Qual a importância dos bandeirantes para a delimitação do território?

Ao longo da primeira metade do século XX, no contexto que se segue à Independência, intelectuais e políticos brasileiros dispuseram-se a discutir questões ligadas à modernização e à organização social e espacial do país. Na procura de uma matriz que definisse quem seria e quem não seria brasileiro, entre discursos ora otimistas, ora pessimistas, predominaram os debates acerca do caráter nacional, onde a questão das identidades apareceu relacionada à formação territorial. Nesse momento o território nacional configurou-se como um dos elementos construtores da memória coletiva.

2Na construção dessa memória, os símbolos e as tradições pelas quais a sociedade se pensa e se identifica estão impregnados de representações formuladas e difundidas por segmentos dominantes. Torna-se, assim, importante recuperar a historicidade dos fatos, conhecer os processos e os atores que interferiram no trabalho da constituição e formalização de imagens exploradas até hoje. Como lembrou Oliveira (1989), diferentes grupos da sociedade construíram suas memórias coletivas a partir das quais foi montada e organizada uma memória nacional dominante. Especialistas e ideólogos, historiadores, geógrafos e educadores, construíram a memória nacional, organizando as comemorações, as festas, definindo os heróis e as pessoas que deveriam ser lembradas.

3Os atores sociais que desenvolveram com grande empenho a construção da memória nacional inventaram tradições até então inexistentes. Os Estados nacionais esmeraram-se em criar hinos, bandeiras, imagens e símbolos que ‘personificam’ a nação, fornecendo-lhe o sentido de união e identidade (Oliveira, 1989).

4Assim certas festas, datas, heróis, monumentos e obras musicais se conjugam naquele conjunto chamado por Hobsbawm de tradições inventadas, elementos construídos e formalmente institucionalizados, quase sempre consolidados através da repetição.

5Entre as tradições construtoras da memória nacional, as que alcançaram certa consistência produzindo um importante reforço à coesão pretendida pelo Estado, estão aquelas por onde perpassa o elemento territorial. No Brasil, em particular, o tema da terra conquistada, diversas vezes revisitado, alcançou um papel de destaque no universo do pensamento social. A historiografia sobre a expansão territorial, em muitos casos, buscou relacionar o processo de ocupação com a singularidade do ser brasileiro. Nesse sentido, a nação que remonta os primórdios da ocupação colonial, na origem se encontraria como tal desde a primeira marcha em direção ao interior.

  • 1 Constructo ideológico de pequenos grupos, a nação precisa ser aceita por um coletivo maior. Comunid

6Ao escreverem a história do Brasil, alguns autores destacaram sua dimensão territorial em detrimento da temporal. E, na ausência de um passado histórico mais remoto, acabaram construindo representações do espaço e fazendo do território base para um projeto nacional. O “consenso” e os sentimentos destacados na historiografia nacional que determinam o Brasil como comunidade, reconhecida como tal, dá-se também frente ao território. Na historiografia brasileira, a conquista territorial aparece como tema central para a construção da idéia de nação (Velloso, 1990; Moraes, 1991; Oliveira, 1991 e Luca, 1999).

7Nesse processo de repensar o Brasil coube à geografia o papel de reconciliar a nação com a sua história. O discurso sobre esse território com dimensões quase continentais, acabou fornecendo elementos necessários para a reconstituição do passado, excluindo-lhe as tensões e ambigüidades que pudessem dificultar sua utilização na construção da identidade nacional (Luca, 1999). Como lembrou Moraes (1991: 166), “as representações espaciais forneceram um elemento de referência negado pela história, colocando a discussão geográfica no centro do debate ideológico”. Concebida a partir do território, essa idéia aparece também fortemente ligada aos discursos regionalistas, como se pretende destacar nesse trabalho.

  • 2 Nesse sentido poderíamos citar aqui os trabalhos de Mônica Pimenta Velloso, O Mito da Originalidade

8No Brasil do início do século XX, a idéia de nação formou-se a partir de um debate estabelecido entre os criadores de matrizes de identidade de caráter local-regional. Diferentes intelectuais, inseridos no mesmo campo cultural, alimentaram uma discussão para definir qual seria o melhor modelo de identidade nacional: se Tiradentes e as montanhas de Minas Gerais, se a “casa-grande e senzala” do Nordeste, se o olhar contemplativo da capital federal ou se as bandeiras dos paulistas. Exemplares, sob o aspecto de terem estabelecido no meio político e cultural um campo de disputas entre modelos de brasilidade, as diferentes visões foram elaboradas a partir da história, da geografia e da experiência social de um determinado local. Por isso a temática da região e o sentimento a ela associado, presentes nas investigações realizadas nas ciências sociais, como tentativa de entendimento dos diversos constructos imaginários acerca da elaboração de uma identidade nacional, podem ser bastante reveladores.

  • 3 As bandeiras paulistas eram expedições organizadas com o objetivo de capturar índios e descobrir me

9Em São Paulo o discurso regionalista, centrado na figura do bandeirante, foi utilizado como ponte entre o local e o nacional. Na historiografia paulista produzida nesse período as idéias de conquista e civilização aparecem relacionadas com qualidades que as elites desejavam ver no Brasil da época, tais como progresso, modernidade, riqueza e integração territorial. Nesse momento o estudo do movimento das bandeiras também foi utilizado para destacar a singularidade do habitante de São Paulo e seu papel na conquista e, posteriormente, na ocupação do território.

