Competência absoluta - regra criada com base no interesse preponderante das partes.

O artigo 62 do Código de Processo Civil (CPC) 2015 apresenta a competência absoluta ao determinar ser inderrogável, por convenção das partes, a competência estabelecida em razão da matéria, da pessoa ou da função. Esse dispositivo apresenta forte semelhança com o que era disposto na primeira parte do artigo 111 do CPC/1973, ocorre que o CPC/2015 apresenta maior intelecção ao substituir a locução "em razão da matéria e da hierarquia" por uma linguagem mais técnica, especificando que a regra é fixada "em razão da matéria, da pessoa ou da função".

Entretanto, há quem defenda que a redação do supramencionado dispositivo no novo Código segue tão incompleta ou imprecisa quanto a do anterior, pois repete que tais tipos de competências são inderrogáveis "por convenção das partes", omitindo laconicamente que são inderrogáveis também pela reunião das demandas conexas. Interpreta-se das redações dos artigos 102 do CPC/1973 e 54 do CPC/2015 que os critérios de modificação pela conexão ou pela continência também não afetam a competência absoluta, pois nesta há um interesse público de que determinada causa seja processada e julgada em uma comarca ou instância específica1.

Nesse mesmo sentido, pronuncia-se consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao firmar que: "nos termos da jurisprudência desta Corte, a reunião de ações, em virtude de conexão, não se mostra possível quando implicar alteração de competência absoluta2". Em outro julgado: "a eventual existência de conexão entre demandas não é causa de modificação de competência absoluta, o que impossibilita a reunião dos processos sob esse fundamento3".

É em consideração à questão de ordem pública que subjaz na determinação das regras de competência absoluta que as partes podem requerer seu exame a qualquer tempo, o juiz pode declarar-se incompetente de ofício (art. 64, §1º, CPC/2015) e a decisão transitada em julgado proferida por juiz absolutamente incompetente é passível de impugnação por ação rescisória (art. 966, II, CPC/2015).

Nesse contexto, além dos dispositivos constitucionais que versam sobre a competência originária de tribunal superior, órgão com função jurisdicional ou ainda aquelas que fixam a competência da justiça federal, são exemplos de competência absoluta as regras do CPC/2015 para as ações em que há participação de ente federal no processo (art. 45) e também as regras para as ações fundadas em direito real sobre imóvel (art. 47). A competência inderrogável constitui reflexo das razões relacionadas ao correto exercício da jurisdição e do bom funcionamento do Poder Judiciário.

O caput do artigo 63 do Diploma, praticamente repete a redação do trecho final do artigo 111 do CPC/1973, prevê que "as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações".

Como a lei não dispõe em sentido contrário e não há jurisprudência consolidada em outra direção, a partir do art. 63 que permite eleição de foro, a doutrina define que as competências em razão do valor e do território são relativas. Todavia, o ordenamento processual brasileiro ainda prevê algumas competências territoriais absolutas - como os §§ 1º e 2º do art. 47, CPC/20154 - e competências absolutas fixadas em razão do valor da causa, a exemplo das competências das varas já instaladas dos Juizados Especiais Federais Cíveis (§ 3º do art. 3º, Lei nº 10.259/2001).

Nessa perspectiva, o §1º do artigo 63 do atual código prevê que não produz efeito a eleição de foro que for realizada em mero acordo verbal ou, quando escrita, não aludir expressamente a qual negócio jurídico se refere. Não podendo, pois, ser firmada de forma genérica e abstrata. Diante disso, o parágrafo seguinte dispõe que a eleição do foro é norma que ganha força cogente em relação aos herdeiros e sucessores das partes, podendo ser derrogada tão somente em hipótese de abusividade - prevista no parágrafo subsequente - ou nos casos previstos em legislação extravagante, como, por exemplo, no Direito do Consumidor.

Sobrevindo manifesta vantagem a uma das partes e excessiva dificuldade ao exercício do direito de defesa pela outra, pode o juiz, de ofício, reputar ineficaz a cláusula de eleição de foro, desde que o faça antes da citação. Nesse caso, o magistrado "determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu" (§3º do art. 63 do CPC/2015). Quando comparado ao artigo 112 do CPC/1973 que versava sobre o mesmo ponto, percebe-se que o atual CPC inovou ao deixar de exigir, como requisito para o reconhecimento da abusividade, que tal cláusula conste em contrato de adesão. Ademais, o novo diploma reputa ser esta cláusula ineficaz, enquanto o anterior a considerava cláusula nula.

Disso se depreende que o pacto entre as partes para a eleição do foro deve ser realizado em situação de equilíbrio técnico, informacional e econômico-financeiro, devendo ser reavaliado em circunstância de excessiva onerosidade ou de difícil exercício dos poderes de participação processual por um dos contraentes. De acordo com o Código Processual vigente, se antes da citação o juiz verificar, nos termos acima, a abusividade da cláusula eletiva de foro, deverá declará-la ineficaz já de ofício e, pela própria dicção legal do supramencionado §3º do art. 64, determinará a remessa dos autos ao juízo de foro de domicílio do réu.

