoas que delinquiram e mais 400 autópsias em delinquentes mortos, agregadas à avaliação biológica das características psicológicas,

35 Corrente filosófica nascida na França no século XIX que defendia o conhecimento científico como única forma de conhecimento verdadeiro. A Escola Positivista tentava entender os motivos a tornar o homem criminoso e os fatores que o levam a delinquir. Para os positivistas, tratase de patologias sociais e seus objetos de estudo eram a pena, o crime e o criminoso.

36 Baseia-se na suposição das características físicas e psicológicas particulares em indivíduos criminosos, os predispondo ao cometimento de crimes. intelectuais e comportamentais de todos estes indivíduos. O “criminoso nato” de Lombroso, teria como perfil de indivíduo potencialmente propenso à criminalidade, a falta de senso moral, a vaidade em excesso, o ódio demasiado, insensibilidade à dor, características ligadas às medidas e anomalias do crânio (comuns na antiguidade), entendido por ele como um europeu de nascimento prévio, mal terminado, de desenvolvimento fetal não concluído e portanto, a “tendência delitiva” do indivíduo já se perceberia na fisionomia e nas atitudes de um ser selvagem, porém, colonizado. Fisicamente, o perverso parecer-se-ia com o negro ou o indígena. Lombroso, através de método empírico, seja experimental ou indutivo, tentava explicar o crime sob uma ótica científica, através da análise de características físicas, psicológicas e fatos, de modo a conceber um indivíduo criminoso, quase um subtipo humano, diferenciado dos demais.

3. ANTROPOLOGIA CRIMINAL E EUGENIA NO BRASIL

O Darwinismo social tem início em terras brasileiras ainda na colonização, quando da exploração pela coroa portuguesa e sua política expansionista a dominar o colonizado, neste caso o Brasil, já habitado por indígenas, na visão portuguesa, menos evoluídos. A chegada da Corte vinda de Portugal37, amplia o processo reforçando a

37 A família real portuguesa desembarca no Brasil em 1808, instalando-se no Rio de Janeiro, protagonizando o

superioridade civilizatória do conquistador sobre o colonizado, conferido pelas ações cuja missão, na ótica do Rei, trouxeram avanços tecnológicos, progresso e desenvolvimento, de forma a proporcionar estágios superiores de civilização aos locais,

A escravidão, uma das principais atividades econômicas do império, reverbera e sub-roga tal pretensa superioridade, neste caso, aos donos sobre os cativos e aos não pretos. No período escravista, momento cultural e intelectual mais literário que científico, os ideais positivistas desembarcam no Brasil trazidos por estudantes que regressavam da França, onde concluíam sua formação. Recém-formado como Estado em 1824, ano da primeira e mais longeva constituição federal de clara influência iluminista, o Brasil não tinha ainda um pensamento desenvolvido como opção de valores naquele momento cientificista do século XIX, proporcionando pela instalação do positivismo, respostas adequadas e válidas para a época em questão, momento em que os médicos e engenheiros dedicavamse aos estudos científicos. A teoria de Cesare Lombroso perdia força na Europa depois de vigorar por um bom tempo, mas

único caso em que a sede do reino fora transferida para a colônia, face a manobra de D. João, então príncipe regente, com vistas à manutenção da independência de Portugal frente a ameaça de invasão de Napoleão Bonaparte. Vieram com a realeza, obras de arte, livros, a imprensa, o primeiro teatro, a primeira biblioteca, a Academia Real Militar, o Banco do Brasil, o Museu Nacional, a Academia Nacional de Belas Artes, infraestrutura como pontes, calçadas, iluminação pública, estradas e fornecimento de água. ganhava acolhida plena na América Latina, sobretudo no Brasil, onde a Medicina Legal viu apropriados os ideais da sociologia positivista para aplicação na área penal pelo viés das pesquisas sociais com base na antropologia do médico italiano. A Faculdade de Medicina da Bahia nasceu em 1808 - a mais antiga do Brasil e de reconhecida importância nesse período, pois lá era formada parcela considerável dos intelectuais partidários desses pensamentos à época - era capitaneada pelo professor e médico Raimundo Nina Rodrigues, eugenista que combatia a miscigenação e o primeiro a abordar a questão da raça como meio para entender a formação social e racial38 brasileira. Rodrigues, claramente influenciado pelos pensamentos de Lombroso, publicou várias ensaios e livros defendendo a superioridade dos brancos, e ainda, buscava provar as tendências criminais dos negros a quem imputava a causa da inferioridade do Brasil. Das teorias europeias sobre criminalidade, aliadas às práticas escravistas no Brasil, Nina Rodrigues baseia sua tese de inferioridade racial dos não brancos, sobretudo dos negros, como a causa da criminalidade e desordem social, esta