10O ideário proposto nas primeiras décadas do século XX foi decisivo, pois à medida que criou uma série de marcos simbólicos, produziu “sentimentos”, que, acolhidos pela população se incorporaram à consciência regional/nacional. Nesse sentido, a geografia colaborou para cristalizar a idéia de São Paulo berço da nação. O espírito bandeirante se espalharia por todo o país cumprindo o papel de guardião do território e das tradições nacionais.

  • 4 Entre estas, merece especial destaque a formulada por Gilberto Freyre, que, como assinalou Ortiz (1

11Entre escritos e ensaios produzidos nesse período não estava em jogo apenas a matriz da brasilidade; existia, pelo menos aos olhos dos intelectuais e dos políticos, a busca de certa hegemonia política no país. Nesse momento a criação de uma tradição tornou-se para a elite paulista praticamente uma obsessão. O bandeirismo e o berço jesuítico foram apresentados, frente a outras interpretações, como matriz da identidade nacional.

12As décadas de vinte e trinta do século passado testemunharam o processo que resgatou e transformou os primeiros colonos em símbolos do estado de São Paulo. A partir de então, este personagem da história paulista passou a freqüentar o cotidiano dos nascidos no estado, nomeando praças, ruas, colégios e clubes. E também vias de circulação, como as rodovias Bandeirantes, Anhanguera, Fernão Dias e Raposo Tavares; monumentos como o das Bandeiras, instalado próximo ao Parque do Ibirapuera, e a estátua do Borba Gato, referência do bairro de Santo Amaro.

13Nesse período marcado por um forte sentimento de superioridade frente ao resto do país, quando os representantes políticos de São Paulo passaram a defender um reconhecimento do papel definitivo desse estado no cenário político-econômico nacional, metaforicamente, São Paulo passou a ser tratada como locomotiva, máquina responsável pelo crescimento do país. De certa maneira essas décadas podem ser consideradas como um período de grande criatividade no desenhar de um sentimento pátrio específico dos paulistas (Borges, 1992: 71).

14Tal processo fez parte de um projeto regional que procurou melhorar a posição do estado nos fóruns de decisão nacionais. Nesse momento, na busca de uma herança, intrinsecamente ligada ao destino e à tradição, os intelectuais paulistas passaram a desenvolver trabalhos na condição do exercitar a hegemonia cultural e política de seu estado de origem.

15Se seguirmos a idéia de que todas as coletividades tendem a “ter seus símbolos próprios, dotados de um significado específico, com a função de perpetuar determinados valores” (Queiroz, 1992), podemos dizer que a elite paulista encontrou no bandeirante seu representante por excelência. Esse com presença marcante no cotidiano do paulista traz consigo o papel de representar um sentimento que remonta à história dos antigos colonos portugueses na América.

“Da história (...) esperava-se um conjunto coerente de tradições a serem partilhadas por todos. Acreditando-se conduzidos pela mão firme da metodologia científica, os historiadores debruçaram-se sobre o passado, privilegiando certos indivíduos e episódios em um trabalho de consagração que respondia às necessidades do momento. Emergiu então a figura do bandeirante, dilatador incansável das fronteiras. A narração da conquista e da manutenção do território foi transformada na grande epopéia nacional, redimindo não só o nosso passado mas também as regiões tropicais que – afinal – davam sinais de poder conviver com a civilização. Essa construção excludente, que transpunha a recente supremacia desfrutada por São Paulo para o tempo mítico das origens, mal conseguia disfarçar suas implicações políticas” (Luca, 1999: 86).

16O bandeirante, então, apresentou-se como síntese do espírito paulista que construía o Brasil. A idéia tão divulgada através de frases, como ‘São Paulo não pode parar’ e ‘São Paulo é a locomotiva que carrega vinte e dois vagões’, revelam que no momento os paulistas tinham consciência do traço mais importante da história de seu estado e que estavam muito empenhados em perpetuar a idéia de um contínuo crescimento econômico.

17Como era preciso buscar no passado elementos que pudessem explicar tal postura, os responsáveis pela construção da historiografia encontraram um personagem que se encaixava perfeitamente na situação. O bandeirante dos primeiros séculos da colonização brasileira, investigado dentro dos preceitos científicos da época, foi sendo preparado para assumir o papel de símbolo da grandeza, austeridade e força dos que no passado construíram a imagem da ‘grande e poderosa São Paulo’.

  • 5 Entendemos aqui bandeirantismo como uma variante historiográfica criada sobre o bandeirismo (ver no

18O estudo sobre o bandeirantismo realizado nas primeiras décadas do século XX consolidou o processo de formação territorial do Brasil como capítulo da história de São Paulo. A partir desse período o bandeirante transformou-se no maior e quase único responsável pela expansão territorial do Brasil, realizada para além do Tratado de Tordesilhas, dando à bandeira status de instituição paulista.

