São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

Luísa Brehm Santana e Pâmela Rodrigues Pereira

Porto Alegre, 2020

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo analisar como a humanização do cuidado é realizada pelos profissionais de enfermagem antes e durante a pandemia de COVID-19, a percepção dos mesmos quanto a este tema, as consequências e dificuldades vivenciadas no cenário atual e a apresentação de estratégias para superá-las. Trata-se de um estudo qualitativo observacional com enfermeiros e técnicos de enfermagem maiores de 18 anos residentes no Brasil através de um questionário eletrônico. Obtivemos 16 respostas, com 16 (100%) do sexo feminino, 9 (56,3%) técnicas de enfermagem e 7 (43,8%) enfermeiras. Tendo em vista a atual situação sanitária do Brasil, as entrevistadas concordam que a humanização é muito importante, entendendo-a como atendimento integral aos pacientes. As principais ações de humanização realizadas por elas são comunicação e olhar o paciente como um todo. Os principais problemas relatados foram sobrecarga de trabalho, má distribuição das equipes, falta de insumos e de educação continuada e medo da contaminação. As principais estratégias para a humanização durante a pandemia foram redimensionamento da equipe, cuidado aos profissionais, educação continuada e melhores condições de trabalho. Pode-se concluir que uma boa gestão é essencial, bem como o sentimento humano dos profissionais, para tornar o cuidado oferecido mais humanizado.

ABSTRACT

This study aimed to analyze how the humanization of care is performed by nursing professionals before and during the COVID-19 pandemic, their perception about this topic, the consequences and difficulties experienced in the current scenario and strategies to overcome them. This is a qualitative observational study with nurses and nursing technicians over 18 years old residing in Brazil through an electronic questionnaire. We obtained 16 responses, with 16 (100%) females, 9 (56.3%) nursing technicians and 7 (43.8%) nurses. Considering the current health situation in Brazil, the interviewed agree that humanization is even more important, understanding it as comprehensive care for patients. The main humanization actions performed by them are communication and looking at the patient as a whole. The main problems reported were work overload, poor team distribution, lack of supplies and continuing education and fear of contamination. The main strategies for humanization during the pandemic were team resizing, caring for professionals, continuing education and better working conditions. It can be concluded that good management is essential, as well as the human feeling of the professionals, to make the care offered more humanized.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 OBJETIVO

3 METODOLOGIA

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 O que é humanização do cuidado para os profissionais de enfermagem

4.2 Formação para o cuidado humanizado

4.3 Humanização do cuidado na prática dos profissionais

4.4 Desafios para a humanização do cuidado na pandemia de COVID-19

4.5 Estratégias para possibilitar a humanização do cuidado

5 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

ANEXO 1

1 INTRODUÇÃO

De acordo com a Política Nacional de Humanização (PNH), “a humanização é a valorização dos usuários, trabalhadores e gestores no processo de produção de saúde” [1]. Num ambiente como os hospitais, onde encontra-se uma variedade de pacientes com inúmeras comorbidades, é necessária a implantação de métodos eficientes para alcançar essa humanização.

A discussão sobre este tema na enfermagem requer a compreensão de que o mesmo é um conceito ampliado, que pode variar desde uma escuta atenta, uma boa relação profissional-usuário — incluindo tanto o paciente quanto o familiar — à reorganização dos processos de trabalho, a criação de ouvidorias, até a melhoria das estruturas do serviço [2]. Para tanto, torna-se necessário estender essa discussão a uma visão integral e humanística, respeitando a individualidade, valorizando as crenças, a comunicação e estando presente na relação de cuidado. O profissional de saúde deve oportunizar uma maior autonomia ao paciente, a ampliação da sua capacidade de transformar a realidade em que vivem, através da responsabilidade mútua, criando vínculos com o paciente e participação coletiva nos processos de gestão e de produção de saúde.

A enfermagem se apresenta como um encontro entre o ser que cuida e o ser cuidado [3] e seus profissionais, que atuam na linha de frente do atendimento à saúde, estando diretamente em contato com os pacientes em tempo integral, devem receber uma formação com o objetivo de humanizar o cuidado oferecido. Nesta formação, o aprendizado é baseado na literatura e nas evidências científicas, que mostram que a humanização é este meio de suavizar as consequências do sistema, caracterizando o cuidado como uma relação inter-humana de ajuda, percebendo o paciente como alguém que, além das necessidades biológicas, é agente biopsicossocial e espiritual, com direitos e dignidade a serem respeitados [4, 5].