38 A formação do povo brasileiro se dá através da miscigenação de diferentes grupos humanos, prioritariamente os indígenas, moradores originais da terra, os africanos importados de forma compulsória durante o período escravocrata, os imigrantes europeus e a consequente pluralidade na formação social através da mistura cultural e religiosa dos diferentes grupos.

fortalecida por pressões internas como as insurreições escravas que se impuseram contra o regime, externas para a abolição da escravatura, e as ideias iluministas de liberdade e igualdade, além da criação de um mercado de mão de obra livre, abalando a ordem vigente fundada na divisão social em brancos livres, negros libertos e negros escravizados. Nina Rodrigues, afirmava ser tal inferioridade, “um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvi mento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções” e no Brasil, a raça pura e superior, os arianos, tinham um papel fundamental na medida em que via como missão a não permissão para negros e mestiços interferirem nos destinos do país - aos “arianos brasileiros”, cabia esse papel. E não parava por aí, a defesa deveria ser ainda, quanto às manifestações de conflito resultado “pela existência entre a civilização superior da raça branca e os esboços de civilização das raças conquistadas ou submetidas”; códigos penais diferentes baseados nas raças também faziam parte de sua tese, ou seja, um para brancos e outro para não brancos, não deixando dúvidas em suas publicações, os objetivos de estudo quanto às tendências ao crime de negros e mestiços. Incansável defensor das políticas de eugenia - seleção de seres humanos com base em características hereditárias, objetivando a manutenção e melhora de gerações futuras com vistas a obtenção da “boa raça”, crítico da mestiçagem a quem imputava a responsabilidade pela degenerescência, a razão pelo enfraquecimento da nação e do povo brasileiro - eram os negros e mestiços responsáveis por constituírem diretamente a razão da inferioridade do país, uma raça inferior a obstar a construção de um país forte, desenvolvido e uma nação moderna. O termo EUGENIA, criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis Galton39, conceito central e ideológico da “pureza da raça”, foi utilizada como estratégia discriminatória e basilar na identificação reprodutiva de seres humanos aptos e não aptos, sempre pelo critério racial de pureza e consequente superioridade de uma raça sobre a outra.

Em contraponto às ideias de Nina Rodrigues, a Tese do Branqueamento, originalmente baseada na eugenia, tratava de uma mistura racial - miscigenação seletiva entre brancos europeus aqui chegados por processo de incentivo à imigração e raças inferiores, os negros, com objetivo do alcance de um fenótipo branco, obtido pela seleção natural que se encarregaria de eliminar a raça inferior pela

39 Francis Galton nasceu em 1822 no Reino Unido, era antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico. Através de seus estudos quanto a aplicação dos pressupostos evolutivos na hereditariedade, desenvolve a teoria eugenista, ou seja, o aprimoramento da raça humana através de cruzamentos genéticos seletivos e prédefinidos.

suplantação da superior. Estava aí o ponto de partida na “solução” perfeitamente aplicável em terras brasileiras, uma vez que os miscigenados descendentes dos negros a cada nova geração, ficariam mais claros, mais brancos.