19A bandeira estaria nesse momento sendo resgatada para tornar-se aquele “operador semântico” (Queiroz, 1992) que ganharia outros sentidos, passando a fazer parte da memória social brasileira. Como lembrou Neide Esterci, a bandeira seria ao mesmo tempo

“um fenômeno ligado, no tempo, ao passado, e no espaço, ao interior; é, portanto, útil para expressar a idéia de que a mudança que se opera deve ser uma volta ao passado e ao interior. Além disso, tendo definido a Bandeira como fenômeno sui generis, tipicamente brasileiro (por oposição a qualquer movimento de expansão que se dê ou se tenha dado em qualquer outro país do mundo), se exclui, por ilegítimo, qualquer outro modelo de organização, de ações ou idéias, que seria ‘imitação’, ‘deturpação’,’desvio’” (Esterci, 1972: 69-70)

  • 6 Num trabalho de fundamental importância escrito por Alice P. Canabrava (1949) podem ser encontrados

20Um grupo que, entre outros, reuniu Alcântara Machado, Basílio de Magalhães, Afonso Taunay e Alfredo Ellis Junior, procurou estabelecer uma linha historiográfica que abordasse a história brasileira sob o recorte da história das bandeiras saídas de São Paulo. Esse grupo, comprometido com a produção de uma história nacional, optou por um trabalho mais expressivo que retratasse a expansão territorial, a abertura de caminhos e, principalmente, a história da Capitania de São Vicente (que daria origem à de São Paulo).

21Considerados como os responsáveis pela elaboração da História Geral das Bandeiras Paulistas, eram todos comprometidos com as posturas políticas em maior evidência na época. Ellis Junior, Alcântara Machado, Afonso Taunay e Basílio de Magalhães pertenciam à elite paulista, e guardadas as diferenças, confirmaram, no campo da ciência, a capacidade do paulista para governar o país. Assim, ao lembrar os antepassados, seus parentes ilustres, parece que esses historiadores desejavam comprovar o direito de herança sobre o poder. E retomando Hobsbawm (1984), podemos dizer que esse grupo foi buscar na genealogia do século XVIII os elementos necessários para a afirmação de uma tradição inventada.

  • 7 Washington Luís Pereira da Silva (1870-1957), fluminense, advogado de formação teve importante pape

22O compromisso político do grupo pode ser percebido através da rede de relações sociais e/ou de parentesco de alguns deles. Ellis Junior foi deputado, filho de deputado e senador; Alcântara Machado, deputado e constituinte da Assembléia de 1934; Taunay, filho de Visconde, era integrante da família Souza de Queiroz, muito atuante na política local, e concunhado de Washington Luís, político que, por sinal também era historiador das bandeiras. Enfim, todos eram comprometidos com a elite política de São Paulo.

23No escrever a história das bandeiras paulistas Afonso Taunay e Basílio de Magalhães enfatizaram as conquistas e as descobertas; Alfredo Ellis Junior, numa mesma linha de exaltação, trabalhou para demonstrar a existência de uma estirpe paulista e Alcântara Machado distanciando-se um pouco dos demais, estudou as condições econômicas da sociedade seiscentista (Abud, 1985).

24Esse grupo diferenciou-se dos anteriores não somente pelas circunstâncias históricas, mas também pela valorização das características étnicas dos bandeirantes e a avaliação das condições do ambiente geográfico do planalto, que mostraria a influência dos fatores naturais sobre o condicionamento da evolução social. Na leitura de vários textos encontramos preocupações de caráter antropológico, vinculadas com o exame das suas relações com o solo, com o subsolo, com a vegetação, com as águas e os minerais da região, que para esses autores auxiliaram na interpretação do comportamento social (Canabrava, 1949: 500).

  • 8 O mapeamento destes temas foi realizado a partir dos debates desenvolvidos na disciplina História C

25De certa forma, podemos ler a história das bandeiras paulistas a partir da própria opção temática dos historiadores. Isso porque praticamente todos acabaram, de uma maneira ou de outra, tratando de assuntos como a questão do isolamento, o acesso à vila de São Paulo de Piratininga, a presença da Serra do Mar, o desenvolvimento econômico, a chamada autarquia ou auto-suficiência (baseada na idéia de que o necessário era produzido pelas pequenas fazendas paulistas) e, por fim, os atributos formadores da identidade nacional: a raça e o território.

26Todos esses historiadores, comprometidos politicamente e envolvidos num projeto para a reconstituição do passado brasileiro, contribuíram enormemente para a conformação de uma história geral do Brasil, vista como uma História Geral das Bandeiras. Ao partirem de um trabalho que em princípio objetivava a constituição da história local, acabaram escrevendo um capítulo da história da formação territorial do país.

27São eles talvez “novos bandeirantes”, já que, realizando um trabalho monumental de pesquisa sobre as bandeiras paulistas, organizando e copiando documentos, publicando e divulgando as provas da história local, conseguiram argumentos para reclamar o que naquele momento a elite paulista acreditava ser seu de direito. Com diferentes instrumentos daqueles utilizados durante a expansão geográfica – caneta e papel em vez de “as armas e o gibão”, e especialmente influência política –, esses historiadores angariaram recursos, defenderam politicamente seu estado na federação e afirmaram a tradição bandeirante. Enfim, soldaram com eficácia um modelo de nação.