No entanto, na prática muitos desafios são enfrentados por estes profissionais, como falta de recursos, dificuldade em lidar com o sofrimento, dinâmica da unidade de trabalho, dificuldade na comunicação e sobrecarga de trabalho [6], resultados da sociedade líquida em que vivemos [7]. Isso provoca um grande contraste entre teoria e prática, o que pode gerar frustração ao acadêmico e aos profissionais desta área [8].

A enfermagem carrega um estigma de mau-humor, relacionado a relatos de pacientes e familiares que passaram por más experiências no seu atendimento, o que vem sendo mudado nos últimos anos[9].

Em março de 2020 a OMS declarou a pandemia pela COVID-19 [10]. Devido ao elevado risco de transmissibilidade da doença, houveram mudanças na forma de ofertar cuidado aos pacientes em todos os âmbitos da rede de atenção à saúde. Por conta disso, nos encontramos atualmente num novo cenário social e sanitário, causado pela pandemia, que traz, portanto, novos desafios e consequências ao processo de humanização do atendimento.

A partir disso, percebe-se a importância de tratar do tema humanização do cuidado, compreendendo como ela é realizada na prática e sua importância no tratamento do paciente, pois “precisamos abordá-lo a partir dos diferentes cenários possíveis, de acordo com os recursos e limitações das instituições, porque tudo deve ter um limite, com claras intenções de favorecer o cuidado” [11].

2 OBJETIVO

O presente trabalho tem por objetivo analisar como a humanização do cuidado é realizada pelos profissionais de enfermagem antes e durante a pandemia de COVID-19, a percepção dos mesmos quanto a este tema e as consequências e dificuldades vivenciadas no cenário atual. A partir disso, objetiva-se também apresentar estratégias para superar as dificuldades, reforçando a importância de buscar a realização de um cuidado humanizado e centrado no paciente através de uma formação sólida.

3 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo observacional. A população do estudo é formada por enfermeiros e técnicos de enfermagem maiores de 18 anos residentes no Brasil.

Para analisar a percepção dos profissionais de enfermagem sobre o cuidado humanizado, foi realizado um formulário online através da plataforma Formulários Google, obtendo variáveis sociodemográficas e questões referentes à humanização, incluindo o que é humanização, percepção sobre a formação acadêmica sobre o tema, ações, problemas e estratégias para a oferta de cuidado humanizado (Anexo). As respostas foram obtidas entre os dias 16 e 24 de setembro de 2020.

Além disso, foi feita uma pesquisa bibliográfica para obter conhecimento do que encontra-se na literatura a respeito do tema, buscando artigos nas bases de dados PubMed e Scielo.

A análise dos dados foi realizada através da leitura das respostas dos profissionais, sendo, então, estas posteriormente comparadas aos achados da literatura sobre o assunto.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

No processo de coleta de dados, 16 pessoas responderam integralmente ao formulário. Dentre os entrevistados, 16 (100%) pertencem ao sexo feminino, 6 (37,5%) têm entre 31 e 40 anos, 9 (56,3%) são técnicas de enfermagem, 7 (43,8%) são enfermeiras e 13 (81,3%) trabalham atualmente na enfermagem. As entrevistadas residem em localizações diversas do Brasil: municípios do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Gravataí, Alvorada, Canoas e Bom Retiro do Sul), São Paulo (São Paulo e Jundiaí), Rio de Janeiro e Distrito Federal (Brasília).

Na Tabela 1, encontram-se os dados da caracterização da amostra e na Tabela 2 área e nível de atuação.

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

A partir das respostas às perguntas do formulário, foi possível elencar as seguintes categorias: “O que é humanização do cuidado para os profissionais de enfermagem”, “Formação para o cuidado humanizado”, “Humanização do cuidado na prática dos profissionais”,“Desafios para a humanização do cuidado na pandemia de COVID-19” e “Estratégias para possibilitar a humanização do cuidado”.

4.1 O que é humanização do cuidado para os profissionais de enfermagem

Na literatura, encontram-se diversas formas de explicar o conceito de cuidado humanizado, porém é de extrema relevância considerar a percepção das entrevistadas da presente pesquisa acerca do tema, com o intuito de comparar o olhar prático com o teórico-literário. Com este objetivo, foi incluída uma questão com o enunciado do presente subtítulo.