Em 1911, João Baptista Lacerda40 , cientista e diretor do Museu Nacional, torna-se um dos expoentes da Tese do Branqueamento ao representar o Brasil, visto como exemplo de mistura racial e único país convidado na América Latina, no Congresso Universal das Raças que reuniu intelectuais do mundo todo a discutirem racialismo, sua relação com o futuro e progresso das civilizações. Foi lá que Baptista, demonstrando a crença e desejo ativo pelo branqueamento, apresentou o artigo intitulado “Sobre os Mestiços do Brasil - “Sur les métis au Brésil”, na defesa dos benefícios da miscigenação como meio de obtenção do branqueamento e superioridade racial resultante deste, nos nascidos da mistura através do acréscimo dos traços da raça branca sobre os traços negroides.

A população mista do Brasil deverá ter pois, no intervalo de um século, um aspecto bem diferente do atual. As correntes de imigração europeia,

40 João Baptista Lacerda, médico brasileiro, nascido em 1846, cientista e diretor do Museu Nacional no Rio de Janeiro, representante do Brasil no Congresso Universal das Raças em Londres, 1911, é um dos principais nomes da tese de embranquecimento da raça, por sua defesa na mestiçagem de negros e europeus imigrantes de modo a gerações mais brancas a cada nova prole. aumentando a cada dia mais o elemento branco desta população acabarão, depois de certo tempo, por sufocar os elementos nos quais poderia persistir ainda alguns traços do negro. (LACERDA, 1911)

A tese de Batista dava conta do branqueamento da população brasileira em três gerações, ou seja, em um século o país seria branco e para corroborar a argumentação, apresentou estatísticas baseadas em suas crenças eugenistas dando conta de uma relação populacional no Brasil de 80 indivíduos a cada 100 Brancos, 17 a cada 100 indígenas, 3 a cada 100 mestiços e 0 a cada 100 indivíduos negros. No período pós abolição, ainda no século XIX, o fluxo de imigrantes europeus é intensificado por conta da política pública eugenista, em especial de italianos, espanhóis e alemães a juntar-se aos já numerosos portugueses, tornando os centros urbanos, em particular São Paulo e Rio de Janeiro, verdadeiras “torres de Babel” em linguagens diversas, costumes e crenças. No que pese a proibição da importação de escravos - a escravidão estava fadada a ser abolida por pressões internacionais e assim o foi - havia necessidade de mão de obra crescente pela expansão cafeeira no século XIX e início do XX e o contingente, agora de negros libertos a juntar-se aos demais trabalhadores nacionais homens livres e pobres que já exerciam atividades diversas, entre elas o comércio, por exemplo, era avaliado negativamente pela

elite quanto a ser adequada. Sobre este contingente não havia fonte de coerção econômica suficiente, que os levasse a abandonar as atividades desenvolvidas para transformar-se em força de trabalho assalariada.

Para as elites brasileiras, isso implicaria em substituir o negro nas fazendas, pois consideravamno racialmente inferior […] para a manutenção e o desenvolvimento da produção, seria necessário um trabalhador imbuído da ideologia do trabalho livre que se formava na Europa.” (FERREIRA, 2013. p. 204)

A importação maciça e não compulsória dos imigrantes, porém, tinha como objetivo principal, mais promover o branqueamento da população através da mestiçagem dos brancos europeus com os negros, como o próprio Baptista asseverara em seu artigo aqui já relatado, do que suprir a carência de mão de obra. Os trabalhadores negros são barrados pela política de branqueamento que se impões pelo poder público, ainda que o argumento fosse outro: somente entre 1827 e 1899, entraram no país um número maior de imigrantes que os escravizados atingidos pela Lei Áurea. Uma das estratégias de defesa de sua tese eugenista durante a apresentação no Congresso, Baptista utiliza recurso no mínimo inusitado: exibe um quadro concluído em 1895 de autoria do pintor espanhol Modesto Brocos41, chamado “A Redenção de Cam”42. No quadro há a imagem de uma família: à esquerda uma senhora negra de pele mais retinta, a olhar para o alto com as mãos abertas como quem agradece; no lado oposto, um homem branco com vestimentas que remetem, muito provavelmente à origem portuguesa, observa a esposa e o filho. Detalhe aqui é estar ele, sentado de costas para sua casa, enquanto a senhora negra, está de costas para uma palmeira, traçando um contraponto entre o “civilizado” do branco e o “primitivo” do negro. Reforça a ideia, o fato de o homem branco estar calçado e pisando um chão pavimentado, enquanto a negra, um solo sem pavimento, descalça a pisar o chão de terra. Ao centro é que a imagem vai transmitir de forma mais contundente o pensamento assegurado por Baptista - uma mulher mestiça, com traços mais branqueados, cor de pele mais clara, segura uma criança branca de olhos azuis e cabelos pouco cacheados, quase que lisos, trazendo uma laranja na mão esquerda indicando estarem eles, em região tropical.