  • 9 Após 1922 o símbolo bandeirante foi utilizado novamente em 1932 (durante a Revolução Constitucional

28O modelo de nação bandeirante construído meticulosamente a partir das grandes genealogias de Pedro Taques (1744-1797) e Frei Gaspar (1715-1780) pôde enfim ser utilizado através de representações e práticas sociais. Depois de passar longo período esquecido, o bandeirante foi resgatado em diferentes momentos históricos. O seu primeiro grande uso como símbolo representativo de São Paulo aconteceu em 1922, na festa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, envolvendo não somente homens de letras e pesquisadores da época como o poder público e algumas instituições de saber.

29O contexto sociopolítico das festividades do Centenário da Independência em São Paulo foi o da crise vivida dentro dos acordos federativos vigentes em nível nacional. O governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) estava sendo visto pelas elites paulistas como um período difícil, assim como havia sido o de Hermes da Fonseca (1910-1914). O principal partido de São Paulo, o Partido Republicano Paulista (PRP), tinha perdido a posição hegemônica que gozava dentro do cenário nacional, situação que acabou se refletindo na organização das festas realizadas em 1922. O governo de Epitácio Pessoa havia agendado as atividades cívicas e culturais para acontecerem exclusivamente no Rio de Janeiro, por isso todas as comemorações ocorridas em São Paulo foram organizadas pela presidência do estado.

  • 10 O governo federal optou por uma festa de caráter internacional. Para tanto, o Rio de Janeiro, que s
  • 11 A presença de São Paulo nos momentos decisivos nacionais e os objetivos da festa local são claramen

30Diferente da festa organizada pelo governo federal, a pensada pelo governo de Washington Luís deveria funcionar como uma espécie de desagravo de São Paulo pela perda da posição que antes ocupava no cenário político nacional. A cidade vivia um momento de grande crescimento urbano e econômico, o que dava aos paulistas as justificativas necessárias para sustentarem a idéia de que São Paulo, por constituir o exemplo de maior sucesso do país, deveria dirigir e representar a nação (Love, 1982; Queiroz, 1992; Elias, 1996; Sandes, 1997). Nesse momento, toda a elite política estadual percebeu a viabilidade de defender uma volta ao centro das decisões a partir da tese de que o paulista havia desempenhado um papel decisivo no processo de emancipação política do Brasil. Assim, enquanto Epitácio Pessoa transformou o Rio de Janeiro num palco de grandes polêmicas, envolvendo distintos projetos urbanísticos, Washington Luís optou pela realização de festas de caráter cívico. As concepções que nortearam a organização das duas festas caminharam em direções bem distintas. Se no Rio de Janeiro as discussões giraram em torno da idéia de modernidade, em São Paulo, vinculou-se a valores históricos locais.

31Para homenagear o Brasil independente programou-se a construção de alguns monumentos, assim como também a realização de diversos atos cívicos que reuniram políticos, intelectuais, artistas, pessoas públicas e, evidentemente, uma parcela da população. A partir desse plano e do uso de verbas públicas, o governo buscou recuperar alguns símbolos e personalidades da história de São Paulo.

32A festa foi, nesse caso, uma cerimônia pública repleta de função pedagógica e unificadora, capaz de reduzir as distâncias existentes e agregar pessoas de diferentes classes sociais Oliveira (1989). A comemoração do Primeiro Centenário da Independência em São Paulo pode ser considerada exemplar de um momento marcado pela invenção de tradições, na medida que indicou quais eventos e pessoas deveriam ser lembrados ou esquecidos.

  • 12 No dia 7 de setembro de 1922, aconteceram muitas homenagens organizadas por diferentes instituições

33A data da independência, comemorada simultaneamente em diferentes lugares, foi marcada por uma grande festa no bairro do Ipiranga. Através da lei n1324 de 31 de outubro de 1912, definiu-se a construção de um monumento comemorativo em frente ao edifício onde funcionava o Museu do Estado, dentro do que hoje conhecemos como Parque da Independência. A mesma lei também planejou a construção de uma grande avenida ligando o novo monumento à região central da cidade.

34Poucos meses depois da proclamação da independência surgiu a idéia de construir um monumento comemorativo no próprio local onde teria acontecido o episódio, junto às margens do riacho Ipiranga. O desejo de definir com precisão o local onde foi declarada a independência é antigo. Tão logo passou a comemoração de 7 de setembro de 1824, Lucas Antonio Monteiro Barros, então presidente da província, realizou a primeira demarcação do lugar histórico. No ano seguinte, o local recebeu uma pedra fundamental.

35Uma nova iniciativa foi tomada somente em 1875, quando, por falta de verbas, o Império lançou as loterias do Ipiranga, destinadas ao levantamento de fundos para a construção do monumento. O plano, no entanto, fracassou, já que toda a verba arrecadada foi usada pela Assembléia Provincial na realização de outros projetos.

36Quase uma década mais tarde, em 1884, o projeto foi retomado e colocado sob a responsabilidade do engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi. Nesse momento, a elite local, até então indiferente à construção do monumento, passou a contribuir efetivamente. Com o enriquecimento de São Paulo, ao que parece, um monumento-edifício ocupado por um museu poderia constituir o suporte ideal para futuras representações simbólicas da província (Sandes, 1997).