A limitação legal proposta pelo CPC/2015 - ausente no CPC/1973 - sobre o reconhecimento ex officio da abusividade da cláusula de eleição de foro tão somente em momento anterior à citação, tem a seguinte fundamentação lógica: se, devidamente citado, o réu constituir advogado e protocolar sua manifestação defensiva no local onde foi efetivamente proposta a demanda, sem dedicar uma única linha a respeito da dificuldade imposta ao exercício de sua defesa naquele juízo, então, aparentemente, a escolha do foro em questão não lhe resultou tão gravosa ou dificultosa, razão pela qual não haverá o juiz de interferir quanto a esse ponto.

Nesse diapasão é a previsão expressa do §4º do artigo 63 ao impor que depois da citação cabe "ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão" do seu direito de arguir tal matéria e, consequentemente, esta restará prorrogada para o foro onde a ação foi proposta.

Portanto, salvo situações específicas, algumas já mencionadas anteriormente, o artigo 63 do CPC/2015 apresenta como relativa as competências em razão do valor e do território, possibilitando às partes, com a eleição de foro, modificá-las conforme seus interesses privados. Suponha-se, no entanto, que haja o trâmite dessas demandas com uma vinculação atrativa por conexão ou continência, neste caso a prevenção prevalecerá diante da cláusula de eleição de foro? Em resposta à essa questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado jurisprudência no sentido negativo.

No Resp nº 1.294.929/SP, por exemplo, a Quarta Turma do STJ concluiu que "a cláusula de eleição de foro é válida e somente pode ser afastada quando, segundo entendimento pretoriano, seja reconhecida a sua abusividade, a inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Poder Judiciário"5. Verifica-se que, sendo válida a cláusula de eleição de foro estabelecida pelas partes em contrato, ela deverá ser observada para a fixação da competência territorial ou pelo valor da causa, devendo as demandas serem reunidas no foro eleito, independentemente da existência de conexão ou continência entre elas. No mesmo sentido o Resp nº 1.396.958/SP6 e o CC nº 40.879/SP7.

Observe que entre as disposições correspondentes dos Códigos de Processo Civil de 1973 e o de 2015 não há mudanças substanciais, porém, evidencia-se um aperfeiçoamento na redação dos dispositivos do novo Código, apresentando maiores especificidades e intelecção redacional. Nada obstante, faz-se necessário reconhecer que ainda restaram algumas lacunas, como a omissão referente à impossibilidade de prorrogação da competência absoluta também em razão de conexão e continência, que têm sido sanadas pela jurisprudência.

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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. 2016. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Editora Revista dos Tribunais ltda. 3. Ed. em e-book baseada na 3. Ed. impressa. Pág. 154.

2 STJ. CC 142.849/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/3/2017, DJe 11/4/2017.

3 STJ. AgInt nos Edcl no CC 156751/BA. Relator o Min. Antonio Carlos Ferreira. Segunda Seção. Dje: 15.04.2019. No mesmo sentido: STJ. AgInt no REsp 1655993/RO. Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma. Dje: 30.08.2019.

4Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.

§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.

§ 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta.

5STJ. AgInt no AgInt no RESp nº 1.294.929/SP. Relator o Min. Marco Buzzi. Quarta Turma. DJ: 08.11.2018.

6 STJ. EDcl no REsp nº 1.396.958/SP. Relator o Min. João Otávio de Noronha. Terceira Turma. DJ: 15.03.2016.

7 STJ. AgRg no CC nº 40.879/SP. Relatora a Min. Nancy Andrighi. Segunda Seção. DJ: 22.12.2004.

Quais são os critérios de competência absoluta?

Em relação aos critérios de fixação, a competência absoluta é fixada em razão da matéria (matéria cível, matéria penal, etc); em razão da pessoa (quando se tratar da parte em si, por exemplo quando a parte tiver alguma prerrogativa de função, determinada pela legislação); e em razão funcional (pela hierarquia do órgão ...

Quais são as regras gerais para a apuração de competência?

Para se fixar a competência interna devem ser empregados três critérios: objetivo, funcional e territorial. O critério objetivo fixa a competência em razão do valor da causa ou da sua natureza, sendo previstos nos arts. 91 e 92 do CPC.

Quais os três critérios principais de fixação da competência?

A competência pode ser fixada pelos seguintes critérios: a matéria tratada, o valor da causa, o funcional, em razão da pessoa (parte) e o territorial. Cada um destes critérios passará a ser analisado agora.

Quando ocorre a incompetência absoluta?

A incompetência pode ser classificada em absoluta ou relativa: a primeira hipótese é rígida, cogente e determinada de acordo com o interesse público, impondo-se sem ressalvas ou moderações decorrentes da vontade das partes; de outro lado, a segunda hipótese - como assinala o próprio nome - já apresenta alguma margem de ...