4. DEMOCRACIA RACIAL

O Brasil da recém-proclamada República, chega ao século XX cujo nascimento vinha carregado pelo

41 MODESTO BROCOS Y GÓMEZ, pintor, gravador, ilustrador, desenhista nascido na Espanha em 1890 e radicado no Brasil.

42 A REDENÇÃO DE CAM, obra premiada no Salão de Belas Artes de 1895, de uso recorrente a título de ilustração na defesa das teses de branqueamento no Brasil.

momento político do final de seu antecessor mais o peso dos ônus sociais oriundos da Lei 3353/1888 – a Lei Áurea, dotada de apenas dois artigos abolira a escravidão jogando à própria sorte, uma massa de negros ex-escravizados a juntarse aos libertos, sem nenhuma política pública a acolher, amparar ou apoiá-los e ainda, substituídos por brancos europeus nos trabalhos da lavoura, principalmente a cafeeira.

O país do sonho republicano, cristão e índole católica que vira na escravidão do negro aqui desembarcado compulsoriamente, um de seus eixos econômicos no colonialismo, atendia mais uma vez aos anseios eugenistas de uma elite branca, majoritariamente rural, agindo contra os ex escravizados e os já libertos, valendo-se de instrumentos jurídicos43 e legais que ignoravam os séculos de exploração escravagista a que essa população fora submetida: o princípio da igualdade, presente desde a Constituição Federal/1824 de um Brasil que nascia contraditoriamente complexo, na prática separava em direitos e privilégios, brancos ricos, brancos pobres, negros libertos e negros

43 Ampla foi a legislação revestida de certa neutralidade com vistas a criminalizar as condutas, as manifestações culturais e as manifestações negras, a começar pela constituição de 1824, que não trazia em seu corpo temas como escravidão ou escravos: o decreto de 1854 proibia meninos não vacinados, portadores de doenças contagiosas e escravizados de frequentarem os grupos escolares; a partir de 1890, os cultos afro-brasileiros, a capoeira, criminalizada pela proibição da prática de habilidade conhecida como capoeiragem, a vadiagem, utilizado também perseguir e prender sambistas. cativos. O movimento da abolição, foi da elite e para a elite, desconsiderando a organização social e política estruturada durante séculos, na medida que mantinha privilégios e valores sociais cujos comportamentos eram ultrapassados e mesmo o advento da República, não dera conta da modernização social impondo uma nova ordem democrática, mais igualitária em direitos, menos desigual, não estratificada e cuja hierarquização racial fosse atacada como uma disfunção social a ser resolvida. Nascia do mito do negro liberto, o mito da democracia racial no Brasil.