37Em 1890, o monumento projetado para lembrar a independência e festejar o Império foi enfim inaugurado, exatamente no dia do primeiro aniversário da República. O novo prédio, conhecido então como Palácio Bezzi, cumpriu durante um período apenas a função de monumento histórico – à exceção de um pequeno período quando recebeu uma escola primária –, situação que mudaria alguns anos após ao receber um acervo e passar a sediar o Museu Paulista (Sandes, 1997).

38O acervo do novo museu começou a ser montado a partir de uma coleção reunida pelo comerciante Joaquim Sertório e instalada no Largo Municipal, hoje praça João Mendes. Formada por espécimes de zoologia, botânica e mineralogia, peças de etnografia e história, mobiliários e jornais – sem nenhuma organização científica –, a coleção de diferentes gêneros de objetos mudou de endereço em 1890, tornando-se museu do governo do Estado (Lopes, 1997).

  • 13 Hermann von Ihering (1850-1930), formado em medicina e ciências naturais na Alemanha dedicou-se ini

39Em 1893, por indicação de Orville Derby, diretor da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, o museu passou a ser dirigido pelo zoólogo Hermann von Ihering. Nesse ano o acervo foi transferido de um prédio localizado na rua da Consolação para o edifício-monumento do Ipiranga. Criava-se nesse momento um museu etnográfico, cujo objetivo era contribuir para o estudo da história natural da América do Sul e do Brasil (Schwarcz, 1989).

40Ao organizar o novo espaço, von Ihering conseguiu aprontar os exemplares de pássaros e mamíferos que passaram a ocupar seis salas do prédio do Ipiranga. Anos depois terminou também as coleções de répteis e anfíbios. Além de organizar o acervo do museu, von Ihering realizou também excursões pelo interior do estado e visitas a instituições similares, como a existente no Paraná (Lopes, 1997).

41O espaço formado por quatorze salas foi organizado para comportar tanto visitantes como estudiosos. Em virtude da inexistência de universidades ou escolas que formassem professores de história natural, von Ihering procurou durante os vinte e dois anos que esteve no comando da instituição imprimir nela um caráter profissional.

42Depois da longa direção de Hermann von Ihering e da breve passagem de Rudolf von Ihering e Armando da Silva Prado o museu passou a ser dirigido em 1917 por Afonso Taunay.

43No novo cargo, Afonso Taunay passou a trabalhar num projeto de reorganização do acervo que mudaria seu sentido fundador. Na direção, Afonso Taunay assumiu a missão de mudar seu caráter de museu natural e para historicizá-lo. Organizou um acervo diferente do anterior, criado por von Ihering. O museu que havia sido criado para ser vitrine das ciências físicas e naturais transformou-se num espaço dedicado às humanidades. Se no projeto inicial,

  • 14 Tais mudanças podem ser notadas a partir da observação dos números e da disposição temática das sal

“o Monumento do Ypiranga se destinaria a um estabelecimento scientifico, comprehendendo o ensino de todas as disciplinas designadas sob o título de sciencias phisicas e mathematicas e sciencias naturaes” (Taunay, 1937: 21), após 1917 o estabelecimento passaria por uma grande reforma que transformaria sua concepção naturalista.

44Ao eleger São Paulo de Piratininga como o núcleo da originalidade brasileira, ou mais especificamente, da expansão territorial, Afonso Taunay contribuiu para a criação de uma eficaz tradição discursiva que acabou transformando o bandeirante em símbolo nacional e o planalto de Piratininga num local destinado, em função de sua geografia favorável, despontar como núcleo irradiador da conquista. A geografia da região explicaria o espírito de vanguarda dos paulistas.

45A idéia que o meio havia sido um dos elementos impulsionadores da conquista territorial pode ser encontrada em grande parte dos ensaios de caráter nacionalista produzidos durante a primeira metade do século XX, principalmente quando visavam demonstrar a singularidade do lugar onde havia surgido o bandeirismo. Nessas interpretações, o habitat foi considerado como capaz de alterar inclusive a genética dos mestiços, fazendo “aparecer uma raça característica que jamais se havia revelado” (Cassiano Ricardo, 1940: 41), ou ainda, na marcante expressão de Saint Hilaire, uma “raça de gigantes” (apud Ellis Junior, 1926). O meio formado por clima favorável e terrenos férteis teria sido o responsável pelo surgimento de uma gente diferente e incomparavelmente forte. A história vitoriosa seria, simplesmente, resultado da geografia local.

  • 15 Capistrano de Abreu (1853-1927), historiador autodidata e um dos organizadores do acervo de documen
  • 16 Membro dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e Paulista (IHGB e IHGSP), o historiador Af

46As bandeiras paulistas, que já haviam sido tratadas por Capistrano de Abreu em Capítulos da História Colonial (1907), constituiu-se no principal tema de Afonso Taunay. Nos dez volumes de História Geral das Bandeiras o autor procurou explicar as expedições bandeirantes como um movimento de exploração e expansão do território, imprimindo ao processo o status de maior expressão de sua obra, ponto nuclear do conhecimento histórico sobre São Paulo e Brasil.

