.. A análise do genoma de 49 indivíduos que viveram em diferentes pontos da América Central e do Sul entre 11 mil e 3 mil anos atrás sugere que grupos precursores dos indígenas atuais migraram da América do Norte em direção ao sul e deixaram descendentes em lugares tão diversos quanto Belize, Peru, Brasil, Argentina e Chile. A pesquisa, publicada nesta
quinta-feira (8) na revista científica Cell, traz implicações importantes para a teoria sobre as origens do povo de Luzia – o crânio humano mais antigo das Américas. Descoberto na década de 1970 no sítio arqueológico da Lapa do Santo, em Lagoa Santa (MG), o crânio de Luzia foi encontrado recentemente nos escombros deixados pelo incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Segundo Cosimo Posth, do Instituto Max Planck, na Alemanha, os dados genéticos indicaram duas afinidades genéticas importantes entre nativos do norte e do sul das Américas. Posth, que é um dos autores do artigo publicado na Cell, conta que uma dessas afinidades é entre grupos da Califórnia e dos Andes Centrais que viveram há cerca de 4 mil anos. A outra conecta indivíduos que viveram entre 11 mil e 9 mil anos atrás, cujos ossos foram escavados no Chile, no Brasil e em Belize, com o chamado “garoto de Anzick”. Trata-se de um esqueleto de cerca de 12.600 anos associado à chamada cultura Clóvis, conhecida pela produção de pontas de lanças e flechas muito características, encontradas no Novo México, Estados Unidos. “Isso sugere uma expansão do povo que espalhou a cultura Clóvis na América do Norte mais ao sul”, explica Posth. “Eles deixaram as pontas de lanças para trás, mas seguiram massivamente para o sul do continente, passando pela Mesoamérica, chegando até Lagoa
Santa e alcançando a costa andina no sul do Chile. Sem dúvida é uma das conclusões mais importantes desse artigo”, completa André Strauss, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e coordenador da pesquisa no Brasil. [embedyt] https://www.youtube.com/watch?v=gBI96LSsrgk[/embedyt] . Ao estudar o crânio de Luzia no final da década de 1980, o bioantropólogo Walter Neves, professor aposentado do Instituto de Biociências da USP, propôs a hipótese dos dois componentes biológicos. Entendendo as características morfológicas do crânio como diferentes das encontradas nos povos indígenas do nosso tempo, Neves supôs que o povo de Luzia seria descendente de uma leva migratória vinda da Austrália e da Melanésia há cerca de 14 mil anos. Seria, portanto, uma leva distinta daquela que veio da Ásia 12 mil anos atrás pela rota da Beríngia. A chegada dos beringianos teria causado uma substituição da população com características australo-melanésias, deixando apenas vestígios dos habitantes originais. “Havia uma expectativa de que no DNA dos indivíduos de Lagoa Santa tivesse algum sinal de ancestralidade não ameríndia, mas isso não foi encontrado”, afirma Strauss. Outra pesquisadora que participou do projeto, a
geneticista Tábita Hünemeier, docente do Instituto de Biociências (IB) da USP, é ainda mais contundente. “(O artigo) acaba com a ideia dos dois componentes biológicos. Essa ideia de que havia um componente australo-melanésio principal que tinha chegado antes e povoado essa região e depois teriam chegado os beringianos e dado origem aos amazônicos e andinos, ela não existe. O que a gente vê é uma relação direta entre o povo de Luzia e a cultura Clóvis”, afirma a geneticista. .. |