Em sentido mais amplo, democracia pressupõe liberdade, igualdade social e de direitos, ou seja, uma condição que estava longe de ser a real no Brasil pós abolição e mesmo da República, na virada do século XIX para o XX. Ao longo da metade do século XX encontramos a origem da lenda sobre a democracia racial, que leva boa parte do senso comum em pleno século XXI, a acreditar não haver discriminação no Brasil do racismo velado, algo sútil, porém entranhado socialmente e em todos os níveis, de maneira estrutural e estruturante nas relações. Gilberto Freyre, pensador pernambucano, graduado e doutorado em ciências sociais, desenvolveu uma tese sobre a organização social no Brasil com base nas observações pessoais como homem criado no engenho e portanto, bem próximo das relações sociais escravistas e dos negros, mais

suas observações pessoais das relações sociais dos brancos com os negros norteamericanos, durante sua estada nos USA ainda jovem onde fez mestrado, resultando uma obra de visão poética e literária mais do que propriamente científica: é o retrato do aprendizado sobre uma realidade ao seu redor, mas tomada como verdade e contada em sua obra, por meio comparativo da realidade no conflito racial norte-americana e a mesma realidade brasileira, originado daí, em linhas gerais, a ideia da não existência de racismo no Brasil, justificado na “intimidade” entre as raças e uma pretensa “democracia racial”, termo inclusive, utilizado por Freyre. Na visão de país do autor e genuinamente de Senhor de Engenho, as elites rurais portuguesas nos são apresentadas como detentoras do progresso do Brasil, a quem proporcionaram uma evolução civilizatória tal, de sorte a construir um país democrático, harmônico, sem conflitos sociais e de raça. Freyre extingue a tensão e o choque secular entre senhores e escravizados, as contradições sociais e a realidade de país socialmente muito desigual.

Na contramão das teorias de branqueamento e pureza racial, defende ser a mestiçagem a responsável pela geração de um povo mais forte, agradando aos políticos e aos intelectuais brasileiros que abarcam a ideia e passam a defender essa pretensa democracia racial sob o argumento da ausência de ódios e conflitos raciais no Brasil, o que não se observava nos Estados Unidos da América, no Fascismo e no Nazismo, estes últimos na Europa. Estava em nosso particular modelo a solução para os conflitos raciais do mundo, assim como as resultantes mazelas sociais advindas das dificuldades históricas do caminhar entre democracia e raça. Sua obra ignorava a mestiçagem como resultado do estupro de um sem número de mulheres negras e também de indígenas ao longo da história, considerando haver uma certa cordialidade nas relações entre escravizados e seus senhores logo, as relações sexuais em sua maioria eram consentidas, não se tratando de submissão, medo e castigos ao corpo de quem se negava em concordar, de modo a tornar a visão de Freyre deturpada na medida em que não trata dos flagelos, em grande parte das relações, como os responsáveis pelo consenso e não a pretensa cordialidade gerada nas relações ao ponto de permitir o ato. Mesmo libertas, subsiste a estratégia de sobrevivência dessas mulheres: sai o estupro, vem a prostituição a subjugar corpos negros femininos famintos e abandonados à margem social. Durante a era Vargas44, entre 1937 e 1945 o Estado passa a ver no conceito, uma maneira de criar uma espécie de

44 Após a deposição do presidente Washington Luís e o impedimento da posse de Júlio Prestes, Getúlio Vargas assume a presidência do Brasil, governando entre 1930 e 1945, quando renunciou forçado pelos militares. A Era Vargas é dividida em três fases: Governo Provisório – de 1930 a 34, Governo Constitucional – de 1934 a 37 e Estado Novo, de 1937 a 1945.

“identidade nacional”, baseada em nosso tipo mestiço e no aprofundamento de democracia e relações sociais, ainda que na prática não houvesse verdade nisso: o convívio participativo, fraterno, harmônico e igual entre os brasileiros de diferentes raças. O presidente Getúlio Vargas45, centraliza o poder, observando no Brasil de vários Brasis e poderes regionais de diferentes interesses, um entrave para a revolução realmente efetiva e entende prioritário agir no sentido da unificação do país e na solução dos conflitos, de maneira a ter um só ideal como nação – era evidente e necessário o nascimento de identidade nacional que rompesse com o modelo até então estabelecido. O Estado aproxima-se dos intelectuais e dos artistas como estratégia de difusão dos pensamentos do governo, assim como da igreja e usa os meios de comunicação disponíveis à época, principalmente o rádio. É o esforço estatal para a difusão educacional através da unificação padronizada dos currículos escolares e ação cultural uniformizada, comum, mestiça e brasileira, assim como seus símbolos religiosos, culturais e culinários, não só interna, mas internacionalmente. Na igreja, a santa negra Nossa Senhora de Aparecida, na culinária, a feijoada, na música, o samba; era a cara de um Brasil