As entrevistadas entendem por cuidado humanizado o atendimento integral, respeitando as crenças e valores dos pacientes. Um cuidado visado no bem estar, na empatia com quem está debilitado, tentando deixá-lo o mais confortável possível e amenizar ao máximo o seu sofrimento. E, de todas estas profissionais, 16 (100%) acreditam que a humanização é importante para o tratamento e desfecho do paciente, como pode ser percebido nas seguintes respostas:

“Entendo que humanização do cuidado consiste em enxergar o paciente além da doença, buscando proporcionar um ambiente seguro, com tratamento individualizado, onde este sinta-se confortável para expor seus medos, dúvidas e ansiedades, bem como confiante e seguro com os cuidados que recebe.”

“Tratar o ser humano na sua individualidade, respeitando suas decisões e crenças, tendo em vista que o outro é muito mais que o objeto do seu cuidado, ele é um indivíduo com todas as complexidades.”

“Devemos ter consciência da carência e necessidade de cada paciente. Fazer o bem sem olhar a quem, como queremos ser tratados.”

De acordo com as respostas obtidas, foi possível perceber que existe entre elas uniformidade em relação ao significado do termo “cuidado humanizado”, e que, para as entrevistadas, há relação entre o que o termo é na teoria e também na prática, o que vai de encontro com o encontrado na literatura [2, 4, 6].

As profissionais mostraram-se informadas e sensíveis ao assunto quando citaram palavras e frases como “individualidade”, “enxergar o paciente além da doença”, “conforto” e “consciência”. Nota-se como estas enfermeiras e técnicas de enfermagem compreendem a importância da existência de uma comunicação ativa com o paciente, não somente no momento de explicar os procedimentos ou tratamentos, mas também no momento de ouvir o que este paciente ou familiar tem a dizer, lembrando de sua individualidade, medos, dúvidas, crenças e formação, bem como a importância da comunicação não-verbal: olhar nos olhos, tocar, demonstrar que se importa com o sofrimento alheio.

4.2 Formação para o cuidado humanizado

Nas universidades ainda não existe uma política de incentivo à conscientização da necessidade de cuidado humanizado, embora esta seja uma competência para os cursos da área da saúde [11]. Portanto, nesse trabalho considerou-se a importância de conhecer a opinião de pessoas já formadas e atuantes em relação à formação acadêmica relacionada à humanização do cuidado, questionando-as quanto a relação teórico-prática e se o conteúdo aprendido na sala de aula é o suficiente para, na prática, prestar tal cuidado.

As respostas obtidas nesta questão foram discordantes, mas em sua parte majoritária, as participantes discordam que a formação acadêmica é suficiente para prestar um cuidado humanizado:

“Não, além da formação acadêmica é necessário que tanto o profissional como a organização tenham a humanização como pilar, assim é possível desempenhar um cuidado humanizado com foco em entrega de valor ao paciente.”

“Não, isso não se aprende na faculdade, mas sim na vida, na experiência, em se colocar no lugar do outro.”

“Não. Muitas vezes somos levados a enxergar o outro apenas como objeto da nossa prática, uma veia para puncionar, uma sonda para passar.”

“Não, pois precisaria de formação humana, sociológica, filosófica, geralmente não é muito atrativa aos estudantes.”

Quanto às que concordaram com a questão, estas, embora acreditem que a formação é suficiente, relatam que é necessária a continuidade desta formação após a vida acadêmica.

“Sim, a formação acadêmica se mostra suficiente, no entanto é necessário que haja continuidade dessas ações para que nos anos conseguintes o profissional não seja afetado pelo dia-a-dia do trabalho e pelas dificuldades que existem no trabalho em saúde (precarização, assédio moral, etc).”

“Acredito que sim, mas cursos de educação continuada sobre esse assunto são sempre bons ao longo dos anos em que se está trabalhando”.

Através dos resultados obtidos nestas duas questões, nota-se que, apesar do bom entendimento das profissionais acerca do que é o cuidado humanizado, há uma carência na formação por parte das instituições de ensino, seja por uma formação insuficiente ou pela falta de continuação da formação. Algumas profissionais relatam que a formação é mais técnica do que humana, visando com maior empenho o ensino de práticas, normas e procedimentos, e esquecendo-se de colocar o mesmo empenho no “cuidar” em si. Em contraponto, outras participantes acrescentam que esse tipo de aprendizado não se aprende em instituições, e sim na prática.