47Em seu texto, Afonso Taunay trabalhou a idéia de que o paulista teria sido o primeiro a chegar aos lugares mais distantes do espaço colonial. Para tanto, descreveu os caminhos e roteiros abertos pelos bandeirantes e focalizou o momento de ocupação e fundação dos primeiros núcleos de povoamento. Essa leitura do Brasil acabou mostrando um aspecto importante de sua obra. Eclipsada pelo heroísmo do bandeirante que avançou fronteiras, a violência praticada contra os índios não recebeu por parte do historiador a atenção necessária. Afonso Taunay acreditava que o apresamento do índio, para posterior escravização constituiu-se no mais importante meio econômico da capitania. Em sua obra, a escravidão foi plenamente justificada. A idéia de êxito na conquista territorial redimiria os bandeirantes de toda e qualquer culpa em relação à violência praticada. A tese de que o bandeirante foi o grande responsável pelo movimento expansionista do Brasil foi fortemente defendida pelo autor.

48Com o fim do século XVI, os habitantes primitivos da região de São Paulo já tinham passado pela destruição de suas aldeias e pela desarticulação de suas sociedades, achando-se os poucos sobreviventes subordinados aos colonos e aos jesuítas. Contudo, na historiografia produzida em São Paulo durante as primeiras décadas do século XX, a obra violenta dos bandeirantes, a ação etnocida da invasão territorial, deveria ser vista como pura poesia. Os índios que foram mortos ou aprisionados pela ação bandeirante foram tratados como irmãos de seus assassinos, como se esse fosse um país construído sem derramamento de uma só gota de sangue. Nessa história do Brasil não existe espaço para assuntos que possam macular a imagem do paulista. Seus principais capítulos deveriam ser enaltecedores de um personagem e de um grande tema, respectivamente do bandeirante e da nossa herança material – o território conquistado.

49Ao reconhecer a importância política do momento, Afonso Taunay procurou aproximar o público que visitava o Museu do tema que se tornaria constante em seus futuros escritos. Na preparação do evento cívico, usou seu projeto de história do Brasil como elemento organizador do acervo, buscando transformar o bandeirante num personagem central na construção da nacionalidade.

  • 17 O museu deveria cumprir um papel dentro das comemorações e Afonso Taunay pôde, através da organizaç

50O historiador revelou, logo na entrada do museu, qual eixo utilizaria para contar a história do Brasil. Essa seria desenvolvida através de um ângulo que evidenciasse a epopéia bandeirante. Se o museu tinha por meta realçar e guardar a memória da independência, dos elementos formadores da nacionalidade, o bandeirantismo entraria como parte fundamental no processo de formação da nação. Os bandeirantes, vistos como homens “intrépidos e corajosos”, conquistadores de novas terras, foram escolhidos para representar o elemento mais importante no processo de construção nacional: o território. Assim, a importância do Imperador D. Pedro I ficaria limitada ao fato de ter ele concretizado o processo que, na realidade, já havia sido iniciado nos primeiros tempos da colonização.

  • 18 Representados nas duas estátuas monumentais expostas na entrada do museu, Antonio Raposo Tavares e

51O projeto inicial deveria lembrar os temas emancipacionistas, como a Guerra dos Mascates, a Revolta de Beckeman, a Expulsão dos Holandeses, Felipe dos Santos etc.; contudo, a organização final, programada entre 1919 e 1922, nada lembrou o primeiro projeto, porque no final acabou consagrando um único personagem: o bandeirante (Elias, 1996). No acesso pela escadaria monumental junto à de D. Pedro I, referência da independência, foram colocadas estátuas de alguns bandeirantes. Com o objetivo de lembrar os primeiros povoadores, logo no hall de entrada foram expostas duas estátuas de bandeirantes e a tela Os Primeiros Povoadores. Ao dar lugar a esses personagens históricos, Afonso Taunay procurou destacar os ciclos da caça ao índio e da devassa do sertão, e também da mineração do ouro e de pedras preciosas, representados respectivamente por Antonio Raposo Tavares e Fernão Dias Paes (Taunay, 1937: 57). Assim, no lugar que deveria lembrar D. Pedro I, o ‘príncipe libertador’, foi criado um ambiente capaz de recordar o passado colonial e imortalizar os bandeirantes.

52Para reforçar essa simbologia, ao redor da estátua de D. Pedro I, foram dispostas outras seis estátuas de diversos bandeirantes. Esses deveriam representar as unidades da federação cujos territórios haviam pertencido à antiga capitania, antes de seu desmembramento. Sobre isso, Afonso Taunay (1926: 49) escreveu:

“Assim, escolhi as seguintes figuras: capitais e simbólicas do bandeirismo de São Paulo: Manoel de Borba Gato (Minas Gerais); Paschoal Moreira Cabral (Mato Grosso), Bartholomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (Santa Catarina) e Francisco de Brito Peixoto (Rio Grande do Sul). Em cada pedestal se inscrevem o nome do Estado e a data de sua separação de São Paulo”.