45 GETÚLIO DORNELLES VARGAS, nasceu em 1882 no Rio Grande do Sul, foi promotor público no tribunal de Porto Alegre, deputado estadual, presidente de estado (governador) no Rio Grande do Sul, deputado federal e ministro da fazenda. Após a Revolução de 1930 que deu fim ao período chamado de Primeira República, o país é governado por uma junta e Getúlio Vargas assume como presidente do Brasil no Governo Provisório. miscigenado, que exportava sua imagem de cultura nacional cuja maior expressão na música era a portuguesa Carmem Miranda, erradicada no Brasil desde os dez meses de idade, que cantava marchinhas de carnaval e dançava requebrando os quadris enquanto balançava as mãos de modo peculiar, vestida com roupas e adereços que remetiam à diversidade nacional e seus variados aspectos. Em última instância, é à ideologia de harmonia racial de Gilberto Freyre a quem a fala nos remete e ainda que o discurso não demonstre, de fraterno e democrático nada havia nas perseguições ao Movimento Negro por suas manifestações, críticas sociais e apelo pelo combate ao racismo, ou ainda, a criminalização do samba e perseguição aos sambistas através de instrumentos legais como a Lei da Vadiagem ou Decreto Lei 2848 de 7/12/1940, Código Penal, que não criminaliza oficial e diretamente os cultos de origem africana, o Candomblé e a Umbanda, entretanto, revestido de neutralidade, utilizava e até hoje se vale, dos artigos 283e 284 do referido Diploma Legal para enquadrar por Charlatanismo e Curanderismo, respectivamente, aos sacerdotes destes cultos.

O mito da democracia racial é a base ideológica das ações discriminatórias a suportar o racismo, a política de extermínio e a criminalização da juventude negra no Brasil e justamente aí está a nascente onde encontramos durante longo período, o elemento desarticulador para a perda de

legitimidade no argumento e consciência do negro brasileiro – se há convivência pacífica e não há discriminação, não há razão pela luta antirracista. Contraditoriamente, o país racialmente democrático, mas que na essência, criminalizava as manifestações de raiz africanas, minava a cultura negra, enfim, a conduta que não se enquadrava no que acreditava a elite dominante padronizada pelo ideal de homem civilizado. Era a criminalização da população, da massa de negros sem trabalho que a abolição e a importação intensificada de mão de obra branca estrangeira, havia entregado à pobreza, à falta de moradia, de subsistência, à marginalidade e à prostituição. A mesma população que, já liberta, seguia raça inferior, sem lugar no mundo e a qual a elite brasileira, não mais colonizada e agora republicana e moderna, insistia em não integrar, escondendo sob as nuvens densas de uma pretensa democracia racial, um país ainda racista e desigual.

5. CONCLUSÃO

Trata-se ao final pelo exposto, de estratégias ao longo do tempo como meio da manutenção hegemônica das classes brancas de uma elite dominante sobre os negros - desde a escravidão inferiorizados socialmente - através de uma resultante e incômoda estratificação social. Nesta estratégia, tem o Estado papel fundamental, ora atuando como garantidor das ações discriminatórias, ora eximindose da responsabilidade de atuação no sentido da inclusão e manutenção dos direitos básicos desta população, como nos mostra BORGES46: “O sistema de justiça criminal tem profunda conexão com o racismo, […] o aparato reordenado para garantir a manutenção do racismo e, portanto, das desigualdades baseadas na hierarquização racial. (2018, p. 16). O desenvolvimento de fórmulas que objetivam o controle social e vigilância de corpos negros através da elaboração de leis criminalizando condutas e situações definitivamente relacionadas à população negra, seu acesso à educação, saúde, trabalho, moradia digna, ou seja, de ascensão e crescimento dentro da sociedade, foi estratégico na manutenção da hierarquia social como elemento definidor de papéis e posicionamento de cada camada – negros subalternizados e brancos em posições de poder - entranhando o racismo no Brasil.