Aqueles que concordam que a formação acadêmica é suficiente também acreditam que ainda falta algo: a continuidade desta formação.

4.3 Humanização do cuidado na prática dos profissionais

Dentre as 16 entrevistadas, 13 (81,3%) acreditam prestar um cuidado humanizado, mas 3 (18,8%) acreditam que talvez prestem esse cuidado. Para buscar entendê-las melhor, perguntamos quais ações elas praticam que contemplam a humanização no seu local de trabalho, destacando-se as seguintes respostas:

“Segurança nos processos realizados, escuta ativa, cuidado individualizado, buscar compreender o que mais incomoda o paciente e como poderia ajudá-lo e mesmo que não esteja sob minha alçada, sempre busco chegar o mais próximo possível da resolução e oferecer informações e/ou intermediar junto a outras áreas.”

“Mesmo que o meu paciente esteja inconsciente, eu converso com ele, explico cada procedimento que será feito, é um jeito de tentar interagir com ele para que ele lute pela vida e se recupere mais rápido. Porque tem pessoas que estão ali a todo instante se esforçando e orando pela sua melhora.”

“Estou sempre aberta para as demandas dos pacientes, envolvendo os familiares no cuidado.”

“Visão da pessoa como um todo, escuta qualificada e ativa, recepção sempre calorosa e amigável, consideração de todas as suas demandas como importantes, resolutividade dos seus problemas.”

“Ouvindo, dispondo de tempo, atenção, me importando com o que importa para o paciente, que às vezes não tem nada a ver com o motivo da internação”.

“Escuta ativa, respeito na hora do toque.”

Como pode ser percebido nas respostas acima, a comunicação foi citada pela maioria das profissionais como uma ação que contempla a humanização. A comunicação é essencial pois torna possível compreender e analisar a situação do paciente [3, 12], o que possibilita um cuidado mais direcionado para as necessidades do mesmo. A partir da realização de uma escuta ativa, o paciente pode sentir-se à vontade para expressar suas dúvidas e preocupações e, com isso, cooperar de forma mais participativa no seu tratamento. É importante ressaltar que essa comunicação deve ser clara e recíproca, visando o entendimento da informação transmitida por parte do paciente, o que é um indicador de qualidade nos serviços [12, 13].

Além disso, percebe-se que a empatia está representada nos exemplos das entrevistadas. Ela é um instrumento valioso, pois, quando o profissional se coloca no lugar do outro, “passa a agir de acordo com seus mais íntimos valores e ideais, qualificando o cuidado prestado” [12], sendo possível compreender mais de perto a realidade do paciente. É importante ressaltar que deve haver um equilíbrio, sendo a empatia “uma complementaridade para com o outro, e não uma absorção da realidade deste outro” [14], para não levar o profissional a uma sobrecarga emocional.

Também evidencia-se o olhar para o paciente como um todo, que é um “fator preponderante no contexto da humanização, sendo essencial no cuidado ao ser humano” [6], a fim de compreender o paciente além do momento em que ele se encontra, como uma pessoa que possui ideais, família, diversas experiências e outras preocupações. Com isso, é possível ver e tratar o paciente em uma perspectiva biopsicossocial e espiritual e prestar um cuidado individualizado, focado nas necessidades específicas do mesmo.

Juntamente com esses aspectos, incluir a família no cuidado é de extrema importância, como citado em uma das respostas, pois torna-os parceiros ativos nesse processo [6], fazendo-os compreender a situação do paciente e auxiliando o mesmo para melhor evolução e desfecho, além de buscar garantir a continuidade do cuidado.

4.4 Desafios para a humanização do cuidado na pandemia de COVID-19

Em relação à situação sanitária anterior à pandemia de COVID-19, os problemas mais relatados pelos profissionais foram excesso de carga de trabalho, número reduzido de profissionais, ambientes pouco acolhedores e seguros, desvalorização da categoria, falta de insumos e realização de tarefas que não são da enfermagem. Além disso, pouco tempo para dedicar-se ao atendimento ao paciente, falta de formação sobre o cuidado humanizado e falta de formação em virtudes e valores também foram citados. Destaca-se as seguintes respostas:

“Precarização do trabalho, assédio moral por parte dos gestores, más condições de trabalho e estrutura do local de trabalho, carga horária pesada, exigências do serviço de saúde em demasia, falta de motivação e estímulo para realização de trabalho de qualidade.”