  • 19 Martim Afonso de Souza chefiou a primeira expedição portuguesa ao Brasil com objetivos não só milit
  • 20 João Ramalho é o português que Martim Afonso de Souza encontrou estabelecido na região de São Vicen

53Muito próximo das estátuas estão também alguns quadros, como os de Dom João III e do fidalgo Martim Afonso de Souza – “o rei povoador e seu grande delegado americano da colonização inicial”, bem como de João Ramalho e do cacique Tibiriçá – “os patriarchas europeu e americano dos mais velhos troncos vicentinos” (Taunay, 1937: 57). A instalação de tais figuras históricas tinha o objetivo de simbolizar a era quinhentista de São Vicente, reconhecida como a primeira vila do Brasil.

54Para o diretor do museu, esse espaço deveria recordar o bandeirismo e o processo de formação territorial do Brasil. Assim, os pedestais “foram aproveitados para recordar o bandeirantismo, epsodio culminante da historia nacional, e por assim dizer singular na historia universal. Recorda a expansão brasileira para oeste, sem a qual seria o nosso território um terço do que é (Taunay, 1937: 60).

55No mesmo hall também foram colocados sobre pilares que acompanham a escadaria, grandes vasos de bronze contendo pequenas porções d’água retiradas de alguns rios brasileiros. Os vasos “que ornam motivos faunisticos e floraes eminentemente representativos, como sejam anhumas, jacamins, colheiros, garças, socós, taboas, nymphéas etc” guardam porções de água dos rios “Amazonas, Madeira, Negro, Paraná, Paraguay, Uruguay, São Francisco, Tocantins, Doce, Jaguaribe, Assú, Parnahyba, Carioca, Oyapock, Chuy, Capiberibe Javary” (id., ibid.: 59-60).

56Com a imagem dos rios brasileiros, simbolicamente representados por essas ânforas d’água, Afonso Taunay procurou representar o “conjunto do território nacional” (id., ibid.: 56), conquistado através da navegação de uma imensa rede hidrográfica, idéia que fica mais clara na seguinte citação:

“Assim, não ha circumscrição do territorio nacional que não esteja representada por um curso d’água que lhe rega o solo (...) Ao marco de Cananéa ladeiam os dous vasos que encerram as águas misturadas do Oyapoque e do Chuy e as do Capiberibe e Javary, os rios dos extremos norte e sul, e leste e a oeste do Brasil” (id., ibid.: 60).

57Tal estratégia foi utilizada para demonstrar que o Tietê, um rio do tipo endorreico, fez de seu leito o caminho natural para a conquista territorial, argumento encontrado também em outros historiadores, como Basílio de Magalhães e Ellis Junior. Para eles o destino expansionista do bandeirante é também resultado da natureza do território brasileiro. Esses autores atribuíram ao rio Tietê o papel de orientador do movimento de expansão, o que faria dele a mais importante via de comunicação do país.

58O papel do Tietê no interior do museu, ou seja, a força evocativa do conjunto da águas fluviais, também pode ser notada nos textos de Afonso Taunay, que contribuíram para a transformação do rio num dos principais elementos da tradição bandeirante.

  • 21 Em História Geral das Bandeiras Paulistas, Afonso Taunay exemplificou um trajeto da expansão realiz

No conjunto das vias de penetração do Brasil meridional ignoto e selvagem, nenhuma tem tão longínqua significação quanto a que ao Tietê tão notável realce empresta. Está o nome do grande rio de São Paulo, tributário do Paraná, indestrutivelmente ligado à historia da construção territorial do imenso Brasil ocidental (...) Quando, à margem da ‘água grande’ do Tietê de Piratininga, na antiga várzea de Guarepe, se puseram, pela primeira vez, a meditar acerca do curso provável daquelas massas líquidas, volumosas, que do mar tão perto nasciam e singularmente corriam para o interior das terras, que teria ocorrido à mente dos primeiros povoadores do planalto? Onde iria ter o misterioso caudal? (Taunay, 1976: 7-8).

59Na historiografia paulista o tema Tietê tomou papel fundamental na medida em que foi sendo relacionado à expansão territorial.

“O Tietê identifica-se, em determinado período, com a própria vida-alma e corpo, tradição e progresso, glória e miséria – de São Paulo, ligando-se destarte, inseparavelmente, ao passado brasileiro” (Nóbrega, 1981: 56).

60O conteúdo simbólico sugerido à natureza também pode ser notado quando Afonso Taunay (s/d: 101) escreveu sobre o papel das ânforas no Museu Paulista:

“Ao padrão nacional evocador da glória das bandeiras virá trazer a presença da ânfora de água do Tietê a nota do mais poderoso e poético simbolismo”.

61A mitologia bandeirante alimentou durante décadas uma imagem do território nacional como herança exclusiva das iniciativas dos bandeirantes, ou seja, o mapa do Brasil seria o mesmo desde o período colonial. Tal ideologia foi formulada a partir de uma estratégia que ora omitiu as discussões pela posse das áreas em litígio, principalmente na região norte do país, ora “imputou aos “paulistas” (aparentados diretamente ou imbuídos pelo espírito do planalto de Piratininga) as vitórias diplomáticas ocorridas tempos mais tarde.

  • 22 Para Marcelo Escolar (1990: 7) representação patriótica pode ser considerada como “una forma de int

62O simbolismo presente no acervo do Museu Paulista, aguçado não somente por Afonso Taunay mas também por seus contemporâneos, notado através do culto às dimensões territoriais do Brasil representadas em mapas, passou a designar o papel de receptor e reprodutor de uma representação patriótica que contribuiu para a naturalização das imagens do território nacional.