O hiper encarceramento jovem negro do século XXI, assim como a crescente morte destes mesmos jovens pretos, em sua maioria periféricos, é exemplo do resultado de sucesso das políticas nascidas no período pós escravidão, sua manutenção no século seguinte e a permanente reformulação até o momento atual. A ideologia espalhou-se no Brasil e mundo afora: vive o mito de povo cordial, feliz e harmônico, da convivência

46 JULIANA BORGES é brasileira, pesquisadora de antropologia, colunista, articuladora, escritora, ativista e feminista negra, autora da obra O Que É Encarceramento em Massa.

pacífica entre as raças, da não existência de discriminação, mas do real racismo - sutil e estruturado – enuviado pela democracia racial que tem como um dos legados conceituais a imagem do mérito, das oportunidades iguais a todos e por consequência, o sucesso ou fracasso a depender apenas e tão somente do indivíduo, logo, se os negros não alcançam o progresso, não está em outros senão neles próprios as razões, imperando a manutenção da culpa do indivíduo pela total ausência na possibilidade de sucesso, de subsistência e pobreza. Em vias gerais, democracia pressupõe a participação social representativa e igualitária em direitos, liberdade, em proteção pelo Estado de forma isonômica às minorias.

Não há como falar em democracia sólida no país que durante décadas nega à parcela de sua população direitos básicos como liberdade e proteção de um Estado que age de forma seletiva, seja através de suas políticas públicas, seja judicialmente. Enquanto não houver igualdade, o Brasil não será uma nação democrática, principalmente racialmente falando. Para uma sociedade racista, branca e privilegiada, ver hoje o preto como “bandido” tem a mesma simbologia de vêlo como “coisa” na escravidão, logo, uma forma de desumanização dos indivíduos e quando desumanizado, marcos civilizatórios podem ser abandonados, esquecidos, deixados de lado, como por exemplo, o preconceito - socialmente não é bem aceito, porém, se ele diz respeito a uma parcela criminalizada, não há por que escondê-lo.

Se “não humano” e visto como “coisa”, não há reprovação social a qualquer tipo de discriminação ou abandono - uma parcela grande defenderá a ausência de direitos fundamentais como saúde, trabalho e devido processo legal aos encarcerados que podem inclusive e com apoio social significativo, serem depositados de forma desumana em verdadeiras masmorras medievais sem qualquer reprovação, afinal, “bandido bom é bandido morto” como propagam defensores desse mesmo encarceramento, ou ainda, renegados à exclusão social sem emprego pela baixa escolaridade, morando em favelas sob condições indignas, expostos a toda sorte de violências, inclusive e principalmente, a estatal! A sociedade caminha, não mais com vistas a destruir os corpos pretos do século XVIII, mas sim, através da seleção social como meio de eliminação das raças ainda ditas inferiores, assumir o controle desses corpos através da pobreza, da exclusão e da violência patrocinada pelo Estado, afinal, no Brasil do século XXI “preto bom”, segue sendo “preto morto”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2021. BORGES, Juliana. O Que É Encarceramento em Massa. Belo Horizonte. Letramento, 2018

BOURGOIS, Christian. La Raison dans I’ histoire. Paris. 1991

CARVALHO, Carvalho. Criminologia do Preconceito – racismo e homofobia nas Ciências Criminais. São Paulo. Saraiva, 2017

FERREIRA, Jorge. O Brasil Republicano. O tempo do Liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. livro 1. 6a edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2013.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da Prisão. Petrópolis. Vozes, 1999

LOMBROSO, Cesare. O Homem Delinqüente – Tradução José Sebastião Roque. São Paulo, SP. Ícone, 2016

MAIA, Clarissa Nunes. Histórias das Prisões no Brasil. Brasil. Rocco, 2009

MOURA, Clóvis. O Negro no Mercado de Trabalho. São Paulo. Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, 1986