“Alta demanda de trabalho, falta de insumos, ambientes não seguros, entre outros.”

“Falta de conhecimento relacionado ao cuidado humanizado. Até porque esse cuidado ganhou mais “força” de uns anos pra cá. Muitos profissionais mais velhos não sabem direito como funciona.”

“Desvalorização da categoria, sem piso salarial, sem respaldo jurídico para algumas práticas.”

A partir disso, percebe-se que sobrecarga de trabalho e a baixa remuneração são fatores que dificultam a humanização do cuidado pelos profissionais de enfermagem. Isso porque eles levam a insatisfação dos profissionais, “refletindo diretamente na sua forma de assistir o paciente, tornando essa assistência mecânica e desumanizada” [6].

Nota-se também problemas relacionados à estrutura do ambiente de trabalho e falta de insumos. A partir disso, é possível perceber que, além de aspectos próprios do profissional, da comunicação e da empatia, o ambiente de trabalho também influencia na humanização do cuidado, pois está relacionado com a motivação, conforto e comportamento da equipe, o que afeta diretamente a assistência prestada [6].

Além disso, percebe-se que o conhecimento sobre a humanização do cuidado e uma formação continuada nem sempre acontecem na prática. Reforça-se a importância de incluir o ensino teórico e prático da humanização na graduação e na formação técnica, além de atualizações sobre o tema na assistência, para aprimoramento das habilidades dos profissionais ao longo dos anos, como citado no item 4.2 deste trabalho.

Também foi citado nas respostas a realização de tarefas que não são da enfermagem. Os profissionais de enfermagem muitas vezes ficam responsáveis por questões burocráticas em seus ambientes de trabalho. A burocracia pode dificultar a prestação do cuidado humanizado, pois os profissionais, em especial os enfermeiros, acabam ficando afastados da atenção direta aos pacientes por estarem sobrecarregados com questões burocráticas e gerenciais, o que pode tornar a assistência de enfermagem fragmentada e mecanizada [6].

Quanto à situação sanitária atual de pandemia de COVID-19, as respostas trouxeram dificuldades diferentes. Os problemas mais citados foram falta de insumos e equipamentos de proteção individual (EPIs), excesso de trabalho, carga horária elevada, exaustão e medo de se contaminar, como pode ser observado nas respostas abaixo.

“Diminuição do número de profissionais e a má distribuição dos mesmos.”

“Medo de se contaminar, dificulta a aproximação, o chegar perto… Perda de tempo com higienização.”

“Acredito que seja a falta de paciência dos colegas, falta de empatia e muita pressão. Principalmente quem trabalha na emergência e nas UTIs, sem falar que falta materiais e EPIs. É muito estresse que acaba dificultando a interação entre profissionais e pacientes.”

“Falta de insumos em alguns contextos, medo, distanciamento no cuidado com o paciente.”

“Os paramentos usados pelas equipes de saúde, a falta de conhecimento sobre a doença, e uma tendência que temos de reduzir o paciente a sua comorbidade. Entramos no leito e vemos doentes não o Sr fulano de tal, pai do fulano, esposo da fulana, etc…”

“Não poder realizar o toque terapêutico, e sem respaldo para aplicar certas práticas Integrativas de Saúde.”

Além dos problemas já enfrentados anteriormente, na pandemia os profissionais estão trabalhando com ainda mais desafios. Um grande desafio é buscar oferecer o cuidado humanizado com o maior nível possível diante dessas novas dificuldades, como o distanciamento e o uso de EPIs, que tornam-se desconfortáveis quando usados por longos períodos [15]. Esses fatores podem prejudicar a humanização, ao mesmo tempo que são necessários para proteção dos profissionais, dos pacientes e para a saúde pública.

Especialmente nas UTIs, os pacientes com COVID-19 ficam em quartos de isolamento, sem poder receber visitas, então os profissionais de saúde tornam-se ainda mais essenciais, por serem as únicas pessoas com quem os pacientes estão tendo contato durante esse período difícil. A distância necessária, diminuindo a realização do toque terapêutico, e o uso de máscara e óculos de proteção atrapalham a comunicação com o paciente, podendo limitar sua percepção da presença e desumanizar em certa medida o acompanhamento [16]. Dor, medo, solidão e a percepção do sofrimento familiar são alguns dos sentimentos dos pacientes [16], que também devem ser percebidos e abordados pelos profissionais em seu cuidado.