  • 23 A preocupação de Afonso Taunay em reservar espaços especialmente para a exposição de objetos e imag
  • 24 A quase total ausência de documentação cartográfica produzida durante o período colonial pode ser c

63Para contar a história nacional a partir do território, Afonso Taunay, à moda do que já acontecia no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, dedicou-se ao resgate de uma documentação a respeito da expansão das fronteiras territoriais. Então, preocupado em reunir documentos e juntar provas, talvez por influência de Capistrano de Abreu, Afonso Taunay procurou ampliar as coleções históricas adquirindo um expressivo acervo iconográfico e cartográfico referente à São Paulo. Mas como os bandeirantes, muitos analfabetos, não deixaram documentação sobre os caminhos e roteiros nas expedições pelos territórios desconhecidos, Afonso Taunay, infelizmente, pôde reunir somente documentos e vestígios de uma cartografia paulista mais recente.

  • 25 Em relatório enviado à Secretaria do Interior, Afonso Taunay explicou que, para incrementar as sala

64Aos poucos a sala dedicada à Cartografia Colonial e Documentos Antigos, aberta ao público em 1917, foi sendo enriquecida com a aquisição de diversos mapas de São Paulo. Em 1918, Afonso Taunay inaugurou uma nova sala dedicada ao passado do estado. Mais tarde, em 1922, abriu uma outra sala para também expor documentos e imagens iconográficas que reproduzem o cotidiano de São Paulo Antigo.

  • 26 Paulo Cavalcante de Oliveira Junior exemplifica bem esse fato quando, ao analisar o livro São Paulo

65A repetição como estratégia para a criação de uma tradição também pode ser percebida através da escolha dos temas para a seção histórica do Museu. Se por um lado, Afonso Taunay objetivava encontrar, restaurar, copiar e reconstituir o máximo possível da história de São Paulo, conferindo de certa maneira um alto grau de nobreza e importância, por outro lado utilizava a repetição como estratégia discursiva:

“vale destacar que a repetição de um tema, de um argumento, de uma conclusão, ocorridos dentro de um mesmo livro, em livros correlatos ou em momentos aparentemente insignificantes, conformam uma idéia geral que ganha estatuto de verdade, que cumpre a sua função simbólica de forma explícita, mas especialmente, de forma implícita” (Oliveira Junior, 1994: 21).

  • 27 A falta de material iconográfico suficiente para organizar o acervo do museu e posteriormente para
  • 28 O projeto para execução das estátuas de Fernão Dias Paes Leme e Antonio Raposo Tavares, assim como

66A reforma do museu coordenada por Afonso Taunay demonstrou a capacidade do diretor em trabalhar com episódios históricos conciliados com a criação de símbolos. Prova disso é a maneira como ele repetiu certas situações e personagens, o empenho com que selecionou e organizou o material iconográfico, a maneira como imaginou certos quadros históricos, encomendados e realizados com certa distorção. Afonso Taunay, muito consciente da importância do mito e da ação educativa de um museu, tanto pela sensibilização do visitante como pelo número total de freqüentadores do espaço, buscou um elemento que pudesse, no interior da instituição, representar o povo paulista nas suas maiores virtudes. E assim, a partir do uso de uma imagem inventada – o bandeirante paramentado com gibão e botas –, o diretor contribuiu para a formação da imagem do expansionista que hoje povoa o imaginário de tantos brasileiros.

  • 29 A geração de políticos e intelectuais que estiveram presentes nas comemorações de setembro de 1922, grupo do qual fazia parte Afonso Taunay, foi uma geração marcada pela criação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894). Os sócios do Instituto, influenciados pela historiografia positivista, procuraram documentar os fatos e acontecimentos da Capitania de São Vicente no século XVI. Essa versão oficial da história de São Paulo tem em Theodoro Sampaio, Orville Derby, Benedito Calixto e Antonio Toledo Piza seus maiores representantes (ELIAS, 1996).

    Qual a importância dos bandeirantes para delimitação do território?

    Riquezas e escravos As Entradas e Bandeiras foram expedições organizadas para explorar o interior com o propósito de procurar riquezas minerais, tais como ouro, prata e pedras preciosas. Objetivavam também caçar e apresar índios para escravizá-los.

    Qual foi a importância dos bandeirantes para o território brasileiro?

    A ação dos bandeirantes foi da maior importância na exploração do interior brasileiro, bem como na manutenção da economia da colônia, fosse pelas suas consequências para o comércio, fosse porque a captura de indígenas fornecia mão de obra para a agricultura, principalmente cana-de-açúcar.

    Qual a importância dos bandeirantes para o crescimento das fronteiras do Brasil colonial?

    Por meio da ação dos bandeirantes, grandes regiões auríferas e diamantíferas foram encontradas em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Em pouco tempo, a Coroa Portuguesa interveio no controle dessas mesmas regiões ricas em metais e pedras preciosas.

    Qual é o principal objetivo dos bandeirantes?

    Apesar de o apresamento indígena ser o principal objetivo dos bandeirantes, a busca por metais preciosos também era realizada. Por meio dessas prospecções, as primeiras regiões ricas em ouro foram descobertas no final do século XVII.