MOURA, Clóvis. São Paulo. Sociologia do Negro Brasileiro. Perspectiva, 2019

REIS, José Carlos. A Identidade do Brasil 1 de Varnhagen a FHC. 9a edição ampliada. Rio de Janeiro. FGV, 2013.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Brasil. L&PM, 2016

TELLES, Lorena Féres da Silva. Libertas Entre Sobrados: Mulheres Negras e Trabalho Doméstico em São Paulo. São Paulo. Alameda, 2013

BIBLIOTECA DIGITAL UPS. Página Teses e Dissertações. São Paulo, SP. Disponível em <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-02072002100601/publico/tde.pdf> Acesso em 20 de março de 2021

CAMARA DOS DEPUTADOS. Página Legislação. Brasília, DF. Disponível em <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em 25 de março de 2021.

FUNDAÇÃO PALMARES. Página Destaques e Notícias. Brasilia, DF. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?p=25817 >, Acesso em: 18 jul. 2020.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Página Biblioteca. Brasil. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/bibliotecacatalogo?id=225477&view=detalhes >, Acesso em: 18 jul. 2020.

PORTAL GELEDÉS. Página Casos de Racismo. São Paulo, SP. Disponível em <https://www.geledes.org.br/darwinismo-social-racismo-e-dominacao-uma-visao-ge ral/?gclid=CjwKCAjw9MuCBhBUEiwAbDZ7rezIMNnaPimcqIy8M2CudSBzaPujn kGh_95NldktES6mIBW5Yt7gxoCaqEQAvD_BwE> Acesso em: 18 de março de 2021.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/1824. Brasília, DF. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm#:~:text=O%20Poder%20 Moderador%20%C3%A9%20a,harmonia%20dos%20mais%20Poderes%20 Politicos. >, Acesso em: 7 jul. 2020.

REVISTA SÍSIFO, número 4, vol. 1, número 16. Página Início Uncategories. Feira de Santana, BA. Disponível em <http://www.revistasisifo.com/2016/11/a-africae-filosofia.html#:~:text=Para%20Hegel%2C%20a%20%C3%81frica%20 %C3%A9,%C3%A0%20%C3%81sia%E2%80%9D%5B7%5D> Acesso em: 22 de março de 2021.

UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO, UERJ. Página Estudos & Pesquisas em Psicologia. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/ index.php/revispsi/article/view/19431/14023>, Acesso em: 28 jun. 2020.

Acesse:

https://issuu.com/ esa_oabsp www.esaoabsp.edu.br

O que foi o darwinismo social e como ele justificou a exploração europeia na África durante o século XIX?

O darwinismo social se caracterizou como outra teoria que legitimou o discurso ideológico europeu para dominar outros continentes. O darwinismo social compactuava com a ideia de que a teoria da evolução das espécies (Darwin) poderia ser aplicada à sociedade.

Qual a importância do darwinismo social?

O darwinismo social foi empregado para tentar explicar a inconstância pós-revolução industrial, sugerindo que os que estavam pobres eram os menos aptos (segundo interpretação da época da teoria de Darwin) e os mais ricos que evoluíram economicamente seriam os mais aptos a sobreviver, por isso, os mais evoluídos.

Qual a importância do darwinismo?

De forma bastante resumida, tem-se que Darwin reuniu muitas evidências de que as espécies modificam-se no tempo, isto é, que a evolução ocorre (primeira teoria), e que cada nova espécie é originada a partir de outra pré-existente que por sua vez também se originou de outra num passado mais remoto, ou mais atual ( ...

O que é o darwinismo social de que maneira ele foi usado para fortalecer o colonialismo europeu na África?

O Darwinismo Social é uma corrente distorcida da teoria de Darwin, usada como um pretexto para a dominação da África, basta considerar que com essa distorção das teorias de Darwin os europeus atribuíam uma escala de hierarquia entre os seres humanos., colocando-se, obviamente, como humanos de classe superior.