Além disso, o medo e a pressão são fatores muito importantes, pois os profissionais estão enfrentando uma doença nova, da qual as complicações e tratamento estão sendo descobertos. Fadiga por conta dos longos turnos de trabalho e medo de se contaminar e contaminar seus familiares são frequentes [15]. A falta de insumos pode agravar a sensação de medo, tanto pela falta de EPIs e menor proteção dos profissionais, quanto pelo número de leitos e disposição de aparelhos e medicamentos necessários para o tratamento dos pacientes, que gera preocupação, pressão e esgotamento na equipe.

Tudo isso leva a um elevado nível de estresse e exaustão, por isso, ao falar sobre a humanização do cuidado no período de pandemia, também deve ser uma preocupação o bem-estar psicológico dos profissionais de enfermagem [15].

4.5 Estratégias para possibilitar a humanização do cuidado

Percebe-se que os profissionais vivenciam diariamente problemas que dificultam a realização de um cuidado humanizado. A partir disso, é importante pensar no que pode ser feito para superar os problemas e possibilitar a humanização no cuidado prestado. Por isso, foi perguntado às profissionais estratégias que poderiam ser realizadas para superar esses problemas.

As sugestões mais frequentes foram redimensionamento da equipe, cuidado e apoio aos profissionais, educação continuada, capacitação dos profissionais e melhores condições de trabalho, incluindo o local de trabalho, salário adequado e carga horária. Pode-se perceber as principais estratégias sugeridas através de algumas respostas citadas a seguir:

“Capacitação do profissional; proporcionar um ambiente de trabalho saudável e acolhedor;”

“Quantitativo de profissionais, insumos em grande escala, salários adequados.”

“Acredito que tornar o cuidado humanizado como um dos pontos principais preconizados na assistência de enfermagem, modificando um contexto baseado na doença e transformando em modelo baseado em valor, ou seja, assistência voltada à entrega de melhores desfechos que importem ao paciente.”

Notou-se, através de grande parte das respostas, que, para amenizar os desafios existentes na humanização do cuidado, acredita-se que é necessário, primeiramente, cuidar do profissional. Em uma sociedade “líquida” — como adjetiva Bauman, sugerindo que hoje tudo é liquefeito e volúvel — o trabalho muitas vezes faz do homem uma máquina em sua busca por instantaneidade e lucro.

Bauman também fala sobre a irrelevância do espaço, referindo-se à problemática levantada por ele mesmo quando afirma que, atualmente, “o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhe toca ocupar” [7], ou seja, a grande demanda de tarefas, pacientes, procedimentos e etc, que precisam ser feitos dentro de um plantão, que por vezes acaba sendo curto para tanto, fazem com que o profissional se preocupe em cumpri-las, não sobrando, todavia, tempo para ocupar o seu espaço de cuidador, de ser humano. E pode-se confirmar isso nas seguintes sugestões retiradas do formulário:

“Quadro de funcionários adequado conforme a demanda do setor, focar o trabalho da enfermagem na assistência de pacientes que está se perdendo em rotinas impostas pelas instituições.”

“Pensar no cuidado primeiro dos profissionais, ter uma boa rede de apoio psicológica para poder ajudar o outro.”

Ademais, as participantes também sugerem soluções mais práticas, como as abaixo:

“Poderia ter mais informações sobre esse assunto disponíveis no hospital.”

“Trazer a sensibilidade de cada um à flor da pele, fazendo-os sentir-se no lugar do paciente em algum momento.”

“Máscaras com materiais transparentes para que as pessoas consigam ver suas fisionomias, e o perpétuo exercício da empatia.”

No contexto atual de pandemia por COVID-19, foi necessário adicionar ainda mais barreiras de proteção — máscaras em todas as situações, luvas e até o próprio impedimento do toque físico -, tudo isso constrói barreiras também entre a comunicação do profissional com o paciente, e vice-versa. Por isso, torna-se extremamente importante a implementação de métodos como os acima citados.

Com isso, foi possível perceber a importância de um quadro de profissionais adequado, para possibilitar menor sobrecarga de trabalho, ambiente de trabalho e salário adequados, além de apoio psicológico. Essas demandas trazidas pelos profissionais seriam incumbências das gestões, mostrando a importância de buscar melhorias para os profissionais pelos quais a gerência é responsável, a fim de aprimorar o cuidado oferecido aos pacientes através de melhores condições de trabalho.

Além disso, tendo em vista que a gerência não é a única responsável pela melhora das condições de trabalho e do cuidado ofertado, também é necessário incentivar ações pelos profissionais. Para isso, sugere-se a realização de formações envolvendo temas como humanização, empatia, relações interpessoais, sofrimento, comunicação terapêutica para os profissionais de enfermagem, a fim de fomentar a busca de conhecimento e atualizações sobre o tema e incentivar a autonomia dos profissionais, fazendo-os perceber que, apesar das dificuldades enfrentadas nas instituições, que são situações que devem ser melhoradas, eles podem aperfeiçoar o cuidado prestado, lembrando do papel importante que têm no processo de recuperação dos pacientes que ficam sob seus cuidados.

5 CONCLUSÃO

A partir deste trabalho, foi possível perceber que as profissionais de enfermagem entrevistadas têm uma boa percepção do cuidado humanizado, alinhado com o que encontra-se na literatura. Para elas, a humanização é parte essencial do trabalho. Além disso, pode-se observar as diversas ações que essas profissionais realizam para humanizar o cuidado que oferecem aos pacientes, como escuta ativa, empatia e olhar biopsicossocial para o paciente.

Em relação à formação, encontrou-se divergências de opinião, mas pode-se concluir que é necessário ter uma formação continuada sobre cuidado humanizado, alinhando a teoria à prática na graduação, no curso técnico e nos locais de trabalho para os profissionais que já exercem a profissão.

Foi possível perceber diversos problemas que as profissionais vem enfrentando no período de pandemia, juntamente com as dificuldades já vivenciadas no período anterior à pandemia, destacando-se sobrecarga de trabalho, má distribuição das equipes, falta de insumos, exaustão, falta de educação continuada e medo da contaminação.

A partir disso, é possível concluir que muitas estratégias podem e devem ser tomadas para que a humanização do cuidado de enfermagem ocorra em todas as esferas do cuidado, como formação continuada, melhores condições de trabalho e atenção à saúde psicológica dos profissionais. Para tal, sugere-se a realização de ações no âmbito de gestão e no âmbito biopsicossocial.

É importante ressaltar que, por vivenciarem diversas experiências, os profissionais também precisam de amparo, especialmente psicológico. Além disso, embora uma boa gestão e a formação continuada sejam essenciais, destaca-se que o sentimento humano dos profissionais é de extrema importância para determinar a dedicação no cuidado oferecido, de forma que ele seja mais humanizado dentro dos recursos disponíveis, buscando oferecer o melhor para o paciente.

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[12] Chernicharo Isis de Moraes, Freitas Fernanda Duarte da Silva de, Ferreira Márcia de Assunção. Humanização no cuidado de enfermagem: contribuição ao debate sobre a Política Nacional de Humanização. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2013 Aug; 66( 4 ): 564–570. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672013000400015&lng=en. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000400015.

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ANEXO 1

Formulário para profissionais de enfermagem

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

São exemplos de ações de enfermagem que reforçam o cuidado humanizado?

Quais são as práticas de enfermagem para um cuidado humanizado?

Confira os principais deles!.
1 – Seja cordial e próximo no dia a dia. ... .
2 – Garanta a devida atenção para a humanização na enfermagem. ... .
3 – Priorize a organização de horários e de agenda. ... .
4 – Escute o que o paciente tem a dizer. ... .
5 – Respeite as dificuldades enfrentadas. ... .
6 – Tenha empatia pelo paciente..

Quais são as atitudes envolvidas no cuidado humanizado?

O que é atendimento humanizado?.
Entender o sofrimento do paciente. ... .
Satisfação dos pacientes. ... .
Ética profissional. ... .
Tratamento individualizado. ... .
Cuidado realizado com empatia. ... .
Respeito à intimidade e às diferenças. ... .
Infraestrutura adequada. ... .
Oferecer vários canais de atendimento..

O que é assistência de enfermagem humanizada?

O que significa humanização na enfermagem? Humanização na enfermagem é o efeito de olhar para um paciente em uma perspectiva mais integrada e completa e não apenas para as questões clínicas e assistenciais envolvidas no processo do adoecimento.

Quais são os tipos de humanização?

O atendimento humanizado acontece quando há:.
ética profissional;.
tratamento individualizado;.
cuidado realizado com empatia, atenção e acolhimento integral;.
escuta atenta e diferenciada, com olhar sensível para as questões humanas;.
respeito à intimidade e às diferenças;.